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domingo, 8 de abril de 2018

A importância de uma radical revolução religiosa


A importância de uma
radical revolução religiosa

Acho que, se pudermos compreender o problema da frustração, teremos uma mentalidade que não será meramente intelectual, mas uma atividade “integrada”. Nossas religiões, nossas atividades sociais estão baseadas na frustração e no sofrimento. Se pudermos compreender esta questão da frustração, que é realmente o problema da dualidade, talvez possamos, por nós mesmos e como indivíduos, chegar àquela ação criadora que não é uma simples capacidade ou talento, mas uma ação totalmente diversa. Se pudermos esclarecer esta questão da dualidade e do conflito entre “o que é” e “o que deveria ser”, talvez então compreendamos a mente que é sem raiz, pois a mente da maioria de nós tem raiz.

A própria existência da mente indica — não é verdade? — pensamento com raiz no passado. Esta raiz é que cria a dualidade. É possível não dar continuidade a essa raiz, no presente ou no futuro? Só a mente sem raiz pode ser verdadeiramente religiosa e, portanto, capaz da transformação radical que possibilitará o despontar da realidade. Desejo examinar esta questão, aparentemente um: pouco difícil; mas, se pudermos fazê-lo de maneira simples, não filosoficamente, então talvez estejamos aptos a apreciá-la e compreendê-la por nós mesmos. Mas a dificuldade consiste em que nós, em geral, já lemos tanta coisa sobre este problema da dualidade; conhecemos o problema de acordo com alguma filosofia, algum instrutor, não o conhecemos diretamente, porém, sem que nos tenham chamado para ele a atenção. Se pudermos examinar o problema da dualidade, não intelectual ou filosoficamente, mas observando as atividades de nossa própria mente, enquanto estou falando, talvez então possamos apreciar o problema de maneira diferente. Se puderdes escutar, não a descrição que eu faço, mas as atividades de vossa própria mente, desde o começo de minha descrição ou “verbalização”, isso será então uma experiência direta e, portanto, muito mais vital e significativa do que o mero descobrimento, em todos nós, de um mecanismo dual, apontado por algum filósofo, algum instrutor religioso ou algum livro. Entretanto a dificuldade é que os que aqui estão escutando já chegaram a alguma conclusão ou já ouviram o que eu disse antes e sua mente, por conseguinte, está cheia das cinzas da memória das minhas afirmações; por essa razão, não haverá uma experiência nova, uma coisa real, viva. Os que aqui estão, pela primeira vez só poderão achar enigmático o que estou dizendo, pois é provável que eu empregue palavras com um significado diverso daquele a que estão habituados. Mas, conhecendo-se todas as dificuldades suscitadas pelas cinzas da memória, pela experiência e pelo conhecimento prévios, bem como pela circunstância de se estar aqui pela primeira vez, ouvindo coisas tão altamente “filosóficas” e difíceis — e portanto repelindo-as — temos de escutar com uma mente nova. E não pode nascer essa mente nova, se não observardes o vosso próprio mecanismo de pensamento, desde o momento em que eu começo a falar a respeito deste problema da frustração e da dualidade.

Não vos estou dizendo coisas e, sim, apontando fatos. Vós e eu podemos compreender o fato, apreciá-lo sem condenação, sem julgamento, observá-lo com simplicidade, e estar inteiramente apercebidos dele — não como o observador a observar, mas percebendo o que de fato está acontecendo, “experimentando” realmente o mecanismo pelo qual a mente cria a dualidade e faz nascer a frustração, mecanismo em que estão baseadas nossa cultura, nossas religiões, nossas atividades sociais. Se pudermos compreender esse mecanismo, descobriremos o que é a verdadeira liberdade.

A dificuldade é que a maioria de vós considera estas minhas palestras como conferências, coisas para serem ouvidas e lembradas, coisas que vos proporcionarão muitas experiências, sensações, excitações emocionais. Mas tal não é a intenção, absolutamente, pelo menos de minha parte. O mais importante é que se tenha a revolução religiosa, uma transformação religiosa radical, fundamental, porque todas as outras modificações são sem significação, todas as outras revoluções só redundam em novos sofrimentos. Se pudermos perceber a verdade desta asserção, perceber a importância de uma revolução religiosa radical, e que só ela poderá promover uma modificação nas nossas relações com todos os homens, estão estas palestras não serão um simples meio de excitamento ou divertimento intelectual ou emocional, mas algo de verdadeira significação em nossa vida diária. Por conseguinte, temos de ouví-las como se fosse a primeira vez que as ouvimos, isto é, num “estado de novo”; esse “estado de novo” não poderá existir se não observardes a vossa própria mente, desde o momento em que eu começo a falar, a penetrar o problema.

O problema é o problema da luta, do conflito, da luta incessante entre “o que eu sou” e “o que deveria ser”, e conflito entre “o que é” e “o que poderia ser. A mente está sempre e sempre a forcejar, a lutar, acomodar, ajustar, controlar, em conformidade com “o que deveria ser”. Isto é tudo o que sabemos. “O que deveria ser” é para nós mais importante do que “o que é”. Temos esses padrões ideológicos a que o espírito se está constantemente ajustando. Esse ajustamento é ação da vontade, mediante compulsão, persuasão. E daí resulta luta, e a luta produz frustração. Isto não é simplificação exagerada, é o que de fato acontece com cada um de nós: “eu sou isto, e no futuro deverei ser aquilo”. Mas o futuro, o que deveria ser, o ideal, é um oposto, uma contradição do que é. A mente percebe que eu odeio e diz “devo amar”; a mente, por isso, fica perenemente ocupada em ajustar-se, forçar-se, disciplinar-se, para alcançar um estado a que eia chama amor. Eu não conheço o amor, mas a minha mente está perseguindo o que ela pensa ser o amor, e que é só uma ideia, o oposto daquilo que eu sou. A projeção de uma ideia do que seja o amor não é o amor e, sim, uma reação daquilo que eu sou, que é: “eu odeio”. Na minha luta para apoderar-me daquele amor, eu sou violento e tenho a ideia da não violência; e, assim, faço exercícios, disciplino, controlo, moldo a minha vida, segundo aquela ideia, aquele padrão, mas nunca chego a preencher o padrão. Isso acontece porque, quando o alcanço, logo a minha mente inventa outro padrão. E assim prossegue, a mudar de padrão continuamente. Por essa razão, a minha vida é uma série de frustrações, sofrimentos e lutas por uma coisa após outra. É, pois, a minha vida uma sucessão de lutas e desditas, que é só o que eu conheço.

O importante não é “o que deveria ser” mas “o que é”. “O que é”, o que eu conheço, este é que é o fato. A outra coisa não existe. Se minha mente puder dar toda a atenção ao que é, sem criar o oposto, descobrirá então o que é o amor — não o amor como oposto do ódio. Mas o problema de compreender o que é o ódio requer percebimento sem condenação. Porque, no momento em que o condeno, estou odiando, já criei o oposto. Espero esteja expondo a questão com clareza e simplicidade. Quando se pode ver essa coisa, isto, com efeito, é uma extraordinária libertação de todas as frustrações que temos criado. Somos um povo infeliz; nossa religião é infeliz, sendo produto da infelicidade, da luta, da frustração; nossos deuses e até a nossa cultura resultam dessa frustração. Temos, pois, de compreender, não apenas verbalmente, intelectualmente, mas mui profundamente o fato que diz respeito ao que “eu sou”, “o que é”. O fato é este: “eu odeio; eu seu violento” — só isso. Mas a mente não quer aceitar esse fato e, por essa razão, cria o oposto; isto é, condena o fato, criando, assim, o oposto. Essa condenação é justamente o mecanismo de criação da dualidade. Mas se eu puder perceber que a minha mente condena e que pela condenação eu crio o oposto e, portanto, dou origem à luta, essa própria compreensão do fato de que a condenação cria o oposto e, conseguintemente, o conflito, esse próprio percebimento põe fim ao mecanismo da condenação — não pela compulsão, mas simplesmente pelo percebimento do fato. Tenho, pois, diante dos olhos só o fato de que odeio, sem nenhuma projeção mental do oposto.

Compreendeis, senhores, que liberdade extraordinária é esta, quando não temos nenhum oposto? Pode-se então apreciar o fato. E então a coisa que eu chamava “ódio” — visto que não a condeno mais — já não é ódio. Mas eu condeno o ódio e desejo transformá-lo em amor, porque minha mente tem sua raiz cravada no passado. Essa avaliação é o julgamento proveniente do passado; e com esse “fundo” é que eu aprecio o ódio e desejo transformar esse ódio naquilo que chamo amor; isso produz conflito, luta, com todas as suas disciplinas, controles e supostas meditações.

Ora, pode haver um estado livre do passado? Pode haver um estado livre do pensamento que se projeta no futuro? Eu odeio; esse ódio é o resultado do passado, uma reação; e o pensamento, então, o condena, e o projeta no futuro, assim formulado: “devo amar”. Eis como o pensamento se enraíza no passado e no futuro, tornando-se contínuo; e nessa continuidade há a luta para prosseguir, na forma do oposto. O que estou procurando averiguar é se a mente pode em algum tempo ser totalmente livre, e não ter raiz alguma. Quando a mente tem raiz, ela tem de “projetar-se”, estender-se; esse estender-se é o oposto; por isso o pensamento é contínuo, nunca chega a um fim; ele é a continuidade de meu condicionamento, do meu “fundo”, estendida para o futuro; e por essa razão não há liberdade. Estou procurando averiguar se é possível a mente achar-se num estado em que se não esteja enraizando mediante as experiências. Sem se achar naquele estado, a mente não é livre, vendo-se sempre em conflito. Por conseguinte, para a mente que tem raiz, há sempre frustração; e, não importa qual seja a sua atividade — social, cultural, religiosa — essa atividade é sempre produto da frustração; não é, por conseguinte, a verdadeira transformação religiosa, em que há a cessação de todas as projeções do pensamento que se enraízam na mente.

Pode a mente existir, sem raiz alguma? O mais que se pode fazer é averiguar, ver se a mente pode existir sem raiz — viver, existir, como o mar, sem raiz alguma, sem estar firmada num determinado lugar, numa determinada experiência, num determinado pensamento. Senhor, só a mente que não tem raiz pode conhecer o Real. Porque, no momento em que a mente experimenta e instala a experiência na memória, esta memória se torna a raiz, o passado; e esta memória, então, fica a pedir mais e mais experiências; por esta razão, há a constante frustração do presente. A frustração implica — não é verdade? — a condenação do estado da mente, tal como ela é. A mente, tal como é, está cheia da tradição, do tempo, de lembranças, ódio, ciúme. Pode-se compreender essa mente, sem condenação — isto é, sem se criar o oposto? No momento em que condenamos “o que é”, não o compreendemos. A compreensão do que é só pode ocorrer quando não há condenação; só então se pode estar livre do que é. Para mim, a mente que não tem a luta da dualidade é que é a mente verdadeiramente religiosa, e não a que está lutando para vencer a cólera, não a mente que está lutando para se tornar não violenta; esta só está vivendo na luta do oposto. É só a mente verdadeiramente religiosa que não tem o conflito do oposto; ela não conhece a frustração; não luta para se tornar alguma coisa; é “o que é”. Com a compreensão do que ela realmente é, a mente já se não está enraizando na memória.

Tende a bondade de escutar o que estou dizendo, não importa se verdadeiro ou falso — procurai descobrir o fato por vós mesmos. A mente que tem continuidade na memória, estará sempre frustrada, estará sempre a lutar para ser algo. “Vir a ser” é enraizar-se — numa ideia, numa pessoa, num objeto. Quando a mente se enraíza, surge o problema: “Como poderá ela libertar-se?”. A sua libertação assume então a forma do oposto, e daí resulta a luta para achar a maneira como libertá-la. Se se perceber, porém, se se compreender, se se estiver apercebido de como a mente está sempre a enraizar-se em cada experiência, em cada reação, então, nesse percebimento, não há escolha, não há condenação, por conseguinte não há a criação do oposto, consequentemente não há luta. Então, a mente não tem nenhuma raiz, mas está viva; não tem continuidade, mas se acha num “estado de ser” em que não existe o tempo. Parece-me importante compreender isto, não apenas verbal ou intelectualmente, mas vendo, de fato, como a mente está criando a luta e o mecanismo dual.

A ação da mente sem raiz é criadora, porque essa mente já não se acha num estado de frustração, de onde pinta, escreve, ou busca a Realidade. Essa mente não busca, o buscar supõe a dualidade; o buscar é luta, é estender o pensamento do passado para o futuro e deixá-lo firmar-se na raiz do futuro. Se a mente puder perceber esse fato, estar apercebida desse fato, dar-se-á uma extraordinária libertação de tudo quanto é luta; por consequência, haverá felicidade e bem-aventurança; e essa felicidade e bem-aventurança não é o oposto do sofrimento, da desgraça ou da frustração. Isto não são meras palavras; falo de estados diretos de que a mente se apodera, instalando-se na experiência; estados que, com efeito, não podem ser conhecidos por uma mente que luta para se tornar o oposto.

Tudo isso requer — não é verdade? — o percebimento do mecanismo mental. Refiro-me ao percebimento do mecanismo total da existência: sofrimento, dor, amor, ódio, sentimento, ilusões — pois tudo isso constitui a mente. Não e, pois, importante ver como a vossa mente funciona, ver como opera, como “projeta”, como se apega ao passado, à tradição, às inumeráveis experiências, impedindo assim a experiência da Realidade? Estar apercebido disso tudo não é saber o que dizem os modernos ou antigos instrutores, ou os psicólogos, ou os gurus. Nenhum valor tem estar-se informado sobre o que outros disseram, porque cada um tem de descobrir por si mesmo o mecanismo de sua própria mente. Esse descobrimento não é possível se nos retiramos para uma caverna nas montanhas, mas sim no viver de dia para dia. É preciso também perceber que aquilo que descobrimos já se pode ter tornado a raiz que determina as nossas ações; isto é, temos de descobrir como a mente pode servir-se dos seus próprios descobrimentos como uma experiência que determina o que ela pensa, de modo que essa experiência se torna o nosso obstáculo, levando-nos à frustração. Ver tudo isso é percebimento. Esse percebimento só pode ocorrer quando não há condenação — o que, com efeito, significa a quebra completa de todo o condicionamento da mente, para que a mente possa achar-se num estado em que já não crie raízes, sendo por conseguinte uma mente sem âncora e havendo, por­tanto, a experiência real. Só esta mente é capaz de ver e conhecer aquilo que é eterno.

Senhores, quando eu estiver respondendo a estas perguntas, observai a vossa própria mente criando a dualidade. Vede como a mente espera uma resposta. Ela faz uma pergunta por causa de sua própria frustração, de seu sofrimento, de suas tribulações e confusão. Faz a pergunta e a converte num problema, e fica à espera de uma resposta. Ao receber a resposta, diz: “como posso chegar lá?” O como é a luta — a luta entre o problema e a solução, entre “o que é” e “o que deveria ser”. O método é o como, o método é luta; o método, por conseguinte, pela sua própria natureza, produz a frustração. É, portanto, o mais estúpido dos espíritos aquele que diz: “como posso fazer isso?”, “como posso chegar lá?”, “Eu sou isto e desejo ser aquilo, mas como?”.

O importante é “o que é”, não “o que deveria ser”. A compreensão do que é requer a cessação da condenação, e nada mais. Não digais “como posso deixar de condenar?” — porque então vos vereis de novo dentro do mesmo antigo processo. Mas vede a verdade contida na asserção de que o condenar produz a luta e, portanto, a dualidade, e portanto a luta em direção ao oposto. Vede isso, simplesmente, percebei simplesmente o fato; ocorre então a revelação do é, que é o problema.

Krishnamurti, Sexta Conferência em Bombaim
24 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

O problema da transformação radical

O problema da transformação radical

Desejo continuar a falar sobre o que estávamos apreciando na quarta-feira passada, ou seja o problema da transformação. Este problema ó importantíssimo e merece ser considerado com profundeza; porque a transformação só parece produzir mais confusão, mais labores e mais sofrimentos, como qualquer de nós pode observar, dia a dia. Desejo investigar, nesta tarde, se é possível modificar, operar uma quebra total do centro, de preferência a nos satisfazermos com superficiais modificações periféricas. É possível operar-se uma transformação no centro, sem se cultivar um certo fundo (background), e sem se reforçar esse fundo, no processo da transformação? É possível mudança, uma quebra completa, uma revolução, sem o cultivo da memória? Geralmente, no processo de nos transformarmos, estamos sempre nutrindo a memória: “Fui isto ontem, serei aquilo amanhã”. Este “serei” é cultivo da memória; por essa razão, não há transformação fundamental, radical, no centro.

Espero tenhais paciência para escutar. A comunicação entre as pessoas é, em qualquer circunstância, difícil, porquanto as palavras têm significação precisa; conscientemente, aceitamos certas definições e procuramos traduzir o que ouvimos em conformidade com tais definições. Se começamos, porém, a definir cada palavra ou se definimos só certas palavras, para aferição, se apenas isso fazemos, a comunicação ficará no nível consciente. O que se está discutindo, parece-me não deve ser compreendido puramente no nível intelectual, mas ser absorvido — se posso empregar este termo — inconscientemente, profundamente, sem o formular de definições. Muito mais importante é escutarmos com toda a profundeza do nosso ser, do que nos contentarmos com simples explicações superficiais. Se somos capazes de escutar com a totalidade do nosso ser, esse escutar, em si, é um ato de meditação.

A meditação que praticamos conscientemente não é meditação, e sim, tão só a “projeção” da mente consciente, da memória. Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade do que estou dizendo. Descobrir significa achar-nos num estado mental em que tenha cessado completamente a luta, o conflito consciente para compreender, descobrir. A meu ver, tal ato de escutar é meditação. Para descobrir a verdade relativa a alguma coisa, não de acordo com nosso desejo, nossa simpatia ou antipatia, nem de acordo com determinada tradição em que fomos educados, deve a mente ser capaz não só de compreender o som “superficial” que se está ouvindo, isto é, as vibrações do som, mas também de descer à maior profundidade, através desse som.

É um problema muito difícil, esse, de escutarmos com a totalidade do nosso ser — quer dizer, quando a mente não apenas escuta as palavras, mas é capaz de transcender as palavras. O mero julgamento, pela mente consciente, não é descobrimento nem compreensão da Verdade. A mente consciente não pode, jamais, achar aquilo que é real. Ela só é capaz de escolher, julgar, pesar, comparar. A comparação, o julgamento ou a identificação não é uma maneira de descobrir a verdade. Eis porque é tão importante saber escutar. Ao lerdes um livro, é bem provável traduzais o que ledes de acordo com vossa tendência particular, vosso saber ou idiossincrasia, perdendo, desse modo, a inteira significação daquilo que o autor deseja transmitir; é possível, também escuteis desse modo. Mas, para compreender, descobrir, devemos ouvir sem a resistência da mente consciente, só interessada em debater, discutir, analisar. O debater, o discutir, o analisar é um obstáculo, ao tratar-se de questões que requerem, não meras definições verbais e superficial compreensão, porém compreensão num nível muito mais profundo e fundamental. Essa compreensão, a compreensão da verdade, depende da maneira como escutamos.

O que nos está interessando agora é a necessidade da transformação. Reconhecemos necessária uma revolução fundamental. Não emprego a palavra “revolução” no seu sentido político. No sentido político, se há revolução, isso já não é revolução: é simplesmente uma “continuidade modificada’’. Refiro-me, sim, àquela modificação fundamental que é a única a que se pode chamar “transformação”. É possível operar essa transformação radical pela ação da vontade? A vontade é a continuidade de uma decisão baseada na memória, no conhecimento, ou na experiência; a vontade é a reação da mente condicionada, da mente que vive encerrada na tradição, na experiência, no saber; e o saber é que determina, que cria o padrão pelo qual se operará a transformação. Consequentemente, pode uma transformação operada pela ação da vontade ser radical? Quando sei em que direção me estou transformando e sei quais serão todas as consequências dessa transformação baseada na minha própria experiência, — sendo minha experiência uma reação do meu condicionamento — essa transformação pode ser radical?

Desejo transformar, porque reconheço a importância, a necessidade da transformação, não só em mim mesmo, mas na sociedade; reconheço, lógica e interiormente, a sua imperiosa necessidade, porque a sociedade, tal como está, e eu tal como sou, apenas produzimos mais desordem, mais caos e mais sofrimentos; esse é um fato óbvio, quer o aceiteis, quer não. Já que estamos condicionados, toda ação proveniente de nossa mente condicionada só pode ser produtiva de mais confusão ainda; porque, se eu estou confuso, toda ação oriunda desta minha confusão redunda numa confusão maior ainda. Nós estamos confusos; eis o fato que, em geral, não gostamos de admitir. Não importa se vos intitulais comunista, socialista, cristão, hinduísta, ou budista, o fato é que a vossa mente — se a observardes bem — se acha num estado de contradição, num estado de confusão. Quando tendes uma certa crença, um certo dogma, ficais apegado a esse dogma, a essa crença. Isso, psicologicamente, é claro indício de confusão, porquanto a crença tem a função de um refúgio seguro, onde vos escondeis de vós mesmo. Esse refúgio é vossa própria “projeção”, nascida da vossa confusão.

A mente que procura compreender a necessidade fundamental da transformação deve perguntar constantemente, de si para si: “É possível operar alguma transformação sem a ação da vontade?” Estais compreendendo, senhor, o problema decorrente desta pergunta? Isto é, minha vontade nasceu do meu passado, foi criada pelo meu saber, pelas experiências que acumulei. Esse acumular resulta de meu condicionamento. O condicionamento é o ambiente cultural em que fui criado, a religião, os valores sociais, etc. Desse fundo nasce a vontade de ser, de mudar, de “continuar”. Eis um fato psicológico. Quando se observa a ação da vontade, vê-se que a vontade não pode operar nenhuma transformação radical. Se não pode fazê-lo, que mais poderá produzir a transformação radical? Que coisa terá o poder de quebrar essa constante acumulação de memória, de experiência, de saber, de onde procede a ação? Esta é uma pergunta importante que vos deveis fa­zer, para achardes a verdade respectiva. Não é suficiente escutardes meramente o que eu digo, porque o problema é vosso. Vós tendes de examiná-lo, compreendê-lo.

A vontade é o “eu”, o processo do “eu”; não podendo operar uma transformação radical, a mente projeta a ideia de Deus, e diz: “Deus tem o poder de transformar”, “existe a graça de Deus”, etc. Isto é, quando a mente se vê na impossibilidade de operar em si mesma uma transformação radical, por suas próprias forças, sua própria volição, ela se “projeta”, identificando-se com uma coisa que irá produzir a transformação. A “projeção”, porém, é ainda ação da vontade, ação do “eu”, que deseja transformar-se; vendo-se incapaz de transformar-se pelas suas próprias atividades, o “eu” se identifica com uma ideia ou uma suposta realidade que ele criou, relativa a Buda, a Cristo, ou quem quer que lhe agrade, e queda-se na esperança de que, por intermédio daquela realidade, virá a transformação. Mas aquela “projeção”, as atividades daquela projeção, e a reação dela proveniente, continuam a fazer parte da ação da vontade; não há, portanto, transformação radical no centro.

O problema agora, certamente, é o seguinte: que coisa poderá produzir a transformação desse centro? Deus, a Bem-aventurança, uma Ideia? Será, essa coisa, algo totalmente diverso, não projetado pela mente, nem, tampouco, fruto de sua atividade? Essa mudança, que é a transformação do centro, do eu, não pode ser realizada pela ação do próprio eu, pela vontade. O eu que se transforma é resultado de sofrimento, de prazer, de experiência e memória; e quando ele diz: “devo transformar-me em algo”, este algo é projeção do eu, corporificada no Mestre, no “Guru”, no Salvador, e assim por diante. Através do Salvador, do “Guru”, — projeções do meu eu — desejo engendrar uma transformação.

Se negais tudo isso e afirmais que as circunstâncias ou o domínio da natureza constituem a única possibilidade de transformação, isso significa que vossa mente está controlada pela chamada educação em moldes comunistas, ou católicos ou hinduístas. Este mecanismo controla o espírito, molda-o; e este moldar da mente não pode produzir aquela radical transformação no centro.

Compreendeis o problema? Desejo transformar-me. Vejo a impossibilidade da transformação pela ação da vontade. Vejo que não pode haver transformação alguma com a projeção do passado no futuro: o “conhecido” projetar-se no futuro, representando o “desconhecido” e sendo, não obstante, “o conhecido”. Vejo, por conseguinte, como a mente pode ser moldada pelas circunstâncias. Pela educação que me é dada, desde a meninice, pode a minha mente ser condicionada de maneira tão completa, que fico funcionando como uma máquina, ajustada para crer ou descrer. Vejo que isso também não é transformação. Para que se possa criar um mundo completamente novo, um Estado novo, uma nova existência, compreender que este mundo não é um “mundo católico” nem um “mundo hinduísta”, mas nosso mundo, (e senti-lo assim, é compreender-lhe toda a riqueza) faz-se necessária uma transformação radical no centro, com a cessação completa da existência do “eu” e do “meu” — minha Índia, minha religião, minha experiência. É lá que deve ser efetuada a transformação radical. Como efetuá-la?

Tende a bondade de prestar atenção. É correta esta pergunta: “Como efetuá-la?” Existe algum método, algum sistema de fazê-la? Qualquer sistema ou método implica a continuidade da memória, o cultivo da memória, e daí, por conseguinte, não resulta transformação nenhuma. Quando pergunto a mim mesmo como é possível quebrar aquele centro e busco um método, esse mesmo método, esse mesmo sistema produzirá o resultado que o sistema dá. Esse resultado, porém, não é a transformação; em lugar do método, do sistema que eu cultivava antigamente, estou a cultivar um método novo, um sistema novo. Nessas condições, o “como” é justamente a negação da transformação radical. Observai, por favor, a vossa própria mente. Posto o problema da transformação radical, a vossa reação imediata, no mesmo instante em que o ouvis, é a seguinte: “Dizei-me o que devo fazer”. Dizer-vos o que deveis fazer não traz nenhuma transformação. Quereis alcançar o estado de segurança, de certeza, através de um método, e justamente o desejo de certeza é a negação da transformação. Se compreenderdes bem isto, não direis no fim desta resposta: “Não nos dissestes o que devemos fazer, sois muito vago”.

O que existe é o problema, e não a solução. Se conhecerdes o fundo do problema, a resposta estará lá. O próprio problema revelará a solução. Mas, uma vez que estais buscando a solução do problema, estais tocando apenas a sua superfície. Temos o problema da transformação, da transformação radical no centro. Não pode essa transformação ser operada pela volição, por nenhum ato de vontade, exercício, ou sistema de meditação. O “mecanismo” mesmo da meditação, como a praticais, significa o cultivo de certa ideia, certa disciplina, e, por consequência, só tem o efeito de reforçar o “eu”, o centro; o qualquer espécie de “projeção” proveniente do fundo (background), ou a experiência de tal projeção, continua a ser uma maneira de fortificar o “eu”. Quando tendes esse problema, quando o tendes realmente diante dos olhos, a vossa mente se torna de todo tranquila. É só quando se quer fazer uma modificação, uma modificação superficial, que a mente se torna agitada, e trabalha, e forceja, e luta. Mas quando se percebe o significado pleno da revolução fundamental, da transformação fundamental, aí, a mente, na presença desse enorme e complexo problema, se torna tranquila. Se escutais devida­ mente e se compreendestes o problema em sua profundidade, vereis, então, que vossa mente está tranquila. O próprio problema põe a mente tranquila, silenciosa. Quando a mente está quieta diante do problema, há então a transformação no centro. Esse processo total da compreensão do problema, é meditação. Essa meditação não significa sentar-se e ficar lutando com o problema, mas, sim, compreendê-lo — durante um passeio a olhar as estrelas, o mar, as sombras das árvores, um sorriso. É um processo total; porque do problema decorre a compreensão do desenvolvimento do homem. Só então a mente está tranquila, sem fazer nenhum movimento, sem nada “projetar”, desejar, esperar. O silêncio não é uma palavra, mas um “estado de ser”. Ninguém pode tornar-se tranquilo, silente, por mais esforços que faça — exercícios, disciplinas, controle, refreamento. Toda ação desse gênero apenas conduz a resultados. O silêncio não é um resultado, é um “estado de ser”, de momento a momento. Assim, pois, quando a mente compreende o problema da transformação radical, momento por momento, há, então, aquele silêncio que não é silêncio produzido pela acumulação, silêncio produzido pela memória, mas um “estado de ser” — silêncio que está fora do tempo, silêncio que é “atemporal”. Se houver esse silêncio, vereis que haverá uma transformação radical do centro.

Se houverdes escutado corretamente, vereis que a semente da transformação lançou raízes. Se estais, porém, tão somente a resistir, no plano verbal, só tereis então essa resistência, e não a verdade. Em geral, infelizmente, ficam-nos apenas as cinzas da resistência, em lugar da Realidade. Não nos educam, de pequeninos, para escutar, investigar, compreender; nunca nos põem na presença dos problemas; só se nos dão respostas — o que deveria ser, o exemplo, o herói, o santo que devemos imitar, copiar. Assim, jamais nos mostram as implicâncias do problema — e isto, este mostrar, é a verdadeira educação. Como não fomos educados para conhecer as sutilezas dos problemas, para a compreensão dos problemas, vemo-nos confusos quando nos chocamos com um problema, e logo queremos encontrar uma solução. Não há respostas para a vida. A vida é uma “coisa viva”, de momento a momento, e o homem que busca uma resposta para a vida, está buscando a estagnação da mediocridade. A questão, por conseguinte, não é de se achar solução, mas de se compreender o problema; o problema — e não a solução — é que contém a Verdade.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Bombaim
14 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente


A verdadeira revolução é espiritual

A verdadeira revolução é espiritual

Como salientei no último domingo, a verdadeira revolução, a transformação radical não pode realizar-se no nível físico, mas, única e fundamentalmente, no nível do espírito, e esta noite desejo aprofundar mais ainda esta questão.

A verdadeira revolução é a religiosa, e não a revolução de ordem meramente econômica ou social. Uma revolução fundamental só pode verificar-se quando o homem é verdadeiramente religioso; porque outra qualquer espécie de revolução é puramente uma continuidade, sob forma modificada, do que já existe. Importa compreender-se o que entendo por “revolução religiosa”. A menos que haja uma transformação no nível fundamental do nosso pensar, do nosso ser, as alterações superficiais, de qualquer natureza que sejam, as persuasões, as compulsões, ou os ajustamentos ao ambiente, não constituem a verdadeira transformação. Tais modificações só podem acarretar maiores danos e sofrimentos. A revolução, pois, tem de ocorrer no nível denominado “religioso”, o qual desejo agora considerar.

Antes disso, porém, repito — acho muito importante saber escutar, porquanto nós não escutamos verdadeiramente. Ouvimos palavras, conhecemos-lhe o significado geral e com isso nos satisfazemos. Mas escutar é coisa toda diferente. A meu ver, quando se sabe escutar, esse escutar, por si só, produzirá aquela revolução fundamental. Escutar não é um esforço, uma vez que o esforço implica continuidade de propósito, continuidade da memória em determinada direção; e a memória é diretora, não é criadora. O escutar, quando sabemos escutar, é uma força verdadeiramente criadora, porquanto no escutar não se requer absolutamente a participação da memória. Quase todos nós, porém, escutamos com uma atitude de resistência. Se digo alguma coisa de que não gostais, ou se digo algo de que gostais, vos pondes imediatamente a julgar, repelindo o que vos desagrada e aceitando o que vos agrada; mas isso não é escutar. O escutar é um processo em que a mente está verdadeiramente tranquila, não está interpretando o que ouve, não está traduzindo, mas, sim, acompanhando, sem esforço nenhum — uma vez que o esforço é de efeito destrutivo. Quando se sabe escutar, revela-se em plena luz o significado do que se diz, sua verdade ou falsidade; mas se se opõe a uma sugestão outra sugestão, a uma ideia outra ideia, nunca se descobrirá a Verdade ou a falsidade de uma asserção. Acho muito importante compreender o que estou dizendo neste momento, isto é, que cumpre descobrir a verdade ou a falsidade de tudo o que ouvimos dizer. Cumpre escutar o que se diz, sem se lhe opor uma opinião, uma lembrança, uma experiência anterior. O que estamos tentando, nestas palestras, não é convencer-vos a respeito de coisa alguma, não é persuadir-vos a adotar uma determinada atividade, pois isso seria mera propaganda, sem nenhum valor. O que estamos tentando — vós e eu juntos — é promover aquela revolução radical no processo do desenvolvimento humano total, e não num nível determinado. Parece-me, portanto, sumamente importante saber-se escutar. Não vos estou sugerindo nenhuma linha de ação determinada, não vos ofereço nenhum padrão de pensamento, nenhuma filosofia. A revolução segundo um padrão não é revolução. Quando sabemos em que é que vamos ser transfor­mados, não há transformação alguma. Mas, se nos transformamos em algo que não conhecemos — o desconhecido — isso é revolução. E desejo nesta noite, se possível, examinar esta questão de modo bastante simples. Temos aí um problema muito complexo, mas eu acho que, se for possível acompanhar tranquilamente, sem oposição nem resistência, o que se vai dizer, a fim de se compreender a sua verdade ou falsidade, então essa verdade ou falsidade produzirá sua ação própria.

Para a maioria de nós, religião é dogma, crença, quer se trate da religião comunista, da cristã ou hinduísta. O dogma, a tradição, os rituais, as esperanças, a luta perene para “vir a ser” alguma coisa, alcançar o ideal — o homem ideal, o amor ideal, o Estado ideal — é o que chamamos religião. Mas isso, por certo, não é religião. Religião não é conformidade, religião não é uma busca, impulsionada pelo pensamento contínuo. Religião é coisa totalmente diversa. Eis porque muito importa compreender essa palavra, não de acordo com o que pensais ou o que eu penso, mas compreender-lhe a significação, toda a sua significação e alcance. A mente é capaz de criar qualquer forma de ilusão, ilusão que pode ser o ideal, ou Deus. Mas o culto dessa ilusão não é religião. A ilusão, a “projeção” da mente que — sob qualquer forma ou em qualquer nível que seja — quase todos nós adoramos, é uma coisa nascida da esperança, nascida do desejo, da ânsia. Esse desejo pode criar uma imagem; e a imitação, a busca desse ideal, o “tornar-se esse ideal” está sempre confinado na continuidade da mente. A mente não pode produzir nenhuma revolução, nenhuma transformação radical. O que poderá produzir a revolução radical, a revolução total no pensar do homem, é a cessação da continuidade da mente como pensamento.

Tende a bondade de escutar. Não compareis o que estou dizendo com o que tendes aprendido ou lido nalgum livro religioso ou outro qualquer. Não compareis. Se comparais, não estais então escutando o que digo. O importante é escutar o que se está dizendo. Quando comparais, nunca encontrais a verdade ou a falsidade do que ouvis dizer, porque a vossa mente está então ocupada com a comparação e não com a compreensão do que é. Assim, pois, as invenções da mente, quer sejam as de ordem puramente física, científica ou abstrata, quer sejam as invenções consistentes em “projeções” dela própria, em ideais dela própria, a que ela chama Deus, Verdade, Amor, — o copiar dessas projeções, o esforço para alcançá-las, tudo isso é continuidade da mente.

Sabemos o que é a inveja, e temos uma ideia de que ser verdadeiramente religioso é achar-se num estado de “não-inveja” O homem invejoso, evidentemente, não é um homem religioso, tão pouco como o é o homem ambicioso, seja no nível físico, seja no nível psicológico. Ora bem, ouvindo dizer que a inveja não é um sentimento religioso, e verificando ser a inveja uma série de lutas e dores e que ela só traz sofrimentos, diz a mente: “Não devo ser invejosa” e isso importa em “vir a ser” — a continuidade do estado de ser invejoso, como o denominamos. O ideal, a perseguição do ideal, que chamamos “vir a ser não-invejoso”, é ainda “inveja”.

Estamos falando agora sobre a cessação do “vir a ser”, na qual, tão somente, é possível aquela revolução que é a verdadeira revolução religiosa. Parece-me importante compreender isto. Nossa educação, nossa cultura, as influências que nos cercam, nosso condicionamento, tudo é “vir a ser”. Este é um fato óbvio, não achais? Sou pobre e quero tornar-me rico. Sou invejoso ou violento ou irascível, e acho que devo tornar-me pacífico, não ambicioso — quer dizer, devo “vir a ser alguma coisa”. Assim, nosso condicionamento e cultura, no seu todo — social, econômico, religioso — é “vir a ser”, é processo de “vir a ser”. Isto não é um fato? Observai o funcionamento da vossa mente, para verdes que é um fato evidente. O “vir a ser” é continuidade do “eu”, da ideia, um mecanismo constante; e esse mecanismo nunca poderá produzir uma revolução. Só é possível revolução, modificação, transformação radical, ao cessar o “vir a ser” — não quando me torno “não invejoso”, mas quando não há mais inveja.

Consideremos o ideal da “não-violência”. Dizeis: “Tornar-me-ei não-violento”. Afirmais que ireis praticar o ideal da “não violência”. Isto é, tornar-vos-eis não-violento. Sois violento; mas, mediante um processo de meditação, exercício, disciplina, vos tornareis “não violento”. A “progressão” da violência para a não violência, não é revolução; é meramente um processo de “vir a ser”, e, consequentemente, não há transformação nenhuma. A mente que se acha num constante “vir a ser”, numa constante busca, deixando-se constantemente persuadir, condicionar, nunca se tornará “não violenta”; nessa mente nunca será possível uma revolução fundamental. Só quando a mente reconhecer o processo de “vir a ser” no tempo, e reconhecer que a cessação do “vir a ser” é o ser, só então haverá o ser; nesse ser, e só nele, é possível a revolução radical.

Pois bem, se escutardes, vereis que enquanto a mente — que é o centro de todo “vir a ser”, já que a mente é resultado do tempo e o tempo é contínuo — enquanto a mente estiver cultivando um ideal e “se tornando” alguma coisa, não poderá haver transformação. Só pode haver revolução, revolução radical, revolução total no desenvolvimento do homem, quando cessa o “vir a ser” — e não quando a mente “se torna” uma mente perfeita; a mente não pode tornar-se perfeita, a mente não pode ser livre e sem “vir a ser”, porque a liberdade implica a cessação da continuidade do que foi. Assim, pois, ao reconhecerdes a verdade a esse respeito, haverá o silêncio da mente, e isso não significa que a mente se tornará silenciosa; o silêncio não pode ser alcançado, a mente não pode tornar-se silenciosa. Porém, quando percebe que “vir a ser” é processo de luta, processo de esforço, e que o esforço não pode produzir a paz, porque o que foi não sofrerá solução de continuidade, no tempo, — quando a mente percebe bem isso, não há mais “vir a ser”. Só com o terminar do “vir a ser”, há o silêncio mental.

Prestai atenção a isso, por favor. Quando há silêncio, nesse silêncio não há “vir a ser”. Ninguém pode “tornar-se” silencioso. Se se faz algo para se tornar silencioso, o que se obtém é apenas a continuação de uma atividade, a que se dá agora o nome de “silêncio”, mas que tinha antes o nome de sofrimento. Deste modo, a compreensão do “vir a ser” é o começo do silêncio, e esse silêncio é o “estado de ser”, é a compreensão total do mecanismo do homem; e esse ser é revolução, a transformação total do nosso existir; só então há a possibilidade de surgir o atemporal, o Eterno. Só são verdadeiramente revolucionários os homens que alcançaram aquele estado, porque já não pensam em “termos” de ajustamentos econômicos, sociais ou temporários .

Acho da maior importância compreender isso, porque os mais de nós, principalmente neste país, estamos contaminados pela praga do ideal, do cultivo do ideal. Todos queremos tornar-nos a pessoa ideal, o ser perfeito; por essa razão, praticamos disciplinas, sustentamos uma luta perene para nos tornarmos alguma coisa, e por isso nunca somos, em momento algum. Estamos sempre “nos tornando”, e nunca somos; nenhum momento é cheio, para nós; só o amanhã está cheio. Dessa maneira, perdemos o movimento da vida; a plenitude da vida. Se observardes a vossa mente, vereis jamais estamos quietos um minuto, mas sempre tentando ficar quietos. Só conhecemos o esforço, só conhecemos o “vir a ser”.

Conhecemos o ideal do silêncio, nossa mente persegue constantemente esse ideal, lutando, disciplinando-se, controlando-se, moldando-se, para alcançar aquele silêncio em que o Real pode manifestar-se; mas o Real nunca surgirá naquele silêncio, pois aquele silêncio é “vir a ser”. Só quando a mente compreende, na sua totalidade, o processo de “vir a ser”, perseguir, lutar, moldar-se, para ser outra coisa, só então há a possibilidade de cessar o “vir a ser” e operar-se a revolução, só então a mente é verdadeiramente religiosa. O homem religioso não é aquele que se torna um Sanyasi, que luta para “vir a ser”, alcançar virtudes ou tornar-se um “homem ideal”. O homem religioso é aquele que desistiu de “vir a ser”; por essa razão, para ele há só um único dia, um único momento — e não o momento de ontem, ou o momento de amanhã. Esse homem é o verdadeiro revolucionário; porque ele se integrou na realidade.

Releva não apenas escutar o que se diz, mas que se saia daqui como um ente humano completamente transformado — não por ter adquirido ideias novas, uma nova perspectiva das coisas, valores novos, ou por ter abandonado a tradição — que são puerilidades, atividades próprias da imaturidade. O importante é a mente não deixar espaço em si senão para o “estado de ser”.

Nosso espírito está sendo continuamente moldado por nós mesmos, pelas circunstâncias. Estamos sendo empurrados em todos os sentidos, sendo condicionados, como hinduístas, católicos, cristãos ou comunistas. Enquanto nos acharmos nesse estado, não criaremos um mundo novo. Só o homem que nenhuma outra religião tem senão a religião do “ser” — o “estado de ser” não tem nenhum espaço, nenhum canto onde a mente possa “vir a ser alguma coisa” — só ele criará um mundo novo.

Vós e eu temos de produzir um mundo novo — não o novo mundo ideados pelos comunistas, católicos ou capitalistas, mas um mundo totalmente diferente, um mundo livre, livre no movimento do ser e não do “vir a ser”. Nunca é livre o homem no “vir a ser”; está sempre a lutar, sempre competindo para “vir a ser”; jamais é livre. Prestai atenção a isso, por favor. Escutai-o. Se escutardes verdadeiramente, vereis que existe a liberdade sem “vir a ser”. Só nessa liberdade sem vir a ser pode um homem ser realmente feliz; o homem que a alcança é o homem feliz, integrado naquele espírito fundamental que cria o mundo novo.

Como tenho dito, o importante ao fazer-se uma pergunta, não é achar a resposta, mas compreender o problema, porque só o problema existe, e não há resposta. Fazer uma pergunta é coisa fácil; mas penetrar o problema é extremamente difícil e relevante, porque, sabendo-se de que se constitui o problema, o próprio percebimento do problema é a compreensão do problema. No momento em que posso formular o problema com toda a clareza e simplicidade, a resposta se apresenta — não tenho de procurá-la mais longe. Mas, em geral, nós não sabemos o que é que constitui o problema. Vemo-nos confusos com respeito ao problema, e, naturalmente, por causa dessa confusão, procuramos soluções; e essas soluções só produzirão mais confusão.

Compreendei, de uma vez por todas, que não há respostas para a vida. A vida é uma coisa viva, e não uma coisa que tem fim; a vida é o problema. Se sou capaz de compreender, no seu todo, o “mecanismo” do problema, ele é então para mim uma coisa viva, e não uma coisa que me faz fugir e que me assusta. O importante, pois, não é a resposta, mas que se apresente o problema de modo claro e simples e se perceba tudo o que ele implica. Porém, a mente que busca uma resposta, é uma mente sem penetração, uma mente estúpida. A mente que percebe o problema no seu todo, na sua sutileza, que percebe seu conteúdo e significação, suas variações e sua extensão, torna-se, ela própria, o problema. Quando a mente é o problema, já não busca resposta alguma. Sendo o problema, ela se torna quieta; e no momento em que a mente está quieta, não existe mais problema algum. Releva pois, não indagar uma solução, mas dispor-mo-nos a penetrar o problema.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
10 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

A questão da radical transformação

A questão da radical transformação

ESTA tarde, desejo falar sobre o problema da transformação. Já pensastes a seu respeito? Se já o fizestes, deveis ter notado quão difícil é operar uma mudança em nós mesmos. Percebemos em certos momentos a necessidade de transformação, de um certo ajustamento à vida, uma revolução radical em nós mesmos, independente de qualquer padrão de pensamento, ou compulsão. Quem observa as numerosas complicações da existência, sente o desejo imenso de efetuar uma revolução em si próprio. Já deveis — pelo menos os mais ponderados dentre vós — ter refletido a esse respeito, isto é, sobre como efetuar essa transformação, como irá ela influir em nossas relações mútuas ou com a sociedade, e se essa revolução terá algum efeito sobre a sociedade. Este problema, bem examinado, é sumamente complexo e envolve muitas outras questões, que se agitam não apenas no nível superficial do nosso pensar, mas também profundamente, no nível inconsciente.

Preliminarmente, porém, desejo recomendar-vos que, ao iniciar eu o estudo do problema, me escuteis com atenção e sem resistência; se assim fizerdes, então, talvez possais encontrar-vos naquele estado de total revolução interior. Afinal, é com este fim em vista que vos falo, e não para convencer-vos sobre uma determinada forma de modificação ou dizer-vos que deveis transformar-vos em conformidade com um certo padrão; nisso não há nenhuma possibilidade de transformação e, sim, meramente, ajustamento, adaptação a determinado padrão de ação — e isto não ó revolução, não é transformação. Se escutardes, sem resistência de espécie alguma, estou certo de que vos vereis num estado de revolução, dentro de vós mesmos, não operada por qualquer compulsão de minha parte, mas de maneira completamente natural. Permiti-me, pois, sugerir que me escuteis sem resistência. Em geral, nós não escutamos verdadeiramente, pois costumamos escutar com uma intenção, um “motivo”, um propósito, o que denota esforço. Pelo esforço, não se pode compreender coisa alguma.

Vede bem a importância disso. Para se compreender uma coisa, é necessário escutá-la sem esforço, sem compulsão, sem resistência, inclinação, opinião ou juízo. Isto é muito difícil, se não sabemos escutar. O problema não é de como efetuar a transformação, pois, se se sabe escutar corretamente, sem resistência sob qualquer forma, a transformação se realizará independentemente de qualquer ato consciente. Não creio se possa realizar uma modificação radical mediante ação consciente ou qualquer espécie de incitamento ou compulsão.

Passarei agora a explicar como essa transformação se realiza, independente de “motivação”. Mas, para se compreender tal explicação, torna-se necessária uma atitude muito atenta, no escutar, livre de qualquer barreira, restrição, resistência. No momento em que se ouve a palavra “revolta”, “transformação”, ou “revolução”, essa palavra tem um significado preciso — o significado do dicionário, o significado comunista, socialista, ou, se a pessoa é religiosa, o significado adequado ao seu especial padrão de pensamento.

Esses padrões de pensamento estão constantemente a interferir naquilo que se está escutando. A dificuldade, por conseguinte, não vai ser a compreensão do problema, mas, sim, a maneira de estudar o problema, a maneira de escutar o problema. É muito importante compreender isso antes de se começar a apreciar qualquer problema.

Para produzir-se a compreensão, não há necessidade de resistência ao que se ouve, mas, sim, de seguir-se a corrente de pensamento a que se está dando atenção. Ninguém pode segui-la, se ficar meramente resistindo, traduzindo, levantando contra ela as barreiras de suas próprias ideias. Se formos capazes de escutar sem resistência, estaremos então pensando juntos, e juntos encontraremos a mente num estado de transformação, alcançado sem qualquer persuasão, raciocínio ou conclusão lógica.

Para a maioria dos que estamos apercebidos dos acontecimentos mundiais e das coisas que estão sucedendo neste país, é clara, parece-me, a necessidade de revolução; uma mudança de atitude, de pensamento, uma revolução do senso dos valores é essencial. É bem óbvia a necessidade de uma transformação, para haver paz, para haver o suficiente a alimentar toda a humanidade, para promover o entendimento entre os homens. A possibilidade do desenvolvimento completo do homem depende, necessariamente, de uma transformação vital, total. Mas, como efetuar essa transformação, e que implica essa transformação? Há transformação quando a mente, o pensamento, só procura acomodar-se ao padrão de determinada cultura — a hindu, a cristã, a budista — ou ao padrão de pensamento e ação do comunista? Pode esse ajustamento, em qualquer nível que seja, da nossa existência, operar a transformação? Se nos acomodamos a um padrão que nos foi imposto ou que nós mesmos criamos, é óbvio que já não há transformação; porque o padrão, o fim, é um resultado do nosso condicionamento. Se eu, como hinduísta, comunista ou cristão, me modifico de acordo com o plano segundo o qual fui criado, de acordo com uma ideia, uma determinada maneira de pensar, isso, por certo, não é transformação, já que está, apenas, obedecendo a uma reação condicionada. E quando me modifico pelo padrão de um temor, de uma defesa, de uma tradição, isto, evidentemente, não significa transformação; não é a revolução, não é a revolta radical procedente do que é.

Assim sendo, quando investigo o problema da transformação, não devo investigar como a minha mente está funcionando? Não devo conhecer o mecanismo total do meu pensamento? Porque, se existe algum temor e esse temor me faz modificar-me, não há transformação; o temor projeta um padrão e eu me modifico de acordo com esse padrão; tem-se, por conseguinte, um mero ajustamento a determinado padrão “projetado” pelo temor. Se desejo promover a transformação, não devo examinar as múltiplas camadas do meu ser, consciente e bem assim inconsciente? Não devo pesquisar as reações superficiais dos meus pensamentos e “motivos”, e as correntes profundas de onde promanam todos os pensamentos e ações? Se desejo transformar-me, posso ter um padrão pelo qual me transformarei? Embora eu esteja a repetir coisa já dita, prestai atenção ao que estou dizendo; sena, perdereis o que está para vir.

Reconheço a necessidade de transformação, em mim mesmo e na sociedade. A sociedade são as minhas relações com outros, e nessas relações, a que chamo “a sociedade”, faz-se necessária uma transformação, uma demolição total, uma completa revolução do pensamento. Já que percebo a importância dessa transformação, pergunto: como pode ser feita? Depende a sua realização de especulações intelectuais, de conhecimentos da história e de sua interpretação, do conhecimento das várias questões sociais e métodos de reforma? Todo esse saber é capaz de produzir a revolução, a transformação total de mim mesmo, do meu pensar, de minha atitude, minhas atividades e pensamentos? Assim sendo, não é necessário — se tenho verdadeiro interesse — que eu investigue esta questão da transformação? Não devo investigar os móveis que me impelem à transformação, a minha ânsia de transformação? A ânsia de transformação pode produzir a transformação radical? Essa ânsia pode ser uma simples reação ao meu condicionamento, meu fundo, a impressões várias, de ordem social, econômica ou cultural. Pode-se promover a transformação sob compulsão de qualquer espécie?

Deixai-me expressá-lo da seguinte maneira: Conhecemos a transformação em relação com o tempo, e o tempo compreende a compulsão a que nos sujeitam as várias formas de sociedade, cultura, relações, temores, o desejo de ganhar alguma coisa ou de evitar punição. Tudo isso está na esfera do tempo, não é verdade? São funções, resultados, atividades de uma mente oriunda do tempo. Considerando bem, a mente é resultado do tempo — do tempo cronológico, de séculos de tradição, séculos de educação, compulsão, temor. A mente, por conseguinte, é coisa do tempo. Pode a mente, resultado do tempo, operar uma revolução total e sem relação com o tempo? Se nos modificamos dentro da esfera do tempo, isto é, se me modifico porque minha sociedade o exige, por perceber a necessidade de fazê-lo sob alguma forma de compulsão, ou porque isso me proporcionará alguma vantagem, ou porque tenho medo — e tudo isso, sem dúvida, é resultado dos cálculos da mente que pensa em “termos” de tempo, de hoje e amanhã — não pode haver revolução total. Isto é bem evidente, não achais? Quando a mente pensa em termos referentes ao tempo, para a transformação, há transformação? Ou só há uma continuidade, ajustamento a determi­nado padrão e, por consequência, nenhuma transformação?

O problema, pois, é este: Há transformação, há revolução não dependente do tempo? Não é esta a única revolução verdadeira — a revolução que não é produto da mente, produto do pensamento? Afinal de contas, o pensamento é a reação da memória, sendo a memória experiência, conhecimento, acumulação de inumeráveis reações e experiências; tudo isso constitui a mente, o fundo com que a mente reage; e essa reação é pensamento. O pensamento, portanto, é coisa do tempo. Enquanto eu me estiver transformando dentro do tempo — isto é, de acordo com um padrão qualquer: comunista, socialista, capitalista, católico, hinduísta, budista, etc. — a transformação estará sempre dentro da esfera do tempo. Quando a transformação obedece a um padrão, por mais amplo que seja, ela está sempre compreendida no tempo e, portanto, não há realmente transformação, revolução. Prestai atenção a isto, para o compreenderdes bem. Não o rejeiteis, dizendo “É puro disparate, que não nos leva a parte alguma” — mas escutai-o, ainda que não estejais habituados com esta ideia. Talvez a estejais ouvindo pela primeira vez. Não a rejeiteis porque, se quiserdes investigá-la profundamente, vereis como é extraordinário o seu conteúdo.

A transformação se realiza quando não existe medo, quando não existe “experimentador e experiência”; é só então que se verifica a revolução que está fora do tempo. Tal revolução, porém, não é possível, quando estou tentando transformar o “eu”, quando estou tentando transformar “o que é” noutra coisa diferente. Sou o resultado de compulsões e persuasões de toda ordem, sociais e espirituais, resultado de todo o condicionamento do impulso de aquisição; nisso está baseado o meu pensar. Desejando livrar-me desse condicionamento, desse impulso de aquisição, digo, de mim para mim: “Não devo ter o espírito de aquisição”. Devo exercitar-me no “não querer”. — Mas tal atividade está ainda na esfera do tempo, é ainda uma atividade da mente. Percebei bem isso; não digais “Que devo fazer para alcançar o “estado sem impulso aquisitivo”?” — Isto não é importante. Não é importante que se seja “não-aquisitivo”. O importante é compreender que a mente que quer fugir de um estado para outro está sempre funcionando dentro da esfera do tempo e, por esse motivo, não há revolução, não há transformação. Se fordes realmente capazes de compreender isso, estará então plantada a semente daquela revolução radical, a qual entrará em ação; não se precisa fazer coisa alguma.

Se há obstáculo à ação daquela semente, isso se deve à nossa resistência, ao nosso exclusivo interesse nos resultados imediatos. Assim que percebo a necessidade da transformação, logo quero saber “como” me transformarei, qual o método que devo seguir; só isso me interessa. O método implica continuidade da atividade da mente e só é capaz de produzir ação conforme com um padrão e, portanto, ação temporal, produtiva de sofrimento.

Pode haver ação não dependente do tempo, não dependente da mente, não condicionada pelo pensamento, que é puramente experiência do conhecimento? Tudo isso está relacionado com o tempo. Uma tal atividade, por conseguinte, jamais produzirá revolução, uma revolução total em nosso desenvolvimento de entes humanos. O problema, pois, é este: Há possibilidade de revolução, de transformação, fora do tempo? Há possibilidade de transformação, sem interferência da mente? Percebo a importância da transformação. Todas as coisas se transformam, todas as relações se transformam, cada dia é um dia novo. Se sou capaz de compreender o novo dia, se estou morto, completamente, para o “ontem”, que já é “coisa velha”, morto para todas as coisas que aprendi, que adquiri, que experimentei e compreendi, há então revolução em cada momento que vem, e há transformação. Mas o morrer para ontem não é atividade da mente. A mente não pode morrer por força de uma determinação, de evolução, de um ato da vontade. Se a mente reconhecer a verdade de que não pode produzir transformação alguma por ação da vontade, ou por meio de uma determinada conclusão ou compulsão, — e o que se produz por essa maneira é apenas uma continuidade, um resultado “modificado” e não uma revolução radical; se a mente estiver silenciosa, por uns poucos segundos apenas, para apreender a verdade dessa asserção, vereis, então, acontecer uma coisa extraordinária, independente de vós mesmos e da vossa mente. Ocorre então, interiormente, uma transformação, sem nenhuma interferência da mente, que é pensamento condicionado. É um extraordinário estado mental, esse em que não existe “experimentador” e não existe “experiência”. Daí resulta uma revolução total. Esta revolução total é a única coisa que pode trazer a paz ao mundo. Todos os ajustamentos de caráter nacional, todas as reformas econômicas, de um grupo que domina outro grupo e liquida todos os demais grupos, tudo isso há de falhar, porque só pode trazer maiores sofrimentos e mais guerras. O que trará a paz para o mundo, a compreensão, o amor, não é a razão — pois esta se baseia em reação condicionada — mas só a mente que se compreende de maneira total e é capaz de achar-se naquele estado eternamente, “atemporalmente” novo. Isto não é uma impossibilidade, não é uma coisa idealística, fantástica ou mística. Se buscardes realmente esta coisa, encontrá-la-eis, experimentá-la-eis diretamente; isso, porém, exige muita, muita meditação, investigação persistente, compreensão.

O importante, pois, é a compreensão da mente, e não o método de operar a transformação de si mesmo e, consequentemente, a transformação do mundo. O próprio processo da compreensão do problema produz uma transformação, independente de vós mesmos. Eis porque é importante ouvirdes estas palestras sem vos deixardes persuadir pelo que digo, mas percebendo a verdade contida no que estou dizendo. A verdade é que traz a revolução, e não a mente sagaz, a mente que calcula. Porque a verdade não pertence ao tempo, a verdade não pertence à Índia, à Europa, à Rússia, à América; não pertence a nenhum grupo, nenhuma religião, nenhum mentor, nenhum discípulo. Onde há um mentor, onde há um seguidor, onde há uma nacionalidade, lá não está a Verdade. A Verdade só pode surgir, quando a mente compreendeu e se acha tranquila; só então pode manifestar-se aquela Realidade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
7 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente



quinta-feira, 5 de abril de 2018

No conhecimento da totalidade do "eu", o seu fim

No conhecimento da totalidade do "eu", o seu fim

Um dos mais difíceis problemas parece ser a questão de como operar uma transformação fundamental em nós mesmos. Pensamos, muitas vezes, que a transformação do indivíduo não importa e que devemos, antes, interessar-nos pela "massa", pelo todo. Acho completamente errônea essa ideia. Eu penso que a transformação deve começar pelo indivíduo — se tal entidade existe, "o indivíduo". Há necessidade de uma transformação essencial em vós e em mim. A modificação consciente, como se pode ver, não constitui transformação. O processo deliberado de automelhoramento, o cultivo deliberado de determinado padrão ou forma de ação, não produz a transformação real, porquanto tal modificação será mera projeção do nosso próprio desejo, nosso próprio fundo — uma reação. Todavia, quase todos temos muito interesse nesta questão da transformação, visto que estamos andando às cegas, estamos confusos. E aqueles que refletem seriamente deviam investigar a fundo esta questão de como promover a transformação de si próprios.

A dificuldade, ao que me parece, está em compreender o fato de que qualquer espécie de modificação, feita numa mente condicionada, só pode produzir um condicionamento diferente, e não uma transformação. Se eu, como hinduísta ou como cristão, procuro modificar-me dentro desse padrão, não se efetua nenhuma transformação real, e, sim, apenas um condicionamento talvez melhor, mais conveniente, mais adequado; mas fundamentalmente, não há transformação. A meu ver, um dos piores obstáculos que estamos enfrentando é esta ideia de que podemos transformar-nos dentro do padrão. Mas, sem dúvida, quando uma mente condicionada pela sociedade, por uma dada cultura, produz, conscientemente, alguma modificação dentro do padrão, tal modificação é ainda um processo de condicionamento. Bem esclarecido isso, acho que então a nossa investigação, visando a descobrir o que é transformação e como será possível produzir uma mudança radical em nós mesmos, torna-se altamente interessante, uma questão vital. Porque a cultura, isto é, a sociedade que nos rodeia, pode criar uma "religião", porém, nunca produzirá um homem religioso.

Agora, se posso desviar-me um pouco do assunto, interessa observar a forte reação que geralmente nos desperta a palavra "religião". Uns gostam dela, e a simples palavra lhes dá um sentimento de satisfação emocional; outros a repelem. Mas considero importante descobrir como escutar corretamente as palavras. Como é que escutamos? Vós ouvis a palavra "religião", e gostais ou não gostais desta palavra. Esta própria palavra atua como uma barreira à compreensão mais ampla, à ulterior investigação, por causa de nossa reação à palavra.

Mas pode-se escutar sem tal reação? Porque, se sabemos escutar sem reação, sem que nossos preconceitos, nossas peculiaridades, idiossincrasias, crenças, nos fechem o caminho, poderemos então, parece-me, ir muito longe. Dificílimo é, porém, desembaraçar-nos de nossos preconceitos, para darmos atenção completa a algo que se está dizendo. A atenção se torna estreita, exclusivista, quando meramente concentrada numa determinada ideia. Os mais de nós temos ideias, certos preconceitos, e, enquanto pensarmos segundo esta norma, podemos prestar "atenção", como o chamamos, mas, na realidade, essa atenção é uma forma de exclusão, que absolutamente não é atenção. O que desejo fazer-vos notar é que, para escutarmos realmente, devemos estar apercebidos de nossos próprios preconceitos, nossas próprias reações emocionais e neurológicas a uma determinada palavra, como sejam "Deus", "religião", "amor", etc., para nos desembaraçarmos de tais reações. Se soubermos escutar dessa maneira, escutar atentamente, sem estarmos à procura de uma dada ideia que confira com a nossa própria ideia, ou lhe seja contrária, acho que então estas palestras poderão ser frutuosas.

Como dizia, a cultura pode produzir religiões, mas não um homem religioso. E, em meu sentir, só um homem religioso é capaz de operar uma radical transformação dentro de si mesmo. Toda mudança, toda alteração, feita na mente condicionada por uma dada cultura, não constitui uma transformação real, e, sim, tão só a continuação da mesma coisa com modificações. Isso me parece bastante óbvio, se refletimos a seu respeito — isto é, que enquanto eu tiver o padrão hinduísta, cristão, budista, etc., qualquer mudança que eu opere dentro desse padrão representará uma mudança consciente, que faz parte, ainda, do padrão, não sendo, por conseguinte, transformação nenhuma. Surge aí a questão: posso operar a transformação por meio do inconsciente? Quer dizer: ou começo, conscientemente, a alterar o padrão do meu viver, minhas normas de pensar, a suprimir conscientemente os meus preconceitos — o que, tudo isso, constitui um mecanismo deliberado de esforço, visando a certo objetivo, certo ideal; ou procuro operar a modificação, esquadrinhando o inconsciente. Indubitavelmente esses dois métodos envolvem o problema do esforço. Vejo que preciso transformar-me — por várias razões, por "motivos" vários — e, conscientemente, começo a trabalhar neste sentido. Percebendo então — se reflito a respeito da coisa — que não se realiza uma verdadeira transformação, ponho-me a esquadrinhar o inconsciente, a penetrar-lhe as profundezas, na esperança de que, por vários métodos de análise, me seja possível operar uma mudança, uma modificação, ou um ajustamento mais profundo.

E, agora, pergunto a mim mesmo se esse esforço consciente e inconsciente para me transformar produz de fato transformação. Ou será necessário ultrapassar, tanto o consciente como o inconsciente, para que possa produzir-se uma mudança radical? Como sabeis, tanto o desejo consciente como o impulso inconsciente, para modificar, implicam esforço. Se examinardes muito profundamente esta questão, vereis que, ao desejarmos transformar-nos, há sempre aquele que faz o esforço e, também, aquilo que é estático — a coisa sobre a qual o esforço se exerce. Assim, nesse processo de se desejar operar modificação — consciente ou inconscientemente — há sempre pensador e pensamento: aquele que diz "Preciso transformar" e o estado que ele deseja transformar. Há, pois, dualidade; e estamos sempre, estamos perenemente procurando lançar uma ponte sobre esse vão por meio de esforço. Vejo que há em mim, no consciente e no inconsciente, a entidade que faz esforço, e aquilo que ela deseja modificar. Há uma divisão entre o que sou e o que desejo ser. Isto significa: divisão entre o pensador e o pensamento, e daí o conflito. E o pensador está sempre tentando vencer este conflito, consciente ou inconscientemente. Estamos bem familiarizados com esse "mecanismo", pois é isso que estamos fazendo constantemente. Toda nossa estrutura social, nossa estrutura moral, nossos ajustamentos, etc., baseiam-se em tal "mecanismo". Mas isso produz transformação? Se não produz, não deve então a transformação ser operada num nível completamente diferente, que não se acha nem no campo do consciente nem no campo do inconsciente? Sem dúvida, todo o campo mental — o consciente e o inconsciente — está condicionado pela nossa particular cultura. Isto é bastante óbvio. Enquanto eu for hinduísta, budista, cristão, etc., a própria cultura em que fui criado, educado, condiciona todo o meu ser. O meu ser total é tanto o consciente como o inconsciente. No campo do inconsciente se acham todas as tradições, o resíduo, assim o herdado como o adquirido, de todo o passado do homem, e eu estou tentando modificar-me no campo do consciente. Tal modificação só pode ser feita de acordo com meu condicionamento, e, por conseguinte, nunca produzirá liberdade. É bem óbvio, pois, que a transformação é uma coisa totalmente independente da mente; ela deve estar num nível completamente diferente, numa diferente profundidade, numa altura diferente.

Como posso então transformar-me? Percebo, ou pelo menos entrevejo, a verdade de que uma mudança, uma transformação, deve começar num nível que a mente, como consciente ou inconsciente, não pode alcançar, visto que minha consciência, como um todo, está condicionada. Que devo então fazer? Espero que esteja fazendo claro o problema. Posso enunciá-lo de maneira diferente: pode a minha mente, tanto a consciente como a inconsciente, tornar-se livre da sociedade? — sendo sociedade a educação, a cultura, a norma, os valores, os padrões. Não sendo livre, qualquer modificação que ela tente efetuar dentro desse estado condicionado, é sempre limitada e, por conseguinte, não é transformação. Se percebo a verdade a esse respeito, que deve a mente fazer? Se digo que ela deve tornar-se quieta, então esse próprio "tornar-se quieta" faz parte do padrão, é produto do meu desejo de efetuar uma transformação num nível diferente.

Assim sendo, posso prestar atenção, sem ter motivo algum? Pode a minha mente existir sem nenhum incentivo, nenhum "motivo" para transformar-me ou não transformar-me? Porque todo motivo resulta da reação de uma determinada cultura, produto de um determinado fundo. Pode, então, a minha mente ficar livre da cultura sob cuja influência fui educado? Esta é, com efeito, uma questão muito importante. Porque, se a mente não está livre da cultura em que foi criada, nutrida, o indivíduo, sem dúvida, nunca estará em paz, nunca terá liberdade. Seus deuses e seus mitos, seus símbolos e todos os seus empreendimentos são limitados, porque pertencem ao campo da mente condicionada. Quaisquer esforços que faça, ou não, dentro deste tão limitado campo são, em verdade, fúteis, no sentido mais profundo da palavra. Poderá haver melhor decoração da prisão — mais luz, mais ventilação, mais alimento —, mas é sempre a mesma prisão de uma determinada cultura. Pode, pois, a mente, tornando-se cônscia de sua totalidade, e não só das camadas superficiais ou de certas profundidades — pode a mente alcançar aquele estado em que a transformação não resulta de esforço consciente ou inconsciente? Se está clara esta questão, manifesta-se, então, a reação ao problema: como alcançar um tal estado? Ora, a própria pergunta "como?" é mais uma barreira. Porque o "como" implica a busca e a prática de certo sistema, certo método, os "passos" que se devem dar para se chegar àquela transformação.

Compreendeis? O "como" implica o desejo de alcançar, a ânsia de realizar; e esta própria tentativa de ser uma coisa deriva de nossa sociedade, que é aquisitiva, invejosa. E estamos, assim, de novo na armadilha. Nessas condições, que deve fazer a mente? Percebo a importância da transformação. E percebo que toda modificação, em qualquer nível da mente consciente ou inconsciente, não representa transformação nenhuma. Se compreendo realmente isso, se percebo a verdade respectiva — isto é, que enquanto existe entidade que faz esforço, o pensador, o "eu", que quer alcançar um resultado, tem de haver divisão e, portanto, o desejo de efetuar uma ligação, uma integração dos dois, o que torna inevitável o conflito. Se percebo tal verdade, que acontece?

Eis o problema: percebo que todo esforço que faço, dentro da esfera do pensar — a esfera tanto do consciente como do inconsciente — produz separação, dualidade, e por conseguinte conflito? Se percebo esta verdade, que acontece? Tenho eu então, tem a mente consciente ou a mente inconsciente, de fazer alguma coisa? Vede, por favor, que isto não é nenhuma filosofia oriental de inação, não significa entregar-se a certo "transe" misterioso. Pelo contrário, requer muita reflexão, penetração, investigação. Esse estado só pode ser atingido pela compreensão do consciente e do inconsciente, e não pelo dizermos, apenas: "Pois bem, não pensarei mais; e então acontecerão coisas". Não acontecerá coisa nenhuma. Daí a importância do autoconhecimento. Não o autoconhecimento de acordo com certo filósofo, certo psicanalista, grande ou pequeno, pois isto será mera imitação; é o mesmo que ler um livro e querer ser o livro; não é autoconhecimento. Autoconhecimento é o descobrir, de fato, em si mesmo, o processo do próprio pensar, do próprio sentir, dos próprios motivos e reações — o verdadeiro estado em que nos achamos, e não um estado desejado.

Eis porque muito importa tenhamos conhecimento de nós mesmos, como quer que sejamos: feios, bons, maus, belos, joviais — tudo o que somos; conhecimento de nosso condicionamento superficial e bem assim do condicionamento inconsciente, mais profundo, de séculos de tradição, de anseios, compulsões, imitações; compreensão, experiência direta da totalidade, pelo autoconhecimento. Acho que então se descobrirá que tanto a mente consciente como a inconsciente não mais farão movimento algum para realizar a transformação; mas ocorrerá uma mudança, ocorrerá uma transformação, num nível de todo diferente, a uma altura e uma profundidade inatingíveis pela mente consciente e pela mente inconsciente. A transformação tem de começar aí, e não no nível consciente ou inconsciente, oriundos de uma cultura. Por esta razão é muito importante estarmos livres da sociedade, mercê do autoconhecimento. Então, depois de ter cessado todo esse mecanismo de reconhecimento pela sociedade e quando a mente já não se preocupa com reformas, deve verificar-se uma transformação radical, inatingível pela mente consciente ou inconsciente; e, em virtude dessa transformação, será possível criar uma sociedade diferente, um Estado diferente. Mas esse Estado, essa sociedade, não podem ser preconcebidos — deverão surgir das profundezas do autodescobrimento.

Assim sendo, o que me parece importante é essa investigação do "eu", de "mim", para se conhecer o "eu" tal qual é, com suas ambições, invejas, exigências agressivas, falácias, divisão em "superior" e "inferior" — de tal maneira que não só seja revelada a mente consciente, mas também a inconsciente, o repositório da antiga tradição, dos séculos de depósitos de toda sorte de experiências. O conhecimento da totalidade do "eu" significa o seu fim. Então a mente, já que não mais está preocupada com a sociedade, com reconhecimento, com reformas, nem mesmo com a transformação de si própria, descobre que há uma mudança, uma transformação não proveniente de um esforço deliberado visando a um resultado.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Londres, 24 de junho de 1955

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Melhorias no “eu”, não é transformação


Melhorias no “eu”, não é transformação

Uma das coisas mais difíceis de compreender parece-me ser o problema da transformação; Como vemos, existe progresso, de diferentes maneiras, a chamada “evolução” mas há transformação fundamental no progresso? Não sei se esse problema já se vos terá apresentado ou se já alguma vez pensastes nele, mas talvez convenha o apreciarmos nesta manhã.

Vemos que há progresso, no sentido “visível” da palavra: novas invenções, automóveis e aviões melhores, geladeiras melhores, a paz superficial de uma sociedade adiantada, etc. Mas esse progresso está produzindo alguma transformação radical no homem, em vós, em mim? Ele altera superficialmente a conduta de nossa vida, mas pode transformar fundamentalmente o nosso pensar? E como operar essa transformação fundamental? Acho ser este um problema que vale a pena considerar. Há progresso no automelhoramento; amanhã posso ser melhor, mais amável, mais generoso, menos invejoso, menos ambicioso. Mas o automelhoramento produz a modificação completa do nosso pensar? Ou não há transformação nenhuma, mas só progresso? O progresso implica tempo, não? Sou assim hoje e serei um pouco melhor amanhã. Isto é, no melhoramento, na renúncia, na negação de mim mesmo, há uma progressão, um movimento gradual para uma vida melhor, o que significa que o indivíduo se está ajustando superficialmente ao ambiente, a um padrão melhorado, está sendo condicionado de maneira mais nobre, etc. Vemos constantemente esse processo em vigor. E já vos deveis ter perguntado, como eu o tenho feito, se o progresso produz revolução fundamental.

Para mim, a coisa mais importante não é o progresso, mas a revolução. Não fiqueis horrorizados com a palavra “revolução” — como fica a maioria das pessoas que fazem parte de uma sociedade adiantada, como esta. Mas quer-me parecer que, se não compreendermos a enorme necessidade de se produzir, não apenas uma melhora social, mas uma radical mudança de nossa perspectiva, o mero progresso será progresso no sofrer; poder-se-á apaziguar, acalmar o sofrimento, mas não se conseguirá a cessação do sofrimento, que estará sempre latente. Afinal de contas, progresso, no sentido de nos tornarmos melhores num certo período de tempo, constitui, realmente, o “mecanismo” do “eu”, do “ego”. Há evidentemente progresso no automelhoramento, que é o esforço decidido para se ser bom, para se ser mais isto ou menos aquilo, etc. Assim, como há sempre melhoramentos nas geladeiras e nos aviões, assim também há possibilidade de melhoramento do “eu”; mas este melhoramento, este “progresso”, não liberta a mente do sofrimento.

Nessas condições, se desejamos compreender o problema do sofrimento e, se possível, fazê-lo cessar, não devemos de modo nenhum pensar em termos de progresso; porque o homem que pensa em termos de progresso, de tempo, e diz que será feliz amanhã, está vivendo no sofrimento. E para compreendermos este problema, temos de entrar fundo na questão da consciência, não achais? Este assunto é difícil demais? Vou continuar, e veremos.

Se desejo realmente compreender o sofrimento e ver o fim do sofrimento, tenho de verificar, não só quais são as coisas implicadas no progresso, mas também que entidade é essa que deseja melhorar a si mesma; e devo conhecer, também, o “motivo” que a impele a buscar melhoramento. Tudo isso é a consciência. Existe a consciência superficial das atividades diárias: a ocupação, a família, o constante ajustamento ao ambiente social, de maneira feliz e fácil, ou de maneira contraditória, neurótica. E há também o nível mais profundo da consciência, que é a vasta herança social do homem, formada através de séculos: a vontade de existir, a vontade de alterar, a vontade de “vir a ser”. Se desejo realizar uma revolução fundamental em mim mesmo, sem dúvida preciso compreender esse mecanismo total da consciência.

Pode-se ver claramente que o progresso não traz consigo nenhuma revolução. Não falo de revolução social ou econômica — que é muito superficial, como, penso eu, todos vós concordareis. A derribada de um sistema social ou econômico e o estabelecimento de um novo, não altera certos valores, como é o caso da revolução russa, e de outras revoluções históricas. Refiro-me à revolução psicológica, a única revolução verdadeira; e o homem religioso deve achar-se nesse estado de revolução, de que falarei mais adiante.

Ao atacar-se este problema do progresso e da revolução, faz-se necessário um percebimento, uma compreensão do processo total da consciência. Entendeis? Enquanto eu não compreender realmente o que é a consciência, o mero ajustamento de superfície, conquanto possa ter significação sociológica e mesmo estabelecer uma melhor maneira de viver, com mais comida e menos miséria na Ásia, menos guerras, — nunca resolverá o fundamental problema do sofrimento. Sem se compreender, e dissolver, e transcender o impulso causador do sofrimento, o simples ajustamento social é a conservação, em estado latente, da semente do sofrimento. Assim sendo, tenho de compreender o que é a consciência, mas não de acordo com alguma filosofia, psicologia ou descrição, e, sim, “experimentando” diretamente o estado real de minha consciência, todo o seu conteúdo.

Ora, talvez possamos, nesta manhã, “experimentar” algo a esse respeito. Vou descrever o que é a consciência; mas, enquanto eu a estiver descrevendo, não vos limiteis a acompanhar a descrição, porém, antes, observai o “mecanismo" do vosso próprio pensar, para conhecerdes, então, por vós mesmos, o que é a consciência, sem precisardes ler os relatos contraditórios das descobertas dos diferentes especialistas. Compreendeis? Eu estou descrevendo uma coisa. Se apenas escutais a descrição, ela terá muito pouca significação; mas, se, por meio da descrição, estais “experimentando” a vossa própria consciência, o vosso próprio “mecanismo de pensar”, então ela terá uma importância extraordinária, agora mesmo, e não amanhã ou noutro dia qualquer, quando tiverdes tempo de refletir a tal respeito, o que vem a ser uma coisa completamente absurda, já que constitui um mero adiamento.

Se, por meio da descrição, puderdes conhecer o verdadeiro estado de vossa própria consciência, enquanto aqui estais, sentados nos vossos lugares, vereis que a mente é capaz de libertar-se de sua vasta herança de condicionamento, de todas as acumulações e decretos da sociedade, e tem a possibilidade de ultrapassar a consciência do “eu”. Se experimentardes assim, terá utilidade a descrição.

Estamos procurando descobrir por nós mesmos o que é a consciência e se a mente tem possibilidade de libertar-se do sofrimento — não de modificar o padrão do sofrimento, de decorar a prisão do sofrimento, mas de ficar livre, de todo, da semente, da raiz do sofrimento. Ao investigarmos isso, veremos a diferença que há entre o progresso e a revolução psicológica, que é essencial se desejamos a nossa libertação do sofrimento. Não estamos tentando alterar o conteúdo de nossa consciência, não estamos procurando fazer coisa alguma com relação a esse conteúdo; estamos, apenas, a observá-lo. Com efeito, por pouco que observemos, por mais ligeira que seja a nossa percepção, podemos conhecer as atividades da consciência superficial. Podemos ver que, na superfície, a nossa mente está ativa, ocupada em ajustar-se, ocupada num emprego, a ganhar o sustento, a expressar certas tendências, dotes, talentos, ou adquirindo certos conhecimentos técnicos; e quase todos nós nos satisfazemos com viver nessa superfície.

Por favor, não acompanheis meramente o que estou dizendo, mas observai a vós mesmos, vossa própria maneira de pensar. Eu estou descrevendo o que se está passando superficialmente, na nossa vida diária — distrações, fugas, eventuais fases de medo, ajustamento à esposa, ao marido, à sociedade etc. — e esta superficialidade basta à maioria de nós.

Ora, podemos mergulhar nas camadas mais profundas e perceber o “motivo” desse ajustamento superficial? Assim, com um pouquinho de conhecimento desse processo, vereis que esse ajustamento à opinião, aos valores, essa aceitação da autoridade, etc., é ocasionado pelo impulso de autoperpetuação, autoproteção. Mas, se descerdes mais fundo, achareis lá uma vasta subcorrente de instintos raciais, nacionais e tribais, todas as acumulações das lutas, do saber, dos empreendimentos humanos, dos dogmas e tradições do hinduísta, do budista, ou do cristão; todos os resíduos da chamada educação, através de séculos — todas as coisas que nos condicionaram a mente de acordo com um certo padrão hereditário. E, descendo-se ainda mais fundo, lá estará o desejo primário de existir, de ter bom êxito na vida, de “vir a ser”, o qual se expressa, na superfície, em várias formas de atividade social, criando ansiedades e temores de fundas raízes. Dito mui sucintamente, a totalidade dessas coisas é a nossa consciência. Por outras palavras, o nosso pensar se baseia no impulso fundamental para existir, para vir a ser, e, acima deste, se encontram as muitas camadas de tradição, de cultura, educação, e o condicionamento superficial de uma dada sociedade; forçando-nos, tudo isso, a adaptar-nos a um padrão que nos possibilita sobreviver. Há muitos outros pormenores e subtilezas, mas, em essência, isso é a nossa consciência.

Pois bem. Todo progresso realizado dentro dessa consciência constitui automelhoramento, e automelhoramento é progresso no sofrimento, e não eliminação do sofrimento. Isto é muito claro, se observardes. E se a mente tem muito interesse em ficar livre de todo sofrimento, que deve fazer? Não sei se já pensastes neste problema, mas tende a bondade de pensar agora.

Nós sofremos, não é exato? Sofremos não só por doença ou incômodos físicos, mas também por causa da solidão, da pobreza do nosso ser. Sofremos porque não somos amados. Quando amamos alguém e não temos retribuição desse amor, sofremos. Em todos os sentidos, pensar é estar cheio de angústias; por conseguinte, parece-nos que será melhor não pensar e aceitamos, assim, uma crença, e ficamos estagnados nessa crença, a que chamamos religião.

Ora, se a mente perceber que o sofrimento não tem fim por via do automelhoramento, do progresso, o que é muito evidente, que deve ela fazer? Pode a mente transcender essa consciência, transcender os vários impulsos e desejos contraditórios? E esse transcender depende do tempo? Segui isso, não só verbalmente, mas realmente. Se é coisa dependente do tempo, voltais então à mesma coisa, isto; é, ao progresso. Percebeis isso? Dentro da estrutura da consciência, todo movimento, em qualquer direção, é automelhoramento, e por conseguinte faz continuar o sofrimento. O sofrimento pode ser controlado, disciplinado, subjugado, racionalizado, requintado, mas a sua qualidade potencial continuará a existir; e para nos vermos livres do sofrimento precisamos libertar-nos dessa potencialidade, dessa semente do “eu”, do “ego”, de todo o processo de “vir a ser”. Para passarmos além, é necessária a cessação desse mecanismo. Mas, se disserdes: “Como poderei passar além?”, nesse caso o “como” se torna método, prática, quer dizer, progresso, que não é uma maneira de passar além, mas só de tornar mais apurada a consciência do nosso sofrer. Espero que estejais compreendendo.

A mente pensa em termos de progresso, de melhoramento, de tempo; e é possível que, reconhecendo que o chamado progresso é “progresso no sofrer“, essa mente cesse de todo, não no tempo, não amanhã, mas imediatamente? De outra maneira, ver-nos-emos de novo na mesma rotina, na velha roda de suplícios. Se o problema está enunciado de maneira clara e for claramente compreendido, vós encontrareis a solução absoluta. Emprego a palavra “absoluta“ no seu sentido correto. Não há outra solução.

Isto é, nossa consciência está constantemente lutando para ajustar, modificar, mudar, absorver, rejeitar, avaliar, condenar, justificar; mas todo movimento semelhante, da consciência, está sempre, dentro do padrão do sofrimento. Todo movimento que ocorre dentro dessa consciência, como sejam, os sonhos, os esforços da vontade, é movimento do “eu”; e todo movimento do “eu”, seja em direção das coisas mais sublimes, seja em direção das coisas mais mundanas, gera sofrimento. Quando a mente percebe isso, que lhe acontece? Compreendeis a pergunta? Quando a mente percebe a verdade a esse respeito, não apenas verbalmente, mas totalmente, existe então algum problema? Existe problema quando observo uma cascavel e sei que ela é venenosa? Analogamente, se sou capaz de prestar toda a atenção a esse “mecanismo” do sofrimento, não está então a mente além do sofrimento?

Tende a bondade de prestar atenção. Nossa mente está agora ocupada com o sofrimento e o modo de evitar o sofrimento, esforçando-se para dominá-lo, diminuí-lo, modificá-lo, fugir dele de várias maneiras. Mas, se percebo, não superficialmente apenas, mas através de todas as camadas, que essa própria ocupação da mente com o sofrimento é movimento do “eu”, criador de sofrimentos; se percebo realmente a verdade a esse respeito, não ultrapassou então a mente essa coisa que chamamos consciência do “eu”?

Expressando-o diferentemente: Nossa sociedade está baseada na inveja, no desejo de aquisição, não só aqui na América, mas também na Europa e na Ásia, e nós somos o produto dessa sociedade, existente há séculos e milênios. Ora bem, prestai atenção. Reconheço que sou invejoso. Posso apurar esse sentimento, controlá-lo, discipliná-lo, encontrar-lhe um substituto através de atividades caritativas, reformas sociais, etc.; mas a inveja lá estará sempre, latente, pronta a saltar para fora. Como pode, então, a mente libertar-se totalmente da inveja? Pois a inveja traz inevitavelmente conflito, a inveja é um estado em que não há ação criadora; e todo homem que deseja descobrir o que é “ação criadora” deve, é óbvio, estar livre da inveja, da comparação, dos impulsos para ser e “vir a ser”.

A inveja é um sentimento que identificamos com uma palavra. Identificamos o sentimento dando-lhe um nome, aplicando-lhe o termo “inveja”. Prosseguirei lentamente e tende a bondade de seguir-me, pois estou fazendo a descrição de nossa consciência. Há um certo estado de sentimento, e a esse estado dou um nome, chamo-o “inveja”. Esta mesma palavra “inveja” é condenatória, tem significados sociais, morais e espirituais, que fazem parte da tradição em que fui educado; assim, pelo próprio emprego da palavra, condenei o sentimento, e esse mecanismo de condenação é automelhoramento. Quando condeno a inveja, estou progredindo na direção oposta, que é a da “não-inveja”, mas esse movimento parte, ainda, do centro que é invejoso.

Pode, pois, a mente pôr fim ao “dar nome”? Quando há sentimento de ciúme, de concupiscência, de ambição de ser alguma coisa, pode a mente, que foi educada no uso da palavra, na condenação, no dar nome, deter completamente o “mecanismo” de dar nome? Experimentai isso, e vereis como é difícil não dar nome a um sentimento. O sentimento e o dar nome são quase simultâneos. Mas, quando não ocorre a ação de dar nome, há então sentimento? Persiste o sentimento, quando não se lhe dá nome algum? Estais compreendendo, ou isto é abstrato demais? Não concordeis nem discordeis de mim, pois não se trata de minha vida, mas de vossa vida.

Esse problema de dar nome a um sentimento, aplicar-lhe um termo, faz parte do problema da consciência. Tomai, por exemplo, a palavra “amor”. Que deleite a mente experimenta, no mesmo instante, com essa palavra! Ela encerra tanta significação, tanta beleza, tanto conforto, e tantas outras coisas! E a palavra “ódio” tem imediatamente uma significação toda outra, de coisa que se deve evitar, da qual devemos livrar-nos, fugir, etc. Têm, pois, as palavras, um extraordinário efeito psicológico para a mente, quer estejamos cônscios disso, quer não.

Ora, pode a mente ficar livre de toda essa “verbalização”? Se pode — e ela deve poder, porque do contrário não irá mais longe — surge então o problema: Existe um “experimentador” separado da “experiência”? Se existe experimentador separado da experiência, então a mente está condicionada, porque o experimentador está sempre a acumular ou rejeitar experiências, a traduzir cada experiência em termos de seus próprios gostos e aversões, em termos ditados pelo seu próprio fundo, seu condicionamento; se ele tem uma visão, pensa que ela é Jesus, um Mestre, ou sabe Deus o que mais. Assim, enquanto há experimentador, há “progresso no sofrer”, que é o processo próprio da consciência do “eu”.

Mas, para se passar além, para se transcender tudo isso, requer-se uma atenção extraordinária. Esta atenção total, na qual não há escolha alguma, nem ideia de “vir a ser”, mudar, alterar, liberta a mente do “mecanismo” da consciência do “eu”; e então não existe mais “experimentador” que acumula, e só então é que se pode dizer com veracidade que a mente está livre do sofrer. A acumulação é que é a causa do sofrimento. Nós não morremos para todas as coisas, de dia em dia, não morremos para as inumeráveis tradições, para a família, para nossas próprias experiências, nosso próprio desejo de fazer mal a outrem. Precisamos morrer para tudo isso, de momento a momento, morrer para esta vasta memória constituída de acumulações, porque só então a mente está livre do “eu”, a entidade nascida da acumulação.

Talvez, se examinarmos juntos esta questão, possamos esclarecer tudo o que já foi dito.

Krishnamurti, 14 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill