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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Despertando a chama pura da paixão sem causa

[...] o medo, o sofrimento e aquilo que chamamos amor andam sempre juntos. Se não compreendemos o medo, não podemos compreender o sofrimento, nem tampouco conhecer aquele estado de amor isento de contradição e atrito. Extinguir o sofrimento é dificílimo, porque o sofrimento está sempre conosco, numa ou noutra forma. Desejo, pois, aprofundar este problema; mas pouco significarão minhas palavras se cada um de nós não examinar o problema dentro de si próprio, sem concordar nem discordar, porém simplesmente observando o fato. Se o pudermos fazer, realmente e não apenas teoricamente, então talvez nos seja possível compreender o imenso significado do sofrimento e, dessa maneira, pôr-lhe fim.

Através dos séculos o amor e o sofrimento sempre andaram de mãos dadas, predominando ora um, ora outro. Aquele estado a que chamamos “amor” depressa passa e de novo nos vemos enredados em nossos ciúmes, nossas vaidades, nossos temores, nossas angústias. Sempre houve essa batalha entre o amor e o sofrimento; e, antes de examinar a questão de pôr fim ao sofrimento, impende compreender o que é paixão.

[...] Aqui estamos para descobrir, por nós mesmos, se é realmente possível deixarmos de sofrer, de modo que a mente fique desanuviada, clara, penetrante, capaz de pensar sem ilusão. E isso não é possível, se vivemos meramente no nível das palavras — como provavelmente em regra acontece. Conceitos, padrões, ideais, palavras, símbolos — tudo isso tem extraordinário significado para a maioria de nós, e aí nos deixamos ficar. Parecemos incapazes de romper o nível verbal e penetrar além dele; mas, para compreendermos o sofrimento, temos de ultrapassar as palavras. Assim, enquanto eu estiver examinando esse problema, espero que também o examinareis intensa e claramente, sem sentimentalidade ou emocionalismo.

Ora, a menos que compreendamos a paixão, acho que não seremos capazes de compreender o sofrimento. A paixão é algo que mui poucos de nós realmente já experimentaram. Poderemos ter experimentado entusiasmo, que significa envolver-se completamente num estado emocional a respeito de alguma coisa. Nossa paixão é sempre por alguma coisa: pela música, pela pintura, pela literatura, por um país, por uma mulher ou um homem; é sempre o efeito de uma causa. Quando vos apaixonais por alguém, sempre ficais num estado de grande emoção, o qual é o efeito daquela causa; e a paixão de que falo é paixão sem causa. É estar apaixonado por tudo, e não simplesmente por uma certa coisa; nós em geral nos apaixonamos por uma certa pessoa ou coisa; e acho necessário perceber claramente esta distinção.

No estado de “paixão sem causa” há uma intensidade livre de todo apego; mas, quando a paixão tem causa, há apego, e apego é o começo do sofrimento. Em geral, temos apego — a uma pessoa, um país, uma crença, uma ideia — e quando o objeto de nosso apego nos é retirado ou, ainda, quando perde o seu significado, vemo-nos vazios, incompletos. Esse vazio nós procuramos preenchê-lo apegando-nos a outra coisa, a qual por sua vez se torna o objeto de nossa paixão.

Enquanto vou falando, tende a bondade de examinar vosso próprio coração, vossa própria mente. Eu não sou mais do que um espelho no qual estais vendo a vós mesmo. Se não desejais olhar, está perfeitamente certo; mas, se desejardes olhar, então olhai-vos claramente, “impiedosamente”, com intensidade — sem nenhuma esperança de dissolverdes vossas angústias, vossas ansiedades, vosso sentimento de “culpa”, porém com o propósito de compreender essa extraordinária paixão que sempre leva ao sofrimento.

Quando a paixão tem causa, torna-se luxúria. Quando há paixão por alguma coisa — por uma pessoa, por uma ideia, por uma certa espécie de preenchimento — então, dessa paixão resulta contradição, conflito, esforço. Lutais para alcançar ou para conservar um certo estado, ou para recuperar outro estado que existiu e se foi. Mas a paixão a que me refiro não dá nascimento à contradição, ao conflito. Não está em relação com nenhuma causa e, por conseguinte, não é um efeito. Deixai-me sugerir-vos que escuteis, simplesmente; não tenteis alcançar esse estado de intensidade, essa paixão que não tem causa. Se pudermos escutar atentamente, com aquela naturalidade que se verifica quando a atenção não é forçada por meio de disciplina, porém nascida do simples impulso para compreender, penso que então descobriremos por nós mesmos o que é paixão.

Há, na maioria de nós, pouquíssima paixão. Podemos ser lascivos, podemos estar ansiando por alguma coisa, desejando fugir de alguma coisa, e tudo isso nos confere uma certa intensidade. Mas, se não estamos despertos e não buscamos acesso a essa chama da “paixão sem causa”, nunca seremos capazes de compreender aquilo que chamamos sofrimento. Para compreender algo precisamos de paixão, da intensidade da atenção completa. Onde há paixão por alguma coisa, a qual produz contradição, conflito, não pode existir aquela chama pura da paixão; e aquela chama pura da paixão precisa existir, para que possamos pôr fim ao sofrimento, dissipá-lo completamente.

Sabemos que o sofrimento é um resultado, o efeito de uma causa. Amo alguém e essa pessoa não me ama — esta é uma espécie de sofrimento. Desejo preencher-me num certo sentido, mas para tanto não possuo capacidade; ou, se tenho capacidade, o mau estado de saúde ou outro fator qualquer impede-me o preenchimento — eis outra forma de amargura. Existe o sofrer da mente medíocre, da mente que está sempre em conflito íntimo, incessantemente lutando, ajustando-se, tateando, submetendo-se. Há o sofrimento ocasionado pelo conflito nas relações, e o motivado pela morte de alguém. Bem conhecemos essas diferentes formas de sofrer, e todas elas resultam de uma causa.

Ora, nós nunca enfrentamos o próprio sofrimento; sempre tratamos de racionalizá-lo, explicá-lo; ou temos um dogma, um padrão de crença que nos satisfaz, que nos dá momentâneo conforto. Alguns tomam uma certa droga, outros dão para beber ou para rezar — qualquer coisa que sirva para diminuir a intensidade, a agonia do sofrimento. O sofrimento e a perpétua luta para fugirmos dele — eis o fado de todos nós. Jamais pensamos em extingui-lo, de modo que a mente nunca se prenda na rede da autopiedade, nunca se veja nas sombras do desespero. Não encontrando possibilidade de terminar o sofrimento, passamos, se somos cristãos, a divinizá-lo, em nossas igrejas, simbolizado nas agonias do Cristo. E, se vamos à igreja para adorar o símbolo do sofrimento, ou se tentamos racionalizá-lo ou esquecê-lo tomando uma bebida — tudo é a mesma coisa: estamos fugindo à realidade de que sofremos. Não me refiro à dor física, que a ciência moderna pode debelar com relativa facilidade. Refiro-me à de natureza psicológica, que impede a clareza, a beleza, que destrói o amor e a compaixão. É possível eliminar o sofrimento?

Acho que essa eliminação depende da intensidade da paixão. Só pode haver paixão quando há total abandono do “eu”. Nunca poderá uma pessoa “apaixonar-se” se não houver a completa ausência disso que chamamos “pensamento”. Como já vimos, o que chamamos pensamento é a reação de vários padrões e experiências da memória, e onde existe essa reação condicionada, não há paixão, não há intensidade. Só pode haver intensidade com a completa ausência do “eu”.

Há um sentimento da beleza que não está ligado ao que é belo e ao que é feio. Não quero dizer que a montanha não seja bela ou que não haja edifícios feios; mas há uma beleza que não é o oposto do feio, há um amor que não é o contrário do ódio. E a renúncia de que falo é aquele estado de beleza sem causa, o qual, por essa razão, é um estado de paixão. E pode-se transcender o que resulta de causa?

Escutai isto com toda a atenção. Posso não ser capaz de explicar-me com muita clareza, mas procurai apreender a significação das palavras, em vez de vos cingirdes apenas às palavras. Na generalidade, estamos sempre reagindo; a reação constitui o inteiro padrão de nossa vida. Nossa maneira de corresponder ao sofrimento é uma reação. “Reagimos”, tentando explicar a causa do sofrimento, ou dele fugir; mas nosso penar não tem fim. Só termina quando realmente o enfrentamos, quando compreendemos e transcendemos tanto a causa como o efeito. Procurar livrar-se do sofrimento pela prática de certos exercícios, ou pelo pensar deliberado, ou pelo recorrer a qualquer das várias modalidades de fuga à amargura — por nenhuma dessas maneiras se desperta na mente a extraordinária beleza, a vitalidade, a intensidade daquela paixão que inclui e transcende o sofrimento.

Que é sofrimento? Ao ouvirdes esta pergunta, como respondeis? Vossa mente trata logo de explicar porque sofremos, e essa busca de explicação desperta lembranças de passadas aflições. Dessa maneira, reverteis sempre, verbalmente, ao passado ou saltais para o futuro, num esforço para explicar a causa do efeito que chamamos sofrimento. Julgo, porém, que devemos ultrapassar tudo isso.

Bem sabemos o que nos faz pensar: pobreza, doença, frustração, não ser amado, etc. E, quando terminamos de explicar as várias causas do sofrimento, não lhe pusemos fim; não apreendemos realmente a extraordinária profundeza e significação do sofrimento, e muito menos compreendemos aquele estado que se chama amor. A meu ver, as duas coisas se relacionam mutuamente — o sofrer e o amor. E, para compreendermos o que é o amor, precisamos sentir a imensidade do sofrimento.

Os antigos falavam a respeito da terminação do sofrimento, tendo estabelecido um método de viver com que supunham extingui-lo. Muitos têm praticado esse “método de viver”. Monges do Oriente e do Ocidente o têm praticado, apenas com o resultado de terem endurecido a si próprios; a mente e o coração deles se fecharam. Vivem atrás das paredes de seu próprio pensamento ou atrás de paredes de tijolo e pedra, mas, realmente, eu não creio que eles tenham “passado além”, para sentir a imensidade dessa coisa que se chama sofrimento.

Deixar de sofrer é enfrentar o fato de nossa própria solidão, de nosso apego, de nossas vulgares exigências de fama, nossa ânsia de sermos amados; é estar livre do interesse egocêntrico e da puerilidade da autopiedade. E, depois de isso ultrapassarmos, e, talvez, de superarmos o sofrimento pessoal, resta ainda o imenso sofrer coletivo, o sofrer do mundo. Uma pessoa pode pôr fim à própria amargura, enfrentando em si mesma o fato e a causa do sofrimento — e isso deve ocorrer à mente que deseja ser completamente livre. Mas, uma vez terminado isso, há ainda o sofrimento oriundo da ignorância existente no mundo — ignorância que não é falta de instrução, de conhecimentos tirados dos livros, porém a ignorância que o homem tem de si próprio. A falta de autocompreensão é a essência da ignorância, causadora do imenso penar da humanidade. E que significa, em verdade, sofrer?

As palavras não podem definir o sofrimento, assim como é impossível explicar verbalmente o que é o amor. O amor não é apego, o amor não é o oposto do ódio, o amor não é ciúme. E quando uma pessoa acabou com o ciúme, com a inveja, com o apego, com todos os conflitos e agonias que sofreu, pensando amar — quando tudo isso terminou, resta ainda saber o que é o amor, resta ainda saber o que é o sofrimento.

Só se pode descobrir o que é o amor e o que é o sofrimento quando a mente rejeitou todas as explicações e já não está imaginando, já não está buscando a causa, já não se está entretendo com palavras ou rememorando prazeres e dores passados. A mente deve achar-se completamente quieta, sem uma só palavra, um único símbolo, uma única idéia. Descobre-se então — ou ele virá por si — o estado em que aquilo que chamávamos amor, aquilo que chamávamos sofrimento, aquilo que chamávamos morte, são a mesma coisa. Já não haverá divisão entre o amor, o sofrimento e a morte; e, não havendo divisão, haverá beleza. Mas, para compreendermos, para nos acharmos nesse estado de êxtase, necessita-se daquela paixão resultante do total abandono do “eu”.

Krishnamurti, Saanen, 5 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sofrimento é memória mais autopiedade


Sofrimento é memória mais autopiedade

Nesta tarde pretendo falar sobre a indolência, o sofrimento, a ação e, se houver tempo, sobre a beleza.

As ideias ou teorias não transformam de fato a mente e o coração. Não há persuasão, não há castigo ou recompensa que possa impedir a astúcia da mente e a crueldade do coração. Não há crença ou dogma capaz de dissuadir a mente, fazê-la abandonar o curso que está seguindo, para alcançar aquilo que deseja. E seria lamentável se cada um de nós saísse destas reuniões levando uma taça cheia de cinzas — de meras ideias e palavras, que nenhuma transformação produzem. E a transformação só é possível quando percebemos ou vemos o fato real.

Muito temos discutido, analisado, citado, argumentado pró ou contra; entretanto, continuamos exatamente como éramos: embotados, insuficientes, insensíveis, completamente absorvidos em nossos próprios compromissos e problemas. E não há quantidade de reflexão, de ansiedade ou de temor que possa dissolver nossos problemas. Vou falar a respeito desses problemas, como já falei a respeito do medo, do poder, da posição, e da autoridade. Não nos interessam ideias; propaganda não revela o fato, e vós tendes de compreender o fato. Nem o templo, nem o livro, nem o guru pode ensinar-vos a olhar; mas, vós tendes de olhar-vos, tendes de ser vossa própria luz; e para serdes vossa própria luz, não deveis seguir ninguém. Nenhuma autoridade há quando sois vossa própria luz — não tendes guru, não sois um seguidor. Ao serdes vossa própria luz, sois uma entidade criadora. Mas não há possibilidade de criação se existe qualquer forma de indolência.

A indolência é a essência da autopiedade. Nós somos preguiçosos, indolentes, dados a pensar de maneira negligente, sem exatidão. Nossa mente está tão confusa como nosso coração e igualmente embotada. E, para compreender a indolência — não “como” livrar-se da indolência — cumpre aprender o que ela é.

Como assinalamos em nossa última reunião, é muito mais importante aprender do que simplesmente resolver um problema. Se puderdes aprender a respeito de um problema, tê-lo-eis resolvido. Vamos aprender acerca da indolência, dessa extraordinária indolência de nossa mente; não vamos acumular conhecimentos sobre a indolência, conhecimentos que se tornam puramente verbais. O aprender implica investigação. Mas, para investigar, a mente deve estar livre para descobrir; e não há liberdade, se vos limitais a aquiescer, a concordar ou negar, ou a defender-vos atrás de uma barreira de palavras e conclusões. Essas coisas são distrações que impedem a clareza necessária ao aprender. Notai, pois, que vamos aprender juntos a respeito da indolência. Isso concerne principalmente aos que vivem neste clima, que têm estado sujeitos a várias formas de tirania e autoridade, e que facilmente deslizam para a letargia mental, a indolência, facilmente aceitam atitudes e valores. Assim, impende perceber que, para aprender, necessita-se de liberdade para investigar.

Nós vamos aprender acerca dessa qualidade, dessa coisa chamada “indolência”. Como disse, a essência da indolência é a autopiedade. Vou estender-me em considerações sobre esta asserção, porquanto, se não compreendermos este problema, esta questão da autopiedade, não compreenderemos o problema seguinte, ou seja, o sofrimento. É justo ser indolente, é bom ser indolente — no sentido de não estarmos incessantemente ativos, como formigas, ou sempre a fazer alguma coisa, como um macaco. A mente da maioria de nós está perpetuamente ocupada com alguma coisa: palavras, problemas, ideias, resultados; sempre a tagarelar entre si, nunca inativa, nunca quieta — sempre sob tensão. E a mente que não é indolente, que não é preguiçosa, mas tem aquela placidez e sua essencial suavidade, percebe num clarão o que é verdadeiro. Essa inatividade, essa “indolência”, essa consciência de um lazer infinito, não deve ser confundida com o conforto. A mente que tem lazer é uma mente excepcional, porquanto não está envolvida na rede da ação, não está perenemente a tagarelar entre si ou a respeito de alguma coisa.

Há, pois, uma qualidade de lazer, de quietude, um “senso” de indiferença, que é necessário. Mas esse estado de quietude, esse “senso” de ilimitado vazio, em que pode ocorrer um lampejo do real — só é possível quando se compreende não só a indolência do corpo, mas também a indolência com que aceitamos ideias, pensamentos, asserções e conclusões, que se tornam as rotinas que ficamos seguindo, tal como um carro elétrico sobre trilhos. E não sabemos, nem sequer estamos apercebidos dessas rotinas. Isso é indolência: não saberdes, não estardes apercebidos de que vosso pensamento, vosso sentimento e vossas atividades “correm” perpetuamente pelas mesmas “linhas”, pelas mesmas rotinas. O mesmo que, aos vinte e cinco ou trinta anos, pensáveis a respeito de uma coisa, pensais ainda hoje. Não há alteração, não há rompimento: nada novo, nada fresco.

E, quanto à preguiça do corpo, à indolência que a maioria das pessoas tem — essa, todos se sentem capazes de ativar, pelo disciplinamento corporal, pelo forçar, impelir, compelir o corpo. Mas, toda forma de compulsão gera conflito; e a mente em conflito com o corpo não dá energia ao corpo, ao organismo: só cria conflito; e esse conflito não é a “qualidade” geradora da energia necessária para ativar o corpo.

Nessas condições, a disciplina, o controle, o forçar o organismo a submeter-se, a erguer-se do leito, a executar várias coisas para “positivar” sua atividade — tudo isso só cria resistência. E onde há resistência, aí há contradição; e é essa contradição que, incompreendida, gera a indolência. Quem estudou e observou o próprio corpo deve saber quando ele necessita e quando não necessita de repouso. Deve saber que não há necessidade de compelir, forçar, impelir o corpo a fazer determinada coisa; o corpo a fará, natural, espontânea, facilmente. Mas é preciso compreender todo o mecanismo da indolência mental. Se um homem se excede no comer, e é indulgente consigo mesmo a vários respeitos, isso denota um estado de extraordinária lassidão, porque sua mente está adormecida; ele se deixa, simplesmente, levar por tal ou qual apetite, e isso se torna hábito, e esse hábito não é mais do que a “continuidade”, sem nenhuma reflexão, do que foi.

Assim, importa compreender o mecanismo da mente que se tornou indolente. Há indolência quando há ajustamento, estabilização num “cantinho” que talhastes para vós mesmo e vossa família e onde vos sentis seguro, emocional e mentalmente — apercebido de terdes alcançado um certo resultado e felicitando-vos por esse êxito. Isso indica que alcançastes um ponto em que vos sentis bem seguro, livre de toda perturbação. É então que começa a indolência. E tal indolência é a essência da autopiedade.

Sabeis o que entendo por “autopiedade”? Autopiedade significa o íntimo sentimento de não poder contar com ninguém; ter intimamente o sentimento de estar abandonado, desprezado; de não ser amado, embora ame; de ter fracassado completamente; de que é necessário ter algum êxito; de ser isto ou de não ser aquilo — a perene “asserção” do próprio “eu”! Em vossas lágrimas, em vossas alegrias, em vossa frustração, em vossas agonias, está o fio, o fio inquebrável, da autopiedade, atravessando toda a vossa vida; e isso é indolência. Foi aí que começastes a submeter-vos, a estabilizar-vos, a “engordar” mentalmente. E todos buscam, nessa indolência, a segurança. E, uma vez firmado esse sentimento de segurança psicológica, ele se torna o sentimento “de onde” agis, “de onde” existis, “de onde” se nutre a vossa vida.

Como disse, não vos limiteis a escutar palavras, mas tratai de observar vossa própria mente, vosso próprio estado de consciência; procurai ver em que grau de exatidão as palavras representam vosso próprio estado; observai vossa própria mente em funcionamento. Então o que estou dizendo terá significação; mas, se vos estais amparando unicamente nas palavras, neste caso estais vazios; e vossas taças jamais se encherão, ainda que fiqueis a buscar por toda a eternidade. Assim, escutar é, com efeito, a observação de vossa própria mente; ver é, com efeito, observar o movimento de vosso próprio pensamento. Porque é o pensamento, a palavra, que vos impede o escutar, o ver. E se desejais compreender, em sua inteireza, o problema do sofrimento, o problema da ação, deveis compreender a autopiedade.

O sofrimento é, ao mesmo tempo, a ação própria e a ação recíproca da autopiedade e da memória. Vós sofreis por terdes perdido alguém; sofreis porque alguém não vos ama; sofreis porque não conseguis um emprego melhor; sofreis porque alguém é mais belo, mais inteligente, mais ativo, mais sensível do que vós. Sois ciumento, invejoso, ávido. Tudo isso são sinais de conflito e de sofrimento. O sofrimento não é uma “crise tremenda” causada por algo incontrolável ou incompreensível. Vós podeis transformar vossa mente de maneira completa, podeis ficar de todo livre do sofrimento e nunca mais serdes por ele atingido.

Se nesta tarde ficardes escutando — escutando realmente, sem esforço algum, sem o desejo de vos livrardes do sofrimento — se puderdes escutar como que num “encantamento”, com naturalidade, com prazer, assim como contemplais o entardecer, o esvoaçar de uma ave ou de uma folha — como se o que escutais não se relacionasse convosco — vereis que a carga do sofrimento será retirada de vossos ombros, não momentaneamente, não por um dia: estareis livre do sofrimento.

Se puderdes compreender o sofrimento — o fato, e não as ideias que formais e nutris a respeito do sofrimento — tereis descoberto o meio de fazê-lo cessar. Existe a ideia do sofrimento e existe o fato real, o sofrimento; são duas coisas diferentes. Em geral, temos a ideia do sofrimento. Se meu filho morre, se perco minha mulher, se alguém não me ama, se não são tão inteligente como vós, a ideia importa mais do que o fato. Não sabemos enfrentar o fato de que há sofrimento (não a ideia de sofrimento).

Por favor, procurai compreender a diferença entre as duas coisas. Porque olhamos o sofrimento através da ideia e, formando ideias a seu respeito, não o olhamos verdadeiramente. O nutrir ideias sobre o penar é autopiedade, é reação da memória e, por conseguinte, não é o sofrimento. A ideia de alimento não é o alimento. Mas a maioria de nós vive de ideias, herdadas ou adquiridas; essa é nossa nutrição mental, com que nos satisfazemos. Por isso, nossa mente se torna embotada, insensível, desatenta, vazia.

Perceber o fato do sofrimento é “estar fora” da autopiedade, livre dela. Autopiedade é uma ideia que temos acerca de nós mesmos. “Porque isso acontece a mim, e não a vós; porque não sou tão poderoso, tão famoso, tão importante, tão popular como sois; porque me foi arrebatado meu filho, minha mulher; porque fui por ela abandonado; porque não sou amado?” — Tudo isso são ideias, nascidas da autopiedade, reações da memória. E com essa autopiedade, com essa reação da memória, olhamos aquilo que consideramos “sofrimento”. O que olhamos, por conseguinte, não é o sofrimento, porém, sim, o movimento da autopiedade. Isso poderá ferir-vos os ouvidos, mas é o fato — o fato psicológico. Se disserdes a uma pessoa que perdeu o pai, a mulher, o irmão, quem quer que seja: “Olhai o fato, não vos deixeis dominar por vossa autopiedade” — essa pessoa vos considerará muito cruel, sem coração, sem compaixão, sem amor.

O fato é que ninguém está livre do sofrimento. Se observardes a vós mesmo em sofrimento, vereis que, só compreendendo-lhe o mecanismo integral, podeis deixar de sofrer. Ao observardes vosso próprio sofrimento, vereis quão estreitamente ele está relacionado com a autopiedade e com todas as lembranças de coisas passadas. São as coisas que passaram e a lembrança que delas guardamos, que geram a autopiedade e o sentimento de solidão. E, assim, o penar continua, dia após dia, mês após mês, até morrerdes. Levantastes em torno de vós mesmo uma muralha de autopiedade, uma muralha de lembranças frustradas. Estais vivendo num túmulo e vossa vida perdeu toda a significação. Daí, investigais o sofrimento, daí ledes livros, daí procurais descobrir como dele escapar.

Por isso, tendes vossos deuses, vossos livros, vossos cinemas, vossas diversões. Todas essas coisas estão no mesmo nível. Se recorreis a uma bebida ou se preferis ir ao templo — é a mesma coisa. Tudo são vias de fuga, nascidas de uma mente que é a própria essência da autopiedade. Não podeis livrar-vos da autopiedade; não digais: “Como me livrarei da autopiedade?” Isso é outra forma de preocupação com vós mesmo e, portanto, autopiedade. O mais que podeis fazer é procurar conhecer o que vos impede de olhar o fato — o sofrimento; o fato — a angústia, a confusão, a desdita que vos envolvem.

Como olhais o fato do sofrimento? Quando o olhais sem autopiedade, sem a recordação das coisas que passaram, há então sofrimento? Se não houvesse a lembrança de meu filho, de como era belo, feliz, o que poderia tornar-se; se não me estou imolando à lembrança dele; se, por meio dele, não “imortalizar” a mim próprio; se nele não depositei tudo — minha própria pessoa, minhas ideias, minhas esperanças, meus temores, minhas frustrações — tudo lembranças de coisas pretéritas — e se a autopiedade e a lembrança das coisas que passaram não existem, há então sofrimento? Não posso, então, olhar o fato com uma mente de todo diferente? Essa mente não é indolente; está livre das coisas que produzem a indolência, a preguiça, a inércia. Isto é, a autopiedade e a lembrança são as causas que tornam a mente embotada; são elas que impedem o completo e instantâneo percebimento do fato. Assim, quem deseja compreender o sofrimento deve compreender todo esse mecanismo de ação egocêntrica e “expansível”, e o mecanismo do hábito, da memória. Vós sois o que sois — um campo de batalha de vossas lembranças, e nada mais. Retirem-se as lembranças da infância, da juventude, de todas as coisas que tendes adquirido, de quantas tendes experimentado e sofrido, das coisas que pensais que sois — e que restará de vós? É o sentimento de solidão, de vazio, de insuficiência, que causa a autopiedade; e esse pensamento gera infinito penar e agitação. Estais-me escutando a fim de vos compreenderdes. E, compreendendo o que estou dizendo, podereis eliminar instantaneamente esse processo da autopiedade.

Não necessitais do tempo. O tempo não é a via da transformação; o tempo nunca produz transformação; o tempo traz a aceitação, o hábito: vós vos acostumais, vos enfastiais, vos tornais embotado, estulto. Mas, para poderdes livrar-vos da “continuidade” da autopiedade, geradora de sofrimento, deveis vê-la incontinenti. E podeis vê-la num instante. Podeis acrescentar-lhe mais particularidades; mas, particularidades não importam, razões nada significam, e não valem as conclusões. A verdade é que sois incapaz de enfrentar o fato — o fato de terdes perdido vosso filho, de não serdes tão inteligente, tão cheio de vitalidade como eu; quando enfrentais esse fato sem autopiedade, estais então livre de mim, já não vos achais num “estado de comparação”.

A mente, pois, se preocupa consigo própria, como o faz a maioria das pessoas. Deveis preocupar-vos com vós mesmos, num certo nível — pois precisais ganhar a vida. Mas a preocupação pessoal num nível mais profundo, no profundo nível psicológico, provoca a inércia, que é indolência. Psicologicamente, interiormente, se vos observardes e ao mundo que vos circunda, podeis ver que vossa ação é simplesmente uma reação, que todas as vossas atividades são reações, “respostas” correspondentes a vossos gostos ou aversões.

Acompanhai-me por mais alguns instantes, pois desejo mostrar que existe uma atividade não resultante de ideia. Vereis que há uma ação procedente da total negação da reação, ação que, por conseguinte, é criadora. Para compreender isso, para penetrar esta questão — que, em verdade, não é complexa, porém requer um estado mental fora do comum — impende compreenderdes as vossas reações, das quais se origina a vossa ação diária. Nós reagimos, nos revoltamos, defendemos, resistimos, adquirimos, submetemo-nos, e tudo isso são reações.

Digo-vos alguma coisa que vos desagrada e, portanto, tratais de fazer algo em reação a isso de que não gostais e que não quereis aceitar. Nesse nível estamos atuando a todas as horas. Fostes educado, condicionado para seguir um certo padrão de vida; esse padrão fica sendo vossa própria vida, vossa norma de vida, interior e exteriormente. E, quando alguém o contesta, vos revoltais, reagis de acordo com vosso condicionamento, consoante os vossos hábitos; dessa reação origina-se outra ação. Vivemos, assim, a mover-nos de reação para reação e, por conseguinte, nunca estamos livres. Esta é uma das origens do sofrimento. Por favor, procurai compreender isso.

Não pode deixar de haver reação. Ao verdes uma coisa feia, vossa mente tem de reagir; ao verdes algo belo, ela tem de reagir; ao verdes uma serpente venenosa, ela tem de reagir; se assim não fosse, estaríeis morto, insensibilizado, desvitalizado, embotado. Mas essa reação difere da reação que a sociedade e vós mesmos desenvolvestes, mediante vossas experiências e que se tornou vosso condicionamento. Se, ao verdes uma árvore, o pôr do sol, não reagis, estais entorpecido. Mas, quando “reagis” em conformidade com vossa autopiedade, com vossas conclusões, vossos hábitos, vossos fracassos, êxitos, esperanças, desesperos — tal reação leva à ação incompleta e, consequentemente, à continuação do conflito e do sofrimento.

Espero estejais percebendo a diferença entre as duas qualidades de reação. A reação que vê e não traduz o que vê segundo seu próprio condicionamento — essa é uma qualidade de reação; é a ação real. E a outra qualidade de reação é aquela que vê e diz: “Isto é belo, quero possuí-lo”. Essa reação procede do condicionamento, da memória, da autocompaixão, do desejo, etc. A reação nascida da ideia é uma coisa, e outra coisa é a reação sem ideia. A reação nascida da “ideação”, de conclusões, de hábitos, de tradições, conduz ao cativeiro, à amargura. E a reação sem ideia, consistente puramente em observar, essa conduz à liberdade — ou, melhor, ela é liberdade — não “conduz”; a liberdade não vos conduz a parte alguma.

Só a mente livre se acha no estado de negação — negação das reações positivas de uma mente condicionada. E só a mente mantida na negação, no estado de negação, pode perceber, num clarão, o que é verdadeiro. Vede, por favor, que não estou dizendo nada de complexo; isto não é complexo, é muito simples. Mas, justamente por causa de sua simplicidade, perdeis seu significado. Porque vossa mente é tão complicada, quereis achar muitas coisas no que estou dizendo — que, afinal de contas, é bem simples. Vossas reações são produto de vosso condicionamento de hinduísta, de homem rico, de homem pobre, de mulher, de homem — do que quer que sejais — com todas as vossas experiências, vossas esperanças, vossos deuses, vossas ânsias, vossos apegos; o condicionamento existe, e vossas reações partem dele. E quanto mais reagis, tanto mais essas reações se aprofundam em vós mesmo. Continuais, assim, no cativeiro de vossas próprias reações, de vossas próprias limitações. Isto é bastante simples. Não requer minuciosa investigação psicológica. Mas, o que verdadeiramente exige energia, atenção, é a negação total das reações positivas da mente condicionada. Ao negardes, observais sem “ideação” sem nenhum pensamento; estais olhando.

Ora, senhores, quando desejais compreender vossos desditosos filhos — desditosos, porque não sabeis educá-los — tratais de mandá-los para escola... e está tudo acabado: as crianças se tornam máquinas.

Não estou fazendo uma preleção sobre educação. Se tendes um filho, deveis observá-lo, prestar-lhe atenção. Se desejais conhecê-lo, não digais que ele deve ser isto ou aquilo, não o obrigueis a fazer isto ou aquilo; observai, aprendei, porque é vosso coração que deve “responder”, e não vossa pequena e feia mentalidade possessiva.

Assim, deveis aprender a conhecer o vosso filho. E não podeis aprender se “respondeis”, se “reagis” como pai, com vossa autoridade, vosso exagerado senso de importância — como se de fato tivésseis criado um mundo maravilhoso! Assim, se desejais compreender uma criança, deveis olhá-la sem pensamento nenhum, descobrir o que ela sente, o que pensa. Ora, se a olhais dessa maneira, vossa mente estará nesse momento vazia, porque estareis interessado na criança. Não a estareis “vestindo” com vossas ideias, vossas esperanças e temores; desejais ver o que ela é.

Pois bem; se sou capaz de olhar o sofrimento — o incidente, a morte de meu filho; se sou capaz de olhar isso, olhar o fato, nesse caso, olho sem nenhuma reação; minha autopiedade e minhas lembranças foram postas de parte. Mas, em geral, nos comprazemos na autopiedade. Não temos outra coisa de que nos nutrirmos e, por conseguinte, a autopiedade se tornou nossa nutrição. Quanto mais velhos ficamos, mais importantes se tornam as lembranças, as coisas pretéritas.

Deste modo, a ação, nascida de reação gera sofrimento. Nossos pensamentos resultam, quase todos, do passado, do tempo. A mente não alicerçada no passado, que bem compreendeu esse “mecanismo” de reação, pode atuar, a cada minuto, de maneira total, completa.

Tende a bondade de escutar, pois o que agora vou dizer será talvez um pouco difícil. Escutai-o, pois, com toda a atenção, como se estivésseis distanciados de mim. Vou falar sobre uma coisa que ireis encontrar, se tiverdes feito com agrado, com prazer, tudo o que indiquei. Depois de terdes examinado todo o mecanismo da ação nascida da reação, e negado essa ação, com enlevo, com alegria — e não com pesar — vereis que, natural e facilmente, alcançareis um estado mental que é a verdadeira essência da beleza.

Importa compreender a beleza. A mente que não é bela, que não se encanta com uma árvore, uma flor, um belo rosto, um sorriso; que não se detém à beira do mar a contemplar as vagas inquietas; que não tem nenhum senso de beleza — essa mente nunca, descobrirá o amor, a verdade. Essa beleza vos foi negada porque ela exige paixão, exige toda a vossa energia, requer atenção completa, não dividida; e essa atenção completa, não dividida, é negação, um estado de negação.

Só do nada pode sair a criação; desse vazio surge aquela criação que é a totalização da energia. Mas vós não podeis alcançá-la. Deveis deixar bem longe a vós mesmo, perder-vos por longe, esquecer-vos; para alcançá-la, deveis estar imaculado, sem lembrança, sem pensamento, sem memória. Porque, aí, nada podeis experimentar, não há experimentar; se buscais experiência, estais ainda preso ao “conhecido”, às coisas de ontem.

Estou falando a respeito da mente não indolente, que não tem autopiedade, que não tem memória, salvo a memória mecânica, necessária ao viver — o lugar onde se reside, o emprego que se exerce, os atos normais da vida. Essa mente não tem “memória psicológica” e, por conseguinte, nada precisa experimentar; por conseguinte, não há “desafio”. Só essa mente é, ela própria, a realidade, a criação, a beleza.

A beleza não está no rosto, por mais delicados que sejam os seus traços. Não é produto da atividade humana. Nem resulta do pensamento, do sentimento. Beleza é aquela comunhão com todas as coisas, sem reação alguma, comunhão com o feio e com o chamado “belo”. Essa comunhão sai do nada; nesse estado há aquela beleza que é Amor.

Krishnamurti, Bombaim, 4 de março de 1962, A mutação Interior


terça-feira, 10 de abril de 2018

O sofrimento e a mente religiosa


O sofrimento e a mente religiosa

Esta é a última palestra. Discorrerei sobre o sofrimento e a mente religiosa. Há sofrimento em toda a parte, exterior e interiormente. Vemo-lo tanto nas altas como nas baixas camadas sociais. Ele existe há milhares de anos, diversas teorias já se conceberam a seu respeito e as religiões dele já falaram muito; entretanto, ele continua. É possível extinguir o penar, ficar realmente, interiormente, de todo livre dele? Não existe só o sofrimento da velhice e da morte, mas também o sofrimento do insucesso, da ansiedade, da culpa, do medo, o sofrimento causado pela contínua brutalidade, pela crueldade do homem para com o homem. Pode-se extirpar a causa desse sofrimento — não em outrem, mas em nós mesmos? Ora, por certo, se desejamos efetuar qualquer transformação, ela deve começar em nós mesmos. Afinal, não há separação entre o indivíduo e a sociedade. Nós somos a sociedade, o “coletivo”. Como franceses, russos, ingleses, hindus, somos o resultado de reações coletivas, desafios e influências coletivas. E no transformar esse centro individual, talvez se possa alterar a consciência coletiva.

A meu ver, a presente crise não é tanto uma crise do mundo exterior, mas uma crise existente na consciência, no pensamento, em nosso ser inteiro. E acho que só a mente religiosa pode resolver esse sofrimento, pode dissipar inteira e completamente todo o mecanismo do pensamento e o resultado que o pensamento produz, na forma de sofrimento, medo, ansiedade e culpa.

Já tentamos tantas maneiras de nos livrarmos do sofrimento: frequentar a igreja, refugiar-nos em crenças e dogmas, aderir a várias atividades sociais e políticas — e inumeráveis outras maneiras de fugir a essa perpétua corrosão do medo e do sofrimento. Só a mente religiosa pode resolver o problema. E por “mente religiosa” entendo algo completamente diferente da mente, do intelecto que crê na religião. Não há religião onde há crença. Não há religião se existe dogma, perpétua repetição de palavras, palavras, palavras, sejam em sânscrito, sejam em latim, sejam noutra língua qualquer. “Ir à missa” é uma forma de entretenimento como outra qualquer; não é religião. Religião não é propaganda. Quer vosso intelecto seja condicionado pela “gente da igreja”, quer pelos comunistas, é a mesma coisa. Religião é algo inteiramente diferente de crença e não crença; e desejo penetrar bem na questão relativa à mente religiosa. Fique, portanto, bem claro para nós que religião não é a fé que professais: isso é muito infantil. E onde não há madureza, não pode deixar de haver sofrimento. Requer-se muita madureza para se descobrir o que é uma mente verdadeiramente religiosa. Esta não é, por certo, a mente que crê, nem aquela que segue qualquer espécie de autoridade, seja a do maior dos instrutores, seja a do chefe de determinada seita. Assim, evidentemente, a mente religiosa está livre de todo sectarismo e, por conseguinte, de toda autoridade.

Posso digressionar agora um pouco, para dizer umas breves palavras a respeito de outra coisa? Alguns de vós vindes escutando estas palestras com bastante assiduidade, nestas últimas semanas. E se vos fordes daqui com uma grande coleção de conclusões, com um novo conjunto de ideias e frases, ir-vos-eis de mão vazias, ou com as mãos cheias de cinzas. Conclusões e ideias, de qualquer espécie que sejam, não resolvem o sofrimento. Assim, espero sinceramente que não fiqueis apegados às palavras mas viajeis junto comigo, a fim de podermos ultrapassar as palavras e descobrir, por nós mesmos, o que é real e, daí, empreender viagem para mais longe. O descobrimento do que existe em nós mesmos, como fato e realidade, faz nascer uma reação e ação de natureza completamente diferente. Espero, pois, não leveis convosco as cinzas das palavras, da memória.

Como dizia, a mente religiosa está livre de toda autoridade. E é muito difícil estar livre da autoridade — não só da autoridade imposta por outrem, mas também da autoridade da experiência que acumulamos, que é do passado, que é tradição. E a mente religiosa não tem crenças, não tem dogmas; ela se move de fato para fato e é, portanto, uma mente científica. Mas a mente científica não é a mente religiosa. A mente religiosa inclui a mente científica; mas a mente treinada no saber científico não é mente religiosa.

A mente religiosa se interessa pela totalidade — não por uma determinada função mas, sim, pelo total funcionamento da existência humana. O intelecto se interessa por determinada função; especializa-se. Ele funciona especializadamente, como cientista, médico, engenheiro, músico, artista, escritor. São estas técnicas especializadas, limitadas, que criam a divisão, não só exterior, mas também interiormente. O cientista, provavelmente, é considerado como a pessoa mais importante de que necessita a sociedade hoje em dia, tal como o é o médico. A função, portanto, se torna de suma importância; e a ela está ligada a posição, e posição é prestígio. Assim, onde há especialização tem de haver contradição e uma limitação, e esta é a função do intelecto.

Cada um de nós, por certo, funciona dentro de uma estreita rotina de reações autoprotetórias. É aí que tem nascença o “eu”, o “ego” — no intelecto, com suas defesas, agressões, ambições, frustrações e sofrimentos.

Há, pois, uma diferença entre o intelecto e a mente. O intelecto é “separativo”, “funcional”, não pode ver o todo; ele funciona dentro de um padrão. E a mente é a totalidade que pode ver o todo. O intelecto está contido na mente; mas o intelecto não contém a mente. E por mais que o pensamento se purifique, se requinte e se controle, ele de modo nenhum pode conceber, formular ou compreender o todo. É a capacidade da mente que percebe o todo, e não o intelecto.

Mas nós desenvolvemos o intelecto num grau espantoso. Toda nossa educação se restringe ao cultivo do intelecto, porque há vantagem no cultivo de uma técnica, na aquisição de conhecimento. A capacidade de perceber o todo, a totalidade da existência — esta percepção não tem o móvel da vantagem; por esse motivo a desprezamos. Para nós, função importa mais que a compreensão. E só há compreensão quando há o percebimento do todo. Ainda que o intelecto seja capaz de discernir a razão, o efeito, a causa das coisas, o sofrimento não pode ser resolvido pelo pensamento. É só quando a mente percebe a causa, o efeito, o mecanismo total, e passa além, é só então que tem fim o sofrimento.

Para a maioria de nós, a função se tomou muito importante porque a ela está ligada a posição, a situação, a classe. E quando a posição se torna existente em virtude da função, há contradição e conflito. Como respeitamos o cientista e desprezamos o cozinheiro! Como veneramos o Primeiro Ministro, o General, e desconsideramos o soldado! Vemos, pois, que há contradição quando a posição está aliada à função; há distinção de classes, lutas de classes. Uma sociedade poderá procurar extirpar as classes, mas enquanto a posição acompanhar a função, tem de haver classes. E é isso o que todos desejamos. Todos desejamos posição, que significa poder.

Como sabeis, o poder é uma coisa extraordinária. Todos o ambicionam: o eremita, o general, o cientista, a dona-de-casa, o marido. Todos desejamos o poder: o poder que o dinheiro confere, poder para dominar, o poder do saber, o poder da capacidade. Ele nos dá posição, prestígio, e é isso que desejamos. E o poder é coisa má, seja o poder do ditador, seja o poder da esposa sobre o marido ou do marido sobre a esposa. É mau, porque força outrem a submeter-se, a ajustar-se; e nesse processo não há liberdade. Mas nós o ambicionamos, muito sutilmente ou muito cruelmente; e é por isso que buscamos o saber. O conhecimento é importantíssimo para a maioria de nós, e temos na mais alta consideração o homem ilustrado, com suas sutilezas intelectuais, porque ao saber se associa o poder.

Tende a bondade de escutar, não apenas a mim, mas à vossa mente, vosso intelecto e coração. Observai-os, para verdes com que avidez a maioria de nós deseja esse poder. E, quando há busca de poder, não há aprender. Só a mente “inocente” pode aprender; só a mente jovem, fresca, se deleita em aprender, e não a mente, o intelecto pejado de saber, de experiência. A mente religiosa, pois, está sempre aprendendo, e não há fim ao aprender. Aprender não é acumulação de conhecimentos. No conservar e aumentar o saber, deixamos de aprender. Segui isto até o fim.

Quando se observam todas essas coisas, pode-se ficar apercebido de um extraordinário sentimento de isolamento, solidão. Em geral, temos experimentado ocasionalmente esse sentimento de estar completamente só, fechado, sem relação com nenhuma coisa ou pessoa. E ao se perceber isso, sente-se medo; quando existe medo, apresenta-se imediatamente o impulso, a ânsia de fugir-lhe. Segui tudo isso interiormente, porque não estou aqui pronunciando uma conferência; estamos, realmente, jornadeando juntos. E se puderdes fazer essa viagem, saireis daqui com uma mente bem diversa, um diferente intelecto.

Temos de passar por esse sentimento de solidão, mas não o podeis fazer se tendes medo. Essa solidão é, em verdade, criada pela mente, com suas reações autoprotetórias, suas atividades egocêntricas. Se observardes vosso próprio intelecto, vereis como vos estais isolando em tudo o que fazeis e pensais. Tudo isso que se relaciona com “meu nome, minha família, minha posição, minhas qualidades, minhas aptidões, minha propriedade, meu trabalho” — vos está isolando. Assim, tendes a solidão, e não a podeis evitar. Vós tendes de passar por ela de maneira tão real como passais por uma porta. E para passardes por ela, tendes de “viver com ela”. E “viver com a solidão”, “passar pela solidão”, significa alcançar uma coisa muito superior, um estado muito mais profundo, que é o “estar só” — completamente só, sem conhecimento. Com isso não quero dizer que nos privemos do conhecimento mecânico superficial, necessário à existência diária; o intelecto não precisa ser completamente drenado, mas o que quero dizer é que o conhecimento que adquirimos e armazenamos não deve ser usado para nossa própria expansão e segurança psicológica. Com a palavra “solidão” me refiro a um estado não atingível por nenhuma espécie de influência. Já não é um estado de isolamento, porque o isolamento foi compreendido; compreendeu-se todo o processo mecânico do pensar, da experiência, do desafio e reação.

Não sei se já refletistes alguma vez sobre este problema do desafio e reação. O intelecto está sempre reagindo a toda espécie de desafio, consciente ou inconsciente. Toda influência se imprime no intelecto, e o intelecto reage. Tende a bondade de seguir isto, porque, se penetrardes mais profundamente, vereis que não há mais desafio nem reação — mas isso não significa que a mente se acha adormecida. Pelo contrário, está completamente desperta, tão desperta que já não necessita de nenhum desafio e nem há necessidade de nenhuma reação. Esse estado, em que não há na mente desafio ou reação, porque ela compreendeu todo o mecanismo — esse estado é “solidão”. Assim, a mente religiosa compreende tudo isso, passa por tudo isso, não através do tempo, mas pelo imediato percebimento.

O tempo traz compreensão? Tereis compreensão amanhã? Ou só há compreensão no presente ativo, agora? Compreensão é ver uma dada coisa totalmente, imediatamente. Mas essa compreensão é impedida pela avaliação, sob qualquer, forma. Todo verbalizar, condenar, justificar, etc., impede o percebimento. Dizeis: “Precisa-se de tempo para compreender. Preciso de muitos dias para isso”. E durante “estes muitos dias” o problema vai lançando raízes mais profundas na mente, e se torna muito mais difícil erradicado, seja qual por esse problema. A compreensão, pois, está no presente imediato e não em prazos de tempo. Quando percebo uma coisa com toda a clareza, imediatamente, há compreensão. O “imediato” é que importa, e não o adiamento. Se bem percebo o fato de que sou colérico, ciumento, ambicioso, etc., se o percebo sem emitir opinião, avaliação, ou juízo, então o próprio fato começa a operar imediatamente.

Assim, a qualidade da “solidão” é o estado próprio de uma mente de todo desperta. Ela não está pensando em termos de tempo. E isso é verdadeiramente extraordinário, como vereis se o investigardes. A mente religiosa, pois, não é uma mente “evolucionária”; porque à Realidade está fora do tempo. Importa realmente compreender isso, se chegastes até aí em vossa viagem de descobrimento.

Notai que o tempo cronológico e o tempo psicológico são duas coisas diferentes. Nós estamos falando sobre o tempo psicológico, a exigência interior de mais dias, mais tempo para realizar algo — e isso sugere o ideal, o herói, o intervalo entre o que sois e o que deveríeis ser. Dizeis que para transpor esse intervalo, lançar uma ponte sobre ele, necessita-se de tempo; mas tal atitude é uma forma de indolência, porque podereis ver essa coisa imediatamente, se lhe derdes toda a vossa atenção.

À mente religiosa, portanto, não interessa o progresso, o tempo; ela se acha num estado de constante atividade, mas não no sentido de “vir a ser” ou “ser”. Podeis verificar isso agora, embora provavelmente não o desejeis fazer. Porque, se o fizerdes, vereis que a mente religiosa é destrutiva; pois sem destruição não há criação. Há destruição, quando a totalidade da mente aplicou sua atenção ao que é. O perceber o falso como falso, percebê-lo completamente, é a destruição do falso. Não é a ação destrutiva dos comunistas, dos capitalistas — nenhuma dessas infantilidades. A mente religiosa é destrutiva e, por ser destrutiva, é criadora. Criação é destruição.

E não há criação quando não há amor. Para nós, o amor é uma coisa estranha. Vós dividistes o amor em paixão, concupiscência, amor carnal e amor divino, amor da família, amor da pátria, e continuais por aí além a dividi-lo e tomar a dividir. E na divisão, há contradição, conflito e sofrimento.

O amor, para a maioria de nós, é paixão, concupiscência; e neste próprio mecanismo de identificação com outro há contradição, conflito, e o começo do sofrimento. E, para nós, o amor se extingue. O fumo (criado por esse processo) — o ciúme, o ódio, a inveja, a avidez — destrói a chama. Mas onde está o amor, aí está a beleza e a paixão. Deveis ter paixão, mas não traduzais prontamente esta palavra em “paixão sexual”. Por “paixão” entendo a “paixão da intensidade”, essa energia que de pronto percebe as coisas, claramente, ardentemente. Sem paixão, não há austeridade. A austeridade não é mera renúncia, nem o possuir restrito, ou autocontrole, pois tudo isso é sem importância, insignificante. A austeridade vem com o desprendimento, e no desprendimento, há paixão e, por conseguinte, beleza. Não a beleza criada pelo homem; não a beleza artística, embora eu não queira dizer que aí não haja beleza. Mas refiro-me a uma beleza que transcende o pensamento e o sentimento. E esta só pode surgir quando há alta sensibilidade intelectual, bem como corpórea e mental. E não pode haver sensibilidade dessa natureza e qualidade quando não há completo desprendimento, quando o intelecto não se está abandonando inteiramente à totalidade daquilo que a mente percebe. Porque só com esse abandono há paixão.

A mente religiosa, pois, é a mente destrutiva. E é a mente religiosa que é mente criadora, porque o que a interessa é a totalidade da existência. O seu criar não é como a ação criadora do artista, porque a este só interessa um certo segmento da existência e ele procura expressar o que aí sente, assim como o homem mundano procura expressar-se nas atividades de seus negócios — embora o artista se considere superior a qualquer outro. A criação, pois, se verifica quando há compreensão da totalidade da vida, e não de uma única parte dela.

Agora, se o intelecto alcançou este ponto e compreendeu todo o mecanismo da existência, descartando-se de todos os deuses que o homem fabricou, de seus salvadores, seus símbolos, seu céu, seu inferno, então, como há completa solidão, poder-se-á empreender uma jornada de todo diferente. Mas é necessário chegar até aí, antes de se poder negar ou afirmar a existência de Deus. Daí por diante, há o verdadeiro descobrimento, porque o intelecto, a mente destruiu completamente tudo o que conhecia. Só então é possível penetrar no “desconhecido”; só então se apresenta o Incognoscível. Ele não é o Deus das igrejas, dos templos, das mesquitas; não é o Deus de vossos temores e crenças. Existe uma realidade que só pode ser encontrada na compreensão total do mecanismo integral da existência, e não de apenas uma parte dela.

Então a mente, como vereis, se torna sobremodo quieta e tranquila, e o intelecto também. Não sei se já alguma vez notastes o vosso intelecto em funcionamento, se vosso intelecto já alguma vez percebeu a si mesmo em ação! Se estivestes assim atento, sem escolha, negativamente, deveis ver que o intelecto está perenemente “tagarelando”, “falando sozinho” ou sobre alguma coisa, acumulando e armazenando conhecimentos. Está em ação a todas as horas, conscientemente, nos níveis superficiais, e também profundamente, em sonhos, sugestões, comunicações de ideias, etc. Ele está sempre em movimento, mudando, atuando; jamais tranquilo. E é necessário que a mente, o intelecto se mantenha sereno, quieto, sem nenhuma contradição, nenhum conflito. Do contrário, é inevitável a “projeção” da ilusão. Mas, quando a mente e o intelecto estão completamente tranquilos, sem movimento algum — após terem-se apagado todas as formas de visão, influência e ilusão — então, nessa tranquilidade, a totalidade irá mais longe, em sua jornada, para receber aquilo que não é mensurável pelo tempo, o Indenominável, o Eterno, o Imperecível.

Krishnamurti, Paris, 24 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O tempo não apaga o sofrimento e a solidão

O tempo não apaga o sofrimento e a solidão

Muito temos falado sobre a importância de enfrentar o fato, observá-lo sem condenação ou justificação, abeirarmos dele sem opinião alguma a seu respeito. Principalmente quando se trata de fatos psicológicos, costumamos encará-los com todos os nossos preconceitos, nossos desejos, nossas ânsias, que deformam “o que é” e produzem um certo sentimento de culpa, de contradição, uma rejeição do que é. Falamos também sobre a importância da destruição completa de todas as coisas que construímos para nos servirem de refúgio, de defesa. A vida se nos afigura vasta demais, célere demais, e nossas mentes lerdas, nossa maneira lenta de pensar, nossos hábitos criam invariavelmente uma contradição dentro em nós, e procuramos impor condições à vida. E, gradualmente, enquanto continua e cresce essa contradição e conflito, as nossas mentes se vão tornando mais e mais embotadas. Desejo, pois, nesta manhã, falar sobre a simples austeridade da mente e sobre o sofrimento.

É-nos muito difícil pensar diretamente, ver as coisas diretamente e seguir atentamente o que vemos, “até o fim”, de maneira lógica, racional, sã. É muito difícil ver as coisas com clareza e, por isso, muito difícil ser simples. Não me refiro à simplicidade exterior do vestir, do possuir poucas coisas; quero referir-me à simplicidade interior. A meu ver, a simplicidade é essencial quando se considera um problema muito complexo, como o sofrimento. Assim, antes de começarmos a apreciar o sofrimento, temos de estar bem esclarecidos quanto ao significado da palavra “simples”.

A mente, como agora a conhecemos, é muito complexa, infinitamente solerte, sutil; teve experiências mui numerosas; e contém em si todas as influências do passado, da raça, o resíduo dos tempos. Reduzir essa imensa complexidade à simplicidade é dificílimo; mas acho necessário fazê-lo, pois, do contrário, nunca seremos capazes de ultrapassar o conflito e o sofrimento.

A questão, pois, é esta: Considerando-se toda esta complexidade — de saber, experiências, memória — existe alguma possibilidade de olharmos o sofrimento e dele nos livrarmos? Em primeiro lugar, parece-me que, quando se trata de investigar, por nossos próprios meios, como pensar de maneira simples e direta, as definições e explicações são verdadeiramente prejudiciais. Uma definição verbal não torna a mente simples, e as explicações não produzem a clareza de percebimento. Parece-me, pois, que devemos estar bem apercebidos de nossa escravização às palavras, sem perdermos de vista, entretanto, que as palavras são necessárias para as comunicações. Mas o que se comunica não é meramente a palavra; comunicam-se sentimentos, visões, que não podem ser formulados em palavras. Mente simples não significa mente ignorante. Mente simples é aquela que está livre para seguir todas as sutilezas, todas as variações, todos os movimentos de um dado fato. E para tanto deve a mente, sem dúvida, estar emancipada das palavras. Essa liberdade produz uma austeridade feita de simplicidade. Se há essa simplicidade no considerar as coisas, pode-se então tentar compreender o que é o sofrimento.

Penso que a simplicidade da mente e o sofrimento estão relacionados entre si. Viver no sofrimento em todos os dias de nossa vida é, sem dúvida, dizendo-o delicadamente, a coisa mais insensata que um homem pode fazer. Viver em conflito, na frustração, sempre enleado no medo, na ambição, enredado na ânsia de preenchimento, de êxito — passar a vida toda num tal estado, isso me parece de todo em todo fútil e desnecessário. E para nos livrarmos do sofrimento, devemos aplicar-nos de maneira simples a este complexo problema.

Há várias qualidades de sofrimento físico e psicológico. Há a dor física ocasionada pela doença — uma dor de dentes, a perda de um membro, deficiência visual, etc.; e o sofrimento interior que nos vem quando perdemos alguém que amamos, quando não temos aptidões e vemos pessoas que as têm, quando não temos talento e vemos pessoas de talento, de dinheiro, posição, prestígio, poder. Há sempre ânsia de preenchimento; e, à sombra do preenchimento, se encontra a frustração, e com esta o sofrimento.

Temos, pois, esses dois aspectos do sofrimento — o físico e o psicológico. Perdemos porventura um braço, e surge o problema do sofrimento. Voltamos mentalmente ao passado, lembrando-nos do que já fizemos, que já não poderemos jogar tênis, já não poderemos fazer muitas coisas; a mente compara, e nesse processo gera-se sofrimento. Conhecemos bem esse gênero de coisa. O fato é que perdi meu braço e, por mais teorias e explicações que formule, por mais que compare, que me lamente, nada disso me restituirá o braço. Mas a mente gosta de lamentar-se, de volver ao passado. E fica, assim, o fato presente em contradição com o que foi. Essa comparação produz invariavelmente conflito, e por causa dele sofremos. Esta é uma modalidade do sofrimento.

Em seguida, temos o sofrimento psicológico. Meu irmão, meu filho morreu, foi-se deste mundo. Não há quantidade de teorias, de explicações, de crenças, de esperanças que me possam restituir. A realidade cruel, inexorável, é o fato de que ele se foi. E outro fato é que me sinto sozinho, porque ele se foi. Éramos amigos, passeá­ vamos juntos, conversávamos, ríamos, divertíamo-nos, e essa camaradagem acabou-se e fiquei sozinho. A solidão é um fato e a morte também. Sou forçado a aceitar o fato — sua morte — mas não quero aceitar o fato de ter ficado só no mundo. Por isso, começo a inventar teorias, esperanças, explicações, como meios de fuga ao fato, e são essas fugas que produzem sofrimento, e não o fato de achar-me sozinho, não o fato de ter morrido meu irmão. O fato nunca pode produzir sofrimento e parece-me importante compreender isso, se se quer a mente verdadeira, total e completamente livre do sofrimento. Só acho possível a libertação do sofrimento quando a mente já não busca explicações e refúgios, quando encara o fato de frente. Não sei se já tentastes isso.

Sabemos que existe a morte e conhecemos o grande medo que ela provoca. É um fato que temos de morrer, cada um de nós, quer queiramos, quer não. E, assim, racionalizamos a morte ou nos refugiamos em crenças — karma, reencarnação, ressurreição, etc. — e, por consequência, sustentamos o medo e fugimos ao fato. E a questão é se à mente interessa de feito “ir até o fim”, para descobrir se é possível nos libertarmos completamente do sofrimento, não no correr do tempo, porém no presente, agora.

Ora, pode cada um de nós, com inteligência, sanidade, enfrentar o fato? Posso enfrentar o fato de que meu filho, meu irmão, minha irmã, meu marido ou esposa, ou quem quer que seja, morreu e eu fiquei sozinho — em vez de tentar escapar a essa solidão por via de explicações, crenças e teorias sutis, etc.? Posso olhar o fato, qualquer que seja ele: o fato de não ter eu talento, de ser estúpido, de estar sozinho, de que minhas crenças, minhas estruturas religiosas, meus valores espirituais são apenas defesas? Posso encarar esses fatos e não buscar meios e modos de fugir? É possível isso?

Só o acho possível quando já não nos preocupamos com o tempo, o amanhã. Nossa mente é preguiçosa e, por isso, estamos sempre a pedir tempo — tempo para nos recuperarmos, tempo para melhorarmos. O tempo não apaga o sofrimento. Podemos esquecer um dado sofrimento, mas o sofrimento existe sempre, profundamente oculto em nós. Mas eu acho possível extinguir de todo o sofrimento, não amanhã, não no decurso do tempo, porém percebendo a realidade no presente, e passando além.

Afinal, por que sofrer? O sofrimento é doença. Procuramos o médico para nos livrarmos de uma doença. Por que temos de suportar o sofrimento, de qualquer espécie que seja? Vede, por favor, que não estou fazendo retórica, pois isso seria insensato. Por que havemos nós, cada uma de nós, de suportar qualquer sofrimento, se é possível nos libertarmos disso completamente?

Essa pergunta implica outra: Por que vivermos em conflito? O sofrimento é conflito. Dizemos que o conflito é necessário, que faz parte da existência, que na natureza e em tudo o que nos cerca existe conflito, e que é impossível existir sem conflito. Consequentemente, aceitamos o conflito como inevitável interiormente, em nós mesmos, e exteriormente, no mundo.

Para mim, o conflito, de qualquer espécie que seja, é desnecessário. Podeis dizer: “Esta é uma ideia pessoal, vossa, e sem validade. Sois um homem só, solteiro — para vós isso é fácil! Mas nós outros temos de viver em conflito com os nossos vizinhos e a respeito de nossas ocupações; tudo o que tocamos gera conflito”.

A meu ver, isso é questão de educação correta, e nossa educação não foi correta; ensinaram-nos a pensar em termos de competição, em termos de comparação. Tenho dúvidas sobre se é possível uma pessoa compreender, ver realmente, diretamente, por meio de comparação. Ou só se pode ver claramente, com simplicidade, depois de cessar a comparação? Decerto, uma pessoa só pode ver claro, quando a mente já não é ambiciosa, já não se esforça para tornar-se alguma coisa — mas isso não significa que a pessoa deva ficar satisfeita com o que é. Penso que um homem pode viver sem comparação, sem comparar-se com outro homem, sem comparar o que ele é com o que deveria ser. Enfrentar “o que é”, a todas as horas, suprime as avaliações comparativas e, por conseguinte, penso eu, pode-se, assim, eliminar o sofrimento. Acho importantíssimo que a mente esteja livre do sofrimento. Porque a vida tem então significado bem diferente.

Outra coisa desastrosa que fazemos é buscar o conforto: não apenas conforto físico, mas também conforto psicológico. Desejamos abrigar-nos numa ideia, e quando essa ideia falha, ficamos desesperados, e isso, por sua vez, gera sofrimento. A questão, pois, é esta: Pode a mente viver, funcionar, existir sem abrigo, sem nenhum refúgio? Pode um homem viver, dia por dia, enfrentando cada fato que surge e nunca buscando refúgio; enfrentando “o que é” a todas as horas, todos os minutos do dia? Porque então, penso eu, descobriremos que não só o sofrimento termina, mas também a mente se torna sobremodo simples e clara, apta a perceber diretamente, sem ajuda das palavras, do símbolo.

Não sei se alguma vez já pensastes sem palavras. Existe pensar sem verbalização? Ou todo pensar consiste apenas em palavras, símbolos, quadros, imaginação? Todas essas coisas — palavras, símbolos, ideias, são prejudiciais ao percebimento claro. Acho que quem deseja investigar o sofrimento “até o fim”, para descobrir se é possível ficar livre dele (não eventualmente, porém viver cada dia livre de sofrimento), deverá penetrar em si mesmo muito profundamente, para libertar-se de todas essas explicações, palavras, ideias e crenças, de modo que a mente fique verdadeiramente purificada e capacitada para perceber “o que é”.

PERGUNTA: Quando há sofrimento, é decerto inevitável desejarmos fazer alguma coisa contra ele.

KRISHNAMURTI: Senhor, como já dissemos, nós desejamos viver com prazer, não é verdade? Ninguém procura modificar o prazer; queremos que ele continue dia e noite, perenemente. Não desejamos alterá-lo, não desejamos sequer, tocá-lo, “soprá-lo”, de medo que se nos vá; queremos ficar-lhe apegados, não é mesmo? Agarramo-nos à coisa que nos dá deleite, que nos dá alegria, prazer, sensação — coisas tais como frequentar a igreja, “ir à missa”, etc. Essas coisas causam-nos muita vibração, sensação, e não desejamos alterar tal sentimento; ele nos faz sentir mais aproximados da fonte das coisas, e precisamos dessa sensação, não é verdade? Por que não podemos “viver com o sofrimento”, da mesma maneira e com a mesma intensidade, e sem desejarmos fazer algo contra ele? Já tentastes isso? Já tentastes “viver com a dor física?” Já tentastes “viver com o barulho”?

Simplifiquemos as coisas. Quando um cão ladra à noite e vós desejais dormir — mas ele continua ladrando, ladrando — que fazeis? Resistis, não é verdade? Atirai-lhe coisas, praguejais contra ele, enfim fazeis tudo o que podeis contra ele. Mas se, em lugar disso, “acompanhásseis” o barulho, escutásseis o ladrar do cão sem resistência nenhuma, haveria incômodo? Não sei se já tentastes fazê-lo. Tentai, ao menos uma vez, não resistir! Assim como não repelis o prazer, não podeis igualmente “viver com o sofrimento”, sem nenhuma resistência, sem escolha, sem procurar refúgio, sem acalentardes esperanças e, desse modo, abrirdes a porta ao desespero — viver, simplesmente, com ele?

“Viver com uma coisa” significa amá-la. Quando amais alguém, desejais viver com essa pessoa, estar em sua companhia, não? Da mesma maneira pode uma pessoa “viver com o sofrimento”, não sadicamente, porém sentindo-lhe a força, a intensidade, e também sua absoluta superficialidade; e isso significa nada poder fazer contra ele. Afinal de contas, ninguém deseja fazer alguma coisa contra algo que lhe dá prazer intenso; ninguém deseja alterá-lo: deseja-se que continue. De modo idêntico, “viver com o sofrimento” significa, realmente, amar o sofrimento, e isso exige muita energia e compreensão; significa vigilância contínua, para não deixar a mente fugir ao fato. É facílimo fugir; pode-se tomar uma droga, uma bebida, ligar o rádio, abrir um livro, tagarelar com outros, etc. Mas “viver com uma coisa” — prazer ou dor — inteiramente, totalmente, requer mente bem vigilante. E quando a mente é assim vigilante, ela cria sua ação própria — ou, melhor, a ação nasce do fato, e a mente nada tem que fazer contra o fato.[...]

Tenho que uma mente nova, purificada, é absolutamente necessária para se poder descobrir o que é verdadeiro, se existe Deus — ou o nome que quiserdes dar-lhe. Uma mente envelhecida, torturada, cheia de sofrimento, nunca poderá descobri-lo. E fazer do sofrimento coisa necessária, coisa que eventualmente nos levará ao céu, é absurdo. O Cristianismo enaltece o sofrimento como o caminho da iluminação. Mas é necessário estarmos livres do sofrimento, da escuridão; porque só então poderá brilhar a luz.

PERGUNTA: É-me possível existir livre de sofrimento, vendo tanto sofrimento ao redor de mim?

KRISHNAMURTI: Que achais? Ide ao Oriente, à Índia, à Ásia, e lá encontrareis o sofrimento em vasta escala — sofrimento físico, fome, degradação, pobreza. Esse é um aspecto do sofrimento. Visitai o mundo moderno, e aí encontrareis todos muito ocupados em decorarem sua prisão externa — imensamente ricos, prósperos, mas todos também muito pobres interiormente, muito vazios; aí também se encontra o sofrimento. Que se pode fazer em presença desse fato? Que podeis fazer diante de meu próprio penar? Podeis socorrer-me? Pensai nisso a fundo, senhores!

Já falei cerca de uma hora, nesta manhã, a respeito do sofrimento e de como nos livrarmos dele. Estou-vos ajudando, ajudando- os de fato, isto é, tornando-vos livres dele, ajudando-vos a não o levar de um dia para o outro, a viver totalmente livres de sofrimento? Estou-vos ajudando? Acho que não. Decerto, esse trabalho compete a vós mesmos, inteiramente. Só estou a indicar-vos o caminho. Um indicador de direção nenhum valor tem se ficamos sentados a estudá-lo, indefinidamente. Cada um tem de enfrentar a solidão, percorrê-la “até o fim”, observando todas as suas implicações. Posso evitar os sofrimentos do mundo? Conhecemos não apenas nossa própria angústia e desespero, mas também os vemos estampados nos rostos dos outros. Podemos mostrar a porta por onde um homem pode tornar-se livre, mas quase todos querem transpor essa porta carregados. Rendem culto ao homem que, segundo pensam, os carregará; fazem-no o Salvador, o Mestre — e tudo isso é puro contrassenso.[...]

PERGUNTA: “Viver com o sofrimento” implica prolongamento do sofrimento, e tememos prolongá-lo.

KRISHNAMURTI: Não foi isso, naturalmente, o que eu quis dizer. Para “viver com uma coisa” — a beleza ou a fealdade — requer-se muita intensidade. “Viver com estas montanhas”, dia por dia — se não as sentirmos, se as não amarmos, se não lhe admirarmos a beleza, a todas as horas, igualar-nos-emos aos camponeses, que a elas se tornaram insensíveis. O belo, se não lhe somos sensíveis, corrompe tanto como o feio. “Viver com o sofrimento” é “viver com as montanhas”, porque o sofrimento torna a mente embotada, estúpida. “Viver com o sofrimento” implica vigilância infinita, e isso não prolonga o sofrimento. No momento em que se percebe a totalidade da coisa, esta se desvanece. Quando uma coisa é percebida totalmente, está acabada. Ao conhecermos a estrutura completa do sofrimento, sua anatomia, sua “interioridade”, sem formular teorias a seu respeito, porém observando o fato realmente, a sua totalidade — então o fato cai por si. A rapidez, a presteza do percebimento depende da mente. Mas se vossa mente não é simples, direta, se está repleta de crenças, esperanças, temores, desesperos, desejando modificar o fato, “o que é”, nesse caso estais prolongando o sofrimento.

PERGUNTA: Nossos preconceitos barram-nos o caminho, e temos de vencê-los; e isso pode levar tempo.

KRISHNAMURTI: Senhor, ao perceber que está só, a pessoa percebe também, instantaneamente, que deseja fugir desse estado, não é verdade? O fato de que estou só e o fato de desejar fugir desse estado podem ser percebidos imediatamente, não? Posso também perceber instantaneamente que qualquer espécie de fuga é uma maneira de evitar o fato da solidão, a qual devo compreender. Não posso pô-la de parte.

A meu ver, nossa dificuldade consiste em estarmos muito apegados às coisas nas quais nos refugiamos; elas são para nós bem importantes, tornaram-se sumamente respeitáveis. Achamos que, se deixarmos de ser respeitáveis, só Deus sabe o que aconteceria. Por essa razão, torna-se de suma importância o apego à respeitabilidade, e deixa de ser relevante o fato de que precisamos compreender a solidão, ou o que quer que seja, totalmente.

PERGUNTA: Se não temos a necessária intensidade, que podemos fazer para a conseguirmos?

KRISHNAMURTI: Não estou certo se desejamos aquela intensidade. Ser “intenso” implica destruição, não é exato? Significa despedaçar todas as coisas que estamos acostumados a considerar tão importantes na vida. E, assim, o medo, talvez, nos impede de ser “intensos”.

Todos nós, velhos e jovens, desejamos ser altamente respeitáveis, não é verdade? Respeitabilidade implica reconhecimento por parte da sociedade; e a sociedade só reconhece o que teve êxito, o que se tornou importante, famoso, e despreza o resto. Por isso, adoramos o êxito e a respeitabilidade. E quando pouco vos importa se a sociedade vos considera respeitável ou não, quando não buscais o êxito, não desejais tornar-vos alguém, existe então intensidade — e isso significa que não existe medo, nem conflito, nem contradição, interiormente; por conseguinte, dispondes de abundante energia para acompanhardes o fato “até o fim”.

Krishnamurti, Saanen, 6 de agosto de 1961, O Passo Decisivo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill