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segunda-feira, 9 de abril de 2018

No “estar só” não existe medo


No “estar só” não existe medo

Estivemos falando a respeito da mente nova, e estou certo de que ela não pode ser produzida pela vontade, em qualquer forma que seja, nem por qualquer desejo, intenção, ou pensamento deliberado. Mas parece-me que, se pudermos compreender os vários fatores que impedem o nascimento desse estado, talvez possamos, então, descobrir por nós mesmos a natureza da mente nova. Desejo, pois, apreciar junto convosco uma questão que poderá ser um tanto complicada, mas espero que possamos examiná-la a pleno e, se necessário, prosseguiremos nisso da próxima vez.

Não sei se já perguntastes a vós mesmos porque existe esse impulso inelutável a aderir a uma dada escola de pensamento, pertencer a alguma coisa, identificar-se com uma ideia, adotar um dado sistema de ação. Uma pessoa adere, digamos, ao comunismo, identificando-se completamente com seus ideais, suas atividades. Pode-se ver porque assim procede: porque tem esperanças numa utopia final etc. etc. Mas esta me parece apenas uma explicação superficial. Penso existe uma razão psicológica muito mais profunda pela qual cada um de nós deseja pertencer a alguma coisa — uma pessoa, um grupo, certas ideias e ideais. E talvez seja possível examinarmos a natureza intrínseca desse impulso. Que é ele, precisamente?

Penso que, em primeiro lugar, está o desejo de agir. Desejamos promover uma certa espécie de reforma, transformar o mundo de acordo com um certo padrão. Existe o sentimento de que devemos fazer alguma coisa juntos, que há necessidade de ação cooperativa. E, em certos níveis — melhoramento das estradas, promoção de melhores condições sanitárias etc. — talvez seja necessário aderirmos a uma certa ideia. Mas, se investigamos com mais profundeza, começaremos a descobrir que existe esse impulso a nos identificarmos com uma certa coisa porque aspiramos a um sentimento de segurança, de garantia.

Todos conhecemos muitas pessoas que se filiam a determinado partido político, ou determinado sistema de ação, ou certo grupo de pensamento religioso. Passado certo tempo, essas pessoas começam a descobrir que a causa que abraçaram não lhes convém e, assim, a abandonam e passam-se para outra.

Acho importante averiguar porque existe esse impulso. Porque é que aderimos a uma coisa ou pessoa? Se investigarmos isso, abriremos a porta do problema do medo.

A mente, por certo, está sempre em busca da segurança, da permanência. Busca a permanência nas relações com a esposa, o marido, os filhos, uma ideia, no conhecimento e na experiência. E quanto mais experiência temos, quanto mais conhecimento acumulamos, maior se torna o sentimento de segurança. E permita-se-me dizer agora que ouvir as palavras que estamos dizendo é uma coisa, e coisa muito diferente é experimentar o que estas palavras significam. Estou apenas descrevendo a natureza de nossa mente; e para a pessoa que não está apercebida de seus próprios pensamentos e atividades, essa descrição se torna muito superficial. Mas se, penetrando as palavras, a pessoa começa a compreender a si mesma, percebe que na realidade está em busca de segurança e o que esta busca implica, isso, sem dúvida, tem extraordinário significado. Deixar-se satisfazer apenas com palavras e explicações, como o faz a maioria de nós, parece-me extremamente fútil. Nenhum homem que sente fome se satisfaz com a palavra “comida”.

Assim, podemos examinar esta questão do medo, mas sem interesse no que devemos fazer contra ele? Mais tarde, poderemos tratar deste ponto, ou talvez nem seja isso necessário. Por que surge o medo? E por que está a mente sempre a buscar segurança, não apenas fisicamente, exteriormente, mas também interiormente?

Estamos falando de “exterior” e “ interior”; mas, para mim, há só um movimento, que se expressa ora exteriormente, ora interiormente. É um movimento de vaivém, como o da maré. Não existem coisas tais como mundo exterior e mundo interior, e esta separação dos dois cria divisão, conflito. Mas, para compreender a “maré” interior, o movimento interior, precisamos compreender também o movimento que se dirige para fora. E se estamos apercebidos das coisas externas e não há reação a elas, na forma de resistência, defesa ou fuga, pode-se então ver que o mesmo movimento se torna interior, profundo; mas a mente só poderá segui-lo, se não houver divisão nenhuma.

Se refletimos um pouco a esse respeito, podemos ver que as pessoas ditas religiosas separam o exterior e o interior; a atividade exterior é considerada como muito superficial, desnecessária e mesmo má, e a interior considerada muito significativa. Por isso, há conflito — questão que estivemos examinando, há dias, com certa profundeza. Estamos agora investigando a questão do medo, não só o medo causado pelos eventos exteriores, mas também pelas interiores exigências e compulsões, e pela perpétua busca de certeza. Toda experiência, evidentemente, é uma busca de certeza. Uma experiência de prazer leva-nos a desejar mais prazer, e este mais é o impulso para pôr-nos em segurança em nosso prazer. Se amamos alguém, queremos ter toda a certeza de que esse amor é correspondido, e procuramos firmar um estado de relação que — assim esperamos, pelo menos — seja permanente. Toda a nossa sociedade se baseia nesta qualidade de relações. Mas existe coisa permanente? Existe, de fato? O amor é permanente? Nosso desejo constante é tornar permanentes as sensações, não é verdade? Considere-se a questão da virtude. O cultivo da virtude, o desejo de ser permanentemente virtuoso é, essencialmente, desejo de estar em segurança. E a virtude pode ser permanente? Por favor, senhor, não aceneis apenas com a cabeça, concordando, mas segui isso interiormente, em vós mesmos.

Digamos: uma pessoa sente cólera, ou sente que lhe falta bondade, compaixão, afeição. Pelo cultivo do oposto da cólera, pelo cultivo da tolerância, espera ela produzir um estado de virtude, sendo assim a virtude meramente um “artigo” adequado a nossa conveniência, um meio para um certo fim. Mas a virtude, a bondade, por certo não são cultiváveis, absolutamente. A bondade, tal como a humildade, só pode manifestar-se quando há atenção completa, não visando a nenhum ganho. Considere-se a questão de ser amado ou de amar. É possível a mente ambiciosa amar ou ser amada? O funcionário que deseja tornar-se chefe, o chamado “santo que aspira a realizar Deus”, são ambiciosos, porque estão interessados no próprio aperfeiçoamento; e a mente deles, é óbvio, não pode conhecer o amor. A mente desejosa de compreender a natureza da palavra “amor” deve, sem dúvida, estar totalmente livre daquele desejo de segurança, pois assim nos tornamos essencialmente vulneráveis, sensíveis. É possível, pois, nos tornarmos verdadeiramente livres do medo?

Desejamos ter segurança neste mundo, materialmente, e desejamos estar seguros em nossa respeitabilidade, em nossas ideias; desejamos ser informados sobre o que será de nós após a morte; e podereis observar, se o quiserdes, que nossa mente está sempre e sempre cultivando esse desejo de certeza. Mas não vejo como possa a mente ficar livre do medo e das respectivas frustrações, quando está a buscar segurança. Evidentemente, há necessidade de um certo grau de segurança física: precisamos saber de onde nos virá a próxima refeição, ter um lugar onde dormir, ter roupas, etc. etc.; e qualquer sociedade razoavelmente justa procura prover estas condições. Talvez, dentro de uns cinquenta anos haverá no mundo inteiro uma certa forma de segurança. Oxalá assim seja, mas não é isso que nos interessa neste momento. Nós desejamos segurança tanto em nossas ações como interiormente; e não é esta a causa do medo?

O medo sempre nos acompanha, não é verdade? Medo do escuro, medo dos outros, medo da opinião pública, medo de perdermos a saúde, de perdermos nossas capacidades, medo de não sermos ninguém neste mundo monstruoso, aquisitivo, agressivo; medo de não alcançarmos o objetivo, de não “realizarmos” um estado de suprema felicidade, bem-aventurança, Deus, ou o que quer que seja. E também, naturalmente, há o medo fundamental à morte. Não estamos tratando da morte, por ora, porém apenas tentando ver, descobrir o medo. Sem dúvida, o medo está sempre em relação com alguma coisa. Não existe medo sozinho, per se. Há dúzias de manifestações de medo, todas em relação com alguma coisa. E é possível ficar-se só, completamente? É possível a mente ficar de todo só, sem isolar-se, sem edificar muralhas, torres de marfim, ao redor de si? Á mente está só, quando já não busca segurança. E pode ela libertar-se totalmente do medo?

Note-se que o medo supõe o tempo. Vamos examinar isso. O tempo — ontem, hoje e amanhã — é um fator de medo. Estou envelhecendo e a morte me espera, desde agora e por todos os dias vindouros. E o pensamento relativo à morte e pensamento de medo. Haveria medo à morte, ao fim, se não houvesse pensamento referente ao amanhã, ao futuro? Não concordeis comigo, por favor. Concordar com uma explicação não tem valor. Se examinastes verdadeiramente, diretamente, esta questão do medo, deveis ter encontrado a questão do tempo, que compreende não só o amanhã, mas também o passado, o qual significa — não achais? — experiência. Pode a mente ficar tão só, tão desligada do passado e do futuro, que não esteja encerrada de modo nenhum na esfera do tempo?

A mente busca segurança, identificando-se com uma ideia, crença, determinada norma de ação, pertencendo a um grupo, ao cristianismo, ao hinduísmo, ao budismo, a isto ou àquilo — e tudo isso é o contrário de estar só. Quase todos temos horror a estar sós. A seguir, temos o conflito proveniente da contradição, e a raiz desta contradição é a ânsia de preenchimento. Há, pois, essa ânsia constante de preenchimento, de ser, de “vir a ser” algo permanente; e apresenta-se, assim, a questão do tempo. Eis todos os fatores do medo; e acho que não há necessidade de pormenorizarmos mais.

Ora, depois de vermos a totalidade do quadro, de o sentirmos totalmente, surge a questão: Pode a mente abandonar o medo, de todo? Isso significa, com efeito — se assim podemos dizer sem ser mal compreendidos — pode a mente estar só, não relacionada? Haverá uma solitude que não seja mero oposto do conflito, da contradição criada pelas relações? Eu creio que nesta solitude se encontra o verdadeiro estado de relação, e não na outra. No “estar só” não existe medo. Afinal, há séculos que o homem se ocupa com o problema do medo, e ainda não estamos livres dele. E o medo, em suas formas extremas, leva a diferentes manifestações de neurose, etc. Ora, a questão é se vós e eu, percebendo tudo isso, podemos ficar total e instantaneamente livres do medo — mas não pelo hipnotizar-nos a nós mesmos, dizendo: “Agora estou livre do medo” — porque isso é puro absurdo. O percebimento da totalidade do medo significa, essencialmente, um estado de “não ser”.

APARTE: Parece-me que tenho medo de me ver forçado a viver em certas circunstâncias, como, por exemplo, morar numa grande cidade ou trabalhar numa fábrica onde nada existe que eu possa amar ou considerar valioso.

KRISHNAMURTI: Como procedereis em tal caso, senhor? Digamos que eu tenho de trabalhar da manha à noite num pequeno escritório, aqui em Londres, com um chefe desagradável. A ida diária para o trabalho, de ônibus ou pelo “metrô”, a incessante rotina, o contato constante com pessoas que aborrecem e atormentam — todas essas detestáveis condições... Que devo fazer? As circunstâncias me estão forçando. Tenho responsabilidades: minha mulher, meus filhos, minha mãe etc. Não posso afastar-me, fugir para um mosteiro; e isso seria outra coisa horrorosa: a rotina de erguer-se às duas da madrugada, recitar as mesmas e velhas orações para as mesmas e velhas divindades etc. Neste mundo de rotina, monotonia e sordidez, tudo fazemos para fugir, todos perguntamos: “que posso fazer para livrar-me disso?”

Em primeiro lugar, nós somos educados erroneamente — nunca somos educados para amar aquilo que fazemos. Assim, vendo-nos presos na rede, sem possibilidade de fuga, perguntamos: Que devo fazer? Não é exato, senhores? Fugir para o sentimentalismo, para crenças, igrejas, organizações, ideias utópicas, é evidentemente absurdo. Percebo a futilidade dessa fuga e, portanto, abandono-a. Já não há a tentação de fugir e fico em presença do fato, o fato duro e brutal. Que devo fazer? Dizei-mo, senhores!

APARTE: Por certo, nada podeis fazer.

KRISHNAMURTI: Senhores, já “vivemos com alguma coisa” sem resistência nenhuma? Já “vivi” com minha cólera, sem resistência? — o que não é a mesma coisa que aceitá-la, pois isso significaria apenas a continuação dela. “Viver” com a cólera, conhecer-lhe a natureza íntima; “viver” com a inveja, sem procurar dominá-la, reprimi-la ou transformá-la... já tentastes isto? Já tentastes alguma vez “viver” com algo realmente belo, um quadro, uma bela paisagem, uma montanha majestosa com soberbo panorama? E que acontece se viveis com essa coisa? Depressa vos acostumais com ela, não é verdade? Vendo-a pela primeira vez, ela vos comunica um certo sentimento de desafogo, de percepção, com o qual vos habituais; passados dias, ele se desvanece. Vede os camponeses, em todas as partes do mundo, que vivem rodeados de maravilhosos cenários; acostumaram-se com eles. E a esqualidez das cidades de todo o mundo, a sordidez, a podridão, a fealdade, a crueldade, a tremenda brutalidade... com tudo isso nos acostumamos também. “Viver” com o belo ou com o feio, sem se acostumar — isso requer espantosa energia, não? Não se deixar acabrunhar pelo feio nem embotar pelo belo, e ser capaz de “viver” com ambos, requer extraordinária sensibilidade e energia. E isso é possível? Por favor, senhores, refleti um pouco sobre isso.

O problema da energia é muito complicado. O alimento não dá a energia a que me estou referindo. Dá uma certa qualidade de energia; mas o “viver” com uma coisa, o “viver” com o amor exige energia de qualidade completamente diferente. E como se adquire essa energia que constitui, essencialmente, a natureza da mente nova? Ela se adquire, por certo, quando não existe medo, quando não existe conflito, quando não desejamos ser algo, quando vivemos totalmente, anonimamente.

Mas, que bem se faz falando sobre essas coisas? Elas supõem um extraordinário percebimento da busca de segurança, exterior e interiormente. E os mais de nós já estamos muito cansados, muito velhos, obrigados a viver no passado, em nossa ocupação, ou em alguma escura masmorra de nosso ser. Assim, que fazer?

Voltemos à nossa primeira pergunta. Pode a mente libertar-se, instantaneamente, de toda ânsia e exigência de segurança? Pode-se viver num estado de completa incerteza, sem enlouquecer, no mínimo que seja?

APARTE: Se uma pessoa gosta muito de seu trabalho, também aí há medo?

KRISHNAMURTI: Há, sim, senhor, porque há o risco de perder a capacidade para esse trabalho. A capacidade, senhor, é uma coisa terrível porque nos proporciona um esplêndido meio de fuga. Se um homem é bom pintor, bom orador, se tem a capacidade de coordenar palavras, escrever, se é competente engenheiro, ou possui um talento qualquer, isso lhe dá um extraordinário sentimento de segurança, confiança em si, neste mundo de competição e aquisição. E, se não tem confiança em suas aptidões, sente-se totalmente perdido. Mas, sem dúvida, para encontrar Deus — ou o nome que lhe quiserdes dar — a mente deve estar de todo vazia, não? Deve estar livre do conhecimento, da experiência, da capacidade e, por conseguinte, livre do medo, inteiramente purificada, inocente, fresca, jovem.

APARTE: Isso parece que seria o fim de mim mesmo, tal como me conheço.

KRISHNAMURTI: Sim, senhor, justamente. Não sei se já tentastes viver um dia inteiro tão completamente que não houvesse nem ontem nem amanhã. Isso requer muita compreensão do passado. O passado não é apenas a palavra, a língua, o pensamento, mas também o retrospecto do ontem e suas raízes que se cravam no presente.

Alijar completamente o passado — as iniquidades cometidas, as inverdades proferidas, as ofensas e danos causados — abandonar todos os prazeres, dores e lembranças. Não sei se já tentastes isso, se já tentastes arredar-vos do passado. E ninguém pode arredar-se dele, se há mágoas ou prazeres nas coisas lembradas. Experimentai isso, de quando em quando, não porque vo-lo estou dizendo ou porque espereis daí alguma recompensa ou maravilhosa experiência, pois isso seria mera troca, barganha. Mas para a mente, resultado do tempo, constitui uma coisa deveras extraordinária, estar completamente livre do tempo.

APARTE: O hábito constitui uma parte considerável disso de que estais falando, não?

KRISHNAMURTI: Temos de averiguar isso, não? Não estou aqui apenas para responder a perguntas: estamos investigando. Vemos a mente sempre ocupada. Com a maioria de nós, é isso que se passa. Acha-se a mente ocupada em ensinar, cuidando das crianças, da casa, do emprego; ocupada com suas próprias vaidades e virtudes... sabeis com quantas coisas ela vive ocupada. E ocupação supõe hábito. Ora, porque tem de estar ocupada? Quer ocupada com o sexo, quer com Deus, quer com a virtude — tudo é a mesma coisa. Não há ocupação nobre ou ignóbil. Não é assim? Não sei se percebeis isso realmente. A mera substituição da ocupação não constitui libertação da ocupação. Ora, porque tem a mente de estar ocupada?

APARTE: Isso pode ser um meio de fuga.

KRISHNAMURTI: Sim, senhor, não há dúvida que é um meio de fuga; mas as explicações não nos podem levar muito longe. Ide um pouco mais longe, senhor. Penetrai mais.

APARTE: É por medo, não? Por avidez também, talvez.

KRISHNAMURTI: Podemos prosseguir indefinidamente, adicionando explicações e mais explicações: fuga, medo, avidez. E qual o resultado? Não me estou mostrando intransigente, rude ou indelicado. Mas já demos explicações e, contudo, a mente não ficou livre da ocupação.

APARTE: Porque a mente é ocupação.

KRISHNAMURTI: Dizeis que a mente é ocupação; e isso significa — não é verdade? — que a mente que não está ocupada, que não está ativa, pensando, funcionando, indagando, respondendo, desafiando (pois tudo isso são manifestações da mente) não é mente. Isso é exato? A palavra “porta” não é a porta, e a palavra “mente” não é a mente. A mente “se realiza” na ocupação? Ou existe uma mente que diz: “Estou ocupada”?

Desejo averiguar porque a mente persiste ocupada. Porque dizemos que, se a mente não está ocupada, ativa, buscando, defendendo, nutrindo ansiedades, medo, culpa, não é mente? Se não existem todas essas coisas, não existe mente?

APARTE: Essas coisas são a mente, num certo nível, não constituem a mente total.

KRISHNAMURTI: Ansiedade, culpa, medo, reações — é só isso que conhecemos, não? E que é a totalidade da mente, como a conhecemos? A totalidade da mente, como a conhecemos, são o inconsciente e o consciente. Voltemos um pouco atrás. Por que está ocupada a mente? E que aconteceria se a mente não estivesse ocupada?

APARTE: Se a mente não está ocupada, há atenção profunda.

KRISHNAMURTI: Não digais “se”, que é especulação. Como vedes, não estamos penetrando devidamente a questão.

APARTE: A mente está sempre reagindo a estímulos vários. É esse o processo de “estar ocupada”.

KRISHNAMURTI: Sem dúvida, senhor, sem dúvida nenhuma. Já alguma vez experimentastes ficar sem pensamento algum? Pois todo pensamento é ocupação com uma ou outra coisa.

APARTE: Isso é impossível, porque, se a mente está vazia, nada se pode experimentar.

KRISHNAMURTI: Não, não, senhor! Aqui também não se trata de nenhum “se”; e não empreguei “experimentar” nesse sentido. Nós vivemos enredados nas palavras, já vos aconteceu alguma vez ter cessado o pensamento? Não, “ter terminado um pensamento” porque saístes a seu encontro dispostos a liquidá-lo; não é isso o que quero dizer. Mas, quando há pensamento, há ocupação. O pensamento põe a funcionar o hábito. Já olhastes para uma coisa, sem pensamento? Não me refiro a um estado de vazio, e, sim, a um estado em que estais presente com todo o vosso ser, e plenamente atento. Já olhastes para alguma coisa nesse estado em que não existe pensamento? Já olhastes para uma flor, sem dizerdes o seu nome, sem dizerdes quanto é bela, que linda a sua cor etc.? Sabeis quanto a mente “tagarela”. Já olhastes para alguma coisa, sem julgamento, sem avaliação?

Se pudéssemos “olhar” o medo sem resistência, sem aceitá-lo ou condená-lo ou julgá-lo, observando simplesmente a sua presença em nós e “vivendo com ele”, isso seria então medo? Mas o “viver com ele” exige imensa energia, para que a mente preste completa atenção.

Suponhamos que alguém me diga: “Sois um homem muito arrogante”. Muitas pessoas me dizem coisas — que sou isto, que sou aquilo. Cada declaração que fazem, eu “vivo com ela”. Relevai-me falar rapidamente sobre minha pessoa: Eu “vivo com ela”, não lhe resisto; não digo que é certa nem que é errada. E o “viver com ela” requer atenção, para ver se é verdadeira. Atenção é energia. Atenção, energia, é o universo inteiro; mas não é disso que estamos tratando agora. Pode-se “viver com a coisa”, não desfigurá-la; não dizer: “Já me disseram isto antes”, “Eu não sou assim” ou “Eu sou assim e preciso mudar”. Entendeis? Não é possível viver com o agradável e o desagradável; viver com o sofrimento — seja uma dor de dentes ou outra espécie de sofrimento — viver com o medo, sem se tornar desequilibrado? Gostamos de viver com as coisas agradáveis, as experiências deleitáveis que tivemos. São coisas mortas e idas, mas queremos “viver com elas”, e, assim, ficamos vivendo apenas com uma lembrança morta. Com o sofrimento não queremos viver, desejamos achar uma saída... Mas não é possível viver com ambas as coisas, sem pedir solução, sem pedir resposta, e sem nos pormos a dormir em relação a elas? Vede: isto é meditação.

Krishnamurti, Londres, 09 de maio de 1961, O Passo Decisivo


domingo, 8 de abril de 2018

O mecanismo de deterioração mental


O mecanismo de deterioração mental

PERGUNTA: Observa-se na Índia, hoje em dia, uma total ausência de beleza e a destruição das coisas belas, em todos os setores — político, social, psicológico e cultural. A que atribuís esse fato e de que maneira obviar essa desintegração total?

KRISHNAMURTI: Porque há desintegração, não só nesta terra infeliz, superpovoada, miserável e faminta, mas também no mundo inteiro? Porque existe esta desintegração? Não procureis uma resposta; esperai. Não apresenteis razões imediatas, porque as vossas razões serão de acordo com o vosso fundo, vosso condicionamento comunista, hinduísta, capitalista, cristão, ou qual seja ele. Prestai atenção: quando vos fazem uma pergunta — “Porque há desintegração?” — a vossa resposta é ditada pelo vosso fundo, vossos conhecimentos, vossa experiência, não é verdade? Esta reação não é a causa da desintegração? Examinemos esta questão vagarosamente, para acharmos a verdade respectiva. Porque há desintegração? Porque se tornou a mente medíocre, inferior? Porque estamos interessados só em nossas insignificantes pessoas? Porque nos identificamos com um “eu maior” — que, contudo, é ainda medíocre? Porque sou pequeno, identifico-me com algo que é maior; porém, minha mente continua pequena, inferior. Posso identificar-me com Deus, com a Verdade, ou com a Nação; mas minha mente continua medíocre. Por mais que a mente se identifique com algo maior, esse próprio processo de identificação é sempre de ordem inferior.

Senhores, porque nos vemos presos nesta rede de inferioridade, de deterioração? Sabeis que a vossa mente está a deteriorar-se? Ou dizeis: “Minha mente não se está deteriorando; está funcionando maravilhosamente, sem esforço algum, como um mecanismo impecável, sem resistências, sem temores, sem pensar no amanhã”? É óbvio, só muito poucos de nós podemos dizer tal coisa. Se puderdes compreender porque a mente se deteriora, compreendereis então porque se está desintegrando a cultura e porque se desintegram os valores sociais e as várias formas e expressões da beleza.

Porque se está deteriorando a mente? Este é que é o problema, e não: “porque há, na Índia, desintegração em todos os setores?”. Porque se desintegra a vossa mente? Se um ou dois de nós pudermos compreender isto verdadeiramente, um ou dois de nós poderemos transformar o mundo. Já que, em geral, não estamos interessados em tal coisa, não nos achamos capacitados para efetuar uma revolução completa. Nessas condições, só aqueles poucos que puderem compreendê-la verdadeiramente serão capazes de produzir no mundo uma revolução de extraordinária magnitude.

Porque se está deteriorando a vossa mente? Dizeis que, culturalmente, nos estamos desintegrando. Que é “cultura”? É simples expressão, imitação de uma forma, concebida pelo espírito humano? Atualmente, na Índia, a mente está completamente tolhida, agrilhoada pela chamada cultura, pela tradição, pela ausência de alegria, pelo medo de uma existência não futurosa, pela falta de segurança ou pelo desemprego. É esta a razão pela qual a mente, tão condicionada que está, tão completamente tolhida, se vê privada da iniciativa, do impulso criador? É porque a mente tem a tendência de imitar e copiar, é por isso que ela se está desintegrando e não pode estar intensamente ativa, criando?

Como pode ser criadora a mente quando existe temor? O problema, portanto, não é o seguinte: “Pode a minha mente, a vossa mente, a mente comum, a mente que está agitada, por causa das responsabilidades de família, dos seus deleites, da rotina num escritório, debaixo de um chefe tirânico, a mente prisioneira da tradição, da riqueza — pode a mente em tais condições ser criadora?” Se se liberta do seu condicionamento, é claro que a mente é então criadora. Se percebe a verdade de que qualquer modalidade de imitação lhe é perniciosa, é claro que a mente abandonará a imitação. Mas nós não enxergamos essa verdade. Por essa razão prossegue, sem diminuição, o lento processo da desintegração.

Pode uma mente estar livre do medo? Aí está o âmago do problema, pois o medo é desintegração Quando intimidamos uma criança, ela cede; mas com a imitação, a compulsão, destrói-se o espírito. Pode ele estar livre do medo? O medo não existe só sob uma determinada forma — medo de ser punido, medo de perder o emprego, medo ao insucesso — porque a mente teme em todas as suas relações. Pode ela estar livre do medo, onde quer que ele se encontre, no escritório ou no lar, em qualquer parte onde atue? Não digais “não”. Se sei que tenho medo, nas minhas relações e a vários respeitos, esse próprio conhecimento, esse percebimento mesmo da existência do temor, produzirá uma transformação. Mas a transformação é impossível se se quer transformar o medo noutra coisa, por exemplo, em amor; porque, nesse caso, o amor será uma outra forma do temor. Vede bem isso, senhores. Se reconheço que tenho medo de alguém e não desejo transformar esse medo noutra coisa, se sei, simplesmente, que tenho medo, o medo, então, começa a transformar-se em algo totalmente diverso daquilo que a mente deseja.

Enunciemos o problema de outro modo. O problema existe por causa da resistência, e se não há resistência, não há problema. Mas, para se compreender a resistência requer-se extraordinário discernimento e penetração, e não mera determinação ou ação da vontade, dizendo-se: “Não sustentarei resistência alguma”. A própria declaração: “Não sustentarei resistência”, é uma forma de resistência. Entretanto, se compreenderdes a profundidade, a qualidade, as várias modalidades de resistência, existentes na mente — as quais são dificílimas de descobrir — vereis então que o problema do medo nem chega a nascer. A mente está então morrendo todos os dias, não está mais a acumular. E esse morrer para cada dia significa morrer para tudo o que se sabe, morrer para a experiência, morrer para todas as coisas que se têm acumulado, estimado, acalentado. Só então existe a possibilidade do nascimento de uma mente nova, uma mente criadora.

Enquanto se for hinduísta, comunista, budista ou o que quer que seja, não se pode ter um espírito novo. Enquanto a mente está na sujeição do temor e, por essa razão, observando determinada rotina ou ritual, ela não é uma mente nova. Enquanto se pratica puja e se observam mandamentos — atos esses que são “projeções” do medo — a mente não pode ser nova. Se, ouvindo estas palavras, dizeis: “quero ter uma mente nova”, não a tereis. A mente nova não nasce por obra do desejo e da compulsão. Ela só pode nascer espontaneamente, uma vez compreendida pela mente a sua própria capacidade, suas atividades, suas profundezas.

É importante compreender a verdade a respeito da transformação. A mente não pode repudiar o temor, porque ela própria é temor, e é só isso o que se conhece da mente: o medo — medo ao que digam de nós, medo da morte, medo de perder o que se tem, medo à punição, medo de não alcançar o que se deseja, medo de “não preenchimento”. A mente, pois, nas suas condições atuais, é toda temor. E quando essa mente deseja transformar-se, continua, não obstante, no campo do temor; este é um óbvio fato psicológico. Inventa, assim, a mente um “eu superior”, o Atman, para operar a transformação; mas este, também, está na esfera do temor, já que é uma invenção mental. Não importa o que disse Buda, Sankara ou outro qualquer. Tudo continua na esfera do pensamento, e quando a mente aspira à transformação dentro da esfera do pensamento, da esfera do tempo, não há transformação, mas a continuação do medo sob nova forma.

O homem que cultiva um ideal nunca conhecerá uma mente nova; e esta é a praga que infesta o nosso país. Somos todos idealistas, que desejamos adaptar-nos à não-violência, a isto ou àquilo. Todos somos imitadores. Eis porque jamais temos a mente fresca, a mente completa e totalmente nova, e só nossa, não de Sankara, de Marx ou de outro qualquer. Essa total “novidade”, esse estado completo da mente, só pode realizar-se quando não existe experimentador nem experiência; só existe esse estado quando se pode morrer totalmente para cada dia e para tudo o que se tem acumulado psicologicamente. Só então há a possibilidade de uma regeneração completa. Isto não é coisa irrealizável, não é simples retórica. É uma coisa possível, desde que seja meditada e compreendida a fundo; eis porque é importante conhecer, pesquisar o que é verdadeiro. Mas não se pode escrutar o verdadeiro quando a mente não está silenciosa. Se a mente está sempre a pedir, a exigir, a rogar, a desejar isto ou aquilo, a largar uma coisa para pegar outra, não é: uma mente serena. Sede serenos, tranquilos. Vede as árvores, os pássaros, o céu, a beleza, as riquezas da existência humana. Observai, silenciosa e vigilantemente. Nesse silêncio se manifesta aquela coisa indefinível, imensurável, atemporal.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
7 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Pode-se compreender o mecanismo do medo?

Pode-se compreender o mecanismo do medo?

PERGUNTA: Dizeis que só uma mente tranquila pode resolver o problema do temor; mas, como pode a mente estar tranquila quando tem medo?

KRISHNAMURTI: Há vários problemas encerrados nesta pergunta. Em primeiro lugar, como tranquilizar a mente a fim de dissolver o temor? E pode a mente que tem medo estar alguma vez tranquila? E a tranquilidade da mente se obtém por meio de alguma técnica? Afinal de contas, é isto que perturba muita gente: o “como”, o método, a técnica de se alcançar um estado de paz. O “como” implica hábito, a manutenção de certa atitude dia por dia, a repetição de certa ação, a observância de determinado plano, o disciplinar da mente para estar tranquila. E a tranquilidade, a serenidade da mente resulta de hábito? É produto de exercício constante? Ou vem tão somente quando há liberdade, quando há compreensão do que é?

Naturalmente, se desejo paz de espírito, não a terei nunca. É por desejar ter uma mente tranquila que pratico vários exercícios, os quais espero tenham a virtude de realizá-la; o resultado, porém, é uma mente morta. A mente morta está muito tranquila, mas não pode ser criadora. Assim, pois, não existe nenhum “como”. O que a mente pode fazer é apenas ter consciência de que procura um método porque deseja algo. Se desejais enriquecer, juntais dinheiro, selecionais os vossos amigos, circulais no meio de gente que possa aju­dar-vos a obter o que desejais. Do mesmo modo, se desejais paz de espírito, se sentis a sua urgência, procurais descobrir o meio de consegui-la: ouvis vários instrutores, praticais disciplinas, ledes certos livros, sempre com a intenção de ter paz de espírito; todavia, vossa mente só se torna embotada. Se, entretanto, estiverdes apercebida desse “mecanismo” do vosso pensar, na sua totalidade, tanto do mecanismo inconsciente como do consciente; se observardes todos os vossos pensamentos, momento por momento, sem condenação ou julgamento; se simplesmente observardes cada pensamento que surge, sem o rejeitar ou por de parte, achareis então uma liberdade, na qual se torna existente a tranquilidade, sem volição, e sem nenhuma ação da vontade.

O problema, por consequência, não é de como libertar a mente do temor, ou de como tê-la tranquila, para dissolver o temor, mas: se o medo pode ser compreendido. Embora eu tenha medo de várias coisas — de meu patrão, de minha esposa ou marido, da morte, de perder o meu depósito no banco, da opinião dos meus vizinhos, da frustração, de perder minha importância pessoal — esse medo, em si, é o resultado de um mecanismo total, não é? Isto é, o “eu”, o “ego”, em sua atividade, “projeta” o medo. A substância é o pensamento concernente ao “eu”, e sua sombra é o medo; e, evidentemente, não adianta batalhar contra a sombra, a reação. O “eu” está-se protegendo, ansiando, esperando, desejando, lutando; e constantemente compara, pesa, julga; aspira ao poder, à posição, ao prestígio, aspira a ser respeitado; e pode esse “eu”, fonte do temor, deixar de existir, não para todo o sempre, mas momento por momento? Quando se apresenta o sentimento de temor, pode a mente ficar apercebida dele, examiná-lo sem condenação, julgamento, escolha? Porque, no momento em que começamos a julgar, a avaliar, é uma parte do “eu” que está dirigindo, e, portanto, condicionando o nosso pensamento, não é exato?

Posso, pois, estar apercebido da minha avidez, da minha inveja, momento por momento? Estes sentimentos são expressões do “eu”, do “ego”, não é verdade? O “ego” é sempre o “ego”, em qualquer nível que o coloquemos. Seja “superior”, seja “inferior”, o “eu” está sempre compreendido na esfera do pensamento. E posso eu estar apercebido desses sentimentos, ao surgirem, momento por momento? Posso descobrir sozinho as atividades do meu “ego”, quando, por exemplo, converso à mesa, quando jogo, quando escuto, quando me acho num grupo de pessoas? Posso estar apercebido dos ressentimentos acumulados, do desejo de causar impressão, de ser alguém? Posso descobrir que sou ávido e estar apercebido da minha condenação da avidez? A própria palavra “avidez” é uma condenação, não achais? Estar apercebido da avidez é também estar apercebido do desejo de ficar livre dela, e é perceber porque desejamos ser livres dela — é perceber todo o mecanismo. Isso não é um modo de agir muito complicado; sua significação pode ser apreendida imediatamente. Começamos, pois, a compreender, momento por momento, o crescimento constante do “eu”, com sua presunção, suas “autoprojeções” — sendo tudo isso, basicamente, fundamentalmente, a causa do temor. Mas se não se pode empreender nenhuma ação para nos libertarmos da causa, o que nos cabe fazer, então, é só estar apercebidos dela. Quando desejamos estar livres do “ego”, esse próprio desejo faz também parte do “ego”; tendes, pois, uma batalha constante no “ego”, em torno de duas coisas desejáveis, entre a parte que deseja e a parte que não deseja.

Quando nos tornamos apercebidos do que se passa no nível consciente, começamos também a descobrir a inveja, as lutas, os desejos, os impulsos, as ansiedades existentes nos níveis mais profundos da consciência. Quando a mente está muito interessada em descobrir o mecanismo total de si mesma, então cada incidente, cada reação transforma-se num meio de descobrimento, de autoconhecimento. Isso requer paciente vigilância, a qual não pode ser exercida por uma mente que está sempre lutando, sempre a aprender “como” ser vigilante. Vereis, assim, que as horas de sono são tão importantes como as horas de vigília, pois a vida é então um mecanismo total. Enquanto não conhecerdes a vós mesmo, o temor continuará a existir, e todas as ilusões criadas pelo “eu” prosperarão.

O autoconhecimento, pois, não é um processo que se aprende em leituras, ou a respeito do qual se pode especular: ele tem de ser descoberto por cada um de nós, momento por momento, o que faz com que a mente se torne sobremaneira vigilante. Nessa vigilância há uma certa aquiescência, um percebimento passivo em que não existe desejo de ser ou de não ser, e em que se encontra um maravilhoso sentimento de liberdade. Pode ele durar só um minuto, um segundo, apenas, mas tanto basta. Essa liberdade não é produto da memória; é uma coisa viva. Entretanto, a mente, depois de prová-la, a reduz a uma lembrança, e deseja então mais. O estar apercebido desse mecanismo total só é possível pelo autoconhecimento, e o autoconhecimento nasce momento por momento, enquanto observamos nosso falar, nossos gestos, a maneira como falamos, e os motivos ocultos que nos são subitamente revelados. Só então podemos ficar livres do temor. Enquanto existe temor, não há amor. O temor enche-nos de sombras o ser, e esse temor não pode ser lavado por nenhuma reza, ideal, ou atividade. A causa do temor é o “eu”, o “eu” que é tão complexo nos seus desejos, necessidades, ocupações. A mente tem de compreender a totalidade aquele mecanismo; e essa compreensão só pode vir quando há vigilância sem escolha.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
11 de julho de 1953
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Sobre o mecanismo do temor


Sobre o mecanismo do temor

PERGUNTA: O medo é uma qualidade distinta, identificável, da mente, ou é a própria mente? Pode ele ser eliminado pela mente, ou só pode chegar ao seu fim depois que a mente cessar de todo? Se esta pergunta é confusa, posso formulá-la diferentemente: O medo é sempre um mal que cumpre vencer, e nunca um bem disfarçado?

KRISHNAMURTI: Está feita a pergunta: tentemos juntos — vós e eu — descobrir o que é o medo e se é possível erradicá-lo. Ou, como sugere o seu autor, ele talvez seja um bem disfarçado. Vamos descobrir a verdade contida nesta questão; mas, para a descobrirmos, embora seja eu quem está falando, cumpre-vos investigar os vossos próprios temores, para ver como surge o medo.

Temos várias espécies de medo, não é verdade? O medo existe em diferentes níveis do nosso ser; há o medo do passado, o medo do futuro e o medo do presente, que é a verdadeira ânsia dos viventes. Ora, que é esse medo? Não é produto da mente, do pensamento? Penso no futuro, na velhice, na pobreza, na morte, e esse quadro me faz medo. O pensamento “projeta” um quadro que provoca ansiedade na mente; o pensamento, pois, cria o seu próprio temor, não é verdade? Fiz algo insensato e não quero que se me chame a atenção para isso, quero evitá-lo, temo as consequências. Isso, também, é um processo de pensamento, não achais? Quero reconquistar a felicidade da juventude; ou, porventura, vi ontem algo na montanha banhada de sol, algo que se esvaeceu, e desejo tornar a experimentar aquela beleza; ou, quero ser amado, satisfazer-me, realizar algo, quero ser alguém; por esse motivo há ansiedade, temor. O pensamento é desejo, memória, e suas reações causam temor, não é verdade? Temendo o amanhã, temendo a morte e o desconhecido, começamos a inventar teorias, — que renasceremos, que nos tornaremos perfeitos pela evolução, e nestas teorias a mente vai buscar proteção. Porque estamos perenemente em busca de segurança, edificamos igrejas em torno de nossas esperanças, nossas crenças e dogmas, pelos quais estamos prontos a lutar; e tudo isso representa, ainda, o processo do pensar, não é exato? E se não podemos dissolver o nosso temor, nossa barreira psicológica, vamos pedir socorro a outro.

Enquanto eu pensar tão somente em termos de realização, de preenchimento, de não-vir-a-ser, estarei sempre na sujeição do temor, não é verdade? O mecanismo do pensar, como o conhecemos, com seu desejo egocêntrico de ser bem-sucedido, de não sentir-se só, vazio, esse mesmo mecanismo é a sede do temor. E pode a mente que está toda ocupada consigo mesma, que é produto de seus próprios temores, dissolver o temor?

Suponhamos que um indivíduo tenha medo e reconheça as várias causas do seu temor. Pode aquela mesma mente que produziu o temor eliminar o temor pelo seu próprio esforço? Enquanto a mente estiver ocupada com o temor, procurando uma forma de livrar-se dele, descobrir o que deve fazer para vencê-lo, poderá ela, em algum tempo, ficar livre do temor? Por certo, a mente só pode ser livre de temor quando já não está ocupada com ele — o que não significa fugir ao temor, ou tentar ignorá-lo. Em primeiro lugar, precisamos estar plenamente apercebidos de que temos medo. Em geral, não temos completa percepção do temor: estamos vagamente apercebidos dele: e se chegamos a vê-lo, cara a cara, ficamos horrorizados e fugimos dele, atirando-nos a atividades várias que só levam a novos malefícios.

Como é a própria mente produto do temor, o que quer que ela faça para o afastar de si, só pode aumentá-lo mais ainda. Nessas condições, pode alguém estar somente apercebido do seu temor, sem se ocupar com ele, sem julgá-lo e sem procurar alterá-lo? Estar apercebido do temor, sem condenação, não significa aceitá-lo, acolhê-lo no coração. Estar apercebido do temor, sem escolha, significa simplesmente observá-lo, olhar para ele, saber que está presente e perceber a verdade a seu respeito; e o percebimento da verdade relativa ao temor dissolve-o. A mente não pode dissolver o temor por nenhuma ação dela própria; em presença do temor, o que ela deve fazer é ficar muito quietaconhecer, e não agir. Tende a bondade de prestar atenção a isso. Devemos saber que sentimos medo, devemos estar plenamente apercebidos dele, sem nenhuma reação, sem nenhum desejo de alterá-lo. A alteração, a transformação não pode ser operada pela mente; só pode realizar-se pelo percebimento da verdade, e a mente não pode perceber o que é verdadeiro quando está preocupada a respeito do temor, quando o está condenando ou desejando livrar-se dele. Toda ação da mente com respeito ao temor, aumenta-o, apenas, ou ajuda à mente a fugir dele. Só há um estado livre de temor quando a mente, de todo apercebida dos seus temores, não está em atividade com relação a eles. Surge então um estado completamente diferente, um estado que a mente de modo nenhum pode conceber ou inventar. Eis porque é tão importante que se compreenda o “mecanismo” da mente, não de acordo com algum filósofo, analista ou instrutor religioso, mas tal como ele está realmente funcionando em vós, momento por momento, em todas as vossas relações, — quando repousais, andais, ouvis alguém, quando ligais o rádio, ledes um livro ou conversais à mesa. Estar plenamente apercebido de si mesmo, sem escolha, é manter a mente numa extraordinária vigilância; e nessa vigilância há autoconhecimento, o começo da sabedoria. A mente que luta contra o temor, nunca dissolverá o temor; mas, quando há um percebimento passivo do temor, surge então um estado diferente, no qual o temor é inexistente.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
 4 de julho de 1953
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terça-feira, 3 de abril de 2018

Pode a mente libertar-se a si mesma?


Pode a mente libertar-se a si mesma?

O saber escutar é algo muito importante; mas, em geral, temos inúmeras opiniões, ideias, experiências e conclusões antecipadas, através das quais filtramos tudo o que ouvimos, e por essa razão nunca ouvimos nada de maneira nova; traduzimos sempre o que vimos de acordo com uma determinada tendência. Assim, é de real importância saber ouvir sem interpretar; porém, isto é, sem dúvida, um problema dificílimo. Em geral, não gostamos de ouvir coisa alguma de maneira completa, com plena atenção, porque nessa operação descobrimos às vezes o que realmente somos; por isso, costumamos estender cortinas de proteção entre nós e o que nos dizem. É óbvio, pois, que seria muito bom se fôssemos capazes de ouvir simplesmente, visto termos inúmeros problemas — não só pessoais, como também sociais, políticos, econômicos — para os quais precisamos encontrar a solução correta; e não haverá possibilidade de encontrá-la, se, para tanto, dependermos de alguma opinião, de conhecimentos adquiridos em livros, ou de conferências, inclusive as minhas. Ora, sem dúvida, para acharmos a solução, devemos saber como ouvir o fato, o próprio problema; mas não é isso o que fazemos, quando interpretamos o problema de acordo com as nossas idiossincrasias ou opiniões pessoais. Há de haver uma solução correta para todos os problemas; mas essa solução não se acha pela análise, pelo julgamento, pela comparação, nem por meio do saber, por mais vasto que seja. Só pode surgir a solução correta quando a mente “escuta” tranquila, quase indiferente, sendo assim capaz de considerar o problema sem qualquer móvel ou intenção especial, sem ter um fim em vista — o que, com efeito, é dificílimo, porque em geral queremos um determinado resultado, uma solução satisfatória. Para alcançar a solução correta dos problemas humanos, necessitamos de muita paciência, principalmente se já nos habituamos a viver num mundo mecânico, em que é possível descobrir com muita presteza a solução de tantos problemas técnicos. Quando temos um problema, desejamos solução imediata; recorremos então a um livro, a um médico, um analista, um especialista; ou ficamos batalhando dentro em nós mesmos para achar a solução. Somos impacientes, queremos resultados imediatos e vivemos por isso em constante conflito.

Nessas condições, ainda que já tenhamos ouvido tudo o que se vai dizer nas presentes conferências, será sem dúvida proveitoso ouvi-las com muita paciência. O que importa, naturalmente, é que cada um de nós possa achar um estado perene de libertação de todos os conflitos e das inúmeras reações que tanto caos produzem na mente; e então, talvez, com essa liberdade, venhamos a descobrir algo existente além da nossa mente; mas antes que possamos ser livres, temos, por certo, de compreender o que é o “eu’'.

Será possível a vós e a mim libertarmo-nos de todos os nossos problemas, dos nossos sofrimentos, de nossas incontáveis necessidades ? Ser livre implica solidão completa, — o que significa a libertação do medo. É só então que somos indivíduos, não é verdade ? Só somos indivíduos quando cessa completamente o temor: o temor da morte, da opinião alheia, o temor que resulta de nossos próprios desejos e ambições, o temor da frustração, o temor do não-ser. O estar só é, sem dúvida, inteiramente diferente do estar em isolamento. É o próprio isolamento que cria o temor; e como medida defensiva temos um grande número de barreiras, um grande número de ideias, abrigos, garantias. Em geral, não somos verdadeiros indivíduos, não é exato? Somos o resultado de numerosas influências sociais, das impressões acumuladas, dos problemas interiores que nos oprimem a mente e o coração. Não somos indivíduos, porque não estamos livres do temor; e a mim me parece que, se não estamos livres do temor, nunca encontraremos uma solução verdadeira para qualquer dos problemas humanos.

Pois bem. É-nos possível libertar-nos completamente do temor? E de que temos medo? De estarmos sem segurança, de não termos todas as coisas de que fisicamente necessitamos, das consequências de não nos subordinarmos a determinado sistema político ou religioso, etc. O desejo de segurança implica temor, em nossas relações. Para sermos capazes de expressar a verdade que vemos, independentemente das ameaças que nos rodeiam, requer-se uma grande revolução em nosso pensar, não achais? Pode cada um de nós tornar-se completamente livre do desejo de segurança, que gera temor? Se pudermos compreender profundamente esta questão, acredito, muitos dos nossos problemas serão resolvidos. Estar liberto do temor é, sem dúvida, a única revolução, porquanto, uma vez livres do temor, já não somos hindus ou americanos, não pertencemos a nenhuma religião organizada, não há mais ambição, desejo de sucesso, de realização, e, por conseguinte, já não estamos empregando a nossa força contra outro.

A isenção de temor não é uma ideia, nem tão pouco um ideal que devemos lutar para alcançar; entretanto, quando nos fazemos esta pergunta: “Pode-se ser livre de temor?” — qual é a nossa interior reação? O temor é um empecilho básico, um obstáculo fundamental em todas as nossas relações e em nossa busca da realidade; e podemos nós — vós e eu — sem sucessivos esforços, sem análise, libertar-nos desse contágio gerador de tantos problemas? Pode-se ser totalmente isento de temor? Esta é uma pergunta difícil de respondermos a nós mesmos, não achais? Ser livre de temor significa, com efeito, estar isento de todo desejo de segurança econômica ou social, ou do desejo de encontrar segurança em nossa experiência pessoal. Esta questão, sem dúvida, é importantíssima, uma vez que toda a nossa perspectiva das coisas é prejudicada pelo temor; nossa educação, religião, estrutura social, nossos esforços em todas as esferas de ação, estão baseados no temor. E pode alguém ficar livre do temor por meio de algum exercício, de alguma espécie de disciplina, pelo auto-esquecimento, pela imolação de si mesmo, pelo cultivo de qualquer crença ou dogma, ou pela identificação com uma nação qualquer? É claro que nenhuma dessas coisas nos pode dar a libertação do temor, visto o próprio “processo” de imitação, de submissão, de autossacrifício, radica-se no temor; e ao reconhecermos a inutilidade de tudo isso e percebermos como a mente está sempre ocupada em “projetar” defesas, abrigar-se em crenças e conhecimentos — e em todas essas coisas está sempre emboscado o temor — que devemos fazer ? Como pode, então, uma pessoa libertar-se desse estado a que chamamos temor? Se temos disposições sérias, não acreditais ser esta uma das perguntas fundamentais que devemos fazer a nós mesmos? Desde crianças fomos educados para pensar sempre sob a inspiração do temor; todas as nossas defesas, tanto psicológicas como físicas, se baseiam no temor; e como pode a mente assim educada, condicionada, libertar-se do temor? Pode a mente libertar-se do temor? Pode qualquer atividade da mente dar liberdade a ela própria? A própria mente, o próprio pensamento, não representa o autêntico processo do temor? E pode o pensamento anular o temor?

Senhores, este não ó um problema fácil de resolver; o que cada um de nós pode fazer, porém, é tornar-se bem cônscio do temor, sem lutar contra ele, sem analisá-lo, e, portanto, sem levantar defesas; e quando a mente se acha de fato muito tranquila, passivamente percebida de todas as formas de temor que surgem, e sem empreender nenhuma ação contra vias, nessa quietude, existe a possibilidade de se dissolver o temor, sendo esta a única revolução real, fundamental; e, então, há individualidade. Enquanto há temor, não há singularidade, individualidade. Atualmente, nós, em geral, somos apenas o resultado de influências várias: sociais, econômicas, políticas, climáticas, etc.; não somos genuínos indivíduos e, por conseguinte, não somos criadores. A ação criadora não representa a expressão de um talento, de um dom; só se manifesta quando não existe temor, isto é, quando o indivíduo é completamente independente.

Sem dúvida, esta questão de como ser livre é um dos nossos principais problemas, não achais? Talvez, mesmo, seja o nosso único problema; pois é o temor que, dissimulado nos mais íntimos recessos de nossa mente e de nosso coração, nos tolhe o pensar, o ser, o viver. Parece-me, portanto, que o que se necessita agora não é de mais filosofia, de sistemas melhores, de mais saber e ilustração, mas, sim, de verdadeiros indivíduos, inteiram ente livres de temor. Porque só quando não existe temor, pode existir amor.

Ora, podemos nós — vós e eu — empreender a nossa libertação do temor? Podemos rejeitar todas as opiniões, todos os dogmas e crenças, que são meras expressões do temor, e atingir a fonte, o problema fundamental, que é o próprio temor? Ora, como já disse, a ação criadora não representa um mero talento, um dom, uma capacidade; ela excede em muito tudo isso. Só pode haver ação criadora quando a mente se acha totalmente tranquila, sem os embargos do temor, do julgamento, da comparação, sem a carga do saber e da ilustração. A maioria de nós, porém, anda sempre com a mente agitada, cheia de problemas, num a eterna busca de segurança; e como pode a mente, em tais condições, ser independente, livre de influências e temores? Como pode ela compreender aquela força criadora, aquela realidade — qualquer que ela seja — ou descobrir se ela existe ou não existe? Só quando a mente está inteiramente livre de temor há a possibilidade de realizar-se uma revolução fundamental — a qual nada tem em comum com a revolução econômica ou política; e para se ser livre de temor não se requer presteza de raciocínio, mas vigilância constante, e um considerável percebimento, paciente, persistente, do inteiro mecanismo do pensamento, o qual pode ser observado apenas nas relações, em nossas atividades de cada dia. O autodescobrimento se realiza pela compreensão do que é, e o que é é o processo real do pensamento em qualquer momento que passa. Isso, positivamente, é meditação, e requer uma tranquilidade de espírito em que não haja exigência alguma. Somente quando começamos, vós e eu, a conhecer a nós mesmos, a mente pode estar livre de temores, e só então há a possibilidade, não apenas de paz interior, mas de felicidade exterior para o homem.

Krishnamurti em, Percepção Criadora, 
20 de junho de 1953
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segunda-feira, 2 de abril de 2018

O medo destrói o amor

O MEDO DESTRÓI O AMOR

Num dia da semana, ver tanta gente, parece um absurdo, não? Espero que todos vocês não se incomodem de se escutarem uns aos outros. A última vez que nos encontramos aqui, no sábado, falamos sobre o que é o amor. Você pode recordar se esteve aqui. E vamos nos perguntar juntos, quero dizer, juntos, sobre este problema, muito, muito complexo. E se você não se importa, terá que pensar, não só concordar, não dizer, “Sim, você tem razão”, e depois seguir seu próprio caminho. Então, vamos nos perguntar juntos sobre o problema do que é o amor. Juntos. Não que o orador seja o único a falar, mas juntos vamos examinar. Isto não é uma conferência, não para instruir, ou guiar, ou ajudar. Isso seria muito estúpido, porque temos tido todo esse tipo de ajuda por gerações sobre gerações e ainda somos o que somos agora. Devemos começar com o que somos agora. Não o que temos sido no passado ou o que seremos no futuro. O que seremos no futuro é o que somos agora. O que somos agora, nossa avareza, nossa inveja, nosso ciúmes, nossas grandes superstições, nosso desejo de adorar a alguém, para dizer: “Você é um homem santo” e tudo mais. Então, isto não é uma conferência, não é um entretenimento, não é algo para se aceitar ou negar, mas estamos falando como dois amigos, ou se quiser, dois inimigos do outro lado da fronteira. Mas estamos falando juntos. Então, você deve exercitar seu cérebro, conduzi-lo, forçá-lo, pensa-lo.

Então, vamos entrar nesta pergunta: o que é o amor? E, para investigar profundamente, profundamente nisto, também devemos perguntar primeiro: O que é a energia? Energia. Cada gesto que você faz se baseia na energia. Enquanto escutamos o orador, você está exercitando sua energia. Viemos aqui desde uma longa distância, desde Benares, ou mais para cima, você tem que usar uma grande quantidade de energia. Certo? Para construir uma casa, plantar uma árvores, fazer um gesto, falar, desde a infância, desde bebê, o primeiro choro de um bebê, se baseia na energia, sustentando no momento pela mãe e assim sucessivamente. Não entrarei nisso. Então, devemos perguntar: o que é a energia? Está certo? Podemos continuar? Posso continuar, em alta voz continuamente, indefinidamente, porque tenho estado nestes últimos 60 anos, ou 70 anos, colocando o mesmo em diferentes palavras. Então, se amavelmente, escute seriamente, porque escutar é uma grande arte, talvez uma das grandes artes. Para escutar o que a outra pessoa tem a dizer, não interromper, não dizer, “Sim, estou de acordo com você e falaremos de outra coisa”. Temos que perguntar primeiro se você pode escutar em absoluto.  Isto não é uma conferência, ou uma instrução e tudo isso, estamos juntos examinando, questionando, duvidando, nunca, nunca aceitando o que o orador diz. Nunca. Certo? Não diga, “sim, estamos de acordo”; mas logo sigamos aceitando. Ele não tem autoridade. Então, começaremos.

O que é energia? Este tem sido uma das perguntas dos cientistas. E disseram que a energia é matéria. Certo? Mas, antes disso: o que é energia? Você compreende? Pode ser matéria. Pode ser todo tipo de coisas. Mas, o que é a energia? Energia primordial? Quem trouxe esta energia? Você está entendo o que estou falando? Não estou seguro (Risos) Porque esta tem sido uma pergunta muito, muito séria. Assim que estamos juntos fazendo uma longa viagem, juntos, você e eu caminhando pela mesma corrente. Você não está somente seguindo o orador. Não está só dizendo, “Sim, isso soa muito bem, como os Upanishads e o Gita e tudo o que tem sido dito, então o entendemos”. Tampouco é assim. Antes de nada, você tem que ter grandes dúvidas. Certo? Grande ceticismo, não é verdade, senhores? Não, não esteja de acordo, não esteja de acordo. Você não duvida de nada, aceita tudo. Então, a dúvida, o ceticismo de sua própria experiência, de seus próprios pensamentos, das suas próprias conclusões, duvidando, questionando, não aceitar nada de nenhum livro, inclusive os meus. (Risos) Sou somente um transeunte, não sou importante. E vamos perguntar juntos, isso é muito importante, por favor, juntos. Você sabe o que isso significa. Cooperando juntos para construir algo, perguntar a respeito de algo, ver o que está claro, o que é duvidoso, o que não está claro. Você o está fazendo. E o orador está fazendo isto, mas você tem que fazê-lo. Assim que estamos juntos caminhando por uma corrente muito longa. Você pode fazer com que essa transição seja muito, muito, muito forte corrente que lhe apagará, lançando-lhe aos bancos, ou pode lidar com isso. Então, isso requer sua energia. Certo? Requer sua energia.

Então, perguntamos: o que é a energia? Esse chamado do corvo é parte da energia. Certo? As árvores, os pássaros, as estrelas, a lua, o nascer e o pôr do sol, tudo é energia. Certo? Provavelmente você duvide, mas isso não importa. E seja o que for que você faça requer energia. O primeiro choro do bebê fora do útero, esse choro é parte dessa energia. Certo? Tocar um violino, falar, se casar, sexo, tudo na terra requer energia. Certo? Então, juntos perguntamos o que é esta energia, qual é a origem, qual é a fonte, como começou, quem criou esta energia? Por favor, cuidado, não diga “Deus” e fugir com isso. Não aceito a Deus; o orador não tem deuses. Está tudo bem? Você aceita isso? Você aceitará qualquer coisa, então, não importa, continuarei. Por favor, não se permitam a aceitar o que o orador está dizendo a qualquer momento, em seus livros, em suas falas, em seus vídeos em tudo isso. Então, o que é energia?

Não podemos existir sem energia. Certo? Não há existência na terra sem esta energia: as árvores, tremenda energia para tirar a água até a parte superior, toneladas dela. Essa é uma energia tremenda. Para construir um avião, centenas de pessoas são responsáveis por isso. Para ir até a lua e mais. Então, tudo o que fazemos, é energia. Certo? A bailarina, o violinista, o pintor, a casa mãe, o general do exército, tudo requer energia. Certo? Isso é um fato. Seja se você o aceita ou não, não importa. E estamos perguntando: o que é essa energia? A origem disto, não só: “sim, energia”. Ou aceite o que dizem os cientistas, que é a energia é matéria e tudo o mais. Não entrarei em tudo isso porque o orador tem falado com muitos deles sobre este assunto. E as pessoas religiosas dizem, “Deus” e isso termina. Ou algum guru o diz, e isso também termina. Não perguntam, não têm dúvidas. Eles não questionam, não têm ceticismo. Certo? Então, aqui estamos dizendo, se você pode, abandone tudo isso: seus livros, o que é sânscrito, o que as pessoas antigas têm dito, abandone tudo isso e deixe-o na beira do caminho e faremos uma viagem juntos. Se você não pode deixar tudo isso de lado, ou deixá-lo no caminho, não pode seguir ao orador, não pode entendê-lo. Certo? Não se incomode em entendê-lo, não importa. Mas, desafortunadamente, você escuta muitas palavras, e você diz, “Sim, isso soa razoável”, e assim sucessivamente. Não estamos lidando com palavras; as palavras não são a montanha. A palavra “montanha” não é a montanha. Certo? A palavra “K” não é o K. Você compreende tudo isto? Então, seu nome não é você. É, para lhe reconhecer, mas seu nome não é você. Creio que isto é importante de entender. A palavra não é o real. Certo? Está claro? A palavra “árvore” não é a árvore. A palavra “árvore” não é isso. Certo? Então, devemos ser muito cuidadosos agora, não estar preso com as palavras. Pergunto-me se seguem tudo isto. Certo, posso continuar porque meu amigo me deu um sinal, meu velho amigo.

E vamos entrar em algo, isso requer sua energia, todo seu cérebro, que é matéria, que é a experiência acumulada de milhões de anos, e toda essa evolução significa energia. Certo? Assim que estou dizendo... Pergunto-me, você está perguntando por si mesmo, então começo a perguntar-me: há energia que não esteja contida, ou estimulada, ou que se mantenha dentro do campo do conhecimento? Você entende? No campo do conhecimento. Quer dizer, dentro do campo do pensamento. Por favor, não esteja de acordo com isso. Eu gostaria de cegar-me a mim mesmo, porque você está de acordo com cada maldita coisa que está se passando. Então, pergunto-me: há uma energia que não se ajunta, se estimula, aparada pelo pensamento? Você entende? O pensamento lhe dá muita energia. Para ir ao trabalho todas as manhãs às 9 em ponto, ou às 8:30, o pensamento lhe faz, lhe dá essa energia. Certo? Devo ganhar mais dinheiro, ter uma casa melhor. Certo? Pensar, pensar, lhe dá a energia. Creio que se necessitarem duzentas ou trezentas pessoas ou três mil pessoas para construir um foguete que foi à lua. Certo? Então, tudo isso requer energia. Entrelaçar a mão e dizer: “Como vai você?”, reconhecer velhos amigos sentados ali, alegro-me de que tenham encontrado um lugar, podemos ver. Então, pergunto-me, se pensar, pensar, pensando no passado, pensando no futuro, planejar para o presente, isso dá uma tremenda energia. Certo? Não é verdade, senhor? Pensando. Devo construir uma casa, assim que vou ao arquiteto, estou de acordo com ele, e assim sucessivamente. E requer uma grande quantidade de energia para ser educado. Certo? Por ignorância, como o chamam — não digo que seja ignorância —, por não saber matemática, gradualmente você aprende e energia para ir à universidade e logo se converter numa espécie de algo ou outro. E você tem um trabalho, para isso todos os dias da sua vida se vai. Ou você se retira a uma idade precoce e morre. Assim que penso — por favor entenda isto, é muito importante que assim o faça — o pensamento cria esta energia para construir um avião. Pense no que está envolvido nisso. Centenas de pessoas estão trabalhando nisso, passo a passo, passo a passo, o construíram, e produziram o 747, ou o que seja, a máquina mais maravilhosa que nunca pode se dar mal — o homem pode fazer com que se dê mal. E assim sucessivamente e assim sucessivamente. Então, o pensamento é um instrumento extraordinário para criar energia. Certo? Posso continuar? Certo.

Se você não vê isso como um fato real, então estará fora da marca. Certo? Se não o vê como um fato real, esse pensamento cria uma tremenda energia. Quer se converter num homem rico, trabalha para chegar a ser um homem rico. Certo? Você quer fazer algum tipo de louca propaganda e trabalha muito duro; você se une a grupos, seitas, gurus e todo esse tipo de negócio. Então, o pensamento é um instrumento extraordinário de gerar pensamento. Certo? Pensamento que gera energia. Certo? Não esteja de acordo. Então, temos de investigar muito, muito, muito a própria natureza do pensamento. Certo? Não digo, bem, todas as desculpas. Não se preocupe com isso. Cai ontem e me machuquei, isso é tudo. Isso está encerrado. Você pode prestar atenção a outra coisa. Assim, penso que tem planejado esta sociedade, que tem dividido o mundo em Ásia e Europa, o comunista, o socialista, o capitalista e o republicano democrata, tudo foi criado pelo pensamento. É simples. O exército, as forças armadas, a força área, para matar, não só para o transporte, senão também para matar. Isto é óbvio, não? Então, o pensamento é muito importante em nossa vida, porque, sem pensar, não podemos fazer nada. Certo? Para que você venha de longe, o planejamento é necessário, os ajustes, pegar um trem, um avião, pegar um ônibus, etc., etc., tudo isso faz parte de seu pensamento. Certo? Então, o que é você está pensando?  Resolva isso, não me escute. O que está pensando? Você não pode viver sem um certo tipo de pensamento. Certo? Planejando, regressando para a sua casa, voltar aos seus trabalhos e tudo mais, você está casado, sexo e... Tudo está contido no processo de pensamento. Então, o que você está pensando? O orador tem falado muito disso, assim que não retorne aos seus livros. Não diga, “Sim, já lhe ouvi antes”. Mas aqui, esqueça-se de todos os livros, todas as coisas que tenha lido, porque devemos nos aproximar disto de maneira nova.

Então, pensar está baseado no conhecimento, certo? Se não tenho nenhum conhecimento, como vir aqui ou tomar um ônibus ou isto ou aquilo, você não estaria aqui. Então, conhecimento, memória, pensamento. Certo? E temos acumulado um tremendo conhecimento: como vendermos, como explorar-nos uns aos outros, como construir pontes, como criar deuses e templos, temos feito tudo isso. Os vários ashrams onde estão todos... — você sabe todo esse negócio —, certo tipo de campo de concentração. Então, o pensamento tem feito tudo isto. Criou o exército, as forças armadas, o avião. O pensamento também tem, através do conhecimento, templos e todo esse negócio. Então, sem experiência não há conhecimento. Certo? Sejam lógicos, senhores. A lógica é necessária até certo ponto. Mas se você começa sem a lógica, sem clareza, então pode fazer — se tornar supersticioso, imaginativo, chegando a conclusões, construindo templo e todo esse tipo de bobagens. Então, sem experiência, não há conhecimento. Os cientistas estão agregando algo novo todos os dias. Por favor, siga isto com cuidado, se não se importa. A experiência é limitada, certo? Porque estamos agregando mais e mais a isso através do conhecimento. Experiência, conhecimento armazenado no cérebro como memória e logo esse é o conhecimento do pensamento. Certo? Estou certo? Tenho razão? O que você diz? Deus, você não sente nada? Então, a experiência é sempre limitada. Certo? Porque está agregando mais e mais e mais, todos os dias no mundo científico, em sua própria vida, você aprende algo mais. Então, a experiência é limitada, portanto, o conhecimento é limitado, a memória é limitada e, portanto, o pensamento é limitado. Certo? Estou são ou louco? (Risos)

E vivemos por pensamento. Então, nunca o reconhecemos, ainda que o pensamento possa imaginar o céu e o inferno mais extraordinários, os deuses olímpicos dos gregos, os deuses egípcios, você sabe algo de tudo isso? Não, não importa. Então, seu pensamento é sempre limitado e teus deuses a quem o pensamento tem criado sempre será limitado. Certo? Sei que você não gosta disto, mas não o discute. Então, seus deuses, seu pensamento, por mais amplo que seja, ou por mais estreito que seja, tudo isso é limitado. E, a partir desta limitação, tratamos de encontrar a energia. Você entende o que estou dizendo? Tratamos de encontrar a origem, o começo da criação.

Então, o pensamento tem criado medo. Certo? Não? Não é assim? Você não tem medo do que pode ocorrer dois aos depois? Não? Não tem medo de perder seu emprego, de não passar nos exames, de não subir no escalão — sabe o que quero dizer com subir no escalão: obter mais e mais e mais sucesso. E você tem medo de não poder cumprir. Tem medo de não poder estar só, ser forte para si mesmo. Certo? Você sempre depende de alguém. Tudo isso gera tremendo medo. Certo? Não vai me piscar?

Então, um de nossos fatos cotidianos é que somos pessoas amedrontadas. Certo? Você estaria de acordo com esse fato tão simples? Que somos pessoas assustadas? O medo surge quando queremos segurança. Certo? Você só escuta. De acordo, continuarei. Não se inquiete, continuarei. O medo destrói o amor. Você não pode ter amor sem... O amor não pode existir onde está o medo. O medo é uma tremenda energia por si mesmo. E o amor não tem relação com o medo. Estão totalmente divorciados. Certo? Então, qual é a origem do medo? Certo? Tudo isto é para entender, estar vivo à natureza do amor. Se você não entende tudo isto, logo vê e continua com o que esteja fazendo. Seja feliz com isso, divirta-se, ganhar dinheiro, posição e todo esse blá blá blá. Mas, se você quer entrar nisto com muito cuidado, não só tem que examinar o que está pensando e as máquinas, os computadores estão fazendo isso maravilhosamente, você não sabe nada, o último. Falei com alguns dos professores na Inglaterra, pouco antes de chegar à Índia, antes que o orador chegasse à Índia. Há computadores que podem pensar para trás e para frente. Você entende o que isso significa? Eles podem pensar o que tenho... Você tem que se levantar as seis, portanto, tem que planejar levantar-se às seis. Certo? E depois das seis, o que tem que fazer. E creio que a isso se chama... esqueci, retornarei. Então as máquinas, por favor, entendam isto, as máquinas, os computadores... Sabem essa piada? Você está orando para Deus, e há um computador ao lado, de joelhos, e o computador diz: “Para quem você reza? Deus está aqui” (Risos) Não senhor, não sabe o quão sério é. Então... Arquitetura, essa é a palavra. Quando — só aprendi isso recentemente e posso estar equivocado, posso ser corrigido — um computador puder pensar o que lhe ocorreu e planejar o que ocorrerá no futuro. O que o cérebro está fazendo, você entende? Você planeja vir aqui, gasta tanto dinheiro, tanto tempo e logo retorna, segue adiante. Então, os computadores podem pensar para frente e para trás, o que creio se chama arquitetura, podem ter mudado o nome por hora. Vou perguntar a um dos especialistas daqui.

Então, pensar tem criado medo. Certo? Pensando no futuro, pensando no passado, e não ser capaz de se adaptar rapidamente ao meio ambiente, etc., etc. Então, pensamento é tempo. Certo? Não, você não compreende. Continuarei. Pensamento do amanhã, o que poderia ocorrer, minha esposa poderia me deixar ou poderia morrer. Sou um homem solitário, então, que devo fazer? Tenho vários filhos, assim que é melhor me casar, voltar a casar com alguém ou outro, porque ao menos pode cuidar dos meus filhos. E assim. Isso é pensar o futuro baseado no passado, não é verdade? E então o pensamento e o tempo estão envolvidos nisto. Certo? Pensando no futuro, futuro sendo depois de amanhã ou amanhã e pensar nisso causa medo. Certo? Então, o tempo, o pensamento, são os fatores do medo. E o sabemos, temos examinado o pensamento, temos examinado o tempo. O tempo é o passado, o presente e o futuro. O nascer do sol e o pôr do sol, plantar uma semente e converter-se numa grande árvore. Isso é tempo. E também temos o tempo interior: eu sou isto, mas me coverterei em um rico milionário. Sou cobiçoso mas, dê-me tempo, não o serei — talvez na próxima vida. E assim sucessivamente e assim sucessivamente. Então, o tempo e o pensamento são os fatores centrais do medo. Estou buscando um relógio.

Audiência: Dez e seis.

K: Grato. Então, tenho falado durante uma hora e quanto?

Audiência: Quarenta minutos.

K: Isso tudo? Que lástima! Portanto, deixe-me terminar isto. Deixe-me outros vinte minutos, se não se importam. Você se importa? Não lhe tomarei muito tempo. Não fará nenhuma diferença se você me escuta ou não. Você continuará exatamente da mesma maneira como tem vivido. Não mudará, não fará nada, porque está preso numa rotina, em um sulco, em um padrão. E você continuará e a morte estará logo aí. Certo?

Então, estamos investigando algo que pode ser que você não entenda, mas não importa. O tempo, o pensamento, são nossos principais fatores da vida. E ambos tempos interiormente, eu sou isto, mas serei isso, ou tenho sido, serei, sou, serei — tudo isso implica tempo. E o tempo é pensamento, não são duas coisas separadas. Ambos são movimentos.

Então, o que significa a morte? Compreendem, senhores? Que lugar em minha vida tem a morte, o sofrimento, dor, ansiedade, solidão, todas essas coisas terríveis pelas quais tenho passado?

Muito obrigado.  Senhor, será melhor pegar o seu relógio. Quem pode lhe dar? Poderia perdê-lo, ou você poderia perdê-lo.

Você entende, senhor, por favor, compreenda isto muito cuidadosamente. O tempo, o pensamento, são os fatores centrais da vida. E estamos dizendo que o pensamento e o tempo são os fatores do medo. Isso é um fato, goste você ou não.

Então, o que tem que ver o sofrimento com o tempo? Você está seguindo tudo isto? O que tem o sofrimento, a dor, a ansiedade, a solidão, o desespero? E todo o trabalho que atravessa o homem, o que tem isso?... É isso toda nossa vida? Você entende o que estou perguntando? Estamos viajando juntos. Você não está sentado aí e escutando a um orador sem sentido. Estou lhe perguntando. Esta é sua vida, não é verdade, senhores? Fatos, não imaginação. Você nasce, é educado e  se encaixa em BA, MA, e tudo o mais, doutores, para conseguir um trabalho ou se converte num grande Primeiro Ministro, ou ministro, pelo amor de Deus, entende? Esta é sua vida. Esta é sua consciência. Sua consciência está composta de seus medos, de seus conhecimentos, de seu tempo, você já sabe, consciência. Seu conhecimento, tudo está em sua consciência. E, nessa consciência, da qual você é, essa consciência que você sempre pensou que fosse sua, “minha”, “minha consciência”. Entendem minha pergunta? Não cruze as pernas, simplesmente sente-se comodamente como você estava. Estou lhe observando, não mude de repente. Sua consciência, se a examinar com muito cuidado, não examiná-la através de juízos, avaliações, o que você sabe, mas sim a examiná-la com muito cuidado, sua consciência está composta de seu conteúdo. Certo? Entende o que digo? O que você pensa, qual é a sua tradição, qual é a sua educação, quantos medos, se você quer mudar para uma nova esposa, ou se vai a um certo templo, tudo isso, solidão, medo — é o que você é! Você pode pensar que é divino por dentro, mas ainda está pensando. Quando você diz: “Sim, há Deus em mim”, ainda é produto do pensamento.

Então, sua consciência, que é o que você é, não fisicamente, mas psicologicamente, internamente, que é a sua consciência é a consciência da humanidade. Escute cuidadosamente. Não aceite nada do que eu lhe disse. Todo ser humano nesta terra passa por isso: tristeza, dor, ansiedade, incerteza, insegurança, lutas, persuasão, quere isto, não querer. Tudo isso é o que você é. Se você imagina que é um deus encarnado, isso é parte do pensamento. Certo? Pensamento — como assinalamos — isso é limitado. 

Então, sua consciência, o que você é, é o resto da humanidade. Todo homem passa por isto, ou todas as mulheres. Todo ser humano passa por isto. Certo? Cada humano: seu vizinho, seu pai, sua avó, e as últimas gerações em todo o mundo. Então, você não são indivíduos. Isto é um golpe. Não o aceite. Examine-o, não diga, “Está podre” ou, “Não é um fato porque o Gita disse algo ou os Upanishads dizem algo, ou a Bíblia diz algo”. É um fato que você, seu sofrimento, sua dor, sua ansiedade, seu conhecimento, é comum a — não usarei “comum” — é compartilhado por cada ser humano. Certo? Então, você não é uma alma separada, um Atman separado. Sei que você não gosta disto porque você foi criado para engolir tudo o que se passa.

Então, deve haver liberdade do medo, das feridas, de todo tipo de coisa que os seres humanos têm reunido. Deve haver liberdade, você entende, não só palavras. “A Índia deve estar livre do resto do mundo”. Isso é uma besteira. Ninguém pode viver só, necessitam de um amigo, necessitam alguém para ajudar.  Então, estamos tratando de averiguar, de investigar o que é o amor. Certo? Estamos dizendo, enquanto houver medo de qualquer tipo, biologicamente, medo do apego, medo da perda, medo de qualquer tipo, o outro não pode existir. Se há algum tipo de arquivo adjunto, o outro não pode existir, e o outro é o amor.

Então, vamos perguntar, se o tempo o permite, logo vendo tudo isto, desde o começo, desde o bebê até o homem adulto, vendo o que é o mundo e indagando sobre o que é a morte. Porque todos estamos tão assustados com a morte? Você entende? Você sabe o que significa morrer? Não tem visto dezenas de pessoas assassinadas, feridas ou... não? Não? Você é uma pessoa estranha, ou o que? (Risos) Você pertence a um planeta diferente? Temos visto a morte. Nunca investigamos profundamente sobre o que é a morte. É uma pergunta muito importante, como o que é a vida. Você entende? Dizemos que a vida é tudo isto — podridão. Temos dito que a vida é conhecimento, aprendizado, você sabe, todas essas coisas, ir ao trabalho regularmente todos os dias às 9 em ponto ou às 10 em ponto, luta, batalhas, querer isto e não querer, está seguindo? Sabemos o que é viver. Certo? Uma série de ações produz uma série de reações e tristeza, dor, essa é a nossa vida.

Então, se isso é viver, o qual é, não diga: “Sim, viver é algo extraordinário acima”. Isto é viver: lutas, divórcios, lutas. Mas nunca temos investigado seriamente o que é a morte. Você entende do que estou falando? Sabemos o que é viver, se você é honesto e pode imaginar o que quiser, mas isto é viver. Você pode imaginar que o céu está aí e Deus lhe faz um festo com a cabeça, cada oração é respondida e tudo isso se apodrece. Ao menos para mim, para o orador. Mas nunca temos investigado seriamente o que está morrendo. Está bem, senhor? O que está morrendo?  Morrer deve ser algo extraordinário, não? Uma coisa extraordinária. Tudo se findou: seus arquivos adjuntos, seu dinheiro, sua esposa, seus filhos, seu país, suas superstições, seus gurus, seus deuses... Tudo se foi. Certo?  É possível que deseje levá-lo ao outro mundo, mas não pode pegar seu dinheiro, sua conta bancária, certo? Seus arquivos adjuntos, seus gurus, seus templos.  Você pode inventar templos mais acima, não depois da sua morte, mas enquanto você vive pode inventar todos os deuses na terra. Mas quando chega a morte e diz: “Olhe, você não pode levar nada consigo. Todos os seus arquivos adjuntos, todos os seus afetos, todas as suas feridas, todas as coisas que você reuniu na vida, você não pode carregar, não há espaço para isso”. Certo? Então a morte diz: “Seja totalmente desapegado”. Certo?  Isso é o que ocorre quando chega a morte. Não tem ninguém em quem possa se apoiar, não há nada. Certo. Você entendeu isto? Você pode acreditar que reencarnará na próxima vida. Essa é uma ideia muito reconfortante, mas pode não ser um fato, pode ser sua imaginação, seu anseio, seu “não posso deixar a minha esposa, tenho desejado tanto para um filho, mas o encontrarei na próxima vida, assim que o repreenderei”, e assim sucessivamente.

Então, estamos tratando de descobrir o que significa morrer — enquanto está vivo, não se suicide, não estou falando desse tipo de besteira. Quero saber o que significa morrer. Não saltar no rio, não me refiro a isso, ou ir aos Himalaias e morrer ali.  Mas quero descobrir por mim mesmo o que significa morrer. O que significa que posso estar totalmente livre de tudo que esse homem tenha criado, incluindo-me a mim mesmo? Sabe que há uma piada italiana, perdão por repeti-la: “Todo mundo morrerá, quem sabe, incluindo a mim”. (Risos). Então, quero descobrir qual é o fato real quando a more diz, é o suficiente. Certo? Você quer investigar isso? Não.  De verdade quer sabê-lo?  O que significa morrer? Renunciar a tudo. Certo? Não sacrificar, não use essas palavras tolas. Ela lhe corta com uma lâmina muito, muito afiada, de seus apegos, de seus deuses, de suas superstições, de seu desejo de conforto, a próxima vida e assim sucessivamente, etc. Assim que averiguarei o que significa a morte, porque é tão importante como a vida. Então, como posso averiguar, na realidade, não teoricamente? Fazer avaliações a respeito e formar sociedades e, você já sabe, todo esse circo. Mas na realidade que averiguá-lo, já que você quer saber. Estou falando para você, assim, que não se ponha a dormir.

Então, o que significa morrer? Você é muito saudável, o corpo está funcionando, não há enfermidade, como K, aos noventa e um anos, não tem nenhuma enfermidade, nem dor, etc., etc., porque tenho visto especialistas, doutores. Então, o que significa morrer? Faça-se essa pergunta, não me escute. Enquanto você é jovem, ou quando é muito velho, esta pergunta está sempre aí. Certo? Sempre pergunta e exige o que significa morrer. Você está interessado nisto? É você? Oh, não, não mova a cabeça, senhor!Sabe o que significa? Para ser totalmente livre, estar totalmente desacoplado de tudo o que o homem tenha juntado ou que tenha reunido, totalmente grátis. Sem arquivos adjuntos, sem deuses, sem futuro, sem passado. Você tampouco sabe o que significa tudo. Não vê a beleza disso, a grandeza de si mesma, a extraordinária força da mesma. Então, enquanto vive, você morre. Entende o que isso significa? Enquanto vive, a cada momento se está morrendo. Assim que durante toda a vida, você não está se apegando a nada: sua esposa, seu pai, sua mãe, sua avó, seu país, sua... Nada. Porque isso é o que a morte significa. Certo? Pode desejar outra vida. Isso é demasiado fácil, demasiado simples, demasiado idiota.

Então, a vida se está morrendo. Você entende? Viver significa todos os dias que você está abandonando tudo ao que está apegado, ao que você adora, ao que pensa, ao que não pensa, seus deuses, seu país — nada! Você pode fazer isso? Pode fazer isso? Um fato muito simples, mas tem tremendas implicações. Para que cada dia seja um novo dia. Você entende? Cada dia você está morrendo e encarnando. Oh! Você não entende! Há uma grande vitalidade, energia ali. Você entende? Porque não há nada de que tenha medo. Não há nada que possa lhe irritar, não pode ser ferido.

O pensamento é limitado, portanto, não tem importância; tem importância porque tenho que levantar-me e partir em cinco minutos, mas o tempo, o pensamento, o medo, o apego e todas as coisas que o homem tem ajuntado têm que ser totalmente abandonado. Isso é o que significa morrer. Deus pode estar esperando para lhe salvar no céu, tudo isso soa tão ridículo. Então, você pode fazê-lo? Você o tentará? Experimentará isso? Não só por um dia. Cada dia. Não, senhor, não pode fazê-lo. Seus cérebros não estão treinados para isto. Seus cérebros têm sido condicionados tão fortemente por sua educação, por sua tradição, por seus livros, por seus professores, por seu... tudo o mais. Isto requer averiguar o que é o amor. E o amor e a morte caminham de mãos dadas. Porque a morte diz: “Seja livre, não conectado, nada que você possa levar consigo”. E o amor diz... Não há palavra para isso. Então o amor pode existir só quando há liberdade, não de sua esposa, de uma nova filha ou de um novo esposo, mas da sensação, da enorme força, da vitalidade, da energia completa.

Na próxima vez que nos encontrarmos, falaremos sobre religião e meditação. Espero que esteja bem.  Lamento que só haja três palestras, mas o orador não pode continuar. Vocês entendem? Ele tem noventa anos e se isso é o suficientemente bom. Acabou-se, senhor!

Krishnamurti, segunda palestra em Madras (Chennai),
01 de janeiro de 1986
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill