Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador inteligência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador inteligência. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

As atividades do pensamento nunca resultam em paz

Jiddu Krishnamurti: Pode a humanidade viver sem conflito?... Podemos ter paz nesta terra? As atividades do pensamento nunca resultam em paz.

David Bohm: Do que foi dito, parece claro que a atividade do pensamento não pode produzir a paz: gerar o conflito é algo que lhe é inerente.

JK: Sim, se nós realmente percebêssemos isso, toda a nossa atividade seria totalmente diferente.

DB: Mas o senhor está dizendo então que há uma atividade que não é o pensamento? Que está além do pensamento?

JK: Sim.

DB: E que não só está além do pensamento mas que também não requer a cooperação do pensamento? Que é possível que essa atividade continue quando o pensamento está ausente?

JK: Este é o ponto fundamental. Já discutimos isso muitas vezes: se há alguma coisa além do pensamento. Não alguma coisa santa, sagrada — não estamos falando disso. estamos querendo saber é, existe uma atividade que não seja influenciada pelo pensamento. E DIZEMOS QUE ELA EXISTE. E que essa atividade é a forma SUPREMA DA INTELIGÊNCIA.

DB: Sim; introduzimos agora a inteligência.

JK: Eu sei, eu a introduzi de propósito! A inteligência não é a atividade do PENSAMENTO ASTUTO.

DB: Bem, a inteligência pode utilizar o pensamento, como o senhor já disse muitas vezes. Ou seja, o pensamento pode ser a ação da inteligência — poderíamos nos expressar assim?

JK: Sem dúvida.

DB: Ou poderia ser a ação da memória?

JK: Aí é que está. Também pode ser a ação nascida da memória, e como a memória é limitada, o pensamento é limitado e tem sua própria atividade, a qual então produz o conflito...

DB: Acho que isso se relaciona com o que as pessoas estão dizendo a respeito dos computadores. Cada computador deve, em última instância, estar subordinado a alguma espécie de memória, programada, que é introduzida neles. E deve, por força, ser limitada.

JK: Naturalmente.

DB: Portanto, quando operamos a partir da memória, não somos muito diferentes de um computador; talvez seja o contrário, o computador é que não é muito diferente de nós.

JK: Eu diria que um hindu tem sido programado, durante os últimos cinco mil anos, para ser um hindu; ou, neste país, vocês têm sido programados como um inglês, como um católico ou protestante. Assim, todos somos, até certo ponto, programados.

DB: Sim, mas o senhor está introduzindo a noção de uma inteligência que está livre de programação, que é criativa, talvez...

JK: Sim. Essa inteligência não tem nada a ver com a memória, com o conhecimento.

DB: Ela pode atuar na memória e no conhecimento mas não tem nada a ver com isso...

JK: Isso mesmo. Eu quero dizer: como o senhor descobre se essa inteligência tem alguma realidade e não apenas imaginação ou uma ficção romântica? Para se chegar a isso, é necessário examinar toda a questão do sofrimento, se há um fim para o sofrimento. E enquanto o sofrimento, o medo e a busca do prazer existirem, não pode haver amor.

DB: Temos aqui muitas questões. Sofrimento, prazer, medo, raiva, violência e ganância — tudo isso são respostas da memória.

JK: Sem dúvida.

DB: Não têm nada a ver com a inteligência.

JK: Todos são parte do pensamento e da memória.

DB: E enquanto isso continuar, parece que a inteligência não pode operar no pensamento, ou através do pensamento.

JK: Isso mesmo. Precisamos, portanto, nos libertar do sofrimento.(...) O que é o sofrimento? O significado da palavra é ter dor, aflição, sentir-se completamente perdido, só.

DB: parece-me que não é apenas dor, mas uma espécie de dor muito penetrante, total...

JK: Mas o sofrimento é a perda de alguém.

DB: Ou a perda de alguma coisa importante.

JK: Sim, naturalmente. A perda da minha esposa, de meu filho, de meu irmão, ou do que quer que seja, e a desesperadora sensação de solidão.

DB: Ou simplesmente o fato de que o mundo todo está caminhando para essa situação.

JK: Naturalmente... Todas as guerras.

DB: Isso faz com que todas as coisas percam o sentido.(...) Mas algumas pessoas acham que através do sofrimento elas se tornam...

JK: ... Inteligentes?

DB: Purificadas, como se tivessem passado por um crisol.

JK: Eu sei. Que através do sofrimento você aprende. Que através do sofrimento o seu ego desaparece, se dissolve.

DB: Sim, se dissolve, aprimora-se.

JK: Não é verdade. As pessoas sofreram muito, quantas guerras, quantas lágrimas, sem falar da natureza destruidora dos governos. E o desemprego, a ignorância...

DB: ...Ignorância da doença, da dor, de tudo. Mas o que é realmente o sofrimento? Por que  ele destrói o inteligência, ou a impede? O que acontece?

JK: O sofrimento é um choque;eu sofro, tenho uma dor — eis a essência do "eu".

DB: A dificuldade em relação ao sofrimento é que o eu é que está ali, que está sofrendo.

JK: Sim.

DB: E, de algum modo, esse eu está sentindo realmente pena de si mesmo.

JK: O meu sofrimento é diferente do seu.

DB: Sim, ele se isola. Cria um tipo de ilusão.

JK: Não percebemos que o sofrimento é compartilhado por toda a humanidade.

DB: Sim, mas e se chegássemos a perceber que ele é compartilhado por toda humanidade?

JK: Então começo a questionar o que é o sofrimento. Ele não é o meu sofrimento.

DB: Isso é importante. Para compreender a natureza do sofrimento, preciso me desfazer dessa ideia de que ele é o MEU sofrimento porque, enquanto acreditar que ele é meu, terei uma noção ilusória do problema como um todo.

JK: E nunca poderei acabar com ele.

DB: Se você está lidando com uma ilusão, nada pode ser feito a respeito dela.(...)

JK: O sofrimento é comum a toda a humanidade.

DB: Mas o fato de ser comum não é suficiente para torná-lo o mesmo para todos.

JK: Ele é real.

DB: O senhor está dizendo que o sofrimento humano é único, inseparável?

JK: Sim, é o que eu venho dizendo.

DB: Assim como a consciência humana?

JK: Sim, isso mesmo.(...) A questão é a seguinte: temos sofrido desde o princípio e nunca encontramos uma solução para isso. Não acabamos com o sofrimento.

DB: Mas eu acho que o senhor disse que a razão pela qual não encontramos uma solução é porque o consideramos como algo pessoal, ou pertencente a um pequeno grupo... e isso é uma ilusão.

JK: Sim.

DB: E qualquer tentativa de se lidar com uma ilusão não pode resolver coisa alguma.

JK: O pensamento não pode resolver nada psicologicamente.

DB: Porque o senhor pode dizer que o próprio pensamento divide. O pensamento é limitado e incapaz de perceber que esse é único. Desse modo, ele o divide em meu e seu.

JK: Isso mesmo.

DB: E isso cria a ilusão, que só pode multiplicar o sofrimento. Parece-me então que a afirmação de que o sofrimento humano é único, não pode ser separado da afirmação de que a consciência humana é única.

JK: O mundo sou eu: eu sou o mundo. Mas nós o dividimos em mundo inglês, mundo francês, e todos os demais!

DB: O que o senhor quer dizer com mundo? O mundo físico ou o mundo da sociedade?

JK: O mundo da sociedade, principalmente o mundo psicológico.

DB: Dizemos então que o mundo da sociedade, dos seres humanos, é um só, e o que significa quando digo que eu sou esse mundo?

JK: Que o mundo não é diferente de mim.

DB: O mundo e eu somos um. Somos inseparáveis.

JK: Sim. E essa é a verdadeira meditação; você precisa sentir isso, não apenas como uma afirmação verbal; trata-se de uma realidade. Eu sou o guarda do meu irmão.

DB: Muitas religiões disseram isso.

JK: Trata-se apenas de uma declaração verbal; elas não a assumem, não a praticam em seus corações.

O FUTURO DA HUMANIDADE
Dois diálogos entre J. Krishnamurti/David Bohm

sábado, 16 de novembro de 2013

Onde há temor não pode haver inteligência

Quero agora falar a respeito do medo, que necessariamente cria compulsão e influência.

Nós dividimos a mente em pensamento, razão e intelecto; mas, para mim, a mente inteligência criadora de si mesma, porém anuviada pela memória; a mente que é inteligência, estando anuviada pela memória, confunde-se com esse "eu" consciência, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escravizada pelo ambiente que ela própria criou através de desejo, e, portanto, há temor continuamente. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos este ambiente, deve haver medo. Não damos todo o nosso entendimento ao ambiente e não estamos plenamente conscientes dele e, assim, a mente torna-se escrava desse ambiente e por causa disso há medo; e a compulsão é o instrumento desse medo. Logo, naturalmente, a falta de entendimento do ambiente é produzida por essa falta de inteligência, e, por essa forma, criado, necessitando de influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta contínua compulsão, a qual se tornou o instrumento, o penetrante instrumento do temor? A memória anuvia a mente, e a mente anuviada, é o resultado da falta de entendimento do ambiente, que cria conflito, e a memória torna-se consciência de si própria. Esta mente, anuviada, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação  do resultado do ambiente, que é o "eu"; assim, na perpetuação do "eu", a mente busca o ajustamento, a alteração ou a modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Como sabeis, a mente está continuamente buscando o ajustamento ao ambiente; porém, este ajustamento não produz entendimento, nem podemos verificar o significado desse ambiente pela mera modificação do estado da mente ou pela tentativa de modificar ou expandir esse ambiente. Porque a mente busca, continuamente, sua proteção, ela, anuviada pela memória, tornou-se confusa, identificada com a própria consciência — essa consciência que deseja perpetuar-se; por conseguinte, ela se esforça por alterar ajustar, modificar o ambiente ou, por outras palavras, a mente procura tornar, como julga ser possível, o "eu" imortal, universal e cósmico.

Não é assim?

Portanto, a mente que busca a imortalidade, deseja realmente a continuação desse "eu"-consciência, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar à ideia do "eu"-consciência, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela continuará a procurar nessa limitação sua própria perpetuação, que denominamos imortalidade, ou aquela consciência cósmica em que o particular ainda persiste. Enquanto a mente, que é inteligência, estiver enredada no cativeiro da memória, que é o "eu"-consciência, haverá a busca do falso pelo falso. Este "eu", como expliquei, é a falsa reação ao ambiente; há uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente anuviada pela memória busca perpetuar-se como própria consciência, está procurando falsa imortalidade, falsa expansão cósmica ou o que quer que lhe queirais chamar.

Nesse processo de perpetuação do "eu", dessa memória que é conservadora de si própria, na perpetuação desse "eu", nasce o temor — não o temor superficial, porém o temor fundamental, de que tratarei logo em seguida. Eliminai esse temor, que tem como sua expressão exterior a nacionalidade, o crescimento, a expansão, o êxito — eliminai esse temor fundamental e, então, a ansiedade pela perpetuação desse "eu" e todos os temores cessam. Portanto, o medo existirá, enquanto houver o desejo da perpetuação dessa coisa que é falsa: este "eu" é falso, portanto, deveis ter uma falsa reação, a qual é o próprio medo. E onde houver medo, deve haver disciplina, compulsão, influência, domínio e a busca do poder que a mente glorifica como virtude e divino. Se realmente refletirdes sobre isto, verificareis que onde houver inteligência não pode haver caça ao poder.

Toda a vida está moldada pelo temor e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e grilhões que uns julgam virtuosos e dignos e outros consideram venenosos e maus. Não é assim? São estas as restrições que estabelecestes em vossa busca de perpetuação, livre de medo; nessa busca criastes disciplinas, códigos e autoridades, a vossa vida está modelada, controlada e conformada pela compulsão de várias formas e graduações. Alguns denominam esta compulsão virtuosa, outros a consideram perniciosa.

Temos em primeiro lugar, a compulsão exterior, que é a repressão do ambiente sobre o indivíduo. A pessoa vulgar, que denominais não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, o ambiente exterior, isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões de moral, autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto, porque isto tudo está radicado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não é assim? Eliminai integralmente as necessidades econômicas de que o indivíduo depende e então os códigos de conduta, padrões de moral e valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nestas restrições do ambiente externo, que criam conflito entre o indivíduo e o ambiente, no qual o indivíduo é oprimido, vergado, torcido, ele torna-se progressivamente sem inteligência. O indivíduos que está meramente condicionado, a todo instante, pelo ambiente exterior, amoldado por certas regras, leis, reações, editos e padrões de moral — quanto mais o oprimirdes, menos inteligente ele se torna. A inteligência, porém, é a compreensão do ambiente, percebendo seu significado sutil, liberto de compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, às quais ele chama ambiente externo, têm como seus expoentes os charlatões e exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política e econômica do homem. Explorador é o indivíduo que se utiliza de vós, consciente ou inconscientemente, e vós vos submeteis consciente ou inconscientemente, porque não compreendeis; tornai-vos econômica, social, política e religiosamente, o explorado, e ele se torna vosso explorador. Assim, por esta maneira, a vida torna-se uma escola, um molde, um molde de aço em que o indivíduo é batido para tomar forma, em que ele se torna apenas um autômato — o indivíduo torna-se mero dente de engrenagem em uma máquina, irrefletido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta, uma batalha contínua, e assim ele estabeleceu essa falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas, de modo que ele possa, previamente, ser advertido para defrontar a vida amanhã, novamente, porém, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se meramente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser gozada, a ser vivida com êxtase, plenamente, sem temor.

O ambiente externo domina o indivíduo, forçando-o a entrar numa estrutura de aço, de padrões, de moralidades, ideias religiosas, de editos de moral, e como o indivíduo é esmagado pelo exterior, busca escapar e foge para um mundo que ele chama interno. Naturalmente, quando a mente é torcida, conformada, pervertida pelo ambiente exterior e há um constante conflito exterior, luta, constantes falsos ajustamentos, a mente espera por tranquilidade, por felicidade, por um mundo diferente; assim o indivíduo edifica um céu romântico de fuga, onde procura compensação para as perdas e o sofrimento no mundo externo.

Por favor, como disse, estais aqui para descobrir, para criticar, não para vos opordes. Podeis opor-vos, depois que tiverdes refletido mui cuidadosamente sobre o que vos digo. Podeis erigir barreiras, se assim o desejardes, mas, primeiro, averiguai plenamente o que eu vos quero transmitir, e, para o fazerdes, necessitais de ser super-críticos, apercebidos, inteligentes.

Como vos disse, o indivíduo, esmagado pelas circunstâncias externas que criam sofrimento e esforçando-se para escapar a essas circunstâncias, cria um mundo interno, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições individuais a que denomina disciplina ou cooperação com aquilo a que aprendeu a chamar se "eu" superior.

A maioria dessas pessoas — as pessoas pretensamente espirituais — rejeitaram a força externa do ambiente e a sua influência, porém, desenvolveram uma lei interna, um interno padrão, uma disciplina interna, a que chamam trazer o eu superior para o eu inferior; isto, por outras palavras, é mera substituição. Existe, assim, a própria disciplina. Há, depois, aquilo que denominam voz interna, cujo poder e controle é, sem dúvida, muito maior do que o ambiente externo. Qual é, porém, finalmente, a diferença entre um e outro?, entre o externo e o interno? Ambos controlam, pervertem a mente, que é a inteligência, pelo desejo de perpetuação de si mesma. E tendes também aquilo que chamais intuição, que é apenas a saturação, sem peias, de vossas próprias esperanças e desejos secretos. Assim, completastes o mundo interno, aquilo que chamais mundo interior, com tudo isto — disciplina de si próprio, voz interna e intuição. Tudo isto, se refletirdes, são formas sutis desse mesmo conflito, levadas para um mundo diferente em que não há entendimento, mas apenas uma padronização, um ajustamento a um ambiente mais sutil a que denominais mais espiritual.

Como sabeis, algumas pessoas buscaram e encontraram, no mundo exterior, distinções sociais e, igualmente, as pessoas denominadas espirituais, buscam apenas nesse mundo interno, e geralmente encontram, seus pares e superiores espirituais; e, assim, como há conflito entre os indivíduos no exterior, também é criado um conflito espiritual no mundo interno, entre os ideais, as expansões e suas próprias ansiedades. Vede, pois, o que foi criado.

No mundo externo não há expressão para a mente anuviada pela memória, para esse "eu"-consciência não há expressão, porque o ambiente é demais forte, poderoso e esmagador; nele, ou vos adaptais ao molde ou, se não o fizerdes, sereis esmagados. Assim, desenvolveis uma forma interna, ou mais sutil, de ambiente, em que tem lugar exatamente o mesmo processo. Este ambiente por vós criado é uma fuga do ambiente externo, e nele também tendes padrões, leis de moral, instituições, o eu superior, a voz interna, e a isso vos ajustais constantemente. Isto é um fato.

Em essência, estas restrições, denominadas internas e externas, nascem do desejo e, por isso, existe o medo; do medo surge a repressão, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas expressões exteriores do medo. Onde há temor não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isto, deve haver essa divisão na vida em externa e interna e, portanto, as nossas ações têm de ser sempre influenciadas ou compelidas pelo externo, e, portanto pelo falso, ou pelo interno, que é igualmente falso, porque também no interno estais procurando apenas ajustar-vos a determinados padrões.

O medo é criado, quando o falso busca a perpetuação de si próprio no falso ambiente. E, assim, o que acontece à nossa ação, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que acontece a tudo isto?

A mente e o coração amoldam-se ao ambiente, ao ambiente externo, porém, quando verificam que não o podem, por tornar-se a compulsão forte demais, então voltam-se para um estado interno, em que a mente e o coração buscam perfeita tranquilidade e satisfação. Ou, então, saciaram-se completamente pelas conquistas sociais, econômicas, políticas e religiosas e depois voltam-se para o interno e ali também desejam ter sucesso, bom êxito, triunfo, e, para o atingir, devem sempre ter em vista uma culminância, um objetivo que se torna apenas um estado, ao qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

Assim, neste ínterim, que é que acontece aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? Que sucede, quando estais meramente vos ajustando, quando simplesmente vos estais modificando, alterando? Que acontece a qualquer coisa, por exemplo a uma casa cujas paredes decorais, embora seus alicerces estejam deteriorados? De modo idêntico, nossos pensamentos e emoções estão meramente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja ele externo ou interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou uma direção interna. Assim, pois, as nossas ações estão sendo grandemente limitadas pela influência, em que todo o raciocínio se torna apenas a imitação de um modelo, um ajustamento a ama certa condição, e o amor torna-se apenas outra forma de temor. Toda a nossa vida — afinal a nossa vida são os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas alegrias e dores — toda a nossa vida permanece incompleta, todo o nosso processo de pensar ou de expressão desta vida, é meramente um ajustamento, uma modificação, jamais um preenchimento, uma plenitude. E daí surge problema após problema, o ajuste ao ambiente que deve estar, constantemente, mudando, e a conformidade com padrões, que também devem variar. Assim, prosseguis nesta batalha a que chamais evolução, no crescimento do eu, na expansão dessa consciência que é apenas memória. Inventastes palavras para apaziguar vossa mente, porém, continuais nessa luta.

Ora, se ponderardes, realmente, sobre isto, se reconhecerdes tudo isto, e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, vos tornardes apercebidos deste ambiente exterior, destas circunstâncias, destas condições, e também do mundo interno em que existem as mesmas condições, os mesmos ambientes que apenas denominastes por nomes mais sutis e mais bonitos; se realmente vos aperceberdes de tudo isto, então começareis a compreender o verdadeiro significado do externo e do interno; então surgirá uma percepção imediata, a libertação da vida, a mente torna-se, depois, inteligência e pode funcionar com naturalidade e de modo criador, sem esta constante luta. Então, a mente — a inteligência — reconhece os obstáculos, e porque os compreende, ela penetra-os; não mais há ajustamento, não há modificação, há somente entendimento. Por esta razão, a inteligência não depende do externo ou do interno, e nesse apercebimento não há desejo, não há ansiedade, mas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Sabeis que, quando há um desejo ardente, a vossa mente já está anuviada, pervertida, porque a mente identifica-se com uma coisa e rejeita outra — onde há desejo ardente, não há entendimento; porém, quando a mente não se identifica com o "eu", mas se torna apercebida tanto do externo como do interno, das divisões sutis, das várias emoções, das delicadas nuanças da mente, que se divide em memória e inteligência — então, nesse apercebimento, verificareis o pleno significado do ambiente que criamos através dos séculos, desse ambiente que denominamos externo e também  de interno, ambos os quais estão continuamente mudando, ajustando-se um ao outro.

Tudo o que vos preocupa agora é a modificação, a alteração, o ajustamento, e, portanto, deve haver medo. O medo tem seu instrumento na compulsão, e esta só existe, quando não há entendimento, quando a inteligência não está funcionando normalmente.


Jiddu Krishnamurti — O medo — 1946


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A inteligência não está separada do amor

Só o autoconhecimento pode trazer a tranquilidade e a felicidade ao homem, porque o autoconhecimento é o começo da Inteligência e da integração. A inteligência não é mero ajustamento superficial; não é cultivo da mente, aquisição de saber. Inteligência é a capacidade de compreender as coisas da vida, é a percepção dos valores corretos.

A educação moderna, desenvolvendo o intelecto, fornece teorias e mais teorias, fatos e mais fatos, mas não nos faz compreender o processo total da existência humana. Somos altamente intelectuais; desenvolvemos mentes astuciosas, e vivemos num emaranhado de explicações. O intelecto se satisfaz com teorias e explicações, a inteligência não; e para a compreensão do processo total da existência, é necessária uma integração da mente e do coração, na ação. A inteligência não está separada do amor.

(...) Não somos criadores, porque enchemos de saber, de erudição e de arrogância nossos corações e nossas mentes; estamos cheios de citações do que outros pensaram e disseram. Mas o experimentar vem em primeiro lugar, e não a maneira de experimentar. É necessário que haja amor, para que possa haver a expressão do amor.

Está claro, pois, que a inteligência não resulta do mero cultivo do intelecto, isto é, do desenvolvimento das capacidades e conhecimentos. Há distinção entre intelecto e inteligência. Intelecto é o pensamento funcionando independente da emoção, e inteligência é a capacidade de SENTIR e RACIOCINAR; e enquanto não apreciarmos a vida com inteligência, e não apenas com o intelecto ou só o sentimento, nenhum sistema político ou educativo do mundo nos salvará do caos e da destruição.

A erudição não é comparável com a inteligência, erudição não é sabedoria. A sabedoria não é comerciável, não é artigo que se possa comprar pelo preço do estudo e da disciplina. A sabedoria não se encontra nos livros; não pode ser acumulada, guardada ou armazenada na memória. A sabedoria vem pela negação do “eu”. Ter a mente aberta é mais importante do que aprender; e podemos ter a mente aberta, não quando a atestamos com conhecimentos, mas quando estamos cônscios dos nossos próprios pensamentos e sentimentos, quando observamos com cuidado a nós mesmos e as influências que nos cercam, quando prestamos ouvidos a outrem, quando observamos o rico e o pobre, o poderoso e o humilde. A sabedoria não pode ser adquirida pelo temor e pela opressão, mas só pelo exame e pela compreensão dos incidentes de cada dia, nas relações humanas.

Com nossa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, estamos embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamos nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos INTEGRADOS.

A sabedoria não pode ser substituída pela erudição, e não há quantidade de explicações, não há acumulo de fatos que liberte o homem do sofrimento. A erudição é necessária, a ciência tem seu lugar próprio; mas, a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido.

(...) O saber, o conhecimento de fatos, embora em constante crescimento, é por sua própria natureza limitado. A sabedoria é infinita, abarcando o saber bem como a esfera de ação; mas se nos apoderamos de um ramo, pensamos que temos a árvore toda. O conhecimento da parte nunca nos fará conhecer a alegria do todo. O intelecto jamais nos levará ao todo, porque ele é apenas um segmento, uma parte.

Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; nossa educação cultiva o intelecto, para torna-lo penetrante, astucioso, ambicioso, e assim ele tem o papel mais importante em nossa vida. A inteligência é muito superior ao intelecto, porque é a INTEGRAÇÃO da razão e do amor; mas só pode haver inteligência, quando há autoconhecimento, a profunda compreensão do processo total de nós mesmos.

O essencial para o homem, jovem ou velho, é que viva plena e integralmente, e, por conseguinte, nosso problema mais importante é o cultivo da inteligência, que traz INTEGRAÇÃO. Atribuir-se indevida importância a qualquer uma das partes da nossa organização total, dá-nos uma visão parcial e, portanto, deformada da vida. É essa visão deformada que está causando a maioria de nossas dificuldades. Todo desenvolvimento parcial de nossa feição geral será inevitavelmente desastroso, tanto para nós como para a sociedade, e por conseguinte é deveras da maior importância que consideremos nossos problemas humanos de um ponto de vista INTEGRADO.

Ser um ente humano INTEGRADO é compreender o processo completo da nossa própria consciência, tanto oculta como evidente. Não é possível ser integrado, se atribuímos indevido valor ao intelecto. Damos muita importância ao cultivo da mente, mas dentro de nós somos insuficientes, pobres e confusos. Viver pelo intelecto é o caminho da desintegração, porque as ideias, assim como as crenças, não podem unir as pessoas, a não ser como grupos antagônicos.

Enquanto dependermos do pensamento como meio de integração, haverá desintegração; compreender a ação desintegradora do pensamento é cônscios dos movimentos do “eu”, dos movimentos do nosso próprio desejo. Devemos ter consciência do nosso condicionamento e das suas reações, tanto coletivas como pessoais. Só quando estamos perfeitamente cônscios das atividades do “eu”, com seus desejos e lutas contraditórias, suas esperanças e temores, temos a possibilidade de transcender o “eu”.

Só o amor e o pensar correto farão a verdadeira revolução, a revolução interior. Mas, como podemos ter amor? Podemos tê-lo, não pelo cultivo do ideal do amor, e sim quando não há ódio, quando não há avidez, quando a consciência do “eu”, causa de todo antagonismo, se extingue. Um homem todo entregue às atividades de exploração, ganância, inveja, nunca poderá amar.

Sem amor e sem pensar correto, a opressão e a crueldade crescerão continuamente. O problema do antagonismo do homem com o homem pode ser resolvido, não pelo cultivo do ideal da paz, mas só pelo entendimento das causas da guerra, que residem em nossa atitude perante a vida e perante nossos semelhantes; e este entendimento só há de nascer quando houver educação correta. Sem uma transformação do coração, sem boa vontade, sem a mudança interior, que nasce do autopercebimento, não haverá paz nem felicidade para os homens.

Jiddu Krishnamurti — A educação e o significado da vida     

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Breves relatos de despertar da inteligência

De repente, uma grande luz vinda do céu brilhou à minha volta... Aqueles que estavam comigo certamente viram a luz e ficaram com medo... Então eu disse: "O que devo fazer, Senhor?" E o Senhor me disse: "Levanta-te e vai a Damasco e lá te serão ditas todas as coisas que estão determinadas para que faças." E como eu não podia ver por causa do esplendor daquela luz, sendo conduzido pelas mãos daqueles que estavam comigo, fui para Damasco.
Saulo de Tarso, "A Caminho de Damasco", Atos 22:6-11

Deitei-me no gurupés, olhando para a popa, com água espumando por baixo, os mastros com as velas brancas ao luar erguendo-se acima de mim. Embriaguei-me com a beleza e o ritmo daquele som, e por um momento me perdi — na verdade, perdi a minha vida. Fui libertado! Dissolvi-me no mar, me transformei nas velas brancas, no borrifo de espuma em beleza e ritmo, na luz da Lua, no barco e no céu negro e estrelado! Eu existia sem assado nem futuro, em paz, unidade e felicidade arrebatadoras, dentro de algo maior do que a minha própria vida — ou do que a vida do Homem — eu pertencia à Vida, enfim! Ou a Deus, se você preferir... Como o véu das coisas, como se estivesse sendo puxado por uma mão invisível. Por um segundo, isso faz sentido.
Eugene O'Neil, Long Day's Journey into Night

Há momentos de glória que vão além da expectativa humana, além da habilidade física e emocional da pessoa. Alguma coisa inexplicável dirige e exala vida para a vida conhecida... Chama-se a isso estado de graça ou ato de fé... ou uma ação de Deus. Está lá, e o impossível torna-se possível... A atleta vai além de si mesma; transcende o natural. Toca uma parte do céu e torna-se o recipiente do poder de uma fonte desconhecida.
Patsy Neal, jogadora de basquetebol, em Sport and Identity
 
Ouço além do alcance do som,
Vejo além do alcance da visão,
Novas terras, céus e mares ao redor,
E, no meu dia, o sol faz empalidecer sua luz.
Henry David Thoreau , poeta
 Mais de uma vez quando
Me sentei sozinho, refletindo sobre mim mesmo
A palavra que é o símbolo de mim mesmo,
O limite mortal do Eu foi liberado,
E transferido ao anonimato, como uma nuvem
Que se dissolve no céu.
 Alfred Lord Tennyson
 
Naquele estado iluminado eu me senti completamente sem limites e livre, rodeado e repleto de uma luz brilhante, banhado por uma enorme sensação de paz. Quando comecei a voltar ao mundo cotidiano, senti que meu novo "Eu" abrangente estava se afunilando, voltando a ser uma unidade retraída: o meu "Eu" físico cotidiano. Meu corpo se sentia como uma armadilha de aço que prendia e dominava todas as minhas possibilidades. Senti a dor e o drama da vida diária começando a me pressionar, e chorei quando ansiei por voltar para a liberdade que havia descoberto.
Anônimo

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O problema do pensamento e do despertar da inteligência

Conversa entre J. Krishnamurti e o Prof. David Bohm
DA INTELIGÊNCIA

Pensamento é da ordem do tempo; inteligência é de uma ordem, de uma qualidade diferente; Está a inteligência ligada ao pensamento? Cérebro, o instrumento da inteligência; pensamento como um ponteiro. O pensamento, e não a inteligência, domina o mundo. O problema do pensamento e do despertar da inteligência. Inteligência operando num contexto limitado pode servir a propósitos altamente não-inteligentes. Matéria, pensamento, inteligência têm uma fonte comum, são uma energia; por que se dividiram? Segurança e sobrevivência: o pensamento não pode considerar a morte de modo apropriado. “Pode a mente manter a pureza de sua fonte original?” O problema do aquietar do pensamento. Insight, a percepção do todo, é necessário. Comunicação sem a interferência da mente consciente.

Professor Bohm: Com relação à inteligência, eu sempre gosto de pesquisar a origem da palavra, bem como seu significado. É muito interessante; Inteligência vem de inter e legere, o que significa “ler entre”. Então me parece que se poderia dizer que o pensamento é como a informação num livro e que a inteligência tem que lê-la, ler seu significado. Acho que isso dá uma noção melhor do que seja inteligência.

Krishnamurti: Ler nas entrelinhas.

Bohm: Sim, depreender o significado. Há também um sentido relevante dado no dicionário, que é: estado de alerta mental.

Krishnamurti: Sim, alerta mental.

Bohm: Bem, isso é bastante diferente daquilo que as pessoas têm em mente quando medem inteligência. Agora, considerando muitas das coisas que você tem dito, você diria que inteligência não é pensamento. Você diz que o pensamento tem seu lugar no cérebro antigo, que é um processo físico, eletromecânico; tem sido amplamente provado pela ciência que todo pensamento é essencialmente um processo físico, químico. Então talvez pudéssemos dizer que a inteligência não é da mesma ordem, que ela não é da ordem do tempo, de todo.

Krishnamurti: Inteligência.

Bohm: Sim, a inteligência lê “nas entrelinhas” do pensamento, vê o significado dele. Há um outro ponto antes de começarmos essa questão: se você diz que o pensamento é físico, então a mente, ou a inteligência, ou como quer que queira chamar isso, parece diferente, é de uma ordem diferente. Você diria que há uma diferença real entre o físico e a inteligência?

Krishnamurti: Sim. Estamos dizendo que o pensamento é matéria? Coloquemos isto de forma diferente.

Bohm: Matéria? Em vez disso, eu diria processo material.

Krishnamurti: Tudo bem; o pensamento é um processo material, e qual é a relação entre ele e a inteligência? É a inteligência um produto do pensamento?

Bohm: Acho que podemos estar certos de que não é.

Krishnamurti: Por que estamos certos?

Bohm: Simplesmente porque o pensamento é mecânico.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico, isso está correto.

Bohm: A inteligência, não.

Krishnamurti: Então o pensamento é mensurável; a inteligência não. E como acontece de essa inteligência vir a existir? Se o pensamento não possui relação com a inteligência, então, é a cessação do pensamento o despertar da inteligência? Ou o que ocorre é que a inteligência, sendo independente do pensamento, e não sendo do tempo, existiu sempre?

Bohm: Isso levanta muitas questões difíceis.

Krishnamurti: Eu sei.

Bohm: Eu gostaria de dispor essa questão numa estrutura de pensamento que se pudesse conectar a quaisquer pontos de vista científicos que possam existir.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Até para mostrar que ela é cabível ou que não é. Então você diz que a inteligência pode ter existido eternamente.

Krishnamurti: Eu estou perguntando – ela existe eternamente?

Bohm: Pode ser que sim e pode ser que não. Ou é possível que algo interfira com a inteligência?

Krishnamurti: Veja, os Hindus têm a teoria de que a inteligência, ou Brahman, existe eternamente e que é coberta pela ilusão, pela matéria, pela estupidez, por todos os tipos de coisas errôneas criadas pelo pensamento. Eu não sei se você iria tão longe assim.

Bohm: Bem, sim; nós não percebemos, de fato, a existência eterna da inteligência.

Krishnamurti: Eles dizem deixe tudo isso de lado, aquela coisa existe. Então, seu pressuposto é de que ela tenha existido eternamente.

Bohm: Há uma dificuldade nisso, na palavra “eternamente”.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Porque “eternamente” implica tempo.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: E esse é exatamente o problema. Tempo é pensamento – eu gostaria de colocar assim: que o pensamento é da ordem do tempo – ou talvez seja o inverso – que o tempo é da ordem do pensamento. Em outras palavras, o pensamento inventou o tempo, e na verdade o pensamento é tempo. Da forma que eu vejo, o pensamento pode varrer todo o tempo em um momento; mas então o pensamento está sempre mudando sem notar que está mudando fisicamente – por razões físicas, é isso.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Não razões racionais.

Krishnamurti: Não.

Bohm: As razões não têm a ver com alguma coisa total, mas sim com algum movimento físico do cérebro; portanto...

Krishnamurti: ...elas dependem do ambiente e de todo tipo de coisas.

Bohm: Então como o pensamento muda com o tempo, seu significado não é mais consistente, torna-se contraditório, muda de um modo arbitrário.

Krishnamurti: Sim, estou acompanhando.

Bohm: Então você começa a pensar: tudo está mudando, todas as coisas mudam, e você compreende “eu estou no tempo”. Quando o tempo é estendido, se torna vasto, o passado antes de eu existir, mais e mais atrás e também adiante, no futuro, então você começa a dizer que o tempo é a essência de tudo, que o tempo domina tudo. No início, a criança pode pensar “eu sou eterna”; então, começa a entender que faz parte do tempo. A visão geral com que nos identificamos é de que o tempo é a essência da existência. Eu acho que este não é apenas o senso comum, mas a visão científica também. É muito difícil abandonar tal visão porque é um condicionamento intenso. É mais forte, inclusive, do que o condicionamento do observador e da coisa observada.

Krishnamurti: Sim, com efeito. Estamos dizendo que o pensamento é do tempo, que o pensamento é mensurável, que pode mudar, se modificar, se expandir? E a inteligência é de uma qualidade inteiramente diferente?

Bohm: Sim, de ordem diferente, de qualidade diferente. E eu tenho uma impressão interessante desse pensamento com relação ao tempo. Se pensarmos no passado e no futuro, pensamos que o passado está se tornando o futuro; mas pode-se perceber que tal não pode ser, que isso é apenas pensamento. Ainda se tem a impressão de que passado e futuro estão presentes juntos e há movimento de outra forma; que todo o padrão está se movendo.

Krishnamurti: Todo o padrão está se movendo.

Bohm: Mas eu não posso visualizar como ele se move. Num certo sentido, está se movendo numa direção perpendicular à direção entre passado e futuro. Todo esse movimento – então eu começo a achar que o movimento está em outro tempo.

Krishnamurti: Com efeito.

Bohm: Mas isso traz de volta ao paradoxo.

Krishnamurti: Sim, é isso. Está a inteligência fora do tempo e portanto não relacionada ao pensamento, que é um movimento do tempo?

Bohm: Mas o pensamento tem de estar relacionado a ela.

Krishnamurti: Ele está? Estou perguntando. Eu penso que não.

Bohm: Não? Mas parece haver alguma relação no sentido de que se distingue entre um pensamento inteligente e um pensamento não-inteligente.

Krishnamurti: Sim, mas isso requer inteligência: reconhecer o pensamento não-inteligente.

Bohm: Mas quando a inteligência lê o pensamento, qual é a relação?

Krishnamurti: Vamos devagar...

Bohm: E o pensamento responde à inteligência? O pensamento não se modifica?

Krishnamurti: Sejamos simples. O pensamento é tempo. É movimento no tempo. O pensamento é mensurável e funciona no campo do tempo, todo se movendo, modificando, transformando. Está a inteligência dentro do campo do tempo?

Bohm: Bem, vimos que de certa maneira não pode estar. Mas a coisa não está clara. Primeiro de tudo, o pensamento é mecânico.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico, isso está claro.

Bohm: Segundo, de certa maneira, há um movimento que é de uma direção diferente.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico; sendo mecânico, pode se mover em direções diferentes e tudo o mais. É a inteligência mecânica? Coloquemos dessa forma.

Bohm: Eu gostaria de perguntar o que significa ser mecânico.

Krishnamurti: Está certo: ser repetitivo, mensurável, comparável.

Bohm: Eu diria também dependente.

Krishnamurti: Dependente, sim.

Bohm: A inteligência – coloquemos claramente – não pode ser dependente de condições para sua validade. No entanto, parece que, de certa maneira, ela não opera se o cérebro não estiver saudável.

Krishnamurti: Obviamente.

Bohm: Nesse aspecto, a inteligência parece depender do cérebro.

Krishnamurti: Ou seria a inteligência a quietude do cérebro?

Bohm: Tudo bem, ela depende da quietude do cérebro.

Krishnamurti: Não da atividade do cérebro.

Bohm: Ainda há alguma relação entre a inteligência e o cérebro. Nós, certa vez, discutimos essa questão, há muitos anos atrás, quando eu mencionei a idéia de que, na física, poder-se-ia utilizar um instrumento de medição de duas formas, a positiva e a negativa. Por exemplo, pode-se medir uma corrente elétrica pela oscilação da agulha no instrumento, ou pode-se usar o mesmo instrumento naquilo que é chamado de ponte Wheatstone, onde a leitura pela qual se procura é uma leitura nula; uma leitura nula indica harmonia, equilíbrio entre os dois lados do sistema como um todo. Então, caso se esteja utilizando o instrumento negativamente, então seu não-movimento é o sinal de que está funcionando adequadamente. Poderíamos dizer que o cérebro pode ter usado o pensamento positivamente para fazer uma imagem do mundo...

Krishnamurti: ... o que é uma função do pensamento – uma das funções.

Bohm: A outra função do pensamento é negativa, que é, através de seu movimento, indicar desarmonia.

Krishnamurti: Sim, desarmonia. Prossigamos daqui. É a inteligência dependente do cérebro – chegamos a esse ponto? Ou quando usamos a palavra “dependente” o que queremos dizer?

Bohm: Ela tem muitos significados possíveis. Pode ser simples dependência mecânica. Mas há um outro tipo: que um não pode existir sem o outro. Se eu digo “Eu dependo de comida para existir”, isso não significa que tudo que penso é determinado pelo que eu como.

Krishnamurti: Sim, de fato.

Bohm: Então eu proponho que a inteligência depende, para sua existência, desse cérebro, que pode indicar desarmonia, mas o cérebro não tem nada a ver com o conteúdo da inteligência.

Krishnamurti: Então, se o cérebro não estiver harmonioso, a inteligência pode funcionar?

Bohm: Essa é a questão.

Krishnamurti: Isso é o que estamos dizendo. Ela não pode funcionar se o cérebro estiver ferido.

Bohm: Se a inteligência não funciona, há inteligência? Portanto, parece que a inteligência requer o cérebro para que exista.

Krishnamurti: Mas o cérebro é apenas um instrumento.

Bohm: Que indica harmonia ou desarmonia.

Krishnamurti: Mas não é o criador da inteligência.

Bohm: Não.

Krishnamurti: Entremos nisso devagar.

Bohm: O cérebro não cria a inteligência, mas é um instrumento que auxilia a inteligência a funcionar. É isso.

Krishnamurti: É isso. Agora se o cérebro estiver funcionando dentro do campo do tempo, para cima e para baixo, negativamente, positivamente, pode a inteligência operar nesse movimento de tempo? Ou deve esse instrumento estar quieto para que a inteligência possa operar?

Bohm: Sim. Eu colocaria isso de forma levemente diferente. A quietude do instrumento é a operação a inteligência.

Krishnamurti: Sim, isso está correto. Os dois não estão separados.

Bohm: Eles são um e o mesmo. A não-quietude do instrumento é a falha da inteligência.

Krishnamurti: Está correto.

Bohm: Mas acho que seria útil retornar a questões que tendem a ser levantadas no todo do pensamento científico e filosófico. Nós faríamos a pergunta: há algum sentido no qual a inteligência exista independentemente da matéria? Você vê que algumas pessoas têm achado que pensamento e matéria têm alguma espécie de existência separada. Essa é uma questão que vem à tona. Pode não ser relevante, mas acho que deveria ser considerada para auxiliar a tornar a mente quieta. Considerar questões que não podem ser claramente respondidas é uma das coisas que perturba a mente.

Krishnamurti: Mas veja, senhor, quando você diz “auxiliar a mente a se tornar quieta”, o pensamento vai ajudar no despertar da inteligência? É este o significado da frase, não? Pensamento e matéria e o exercício do pensamento e o movimento do pensamento, ou o pensamento dizendo a si mesmo “Ficarei quieto com o fim de auxiliar o despertar da inteligência”. Qualquer movimento do pensamento é tempo, qualquer movimento, porque o pensamento é mensurável, está funcionando positivamente ou negativamente, harmoniosamente ou desarmoniosamente, neste campo. E compreendendo isso, o pensamento pode dizer inconscientemente, de modo desapercebido, que “Ficarei quieto para conseguir isto ou aquilo”, então isto está ainda dentro do campo do tempo.

Bohm: Sim. Ele está ainda projetando.

Krishnamurti: O pensamento está projetando a coisa para capturá-la. Então como a inteligência tem lugar – não como – quando ela desperta?

Bohm: Uma vez mais a questão está no tempo.

Krishnamurti: É por isso que não quero usar as palavras “quando”, “como”.

Bohm: Você deveria talvez dizer que a condição para o despertar da inteligência é a inoperância do pensamento.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Mas, como o despertar da inteligência, essa inoperância não é apenas a condição. Não se pode nem mesmo perguntar se há condições para a inteligência despertar. Até mesmo falar sobre uma condição é uma forma de pensamento.

Krishnamurti: Sim. Concordemos que qualquer movimento do pensamento, em qualquer direção, vertical, horizontal, em ação ou inação, está ainda dentro do tempo – qualquer movimento do pensamento.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Então qual é a relação do movimento com essa inteligência que não é um movimento, que não é do tempo, que não é o produto do pensamento? Onde os dois podem se encontrar?

Bohm: Eles não se encontram. Mas ainda assim há uma relação.

Krishnamurti: Isso é o que estamos tentando descobrir. Há qualquer relação, em primeiro lugar? Pensa-se que haja uma relação, espera-se que haja uma relação, projeta-se uma relação. Há uma relação, de todo?

Bohm: Isso depende do que você quer dizer com relação.

Krishnamurti: Relação: estar em contato com, reconhecimento, um sentimento de estar tocando.

Bohm: Bem, a palavra relação deve significar algo mais.

Krishnamurti: Que outro significado tem?

Bohm: Por exemplo, há o paralelo, não há? A harmonia entre duas coisas. Isso é, duas coisas podem estar em relação sem contato, mas por estarem simplesmente em harmonia.

Krishnamurti: Harmonia significa um movimento das duas numa mesma direção?

Bohm: Deve significar também, em certo sentido, continuar na mesma ordem.

Krishnamurti: Na mesma ordem: mesma direção, mesma profundidade, mesma intensidade – tudo isso é harmonia. Mas pode o pensamento sequer ser harmônico? – pensamento como movimento, não pensamento estático.

Bohm: Entendo. Há aquele pensamento que se abstrai como estático, na geometria, digamos, que pode ter alguma harmonia; mas o pensamento, como realmente se move, é sempre contraditório.

Krishnamurti: Portanto ele não tem harmonia em si mesmo. Mas a inteligência tem harmonia em si mesma.

Bohm: Acho que vejo a fonte da confusão. Nós temos os produtos estáticos do pensamento que parecem ter uma certa harmonia relativa. Mas essa harmonia é realmente o resultado da inteligência, ao menos me parece. Na matemática, podemos obter uma certa harmonia relativa do produto do pensamento, ainda que o real movimento de pensamento do matemático não esteja necessariamente em harmonia, geralmente não estará em harmonia. Agora, essa harmonia que aparece na matemática é o resultado da inteligência, não?

Krishnamurti: Prossiga, senhor.

Bohm: Não é harmonia perfeita porque tem sido provado que toda forma de matemática tem algum limite; por isso chamo isso de uma harmonia apenas relativa.

Krishnamurti: Sim. Agora, no movimento do pensamento há harmonia? Se há, então ele tem relação com a inteligência. Se não há harmonia, mas contradições e todo o resto, então o pensamento não tem relação com a inteligência.

Bohm: Então você diria que poderíamos funcionar inteiramente sem pensamento?

Krishnamurti: Eu colocaria isso de outra forma. A inteligência usa o pensamento.

Bohm: Tudo bem. Mas como ela pode utilizar algo que está desarmonioso?

Krishnamurti: Expressão, comunicação, usando o pensamento que é contraditório, que não é harmonioso, para criar coisas no mundo.

Bohm: Mas ainda assim deve haver harmonia em algum outro aspecto, naquilo que é feito com o pensamento, no que acabamos de descrever.

Krishnamurti: Vamos vagarosamente. Podemos primeiro pôr em palavras, negativamente ou positivamente, o que é inteligência, o que não é inteligência? Ou isso é impossível porque as palavras são pensamento, tempo, medida e etc.?

Bohm: Não podemos pôr em palavras. Estamos tentando apontar. Podemos dizer que o pensamento pode funcionar como um ponteiro para a inteligência, e então sua contradição não importa.

Krishnamurti: Isso está correto. Isso está correto.

Bohm: Porque não estamos utilizando o pensamento por seu conteúdo, ou seu significado, mas, em vez disso, como um ponteiro que aponta para além do domínio do tempo.

Krishnamurti: Então o pensamento é um ponteiro. O conteúdo é a inteligência.

Bohm: O conteúdo para o qual o pensamento aponta.

Krishnamurti: Sim. Podemos dispor a coisa de modo inteiramente diferente? Podemos dizer, o pensamento é estéril?

Bohm: Sim. Quando se move por si mesmo, sim.

Krishnamurti: Que é mecânico e todo o resto. O pensamento é um ponteiro, mas sem inteligência o ponteiro não tem valor.

Bohm: Poderíamos dizer que a inteligência lê o ponteiro? Se não tiver ninguém para lê-lo, então o ponteiro não aponta.

Krishnamurti: De fato. Então a inteligência é necessária. Sem ela, o pensamento não tem significado, de todo.

Bohm: Mas agora poderíamos dizer que se o pensamento não é inteligente ele aponta de um modo muito confuso?

Krishnamurti: Sim, de um modo irrelevante.

Bohm: Irrelevante, sem significado e etc. Então com inteligência ele começa a apontar de uma outro modo. Mas então de alguma forma pensamento e inteligência parecem se fundir numa função comum.

Krishnamurti: Sim. Então podemos perguntar: o que é ação relacionada à inteligência? Certo?

Bohm: Sim.

Krishnamurti: O que é ação em relação com a inteligência, e, na execução dessa ação, o pensamento é necessário?

Bohm: Sim; bem, o pensamento é necessário e esse pensamento aponta obviamente em direção à matéria. Mas parece apontar nos dois sentidos – para trás, em direção à inteligência, também. Uma das questões que sempre vêm à tona é: deveríamos dizer que inteligência e matéria são meramente uma distinção dentro da mesma coisa, ou elas são diferentes? Estão realmente separadas?

Krishnamurti: Eu acho que estão separadas, são distintas.

Bohm: São distintas, mas estão realmente separadas?

Krishnamurti: O que você quer dizer por “separadas”? Não relacionadas, não conectadas, sem uma fonte comum?

Bohm: Sim. Elas têm uma fonte comum?

Krishnamurti: Esse é o ponto. Pensamento, matéria e inteligência, têm eles uma fonte comum? (longa pausa) Acho que têm.

Bohm: De outra maneira, não poderia haver harmonia, obviamente.

Krishnamurti: Mas veja, o pensamento tem dominado o mundo. Você entende? – dominado.

Bohm: Domina o mundo.

Krishnamurti: O pensamento, o intelecto, domina o mundo. E portanto a inteligência tem um lugar muito pequeno aqui. Quando uma coisa domina, a outra tem de ser subserviente.

Bohm: Pergunta-se, não sei se é relevante, como isso veio a acontecer.

Krishnamurti: Isso é extremamente simples.

Bohm: O que você diria?

Krishnamurti: O pensamento tem que ter segurança; está procurando por segurança em todo o seu movimento.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Mas a inteligência não está buscando segurança. Ela não tem segurança. A idéia de segurança não existe na inteligência. Ela por si mesma é segura, e não “busca segurança”.

Bohm: Sim, mas como aconteceu de a inteligência permitir que fosse dominada?

Krishnamurti: Ó, isso está muito claro. Prazer, conforto, segurança física, primeiro de tudo segurança física: segurança no relacionamento, segurança na ação, segurança...

Bohm: Mas isso é a ilusão da segurança.

Krishnamurti: Ilusão de segurança, com certeza.

Bohm: Você diria que o pensamento escapou do controle e deixou de permitir que a inteligência o mantivesse em um estado ordenado, ou pelo menos que deixou de estar em harmonia com ela, e começou a mover-se por conta própria.

Krishnamurti: Por conta própria.

Bohm: Buscando segurança e prazer e etc.

Krishnamurti: Como estávamos dizendo outro dia em nossa conversa, todo o mundo ocidental é baseado na medida; e o mundo oriental tentou ir além dela. Mas eles utilizaram o pensamento para isso.

Bohm: Tentaram, de qualquer forma.

Krishnamurti: Tentaram ir além da medida pelo exercício do pensamento; portanto, foram capturados no pensamento. Agora, segurança, segurança física, é necessária e portanto a existência física, os prazeres físicos, o bem-estar físico se tornou tremendamente importante.

Bohm: Sim, estava pensando um pouco sobre isso. Se você retroceder até o animal, então há a resposta instintiva em direção ao prazer e à segurança: isso estaria correto. Mas agora, quando o pensamento entra, pode ofuscar o instinto e produzir toda sorte de glamour, mais prazer, mais segurança. E os instintos não são inteligentes o suficiente para lidar com a complexidade do pensamento, portanto o pensamento cai no erro, porque excitou os instintos e eles demandam mais.

Krishnamurti: Então o pensamento realmente criou um mundo de ilusão, miasma, confusão, e pôs a inteligência de lado.

Bohm: Bem, como dissemos antes, isso tornou o cérebro muito caótico e barulhento e a inteligência é o silêncio do cérebro; portanto, o cérebro barulhento não é inteligente.

Krishnamurti: O cérebro barulhento não é inteligente, é claro!

Bohm: Bem, isso explica mais ou menos a origem da coisa.

Krishnamurti: Nós estamos tentando descobrir qual a relação, na ação, entre o pensamento e a inteligência. Tudo é ação ou inação. E qual a relação disso com a inteligência? O pensamento realmente produz ação caótica, ação fragmentária.

Bohm: Quando não é comandado pela inteligência.

Krishnamurti: E não é, no modo como nós todos vivemos.

Bohm: Isto se deve ao que acabamos de dizer.

Krishnamurti: Isto é atividade fragmentada; não é uma atividade de uma totalidade. A ação da totalidade é inteligência.

Bohm: A inteligência também tem de entender a atividade do pensamento.

Krishnamurti: Sim, nós dissemos isso.

Bohm: Agora você diria que, quando a inteligência compreende a atividade do pensamento, o pensamento é diferente em sua operação?

Krishnamurti: Sim, obviamente. Isso é, se o pensamento criou o nacionalismo como meio de segurança e então vê a falácia disso, o ver a falácia disso é inteligência. O pensamento então cria um tipo de mundo diferente, no qual o nacionalismo não existe.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: E nem divisão, guerra, conflito e todo o resto.

Bohm: Isso está bem claro. A inteligência vê a falsidade do que está acontecendo. Quando o pensamento está livre desta falsidade, é diferente. Então ele começa a ser um paralelo para a inteligência.

Krishnamurti: Isso está correto.

Bohm: Isso é, ele começa a levar as implicações da inteligência.

Krishnamurti: Portanto o pensamento tem um lugar.

Bohm: Isso é muito interessante porque o pensamento nunca é de fato controlado ou dominado pela inteligência, mas sempre se move por conta própria. Mas à luz da inteligência, quando a falsidade é vista, então o pensamento se move paralelamente ou em harmonia com a inteligência.

Krishnamurti: Isso está correto.

Bohm: Mas nunca há nada que force o pensamento a fazer o que quer que seja. Isso sugeriria que a inteligência e o pensamento têm essa origem ou substância comum, e que são duas formas de chamar a atenção para um todo maior.

Krishnamurti: Sim. Pode-se ver como politicamente, religiosamente, psicologicamente, o pensamento tem criado um mundo de tremenda contradição, fragmentação, e a inteligência que é o produto dessa confusão então tenta trazer ordem à confusão. Não é aquela inteligência que vê a falsidade disso tudo. Não sei se estou me fazendo entender. Você vê, pode-se ser terrivelmente inteligente, ainda que se seja caótico.

Bohm: Bem, em alguns aspectos.

Krishnamurti: Isso é o que está acontecendo no mundo.

Bohm: Mas eu suponho que seja difícil de entender isso nesse momento. Poder-se-ia dizer que numa esfera limitada parece que a inteligência é capaz de operar, mas, fora dela, não.

Krishnamurti: Nós estamos, afinal, preocupados com o viver, não com teorias. Está-se preocupado com uma vida em que a inteligência opere. Inteligência que não pertence ao tempo, que não pertence à medida, que não é o produto ou o movimento do pensamento, ou da ordem do pensamento. Agora um ser humano quer viver um tipo diferente de vida. Ele está dominado pelo pensamento, seu pensamento está sempre funcionando na medição, na comparação, no conflito. Ele pergunta “Como posso tornar-me livre de tudo isso com o fim de ser inteligente?”, “Como pode o ‘eu’, como posso ‘eu’ ser o instrumento dessa inteligência?”.

Bohm: Obviamente, isso não pode ser.

Krishnamurti: Exatamente!

Bohm: Porque esse pensamento no tempo é a essência da não-inteligência.

Krishnamurti: Mas está-se pensando nesses termos todo o tempo.

Bohm: Sim. Isso é o pensamento projetando algum tipo de fantasia do que seja inteligência, e tentando alcançar essa fantasia.

Krishnamurti: Portanto eu diria que o pensamento deve estar completamente quieto para o despertar da inteligência. Não pode haver um movimento de pensamento e ocorrer o despertar da inteligência.

Bohm: Isso está claro em um nível. Consideramos o pensamento como sendo realmente mecânico e isso pode ser percebido num nível – mas o mecanismo ainda continua.

Krishnamurti: Continua, sim...

Bohm: ... através dos instintos, prazer, medo e etc. A inteligência tem de vir para segurar essa questão dos prazeres, medos, desejos, que fazem o pensamento continuar.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: E você vê, há sempre uma armadilha: isso é apenas nosso conceito ou imagem da questão, que é parcial.

Krishnamurti: Então, como ser humano, eu ficaria preocupado apenas com essa questão central. Eu sei o quão confusa, contraditória, desarmoniosa a vida está. É possível modificar isso de modo que a inteligência possa funcionar em minha vida, de modo que eu possa viver sem desarmonia, de modo que o ponteiro, a direção seja guiada pela inteligência? Esse talvez seja o porquê de as pessoas religiosas, em vez de utilizarem a palavra inteligência, terem utilizado a palavra Deus.

Bohm: Qual a vantagem?

Krishnamurti: Não sei qual é a vantagem.

Bohm: Mas por que utilizar tal palavra?

Krishnamurti: Ela veio do medo primitivo, medo da natureza, e, gradualmente, a partir disso, cresceu a idéia de que há um pai superior.

Bohm: Mas isso ainda é o pensamento funcionando por si mesmo, sem inteligência.

Krishnamurti: É claro. Estou apenas relembrando. Dizem confie em Deus, tenha fé em Deus, e então Deus operará através de você.

Bohm: Deus é talvez uma metáfora para inteligência – mas as pessoas geralmente não tomam isso como uma metáfora.

Krishnamurti: Claro que não, é uma imagem terrificante.

Bohm: Sim. Poder-se-ia dizer que, se Deus significa aquilo que é imensurável, que está além do pensamento...

Krishnamurti: ...e inominável, imensurável, portanto não tem uma imagem.

Bohm: Então vai operar dentro do mensurável.

Krishnamurti: Sim. O que estou tentando transmitir é que o desejo por essa inteligência, através do tempo, tem criado a imagem de Deus. E através da imagem de Deus, Jesus, Krishna, ou quem quer que seja, tendo fé nisso – o que ainda é o movimento do pensamento – espera-se que haja harmonia na própria vida.

Bohm: E essa espécie de imagem, porque é tão total, produz um desejo, uma urgência sobrepujante; isto é, que sobrepuja a racionalidade ... tudo.

Krishnamurti: Você ouviu, outro dia, o que os arcebispos e bispos estavam dizendo, que apenas Jesus importa, nada mais.

Bohm: Mas esse é o mesmo movimento pelo qual o prazer sobrepuja a racionalidade.

Krishnamurti: O medo e o prazer.

Bohm: Eles sobrepujam; nenhuma proporção pode ser estabelecida.

Krishnamurti: Sim, o que estou tentando dizer é: você vê, o mundo inteiro está condicionado dessa forma.

Bohm: Sim, mas a questão é aquilo a que você aludiu: o que é esse mundo que está condicionado dessa forma? Se tomarmos esse mundo como existente independentemente do pensamento, então caímos na mesma armadilha de novo.

Krishnamurti: É claro, é claro.

Bohm: Isso é, o mundo condicional inteiro é o resultado desse modo de pensar, é tanto a causa quanto o efeito desse modo de pensar.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: E essa forma de pensar é desarmonia e caos e não-inteligência e etc.

Krishnamurti: Eu estava ouvindo a Conferência do Partido Trabalhista em Blackpool – quão espertos, alguns deles muito sérios, bilíngües e tudo o mais, pensando em termos de Partido Trabalhista e Partido Conservador. Eles não dizem “Juntemo-nos e vejamos o que é o melhor para os seres humanos.”

Bohm: Eles não são capazes.

Krishnamurti: Isso mesmo, mas eles estão exercitando sua inteligência!

Bohm: Bem, naquele padrão limitado. Isso é o que tem sido sempre nosso problema; as pessoas têm desenvolvido tecnologia e outras coisas em termos de alguma inteligência limitada, que está servindo a propósitos altamente não-inteligentes.

Krishnamurti: Sim, é isso.

Bohm: Por milhares de anos isso tem prosseguido. Então, é claro, as reações surgem: os problemas são muito grandes, muito vastos.

Krishnamurti: Mas isso é realmente muito simples, extraordinariamente simples, esse sentido de harmonia. Porque é simples, pode funcionar no mais complexo campo.

Krishnamurti: Regressemos. Dissemos que a fonte do pensamento e da inteligência é comum...

Bohm: Sim, chegamos até aí.

Krishnamurti: O que é essa fonte? Ela é geralmente atribuída a algum conceito filosófico, ou dizem que essa fonte é Deus – eu estou apenas usando essa palavra por ora – ou Brahman. Essa fonte é comum, é o movimento central que divide a si mesmo em matéria e inteligência. Mas isto é apenas uma asserção verbal, é apenas uma idéia, que ainda é pensamento. Não se pode encontrar isso pelo pensamento.

Bohm: Isso levanta a questão: se você encontra isso, então o que é “você”?

Krishnamurti: “Você” não existe. “Você” não pode existir quando você está perguntando qual é a fonte. “Você” é tempo, movimento, condicionamento ambiental – você é tudo isso.

Bohm: Nessa questão, o todo dessa divisão é posto de lado.

Krishnamurti: Absolutamente. Esse é o ponto, não?

Bohm: Não há tempo...

Krishnamurti: E ainda assim continuamos dizendo “Eu não exercitarei o pensamento”. Quando o “eu” entra, isso significa divisão: então, entendendo o todo disso – sobre o que estivemos conversando – eu elimino o “eu”, inteiramente.

Bohm: Mas isso soa como uma contradição.

Krishnamurti: Eu sei. Eu não posso eliminá-lo. Isso acontece. Então o que é a fonte? Ela pode sequer ser nomeada? Por exemplo, o sentimento religioso dos judeus é que isso é inominável: você não nomeia, não pode falar a respeito, não pode tocar. Pode-se apenas olhar. E os hindus e outros dizem a mesma coisa de um modo diferente. Os cristãos iludiram a si mesmos pela palavra Jesus, essa imagem, eles nunca foram à fonte disso.

Bohm: Essa é uma questão complexa; pode ser que eles estivessem tentando sintetizar muitas filosofias, hebraica, grega e oriental.

Krishnamurti: Agora eu quero chegar a isto: o que é a fonte? Pode o pensamento encontrá-la? E ainda assim o pensamento nasceu dessa fonte; e a inteligência também. São como dois fluxos se movendo em direções diferentes.

Bohm: Você diria que a matéria também nasce dessa fonte, de modo mais geral?

Krishnamurti: Claro.

Bohm: Eu quero dizer todo o universo. Mas então a fonte está além do universo.

Krishnamurti: É claro. Podemos colocar desse modo? O pensamento é energia, assim como a inteligência.

Bohm: Assim como a matéria.

Krishnamurti: Pensamento, matéria, o mecânico, é energia. Inteligência também é energia. O pensamento está confuso, poluído, dividindo a si mesmo, fragmentando a si mesmo.

Bohm: Sim, ele é múltiplo.

Krishnamurti: E a inteligência não. Não está poluída. Não pode dividir a si mesma como “minha inteligência” e “sua inteligência”. Ela é inteligência, não é divisível. Agora ela brotou de uma fonte de energia que dividiu a si mesma.

Bohm: Por que ela se dividiu?

Krishnamurti: Por razões físicas, por conforto...

Bohm: Para manter a existência física. Então uma parte da inteligência foi modificada de um modo que pudesse auxiliar a manter a existência física.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Isso se desenvolveu de uma certa maneira.

Krishnamurti: E prosseguiu dessa maneira. Os dois são energia. Há apenas uma energia.

Bohm: Sim, eles são diferentes formas de energia. Há muitas analogias para isso, embora numa escala muito mais limitada. Na física, poder-se-ia dizer que a luz é ordinariamente um movimento de onda muito complexo, mas, no laser, pode-se fazer com que se mova toda junta, num modo muito simples e harmônico.

Krishnamurti: Sim. Eu estive lendo sobre o laser. Que coisas monstruosas irão fazer com ele.

Bohm: Sim, utilizando-o destrutivamente. O pensamento pode obter coisas boas mas então elas sempre são utilizadas de um modo mais bruto que é destrutivo.

Krishnamurti: Então há apenas energia, que é a fonte.

Bohm: Você diria que a energia é um tipo de movimento?

Krishnamurti: Não, ela é energia. No momento em que se torna movimento, cai nesse campo do pensamento.

Bohm: Nós temos de tornar mais clara essa noção de energia. Eu pesquisei essa palavra também. Você vê, ela está baseada na noção de trabalho; energia significa “trabalhar internamente”.

Krishnamurti: Trabalhar internamente, sim.

Bohm: Mas agora você diz que há uma energia que funciona, mas sem movimento.

Krishnamurti: Sim. Eu estava pensando sobre isso ontem – não pensando – eu compreendi que a fonte está lá, incontaminada, não-movimento, intocada pelo pensamento, está lá. A partir dela, esses dois nasceram. Por que nasceram, de todo?

Bohm: Um era necessário à sobrevivência.

Krishnamurti: Isso é tudo. Na sobrevivência, a fonte – em sua totalidade, em sua completude – foi negada, ou posta de lado. Aquilo a que estou tentando chegar é isso, senhor. Eu quero descobrir, como um ser humano vivendo nesse mundo com todo caos e sofrimento, pode a mente humana tocar essa fonte na qual as duas divisões não existem? – e, por haver tocado essa fonte, que não tem divisões, pode essa mente operar sem o senso de divisão? Não sei se estou conseguindo transmitir isso.

Bohm: Mas como é possível à mente humana não tocar a fonte? Por que ela não toca a fonte?

Krishnamurti: Porque somos consumidos pelo pensamento, pela esperteza do pensamento, pelo movimento do pensamento. Todos os seus deuses, suas meditações – tudo é pensamento.

Bohm: Sim. Acho que isso nos traz à questão de vida e morte. Isso se relaciona à sobrevivência; porque essa é uma das coisas que entram no caminho.

Krishnamurti: O pensamento e seu campo de segurança, seu desejo por segurança, criou a morte como algo separado dele mesmo.

Bohm: Sim, esse pode ser o ponto-chave.

Krishnamurti: E é.

Bohm: Pode-se olhar para isso dessa forma. O pensamento construiu a si mesmo como um instrumento para a sobrevivência. Agora no entanto...

Krishnamurti: ...ele criou a imortalidade em Jesus, ou nisso ou naquilo.

Bohm: O pensamento não pode possivelmente contemplar sua própria morte. Então, se tenta fazê-lo, sempre projeta algo mais, algum outro ponto de vista mais amplo a partir do qual parece estar observando a morte. Se qualquer um tenta imaginar que está morto, então está ainda imaginando que está vivo e olhando a si mesmo como morto. Pode-se sempre complicar isso em toda espécie de noção religiosa; mas parece ser inerente ao pensamento a impossibilidade de considerar a morte apropriadamente.

Krishnamurti: Ele não pode. Isto significa terminar a si mesmo.

Bohm: Isso é muito interessante. Suponha que consideramos a morte do corpo, que vemos de fora; o organismo morre, perde sua energia e portanto desfalece.

Krishnamurti: É que o corpo é o instrumento da energia.

Bohm: Então digamos que a energia cesse de imbuir o corpo e portanto o corpo não possua mais qualquer inteireza. Poder-se-ia dizer o mesmo com o pensamento; a energia de determinadas maneiras segue para o pensamento, assim como para o corpo – é assim?

Krishnamurti: Correto.

Bohm: Você e outras pessoas têm freqüentemente usado a frase: “A mente morre para todo pensamento.”. Essa forma de colocação induz à confusão num primeiro momento, porque se acharia que o pensamento é que deveria morrer.

Krishnamurti: De fato.

Bohm: Mas agora você está dizendo que é a mente que morre, ou a energia que morre para o pensamento. O mais próximo que posso chegar do significado disso é que quando o pensamento está trabalhando, está investido com uma certa energia pela mente ou pela inteligência; e quando o pensamento não é mais relevante, então a energia se vai e o pensamento é como um organismo morto.

Krishnamurti: Está correto.

Bohm: Agora é muito difícil para a mente aceitar isso. A comparação entre pensamento e organismo parece tão pobre, porque o pensamento não é substancial e o organismo é. Então a morte do organismo aparenta ser algo muito mais significante do que a morte do pensamento. Agora esse é um ponto que não está claro. Você diria que na morte do pensamento nós temos a essência da morte do organismo?

Krishnamurti: Obviamente.

Bohm: Embora essa morte esteja numa escala menor, como de fato está, é da mesma natureza?

Krishnamurti: Como dissemos, há energia nos dois, e o pensamento em seu movimento é dessa energia, e o pensamento não pode ver a si mesmo morrer.

Bohm: Ele não tem meio de imaginar, projetar, ou conceber sua própria morte.

Krishnamurti: Portanto, ele foge da morte.

Bohm: Bem, ele provê a si mesmo a ilusão.

Krishnamurti: Ilusão, é claro. E ele criou a ilusão da imortalidade ou um estado além da morte, uma projeção de seu próprio desejo por continuidade.

Bohm: Bem, essa é uma coisa, que o pensamento pode ter começado por desejar a continuidade do organismo.

Krishnamurti: Sim, está correto, e então foi além disso.

Bohm: Foi além disso, para desejar sua própria continuidade. Esse foi o engano, foi aí que ele errou. Encarou a si mesmo como uma extensão, não meramente uma extensão, mas a essência do organismo. Primeiro o pensamento está funcionando meramente no organismo e então começa e ver a si mesmo como a essência do organismo.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: Então o pensamento começa a desejar sua própria imortalidade.

Krishnamurti: E o pensamento sabe, está muito bem consciente de que não é imortal.

Bohm: Ele sabe disso apenas de fora, no entanto. Quero dizer, ele sabe disso como um fato externo.

Krishnamurti: Portanto cria a imortalidade em figuras, imagens.

Krishnamurti: Eu ouço tudo isso como alguém que está de fora e digo a mim mesmo “Isto é perfeitamente verdadeiro, tão claro, lógico, são; nós vemos isso bem claramente, tanto psicológica quanto fisicamente.” Agora minha questão, observando tudo isso, é: pode a mente manter a pureza da fonte original? A imaculada clareza original daquela energia que não é tocada pela corrupção do pensamento? Não sei se estou expondo claramente.

Bohm: A questão está clara.

Krishnamurti: Pode a mente fazer isso? Pode a mente sequer descobrir isso?

Bohm: O que é a mente?

Krishnamurti: A mente, como nós dizemos agora, ou organismo, o pensamento, o cérebro com todas as suas memórias, experiências e tudo isso, que é tudo do tempo. E a mente diz “Posso chegar a isso?”. Ela não pode. Então eu digo a mim mesmo “Como ela não pode, ficarei quieto.”. Você vê os truques que ela tem pregado.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Eu aprenderei como estar quieto; aprenderei como meditar com o objetivo de ficar quieto. Eu vejo a importância de se ter uma mente que seja livre do tempo, livre do mecanismo do pensamento, eu a controlarei, a subjugarei, expulsarei o pensamento. Mas isto ainda é operação do pensamento. Isso está muito claro. Então o que ela deve fazer? Porque um ser humano vive nessa desarmonia, ele deve questionar isso. E isso é o que estamos fazendo. Como começamos a questionar isso, ou no questionar, chegamos a essa fonte. É ela uma percepção, um insight, e esse insight não tem nada, coisa alguma a ver com o pensamento? É o insight o resultado do pensamento? A conclusão de um insight é pensamento, mas o insight propriamente não é pensamento. Assim, eu obtive uma chave para isso. Então o que é insight? Posso convidá-lo, cultivá-lo?

Bohm: Você não pode fazer nenhuma dessas coisas. Mas há um tipo de energia que é necessário.

Krishnamurti: Exatamente. Eu não posso fazer nenhuma daquelas coisas. Quando eu cultivo o insight, isso é desejo. Quando digo que vou fazer isto ou aquilo, é o mesmo. Então o insight não é o produto do pensamento. Não está na ordem do pensamento. Agora, como se chega até esse insight? (Pausa) Nós já chegamos a ele por havermos negado tudo aquilo.

Bohm: Sim, ele está lá. Você não pode nunca responder àquela questão de como você chega até qualquer coisa.

Krishnamurti: Não. Eu acho que isto está muito claro, senhor. Você chega até o insight quando você vê toda a coisa. Então o insight é a percepção do todo. Um fragmento não pode ver isso, mas o “eu” vê os fragmentos, e o “eu” vendo os fragmentos vê o todo, e a qualidade de uma mente que vê o todo não é tocada pelo pensamento; portanto há percepção, há insight.

Bohm: Talvez devamos ir mais devagar a esse respeito. Nós vemos todos os fragmentos: poderíamos dizer que a energia, a atividade real que vê esses fragmentos é inteira?

Krishnamurti: Sim, sim.

Bohm: Nós nem sequer fazemos esforço para ver o todo porque...

Krishnamurti: ...nós somos educados – e todo o resto.

Bohm: Mas eu quero dizer, nós de qualquer forma não veríamos o todo como alguma coisa. Em vez disso, a totalidade é a liberdade de ver todos os fragmentos.

Krishnamurti: Isso está correto. Liberdade para ver. A liberdade não existe quando há fragmentos.

Bohm: Isso cria um paradoxo.

Krishnamurti: É claro.

Bohm: Mas o todo não começa a partir dos fragmentos. Uma vez que o todo opera, não há fragmentos. Então o paradoxo surge da suposição de que os fragmentos são reais, de que eles existem independentemente do pensamento. Então você diria, eu suponho, que os fragmentos existem comigo em meus pensamentos, e então eu devo de alguma forma fazer alguma coisa com relação a eles – o que seria um paradoxo. O todo começa pelo insight de que esses fragmentos são, de certa maneira, nada. É assim que isso parece ser, para mim. Eles não são substanciais. São muito insubstanciais.

Krishnamurti: Insubstanciais, sim.

Bohm: E portanto eles não impedem a totalidade.

Krishnamurti: Com efeito.

Bohm: Você vê, uma das coisas que freqüentemente causa confusão é isso, quando você põe os fragmentos em termos de pensamento, parece que você está diante dos fragmentos, que são reais, realidade substancial. Então você tem de vê-los, e no entanto, você diz, enquanto os fragmentos existam, não há totalidade, de modo que você não pode vê-los. Mas tudo isso retorna para a coisa, a fonte.

Krishnamurti: Eu estou certo, senhor, pessoas realmente sérias têm feito essa pergunta. Eles a têm feito e têm tentado encontrar uma resposta através do pensamento.

Bohm: Sim, bem, isso parece natural.

Krishnamurti: E eles nunca perceberam que foram pegos no pensamento.

Bohm: Esse é sempre o problema. Todo mundo se depara com esse problema: parece que se está olhando para qualquer coisa, para seus próprios problemas, dizendo “Esses são meus problemas, eu estou olhando.”. Mas esse olhar é apenas pensar, mas é confundido com olhar. Essa é uma das confusões que surgem. Se você diz “não pense, apenas olhe” a pessoa sente que já está olhando.

Krishnamurti: De fato. Então você vê, essa questão surgiu e eles dizem “Tudo bem, então eu devo controlar o pensamento, subjugar o pensamento e devo tornar minha mente quieta de modo que ela se torne inteira, então eu poderei ver as partes, todos os fragmentos, então eu tocarei a fonte.”. Mas isso ainda é a operação do pensamento.

Bohm: Sim, isso significa que a operação do pensamento é inconsciente para a maioria e portanto a pessoa não sabe quando ela está acontecendo. Nós podemos dizer que conscientemente compreendemos que tudo isso tem de ser modificado, tem de ser diferente.

Krishnamurti: Mas isso ainda está ocorrendo inconscientemente. Então você pode falar ao meu inconsciente, sabendo que meu cérebro consciente vai resistir a você? Porque você está me contando algo que é revolucionário, você está me dizendo algo que abala toda a minha casa que eu construí com tanto esmero, e eu não lhe darei ouvidos – você entendeu? Em minhas reações instintivas eu o afasto. Então você compreende isso e diz “Veja, tudo bem, velho amigo, apenas não se preocupe em me dar ouvidos. Eu vou falar ao seu inconsciente. Eu vou falar ao seu inconsciente e fazer com que ele veja que qualquer movimento que faça está ainda dentro do campo do tempo e etc.”. Assim, sua mente consciente nunca está em operação. Quando ela opera, deve inevitavelmente resistir também, ou dizer “Eu vou aceitar”; portanto ela cria um conflito nela mesma. Então, você pode falar ao meu inconsciente?

Bohm: Pode-se sempre perguntar como.

Krishnamurti: Não, não. Você pode dizer a um amigo “Não resista, não pense sobre isso, mas eu vou falar com você.”. “Nós dois estamos nos comunicando um com outro sem que a mente consciente ouça.”

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Eu acho que isso é o que realmente ocorre. Quando você estava falando comigo – eu estive percebendo – eu não estava escutando muito suas palavras. Eu estava escutando você. Eu estava aberto a você, não a suas palavras, o que você explicou e etc. Eu disse a mim mesmo, tudo bem, abandone tudo isso, eu estou ouvindo você, não as palavras que você usa, mas o significado, a qualidade interior do seu sentimento que você queria me comunicar.

Bohm: Eu entendo.

Krishnamurti: Isso me modifica, não toda essa verbalização. Então você pode falar comigo sobre minhas idiotices, minha ilusões, minhas tendências peculiares, sem a mente consciente interferindo e dizendo “Por favor, não toque em tudo isso, deixe-me sozinho!”. Tentaram propaganda subliminar em anúncios, de modo que você não estaria prestando verdadeira atenção, seu inconsciente estaria, então você compraria aquela sopa em particular! Não estamos fazendo isso, o que seria mortal. O que estou dizendo é: não me escute com seus ouvidos conscientes, mas escute-me com os ouvidos que ouvem muito mais fundo. Essa é a forma com que eu ouvi você esta manhã, porque eu estou terrivelmente interessado na fonte, como você está. Você entendeu, senhor? Eu estou realmente interessado naquela coisa única. Tudo isso é o explicável, facilmente entendido – mas chegar junto àquela coisa, senti-la próxima! Você entendeu? Eu acho que esse é o modo de quebrar um condicionamento, um hábito, uma imagem que tem sido cultivada. Você fala sobre isso num nível em que a mente consciente não está totalmente interessada. Isso soa tolo, mas você entende o que quero dizer? Digamos, por exemplo que eu tenho um condicionamento; você pode apontá-lo dúzias de vezes, argumentar, mostrar a falácia dele, a estupidez – mas eu ainda continuo. Eu resisto, eu digo o que deveria ser, o que eu, na realidade, deveria fazer nesse mundo, e todo o resto. Mas você vê a verdade, que enquanto a mente está condicionada haverá conflito. Então você penetra ou empurra minha resistência para o lado e chega ao inconsciente, faz com que ele ouça você, porque o inconsciente é muito mais sutil, muito mais rápido. Ele pode estar assustado, mas vê o perigo do medo muito mais rápido do que a mente consciente o faz. Como quando eu estava caminhando na Califórnia no alto das montanhas: eu estava olhando para os pássaros e árvores e observando, e ouvi uma serpente e saltei. Foi o inconsciente que fez o corpo pular; eu vi a serpente quando saltei, estava a dois ou três pés de mim, poderia ter me picado muito facilmente. Se o cérebro consciente estivesse operando, levaria vários segundos.

Bohm: Para alcançar o inconsciente você tem de ter uma ação que não apele diretamente ao consciente.

Krishnamurti: Sim. Isso é afeição, isso é amor. Quando você fala à minha consciência desperta, ela é dura, esperta, sutil, aguda. E você a penetra, penetra-a com seu ver, com sua afeição, com todo o sentimento que tem. Isso opera, nada mais.

Brockwood Park
7 de Outubro de 1972

1. David Bohm, Professor de Física Teórica no Birbeck College, Universidade de Londres; autor de Causalidade & Chance na Física moderna, Teoria Quântica, e A Teoria da Relatividade Especial.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill