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terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Enfrentando a natureza exata do medo

Que é então o medo? será que o conhecemos realmente, ou só conhecemos o medo quando ele já acabou? É importante descobrir isso. Estaremos alguma vez diretamente com contato com o medo, ou estará a nossa mente tão acostumada, tão treinada em evadir-se, que está sempre a fugir e portanto nunca entra em contato direto com aquilo que chama medo? Valeria a pena reparardes no vosso próprio medo e, à medida que formos investigando juntos, talvez nos seja possível aprender diretamente o que é o medo.
 
Que é o medo? Como é que ele surge? Qual  a sua estrutura e natureza? Como dissemos, uma pessoa tem medo, por exemplo, da opinião pública; há várias coisas implicadas nisso: pode-se perder o emprego, e assim por diante. Como nasce este medo? Resultará do tempo? Será que o medo acaba quando conheço a causa que o provoca? Desaparecerá ele por meio da análise, quando se investiga e se descobre a sua causa?
 
Tenho medo de alguma coisa da morte ou do que pode acontecer amanhã, ou o passado atemoriza-me; o que é que mantém e dá continuidade a esse medo? Uma pessoa pode ter cometido um erro, ou pode ter dito alguma coisa que não devia — tudo isso no passado; ou tem medo do que pode vir a acontecer, saúde precária, doença, perda do emprego — tudo no futuro. O medo do passado é o medo de alguma coisa que de fato aconteceu e o medo do futuro é o medo de algo que poderá vir a acontecer, de uma possibilidade.
 
Que é que sustenta e dá continuidade ao medo do passado e também o medo em relação ao futuro? É seguramente, o pensamento — pensa-se, por exemplo, em algo que se fez no passado, ou numa determinada doença que causou sofrimento e tem-se medo da repetição futura desse sofrimento. O medo é sustentado pela memória, pelo pensamento. Ao pensar na dor ou no prazer passados, o pensamento dá-lhes continuidade, mantém-nos e alimenta-os.
 
O prazer ou o sofrimento em relação ao futuro são resultantes da atividade do pensamento. Tenho medo de alguma coisa que fiz, das suas possíveis consequências no futuro. Este medo é sustentado pelo pensamento. Isto é bem evidente. Portanto, o pensamento é tempo — psicologicamente. O pensamento cria o tempo psicológico como distinto do tempo cronológico — não é do tempo cronológico que estamos a falar.
 
O pensamento, que constrói o tempo, como "ontem", "hoje" e "amanhã", gera medo. O pensamento cria o intervalo entre agora e o que poderá acontecer no futuro. É ele que perpetua o medo, por meio do tempo psicológico; o pensamento é a origem do medo; é a fonte do sofrimento. E aceitamos isso? Será que vemos realmente a natureza do pensamento, como ele opera, como funciona e produz toda a estrutura do "passado", "presente" e "futuro"? Será que compreendemos que o pensamento, por meio da análise, descobrindo as causas do medo — o que leva tempo — não é capaz de dissolver o medo? No intervalo entre a causa do medo e o findar do medo há ação do medo. É como um home que é violento e inventa a ideologia da "não-violência"; diz "hei de tornar-me não violento", mas, entretanto, vai semeando os germes da violência. Assim, se utilizarmos o tempo — que é pensamento — como meio de libertar-nos do medo, não nos libertaremos. Não é pelo pensamento que podemos fazê-lo, porque é o pensamento que gera o medo.
 
Que se pode fazer, então? Se o pensamento não é saída para esta armadilha do medo — compreendamos isto com muita clareza, não intelectualmente, não verbalmente, nem como argumento com que concordamos ou que discordamos, mas compreendamo-lo como alguém que está empenhado, implicado nesta questão do medo, profundamente, como temos de estar se somos realmente sérios — então, que se há de fazer?

O pensamento é responsável pelo medo; é ele que lhe dá origem, assim como dá origem ao prazer. Se vemos muito claramente que é o pensamento que gera esse enorme sentimento de medo e que não é capaz de lhe pôr termo, qual é o passo seguinte? Espero que façais vós mesmos a pergunta sem esperar que seja eu a dar-lhes resposta. Se não estais à espera que seja eu a responder-lhes, estais então confrontados com ela, ela é então um desafio e tendes de lhe dar resposta. Mas se reagis ao desafio com as velhas respostas, então, onde ficais? Ficais ainda com o medo. O desafio é novo, imediato: o pensamento gera o medo e não é capaz de lhe pôr fim; que fareis, portanto?
 
Antes de mais nada, quando dizemos "compreendo toda a natureza e estrutura do pensamento", que entendemos por isso? Que entendemos por "compreendo, vejo bem a natureza do pensamento"? Qual é o estado da mente que diz "compreendo"?
 
Prestem muita atenção, por favor, sem fazerem qualquer afirmação. A nossa pergunta é: Será que o pensamento compreende? Dizem-me qualquer coisa, descrevem, por exemplo, com muito cuidado e minúcia, a complexidade da vida moderna, e eu digo, "compreendo", não apenas a descrição, mas o conteúdo, a profundidade, de tal modo que vejo como os seres humanos prisioneiros de tudo isso estão numa tensão, num estado neurótico terrível, e tudo o mais. Compreendo sentindo-o, compreendo com os nervos, com os ouvidos, com o ser inteiro, de modo que nunca mais sou apanhado nisso. Exatamente como quando compreendo que uma serpente é perigosa — então, pronto, não mais me aproximo dela. E se encontrar alguma, a minha ação será imediatamente diferente agora que compreendi isso.
 
Do mesmo modo, estaremos a compreender a natureza do pensamento e que ele produz o prazer e o medo? Estaremos a confrontar-nos com isso? Vemos realmente, e não teórica, verbal ou intelectualmente, como o pensamento opera? Ou ficamos-nos apenas na descrição, no argumento, na sequencia lógica, sem estarmos realmente com o fato? Se me satisfaço com a descrição, com a explicação verbal, então estou apenas a entreter-me com isso. Quando a descrição me leva até à realidade que é descrita, tenho uma percepção direta; então há uma ação completamente diferente — tal como um homem faminto que quer comida, e não uma descrição do alimento, ou uma conclusão acerca do que aconteceria se comesse; o que ele quer é o alimento.
 
Quando se vê como o pensamento gera o medo, que acontece então? Quando a pessoa tem fome e alguém descreve a boa qualidade dos alimentos, que é que ela faz, qual é a sua resposta? Diz: "Não me descrevam os alimentos, deem-mos".   A ação aí está, direta, direta, e não teórica. Portanto, quando dizemos "compreendo", isso significa que há um constante movimento de aprendizagem acerca do pensamento, do medo e do prazer; e é a partir deste movimento constante que se atua; atua-se no próprio momento de aprender. Quando existe uma tal aprendizagem do que é o medo, ele acaba.
 
Há medos que a mente nunca pôs a descoberto, medos ocultos, secretos. Como pode a mente torná-los patentes? A mente consciente recebe avisos desses medos por meio de sonhos. Quando se têm estes sonhos, terão eles de ser interpretados? Como a pessoa não é capaz de os compreender facilmente por si mesma, poderá encontrar um interprete exterior, mas este interpretá-los-á segundo o seu método ou especialização particulares. E há aqueles sonhos que a pessoa, ao mesmo tempo que os tem, está a interpretar.
 
Será mesmo que preciso sonhar? Os especialistas dizem que se tem de sonhar, de outro modo enlouquece-se; mas não tenho assim tanta certeza de que sonhar seja indispensável. Por que é que, durante o dia, não havemos de poder estar abertos às mensagens e aos avisos do inconsciente, para que não seja necessário sonhar? Enquanto esta batalha dos sonhos se processa durante o sono, a mente nunca está tranquila, nunca se refresca, nunca se renova. Não poderá a mente durante o dia estar tão aberta, tão vigilante, acordada e atenta, que os avisos e sinais dos medos ocultos possam manifestar-se, e ser observados e compreendidos?
 
Pela observação, pela atenção, durante o dia, ao falar, ao agir, a tudo o que acontece, tanto os medos ocultos como os que já se conhecem ficam expostos; então, quando dormimos, o sono é completamente tranquilo, sem um único sonho, e de manhã a mente acorda fresca, jovem, inocente, cheia de vida. Não se trata de teoria, fazei-o e vereis.
 
(...) Se durante o dia estivermos vigilantes, atentos a todo o movimento do pensamento, atentos ao que estamos a dizer, aos nossos gestos, ao modo como andamos, como estamos, como falamos, atentos às nossas reações, então todas as coisas que estão ocultas facilmente se manifestarão; e  isso não levará tempo, não exigirá muitos dias, porque já não estaremos a resistir, já não estaremos a "escavar" ativamente, estaremos apenas a observar, a ouvir atentamente. Nesse estado de atenção, tudo se revela. Mas se se disser "vou conservar umas coisas e deitar fora outras", está-se ainda adormecido...
 
Temos portanto de deixar que tudo isso se manifeste, sem qualquer resistência.
 
Interrogante: Nessa atenção não há escolha?

Krishnamurti: Se nessa atenção houver "escolha" então estaremos a bloqueá-la. Mas se for só observar, sem escolher nada, tudo ficará exposto, até os mais escondidos e secretos desejos, impulsos e medos.
 
Interrogante: Será conveniente tentar-se estar atento uma hora por dia?

Krishnamurti: Se eu estiver atento, vigilante, durante um minuto, isso é suficiente. Quase todos estamos desatentos. Tomar consciência dessa desatenção é atenção; mas cultivar deliberadamente a atenção não é atenção.
 
Estou atento só por um minuto a tudo o que está a passar em mim, sem qualquer escolha, a observar com muita clareza; depois passo uma hora, por exemplo, sem prestar atenção; ao fim dessa hora, retomo-a outra vez.
 
Krishnamurti — Conferência na Universidade de Brandeis   

Krishnamurti - Rishi Valley School

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Ponto De Mutação (legendado PT)

A liberdade não existe quando a mente está aprisionada no pensamento.

A liberdade não é uma ideia; uma filosofia que se escreve acerca da liberdade não é liberdade. Ou se é livre ou não se é. Está-se prisioneiro, por muito bem decorada que seja a prisão; e só quando o prisioneiro já não está nela é que é livre. A liberdade não existe quando a mente está aprisionada no pensamento. O pensamento nunca é capaz de ser livre. O pensamento é a resposta da memória, do conhecimento e da experiência; é sempre produto do passado e não pode criar liberdade, porque a liberdade é algo que está no presente ativo e vivo, na vida cotidiana. Ser livre não é estar livre  de alguma coisa — libertar-se de alguma coisa é apenas reação.

Por que é que os homens tem dado tanta importância ao pensamento, àquele pensamento que formula uma ideologia, de acordo com a qual tentam viver? A formulação de ideologias e a tentativa de ajustamento a essas ideologias pode observar-se por todo o mundo. Foi isso o que o movimento de Hitler fez e estão a fazê-lo os Comunistas, de modo muito completo; os grupos religiosos, os Católicos, os Protestantes, os Hindus, etc., têm afirmado as suas ideologias através de uma propaganda de milhares de anos, e têm feito o homem ajustar-se, por meio de ameaças e promessas. Por todo o mundo se observa este fenômeno;o homem tem sempre dado ao pensamento uma importância e significação extraordinários. Quanto mais especializado, quanto mais intelectualizado, mais o pensamento se torna importante. Assim, perguntamos: alguma vez o pensamento será capaz de resolver os nossos problemas humanos?

Existe o problema da violência. Há não só as revoltas dos estudantes, em Paris, Roma, Londres, aqui em Columbia, e no resto do mundo, mas há também este alastrar de ódio e violência — brancos contra negros, hindus contra muçulmanos, etc. Há uma desumanidade incrível e uma extraordinária violência arraigada nos corações dos homens — ainda que exteriormente “educados”, condicionados, para repetir preces de paz. Os seres humanos são extremamente violentos. Esta violência é o resultado das divisões raciais e políticas e das distinções religiosas.

Poder-se-á realmente alterar esta violência, tão arreigada em cada ser humano, transformá-la completamente, para que as pessoas vivam em paz? Tal violência é obviamente herdada do animal,  e da sociedade em que se vive. O homem faz a guerra, aceita a guerra como parte de sua maneira de viver; podem existir alguns pacifistas aqui e além, que se manifestam contra a guerra, mas há aqueles que gostam dela e que até têm guerras preferidas… Há os que podem até não aprovar a guerra do Vietnam, mas que irão combater por outra coisa qualquer, que terão uma guerra de outra espécie. O homem aceita realmente a guerra, isto é, o conflito, não só dentro de si mesmo, mas também exteriormente, como um modo de viver.

O que o ser humano é na sua totalidade, tanto a nível consciente como a níveis mais profundos da sua consciência, produz obviamente uma sociedade com uma estrutura correspondente a tudo isso. E pergunta-se mais uma vez: será realmente possível ao homem, tão sujeito ao costume, através da educação e da aceitação de normas sociais e de uma cultura, originar uma revolução psicológica em si mesmo, não uma mera revolução interior?

Será possível provocar uma revolução psicológica imediatamente? Sem ser no tempo, sem ser gradualmente, porque não há tempo quando a casa está a arder — não se fala em apagar o fogo pouco a pouco; não se tem tempo, o tempo é uma ilusão. Assim, que é que fará mudar o homem? Como seres humanos, que é que nos fará mudar, a vós e a mim? O estímulo do premio ou do castigo? Isso tem sido tentado. Recompensas psicológicas, a promessa de um céu, a punição de um inferno, tudo isso temos tido em abundância e segundo parece o homem não mudou; é ainda ávido, invejoso, cheio de violência, de superstição, de medo, etc. A mera estimulação, provocada quer exterior quer interiormente, não produz uma mudança radical.

Encontrar por meio de uma análise, a causa pela qual o homem é tão violento, tão cheio de medos, tão extremamente ávido e competitivo, tão fortemente ambicioso — o que é bastante fácil — originará uma mudança? Evidentemente que não, nem isso nem a descoberta de um estímulo. Que é que a produzirá então? Que é que a originará, não gradual mas imediatamente, a revolução psicológica? Esta é, parece-me, a única questão.

A análise (psicológica), feita pelo especialista ou introspectivamente, não dá resposta ao problema. Essa análise exige tempo e muita capacidade de ver com clareza, porque, se se analisar incorretamente, a análise seguinte ficará viciada. Se se analisa e se chega a uma conclusão, e se a partir desta se continua, então a conclusão já é impeditiva, bloqueadora. E há ainda na análise o problema do “analisador” e do “analisado”.

Como provocar então psicologicamente, interiormente, essa mudança radical, essa mudança fundamental, se ela não acontece nem por meio de um estímulo, nem por meio da análise e da descoberta da causa? Uma pessoa pode facilmente saber por que é que está encolerizada, mas isso não faz com que ela deixe de se encolerizar. Podemos saber quais as causas que contribuem para a guerra, sejam elas econômicas, nacionalistas, religiosas ou ainda o orgulho dos políticos, os partidarismos, as ideologias, etc.; no entanto, continuamos a matar-nos uns aos outros, em nome de Deus, em nome da pátria, em nome de uma ideologia, em nome seja lá do que for. Já houve 15 mil guerras em 5 mil anos! E ainda não temos compaixão — ainda não temos amor.

Quando se aprofunda esta questão surge o problema inevitável do “analisador” e daquilo que é “analisado”, do “pensador” e do que é “pensado”, do “observador” e do “observado”, e o problema de saber se esta divisão entre o “observador” e o “observador” é real, no sentido de ser um problema de fato e não uma questão teórica.

Será o “observador” — o centro a partir do qual olha, se vê, se ouve — uma entidade conceitual que se separa a si mesma do “observado”. Quando se diz que se está encolerizado, será a cólera diferente diferente da entidade que sabe que está encolerizada? Estará essa violência separada do “observador”? A violência não faz parte do observador? Reparem como é extraordinariamente importante compreender isto. É a realidade central a compreender, quando investigamos esta questão da transformação psicológica imediata — e não em algum estado ou algum tempo futuros.

O “observador”, o “eu”, o “ego”, o “experimentador”, o “pensador” será diferente do pensamento, da experiência, da coisa que ele observa? Quando se contempla uma árvore, quando se vê a ave em pleno voo, a luz da tarde sobre a água, o “experimentador” será diferente daquilo que observa? Quando olhamos uma árvore, alguma vez a olhamos realmente? Acompanhem-me um pouco, por favor. Alguma vez a olhamos diretamente? Ou será que a olhamos através das imagens pertencentes ao conhecimento adquirido, à experiência passada? Dizemos: !Sim, sei como a cor dela é bonita, como a sua forma é bela.” lembramo-nos disso e então sentimos o prazer que nos dá essa lembrança, a lembrança de nos termos sentido “muito perto” dela, etc.

Alguma vez observaram o “observador” como sendo diferente do observado? Se não se examinar isto profundamente, talvez não se consiga compreender o que vem a seguir. Enquanto houver uma divisão entre o “observador” e o “observado” há conflito. A divisão, espacial e verbal, que invade a mente — com as imagens, o conhecimento, a lembrança das cores outonais que ela tinha anteriormente — é que cria o “observador”, e esse separar-se do observado é conflito. O pensamento é que cria esta divisão. Olhais o vosso semelhante, a vossa mulher ou o vosso marido, o namorado ou a namorada, quem quer que seja; mas sereis capazes de olhar sem as imagens do pensamento, sem a lembrança anterior? Porque quando se olha com uma imagem não há relacionamento; há apenas relação indireta entre os dois grupos de imagens, do home e da mulher (por exemplo), a respeito um do outro; há uma relação conceitual e não um verdadeiro relacionamento.

Vivemos num mundo de conceitos, num mundo de pensamento. Procuramos resolver todos os nossos problemas, desde os mais rotineiros aos problemas psicológicos mais profundos, por meio do pensamento.

Se existe uma divisão entre o “observador” e o “observado”, essa divisão é a origem de todo conflito humano. Quando dizeis que amais alguém, será isso amor? Não haverá nesse amor o “observador” de um lado e do outro a coisa amada, o “observado”? Esse “amor” é produto do pensamento, que se põe à parte como conceito, e nisso não há amor.

Será o pensamento o único instrumento que possuímos para tratar todos os nossos problemas humanos? Porque afinal ele não resolve, não dá resposta aos nossos problemas. E pode ser — estamos apenas a pôr a questão e não a afirmar dogmaticamente — pode ser que o pensamento não seja útil senão para questões de resposta “mecânica” e para as de caráter tecnológico científico.

Quando o “observador” é o “observado” então o conflito cessa. Isto acontece normalmente e com bastante facilidade: em circunstâncias de grande perigo, não há “observador” separado do “observado”; há ação imediata, há uma resposta instantânea nessa ação. Quando se dá uma grande crise na vida de alguém — não se tem tempo para pensar. Em tais circunstâncias o cérebro, com todas as suas memórias do passado, não responde imediatamente; apesar disso, há ação imediata. Há uma transformação imediata, psicologicamente, interiormente, quando a divisão entre o “observador” e o “observado” deixa de existir.

Vejamos a questão de maneira diferente. Vive-se no passado, todo o conhecimento é passado. A vida das pessoas é aí, no que tem sido — preocupadas com “o que eu fui” e a partir disso, com “o que eu serei”. A nossa vida está essencialmente baseada no ontem e o “ontem” torna-nos impermeáveis, rouba-nos a capacidade da inocência, da vulnerabilidade. Assim, o “ontem” é o “observador”; no “observador” estão todas as camadas do inconsciente, assim como o consciente.

A humanidade inteira está em cada um de nós, tanto no nível consciente como nas camadas profundas do inconsciente. Somos o resultado de milhares de anos; toda a história, todo o conhecimento do passado está enraizado em cada um de nós — como qualquer pessoa pode verificar se souber mergulhar no seu íntimo, penetrar profundamente nele.

É por isso que o autoconhecimento tem uma importância imensa. Presentemente “o próprio” é em segunda mão; cada um repete o que os outros disseram, seja Freud seja outro especialista qualquer. Mas se uma pessoa se quer conhecer, não pode olhar pelos olhos do especialista; terá de olhar diretamente por si mesma.

Como pode alguém conhecer-se sem que seja um “observador”? E que entendemos por “conhecer” — não estou a jogar com palavras — que entendemos por “saber”, “conhecer”? Quando é que “conheço” qualquer coisa? Digo que conheço bem o latim ou o sânscrito, ou digo que “conheço” a minha mulher ou o meu marido. Saber uma língua, conhecê-la, é diferente de “conhecer” a minha mulher ou o meu marido. Aprendo a conhecer uma língua, mas alguma vez poderei dizer que conheço a minha mulher ou o meu marido? Quando digo que “conheço” a minha mulher, isso significa que tenho uma imagem a seu respeito; mas essa imagem é sempre passado; essa imagem impede-me de olhar para ela — que pode já estar a mudar. Portanto, poderei alguma vez dizer que a “conheço”?

Quando alguém pergunta “posso conhecer-me sem o observador?” — vejamos o que geralmente acontece. É algo bastante complexo: aprendo algo a meu respeito; nesse “aprender” acumulo conhecimentos acerca de mim mesmo e vou usar esses conhecimentos, que são do passado, para aprender mais alguma coisa sobre mim. Com esses conhecimentos acumulados que tenho a meu respeito, olho-me e tento aprender algo de novo acerca de mim mesmo. Serei capaz disso? Não é possível.

Apreender-me a mim mesmo e ter conhecimentos acerca de mim mesmo são coisa inteiramente diferentes. Aprender é um processo constante e não acumulativo e esse “mim” é algo que está sempre a mudar — novos pensamentos, novos sentimentos, novas variantes, novos indícios, novos sinais. Este aprender não está relacionado com o passado ou o futuro; não posso dizer “já aprendi” nem “irei aprender”. Desse modo, a mente tem de estar em constante estado de aprendizagem, sempre portanto no presente ativo, sempre cheia de frescura, e não entorpecida com o conhecimento acumulado de ontem. Veremos então, se aprofundarmos nisso, que há apenas aprender, e não aquisição de conhecimentos; a mente torna-se então extraordinariamente acordada, penetrante e atenta para olhar.

Nunca posso dizer “conheço-me”, e quem quer que diga “eu sei” evidentemente que não sabe. Aprender é um processo ativo e constante, não é uma questão de “já ter aprendido”, ou “aprendo mais para acrescentar o que já aprendi”. Para me aprender a mim mesmo, tem de haver liberdade para olhar, e essa liberdade não existe quando olho através do conhecimento de ontem.

Krishnamurti — Palestra na Universidade de Brandeis, USA

Krishnamurti - Dálogos com Estudantes - Vídeo 4

O Cérebro está Sempre Gravando


Nesta série de diálogos, muitas perguntas e comentários dos estudantes são revigorosamente diretas e francas. Há um tremendo sentimento de afeição enquanto Krishnamurti explora suas perguntas de maneira relacionada com as próprias vidas das crianças.


Eles falam sobre inteligência, segurança, meditação e concentração, o valor da educação e aprendizado, e até sobre Deus. Embora negando ser o professor, Krishnamurti mostra a qualidade do verdadeiro ensinar -- o relacionamento entre o educador e o estudante. Freqüentemente, ao final da discussão, ele convida os estudantes a sentar-se com ele, em silêncio, por alguns minutos.

Não importa se você morrer por isso


3º diálogo com estudantes de Rishi Valley, realizado em 20/12/1984. Legendas em português.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Seguindo essa coisa que chamamos “eu”

Conhecer a si mesmo é o começo da meditação. Sem conhecerdes a vós mesmos, o repetirdes uma quantidade de palavras da Bíblia, do Gita, ou de qualquer dos chamados livros sagrados, nenhuma significação tem. Isso poderá satisfazer a mente, mas uma pílula dá o mesmo resultado. Pelo repetir uma frase mais e mais vezes, torna-se o cérebro naturalmente quieto, sonolento e embotado; e como resultado desse estado de insensibilidade, de embotamento, pode-se ter alguma espécie de experiência, obter certos resultados. Mas a pessoa continua ambiciosa, invejosa, ávida, e cria inimizade. Assim, o aprender a conhecer a si própria, aquilo que a pessoa realmente é, é o início da meditação. Estou empregando a palavra “empreender” porque quando se está aprendendo, no sentido em que emprego a palavra, não há acumulação. O que chamais “aprender” é o processo de acrescentar mais e mais ao que já se sabe. Mas, para mim, no momento em que adquirimos, acumulamos, essa acumulação se torna conhecimento, e conhecimento “não é aprender”. O aprender nunca é acumulativo; ao passo que a aquisição de conhecimento é um processo de condicionamento.

Se desejo aprender a conhecer-me, descobrir o que realmente sou, tenho de estar vigilante a todas as horas, a todos os minutos do dia, para ver como me estou exprimindo. Estar vigilante não é condenar ou aprovar, porém ver o que somos momento a momento. Pois o que nós somos está sempre a modificar-se, — não é verdade? — nunca é estático. O conhecimento é estático; já o aprender a conhecer o movimento da ambição nunca é estático, senão vivo, sempre movediço. Dessa forma, aprender e adquirir conhecimento são duas coisas diferentes. O aprender é infinito, é um movimento em liberdade; o conhecimento tem um centro que está sempre acumulando e só conhece um movimento, que é o de acumular mais, de escravizar-se mais.

Para seguir esta coisa que chamo “eu”, com todas as suas nuanças, suas expressões, seus desvios, suas sutilezas, sua astúcia, deve a mente estar muito clara e vigilante, porquanto o que sou está sempre a mudar, a modificar-se, não é assim? Eu não sou o mesmo de ontem ou de há um minuto, porque cada pensamento e cada sentimento está modificando, moldando a mente. E se só vos interessa condenar ou julgar, de acordo com vossos conhecimentos acumulados, vosso condicionamento, não estais então seguindo a coisa, não a estais acompanhando, observando. Por conseguinte, o aprender a conhecer-vos importa muito mais do que o adquirir conhecimento acerca de vós mesmos. Não se pode ter um conhecimento estático a respeito de uma coisa viva. Pode-se ter conhecimento de algo passado e acabado, porque todo conhecimento está no passado; é estático, já morto. Mas uma cosia viva está sempre a mudar, sempre a sofrer modificações; ela difere a cada minuto, e vós tendes de segui-la, para conhece-la. Não podeis compreender o vosso filho se continuamente o estiverdes condenando, justificando, ou com ele vos identificando; tendes de observá-lo, sem julgamento, quando ele dorme, quando chora, quando brinca — a todas as horas.

Assim, o aprender a conhecer a vós mesmo é o começo da meditação; aprendendo a conhecer-vos, ir-se-ão eliminando todas as ilusões. E isso é absolutamente essencial, pois, para se descobrir o que é verdadeiro — se existe a verdade, algo imensurável — não pode haver ilusão. E há ilusão quando há desejo de prazer, de conforto, de satisfação. Esse processo, naturalmente, é bem simples. Desejando satisfação, criais a ilusão e aí ficais atolado para o resto da vida. Aí estais satisfeitos; e a maioria das pessoas estão satisfeitas com o crerem em Deus. Assusta-as a vida, a insegurança, a agitação, a agonia, a “culpa”, a ansiedade, as misérias e tristezas da vida; assim estabelecem, finalmente, algo a quem chamam Deus, aonde se acolhem. E tendo-se rendido à crença, tem visões, e se tornam santos, etc. Isto não é investigar se existe ou não uma realidade. Ela poderá existir e poderá não existir; compete-vos descobri-lo. E para descobrirdes, precisais de liberdade no começo e não no fim — livres de todas essas coisas, tais como a ambição, a avidez, a inveja, a fama, o desejo de ser importante e todas as demais infantilidades.

Deste modo, ao aprenderdes sobre a vossa pessoa, estais penetrando em vós mesmo, não apenas no nível consciente, mas também no nível profundo, inconsciente, e trazendo à luz todos os secretos desejos, buscas, impulsos, compulsões. Destrói-se então o poder de criar ilusões, porque está lançada a base correta. Quando a mente, o intelecto, se examina, se observa a si mesmo no movimento do viver, nunca deixando sem exame e compreensão um só pensamento ou sentimento, então tudo isso, em sua totalidade, é percebimento. É estar cônscio de vós mesmo, inteiramente, sem condenação, sem justificação, sem escolha — como quem olha o próprio rosto ao espelho. Não podeis dizer: “Eu desejava ter um rosto diferente”; ele lá está, tal como é.

E com essa autocompreensão, o intelecto — que é mecânico e está sempre “tagarelando”, reagindo a todas as influências, todos os desafios — se torna muito quieto, embora sensível e vivo. Ele não está morto; tornou-se um intelecto vivo, dinâmico, vigilante, mas ao mesmo tempo, tranquilo, silencioso, porque nenhum conflito tem. Está em silêncio porque eliminou, compreendeu todos os problemas que para si criara. Afinal, um problema só se torna existente quando uma dada questão não foi bem compreendida. Quando o intelecto examinou e compreendeu perfeitamente a ambição, acabou-se o problema da ambição. E, assim, o intelecto se tranquilizou.

Podemos agora prosseguir, juntos, deste ponto, ou verbalmente ou fazendo realmente a viagem, experimentando de verdade — e isso significa eliminar completamente a ambição. Não se pode eliminar a ambição ou a avidez a pouco a pouco; aqui não há “mais tarde” nem “no ínterim”. Ou a eliminamos totalmente, ou ela de modo nenhuma é eliminada. Mas, quando se alcança o ponto em que não há mais avidez, nem inveja, nem ambição, o intelecto está então sumamente tranquilo, sensível, portanto, livre — e tudo isso é meditação; e então, mas não antes, pode-se ir mais longe. Ir mais longe, sem se ter chegado a este ponto, é mera especulação, sem nenhuma significação. Para se ir mais longe, cumpre estabelecer esta base, a qual é realmente virtude. Não é a virtude da respeitabilidade, a moralidade social de uma dada coletividade, porém uma coisa extraordinária, pura, verdadeira, a qual se torna existente sem nenhum esforço e é, essencialmente, humildade. A humildade é essencial, mas não pode ser cultivada, desenvolvida, praticada. Dizer para si mesmo: “Serei humilde” é pura insensatez; é vaidade encoberta pela palavra “humildade”. Mas há uma humildade que vem à existência naturalmente, inesperadamente, sem ser buscada; e nela não existe conflito; porque essa humildade nunca está subindo degraus, nunca está desejando.

Ora, quando se alcança este ponto, onde reina silêncio completo, onde o intelecto está inteiramente tranquilo e é, portanto, livre, verifica-se um movimento todo diferente.

Ora, compreendei, por favor, que esse estado é, para vós, especulativo. Estou falando de algo que não conheceis e que, por conseguinte, pouco vos significa. Mas falo porque ele tem significação em referência ao todo, à totalidade da vida. Porque, se não soubermos distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso, se não descobrirmos se existe ou não a verdade, a vida se torna extremamente superficial. Quer nos denominemos cristãos ou budistas, quer nos denominemos hinduístas ou seja o que for, a vida da maioria de nós é bem superficial, vazia, monótona, mecânica. E com a mente mecanizada queremos descobrir algo inefável. Uma mente insignificante a buscar o imensurável continua insignificante. Por conseguinte, a mente embotada deve transformar-se. Estou, pois, falando a respeito de algo que podeis ter visto ou não ter visto; mas importa aprendê-lo, porquanto essa realidade inclui a totalidade da consciência, inclui toda a ação de nossa vida. Para descobrir isso, a mente deve tornar-se completamente quieta, não mesmerizando a si própria, não por meio de disciplina, repressão, ajustamento; tudo isso significa, apenas, substituir um desejo por outro.

Não sei se já vos ocorreu isto: estar com a mente serena. Não aquela espécie de tranquilidade encontrável na igreja, ou o sentimento superficial que experimentais quando caminhais pela rua ou passeais num bosque, ou quando estais ocupado com o rádio ou a cozinha. Essas coisas exteriores podem absorver-vos — e de fato absorvem — produzindo uma certa forma de serenidade temporária. Isso é semelhante ao que acontece com o garoto entretido com um brinquedo; o brinquedo é tão interessante que absorve sua energia e pensamento; mas isso não é tranquilidade. refiro-me à tranquilidade que se verifica quando a totalidade da consciência foi compreendida e já não há buscar, desejar, tatear no escuro e, por conseguinte, ela se tornou perfeitamente serena. Nessa serenidade há um movimento completamente diferente; esse movimento é atemporal. Não tenteis reter estas frases, porque elas em si nada significam. Nosso intelecto, nossos pensamentos resultam do tempo; assim, pensar a respeito do atemporal nenhuma significação tem. Só quando o intelecto se tranquilizou, quando já não busca, nem evita, nem resiste, porém se acha totalmente tranquilo por ter compreendido todo este mecanismo, só então, nessa tranquilidade, se manifesta uma vida de espécie diferente, um movimento que transcende o tempo.

Krishnamurti – Paris, 21 de setembro de 1961

sábado, 22 de dezembro de 2012

Qualquer espécie de autoridade impede-vos a compreensão do real

Pergunta: Falais da libertação de todas as influências; mas estas reuniões não nos estão influenciando?

Krishnamurti: Se estais sendo influenciado por este orador, neste caso tanto faz virdes aqui como irdes ao cinema, à igreja, à missa. Se estais sendo influenciado pelo orador, estais criando uma autoridade; e qualquer espécie de autoridade impede-vos a compreensão do real, do verdadeiro. E se estais sendo influenciado pelo orador, não compreendestes o que ele esteve dizendo nesta última hora e nestes últimos trinta anos. Estar livre de toda influência — dos livros que ledes, dos jornais, do cinema, da educação que recebestes, da sociedade a que pertenceis, da influência da Igreja — estar cônscio de todas as influências e não se deixar apanhar por nenhuma delas, isto é inteligência. Requer atenção, vigilância, percebimento de todas as coisas que se passam interiormente, todas as reações, e isso significa não deixar passar um só pensamento sem lhe conhecer o conteúdo, o fundo, o motivo.

Krishnamurti — Paris, 17 de setembro de 1961

Só a mente e o intelecto que estão vazios do que é falso podem descobrir o que é verdadeiro

Quase todos nós temos hábitos de pensamento, ideias, gostos físicos, tão profundamente fixados e arraigados que parece-nos impossível abandoná-los. Estabelecemos certos hábitos de comer — exigir determinados alimentos — certos hábitos de vestir, e hábitos físicos, hábitos emocionais, hábitos de pensamento, etc.; e é realmente difícil promover-se uma modificação profunda, radical, sem o emprego da compulsão e da ameaça. A mudança que conhecemos é sempre muito superficial. Uma palavra, um gesto, uma invenção pode fazer-nos quebrar um hábito e ajustar-nos a um novo padrão. ; e pensamos que mudamos. Deixar uma igreja para ingressar noutra, deixar de chamar-se “francês” para intitular-se “europeu” ou “internacionalista”, esta espécie de mudança é bem superficial; é puro “comércio”, barganha. Uma mudança no modo de viver, fazendo uma viagem ao redor do mundo, uma modificação das próprias ideias, atitudes, valores — todo esse processo me parece superficial, porque é resultado de coerção, exterior ou interior.

Assim, pode-se ver muito claramente que mudar em virtude de uma dada influência exterior, do medo, ou em virtude do desejo de alcançar um certo resultado, não constitui mudança radical. E nós necessitamos deveras de uma mudança completa, de uma tremenda revolução. O de que necessitamos não é uma mudança de ideias, de padrões, mas, sim, da demolição, da destruição total de todos os padrões. Historicamente, pode-se ver que toda revolução, pro mais promissora e por mais violenta que seja no começo, acaba inevitavelmente no velho e repetido padrão; e que toda mudança promovida sob a compulsão do medo ou promessa de recompensa, vantagens é apenas mais uma adaptação.  E a mudança é necessária, pois não podeis continuar a viver com essas atitudes, crenças e dogmas tão insignificativos, estreitos, limitados. Tudo isso precisa ser destroçado, destruído. E como destruí-los? Quais os processos que quebrarão totalmente a formação de hábitos? É possível passarmos completamente sem padrões: não deixarmos um hábito para formarmos outro?

Se tudo está bem entendido até aqui, podemos então prosseguir, para averiguar se é possível desenvolver uma qualidade que torne a mente, o intelecto, sempre fresco, sempre jovem, novo, de modo que nunca forme hábitos de pensamento nem se deixe apegar a qualquer dogma ou crença. Parece-me, pois, necessário investigar toda a estrutura dentro do qual funciona nossa consciência. A totalidade de nossa consciência, — oculta e superficial — funciona dentro de uma estrutura, uma linha divisória; e quebrar esta linha divisória é o problema que se nos depara. Não se trata apenas de mudança na maneira de pensar; pois podemos pensar de nova maneira, como os mais modernos comunistas, ou adotar uma nova crença; mas isso está ainda dentro da estrutura da consciência, do pensamento; e o pensamento é sempre limitado. Assim, mudança do padrão de pensamento não constitui quebra de limitações da consciência.

Os mais de nós nos satisfazemos completamente com um ajustamento superficial e achamos que é melhoramento aprender uma nova técnica, adquirir uma nova língua, obter um novo emprego, ou formar um novo estado de relação quando o velho se tornou incomodo. Para a maioria de nós a vida está neste nível: ajustamento, compulsão, quebra de velhos padrões para nos enredarmos em novos. Mas isso, absolutamente, não é mudança e os atuais problemas humanos exigem uma revolução completa, mudança total. Portanto, releva penetrarmos muito mais profundamente na consciência, para vermos se é possível promover uma mudança radical, de modo que sejam quebradas as limitações do pensamento e libertada a consciência.

Talvez, superficialmente, conscientemente, possamos passar um pouco a esponja sobre o que está na superfície da lousa; mas limpar os recessos profundos do coração e da mente, o oculto, o inconsciente, isso parece quase impossível, não é verdade? — pois não se saber o que lá existe; a mente superficial não pode penetrar no obscuro depósito da memória. Mas isso precisa ser feito.

Espero que não estejais acompanhando apenas verbal, intelectualmente, pois isso seria um jogo muito estúpido, como brincar com cinzas. Mas, se estais acompanhando experimentalmente, realmente — seguindo, não o orador, porém a experiência que vós mesmo estais fazendo — penso que isso terá então muito valor. Assim, como penetrar o inconsciente, os recessos ocultos do coração, da mente, do intelecto? Os psicólogos e analistas procuram reconduzir-vos até à infância, etc., mas isso de modo nenhum resolve o problema fundamental, porquanto é então existente o interpretador, o avaliador, e estais, tão só, vos ajustando de novo a um padrão. Nós estamos falando sobre a completa destruição do padrão, porquanto o padrão é meramente a experiência de milhares de anos inculcada à força de repetição, no intelecto, que é sumamente sensível e adaptável.

Dessa modo, como iniciar a quebra do padrão? Primeiramente deveis estar certos de que o processo analítico do psicólogo, do analista ou de vós mesmo, nenhum valor tem quando se trata da completa transformação, da mutação completa. Poderá ter algum valor para tornar a pessoa mentalmente doente capaz de ajustar-se melhor à atual e malsã sociedade; mas não é disso que estamos falando. Antes de continuarmos, devemos estar perfeitamente certos de que a análise não pode promover revolução total na consciência. Que implica a análise? Quer procedida por outro, quer por vós mesmo, nela há sempre o observador e a coisa observada, não é verdade? Há o observador, que observa, que critica, que censura; e que interpreta tudo o que observa conforme um sistema de valores que ele já possui. Há, assim, separação entre observador e coisa observada, portanto conflito; e, se o observador não está observando acuradamente, há falsa interpretação, e esta falsa interpretação é levada para diante indefinidamente, causando incompreensão mais profunda. Assim, um equívoco, em análise, não tem fim. Disso deveis estar perfeitamente certos; certos, no sentido de que podeis ver que não é esse o caminho certo para se alcançar a livre consciência.

Assim, quando não sabemos qual é o caminho certo, mas somos capazes de discernir e rejeitar o caminho errado, nossa mente está então num estado de negação, não é verdade? Não sei se já experimentastes alguma vez o pensar negativo. Nosso pensar é pela maior parte pensar positivo, o qual inclui também uma certa forma de negação. Nosso pensar se baseia atualmente no medo, no lucro, na recompensa, na autoridade; pensamos consoantes uma fórmula; e tal é o pensar positivo, com suas negações próprias. Mas nós estamos falando sobre a rejeição do falso, sem se saber qual é o verdadeiro. Pode uma pessoa dizer a si mesma: “Sei que a análise é falsa e não quebrará as limitações da consciência nem produzirá a transformação; portanto, não farei uso dela”. Ou, “Sei que o nacionalismo é um veneno, seja da França, seja da Rússia ou da Índia; consequentemente, rejeito-o. Não sei se há outra coisa, mas percebo que o nacionalismo é falso”. E perceber que os deuses, os salvadores, as cerimônias que os homens inventaram, quer remontem a dez ou dois mil anos atrás, quer sejam dos últimos quarenta anos — perceber que tudo isso não tem validade e negá-lo completamente, isso exige uma mente, um intelecto bem esclarecido, destemeroso de negá-lo. Então, ao rejeitardes o falso, já estais começando a ver o que é verdadeiro, não achais? Para ver o que é verdadeiro é necessária, primeiramente, a rejeição, a negação do falso. Eu gostaria de saber se estais acompanhando isto!

Para descobrir o que é a beleza, impende rejeitar toda a beleza que o homem criou. Para se experimentar a essência da beleza é preciso, antes, destruir tudo o que até agora se criou; porque a expressão, por mais maravilhosa que seja, não é a beleza. Só se descobre o que é a virtude, essa coisa extraordinária, pondo abaixo toda a moralidade social da respeitabilidade, com seus estúpidos tabus, sobre o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Quando se vê e se nega o que é falso, sem se saber de antemão o que é verdadeiro, começa então o real estado de negação. Só a mente e o intelecto que estão vazios do que é falso podem descobrir o que é verdadeiro.

Assim, se o processo analítico não pode quebrar a estrutura dentro da qual funciona a consciência, e se rejeitastes esse processo, deveis então perguntar a vós mesmo quais são as outras coisas falsas que devem ser rejeitadas. Espero estejais seguindo.

Por certo, a segunda coisa que se deve rejeitar é a exigência de mudança. Por que se exige mudança? Nunca exigis mudança se as condições presentes vos são convenientes, satisfatórias. Ninguém deseja uma revolução quando possui um milhão de dólares. Não deseja revolução quem está confortável e comodamente instalado na sociedade, com sua mulher, seu marido,  seus filhos. Diz-se, então: “Por Deus, deixai tudo como está”. Só deseja revolução quem se vê perturbado, descontente, quem deseja mais dinheiro, uma casa melhor. Assim, se examinardes esta questão com profundeza, vereis que nossa exigência de mudança é exigência de uma vida mais confortável, mais proveitosa. Está baseada num motivo: adquirir um novo padrão de conforto, de segurança. Agora, se percebeis que esse processo é falso, como deveis perceber, e desejais descobrir o que é verdadeiro, há então busca de mudança? Existe qualquer busca que seja?

Afinal, todos vós aqui estais porque desejais descobrir, não é verdade? O que buscais, e por que buscais? Se bem examinardes isso, descobrireis que estais insatisfeito com as coisas como são e desejais algo novo. E o novo tem de ser satisfatório, confortável, confortador, seguro. As pessoas chamadas religiosas estão em busca de Deus. Pelo menos o dizem. Mas uma busca implica sempre em algo que se perdeu, ou algo que se conheceu e se deseja recuperar. Como se pode buscar Deus? Nada sabeis, absolutamente, a respeito de Deus, a não ser o que vos disseram — e isso é propaganda. A igreja faz uso da propaganda, e os comunistas também o fazem. Mas nada sabeis a respeito de Deus; e, para descobrir, deveis negar, rejeitar totalmente todas as formas de propaganda, todos os ardis de que se têm servido as Igrejas e outros.

Assim, para haver completa transformação na consciência é necessário rejeitar a análise, a busca e não mais estar sujeito a nenhuma influência, sendo isso imensamente difícil. A mente, percebendo o que é falso, rejeita completamente o falso, sem saber o que é verdadeiro. Se já sabeis o que é verdadeiro, neste caso estais apenas trocando o que considerais falso pelo que imaginais verdadeiro. Não há renúncia se já se sabe o que se vai obter em troca. Só há renúncia quando abandonamos uma coisa sem saber o que irá acontecer. Este estado de negação é completamente necessário. Acompanhai isto com atenção, porque, se chegastes até este ponto, podeis ver que nesse estado de negação se descobre o verdadeiro; porque negação é despejar da consciência o conhecido.

A consciência, afinal de contas, se baseia no conhecimento, na experiência, na herança racial, na memória, nas coisas que foram experimentadas. As experiências são sempre do passado, e estão operando no presente, sendo modificadas pelo presente e continuando para o futuro. Tudo isso é a consciência, o vasto reservatório dos séculos. Ela tem sua utilidade tão-só no viver mecânico. Seria absurdo rejeitar todos os conhecimentos científicos adquiridos através do longo passado. Mas, para se produzir uma mutação na consciência, uma revolução em toda essa estrutura, há necessidade de um vazio completo. E esse vazio só se torna possível com o descobrimento, o real percebimento do que é falso. Pode-se então ver, se tiverdes chegado até aí, que o próprio vazio produz uma revolução completa na consciência: ela já se realizou.

Como sabeis, muitos de nós temos medo, terror de estar sós. Queremos sempre uma mão para segurar, uma ideia a que apegar-nos, um deus para adorar. Nunca estamos sós. Em nosso quarto, no ônibus, estamos sempre acompanhados de nossos pensamentos, nossas ocupações; e, quando no meio de outras pessoas, ajustamo-nos ao grupo, à companhia. Nunca estamos deveras sozinhos, e só pensar nisso faz-nos medo. Mas só a mente, o intelecto que está completamente só, vazio de toda exigência, toda forma de ajustamento, toda influência, completamente vazio, só essa mente descobre que esse próprio vazio é mutação.

Eu vos garanto que todas as coisas nascem do vazio; todas as coisas novas procedem desse vasto, imensurável, insondável sentimento de vazio. Isto não é romantismo, não é nenhuma ideia, nem imagem, nem ilusão. Quando se rejeita completamente o falso, sem se saber o que é verdadeiro, ocorre uma mutação na consciência, , uma revolução, uma transformação total. Talvez então já nem haja a consciência tal como a conhecemos, porém algo inteiramente diferente; esta consciência, este estado pode viver neste mundo, porque não há rejeição do conhecimento mecânico. Assim, se penetrastes bem, o encontrastes. 

Krishnamurti — Paris, 17 de setembro de 1961

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O medo é o pensamento enredado no tempo

Desejo falar sobre o medo, porque o medo perverte todos os nossos sentimentos, pensamentos e relações. É o temor que impele a maioria de nós a tornar-nos isso que se chama “espiritual”; é ele que nos impulsiona para as soluções intelectuais que tantos oferecem; é ainda o temor que nos leva a praticar ações estranhas e peculiares. E não sei se já experimentamos em sua realidade, não o sentimento que ocorre antes ou após um certo fato! O medo existe por si só? Ou só há medo em consequência do pensamento no amanhã ou no ontem, no que aconteceu ou poderá acontecer? Existe medo no presente vivo, ativo? Quando vos vedes em presença da coisa que dizeis temer, nesse instante existe medo?

Para mim, é importantíssima esta questão do medo. Porque, se a mente não estiver total, completa e absolutamente livre do medo em qualquer forma — medo da morte, da opinião pública, da separação, de não ser amado — sabeis quantas variedades existem de medo — se a consciência total não estiver livre do medo, é impossível ir-se muito longe. Uma pessoa pode agitar-se ansiosamente, em todos os sentidos, dentro das clausuras de seu próprio intelecto; mas para se penetrar muito profundamente em si mesmo e ver o que existe lá e além, não deve haver temor de espécie alguma, nem temor da morte, nem da pobreza, nem de não alcançar alguma coisa.

O medo, em virtude de sua própria natureza, inevitavelmente impede a investigação. E, a menos que a mente, que todo o nosso ser esteja livre do medo, não só dos temores conscientes mas também dos profundos, secretos, ocultos temores, de que mal temos consciência — não haverá possibilidade de se descobrir o que existe realmente, o que é verdadeiro, positivo, e se de fato existe aquele senso do sublime, do imenso, de que o homem vem falando há séculos e séculos.

Creio ser possível estar totalmente livre do medo, não durante um certo período, não ocasionalmente, porém, verdadeiramente livre dele, de maneira completa. A experiência desse estado total isento de medo, eis o que desejo examinar convosco.

Desejo tornar claro que não estou falando de memória. Não pensei de antemão na questão do medo e, portanto, não vim aqui repetir coisa ensaiada; isso seria horrivelmente enfadonho para mim e para vós. Eu também estou investigando. Deve tratar-se sempre de coisa nova, todas as vezes. E espero que estejais empreendendo junto comigo a jornada da investigação e não apenas preocupados com vosso medo especial — medo do escuro, do médico, do inferno, da doença, de Deus, do que digam vossos pais, do que diga vossa esposa ou marido, ou uma qualquer das numerosas formas de medo. Estamos investigando a natureza do medo e não uma determinada manifestação do medo.

Ora, se examinardes, vereis que só há medo quando o pensamento se fixa no dia de ontem ou de hoje, no passado ou no futuro. No verbo ativo não há temor, mas no passado e no futuro do verbo ele sempre existe. Não há medo no presente real; e esta é uma coisa extraordinária para a própria pessoa descobrir. Não existe medo de espécie alguma em face do momento real e vivo, do presente ativo. O pensamento, portanto, é a origem do medo, o pensamento no amanhã ou no ontem. A atenção está no presente ativo. O pensamento no que ontem aconteceu, ou poderá acontecer amanhã, é desatenção e a desatenção gera temor. Não é verdade isso? Quando posso aplicar toda a minha atenção a um dado problema, sem nenhuma reserva, sem rejeitar, sem julgar, avaliar — nesse estado de atenção não há medo. Mas, se há desatenção, isto é, se digo: “Que acontecerá amanhã?”, ou se estou ocupado com o que ontem aconteceu, aí, sem dúvida, gera-se medo. A atenção é o presente ativo. O medo é o pensamento enredado no tempo. Na presença de algo real, concreto, em presença do perigo, neste momento não existe pensamento, porém, ação. E essa ação pode ser positiva ou negativa.

Assim, o pensamento é tempo — não o tempo marcado pelo relógio, mas o tempo psicológico do pensamento. O tempo, por conseguinte, produz medo: tempo como distância daqui até , como processo de “vir a ser algo”; tempo representado pelas coisas que eu disse e fiz ontem, as coisas ocultas que  desejo que ninguém saiba; tempo representado pelo o que acontecerá amanhã, pelo que será de mim quando eu morrer.

O pensamento, pois, é tempo. E existe, no presente ativo, tempo e pensamento? Pode-se ver que o medo só existe quando o pensamento se “projeta” para diante ou para trás, e que o pensamento resulta do tempo — tempo representado pelo “vir a ser” ou “não vir a ser” algo, tempo como preenchimento ou frustração. Não estamos falando do tempo cronológico; seria evidente desatino dispensá-lo. estamos falando do tempo como pensamento. Se está claro isto, passemos a investigar o que é pensamento e o que é pensar. E espero não estejais apenas ouvindo minhas palavras, mas também prestando atenção ao desafio que elas vos apresentam e reagindo individualmente. Estou perguntando: “O que é pensar?” Se não conheceis o mecanismo do pensar e não o investigastes muito profundamente, não podeis responder, vossa reação será inadequada. E se é inadequada a reação, haverá conflito, e tentar livrar-se do conflito é fuga ao fato — o fato que desconheceis. No momento em que reconheceis que não podeis responder, que não sabeis, apresenta-se o medo. Não sei se me estais seguindo.

Assim, o que é pensar? Evidentemente, pensar é a reação que ocorre entre o “desafio” e a “resposta”, não é verdade? Pergunto-vos uma coisa e há um intervalo de tempo antes de responderdes; neste intervalo o pensamento está em ação, procurando a resposta. É bastante simples ouvir esta explicação; mas o real experimentar, pela própria pessoa, do processo do pensar, o investigar como o intelecto reage a um “desafio” e qual é o processo de fabricação da resposta, isso requer atenção ativa, pois não? Observai qual é a vossa reação à pergunta: “O que é pensar?” O que está ocorrendo? Não sabeis responder; nunca investigastes isso; estais aguardando uma resposta de vossa memória. E nessa “demora”, no intervalo entre a pergunta e a resposta, está em ação o processo do pensamento; não é assim? Se vos faço uma pergunta com que estais familiarizado, por exemplo: “Como é o vosso nome?”, respondeis instantaneamente porque, pela repetição constante, tendes a resposta na ponta da língua. Se a pergunta é um pouco mais séria, ocorre um intervalo de tempo de vários segundos — não é verdade? — durante o qual o intelecto é posto em movimento para procurar na memória a resposta. Se vos fazem uma pergunta mais complexa, maior é o intervalo de tempo, mas o processo é o mesmo — consultar a memória, procurar as palavras apropriadas, achá-las e em seguida responder. Segui isso com vagar, pois é realmente muito divertido e interessante observar o funcionamento desse processo. Tudo isso faz parte do autoconhecimento.

Pode-se também perguntar, por exemplo, “Quantas milhas há daqui a Nova Iorque?” — pergunta à qual, após consultar a memória, sois obrigado a responder: “Não sei, mas posso verificar”. Isso leva mais tempo. E pode-se também fazer uma pergunta que vos obrigue a dizer: “Não sei a resposta”; porém, ao mesmo tempo ficais esperando uma resposta, esperando que vo-la digam. Assim, temos a pergunta familiar e a resposta imediata; a pergunta menos familiar, que exige algum tempo; a coisa de que não tendes certeza, mas que podeis verificar e para isso precisais de tempo; e, por fim, a coisa que não sabeis mas achais que, se esperardes, tereis a resposta.

Agora, se eu perguntar: “Existe ou não existe Deus?” — o que acontece? Nenhuma resposta pode ser encontrada na memória, pode? Embora vos agrade crer, embora vos tenham ensinado a crer, deveis varrer esses disparates. Investigar na memória não dá resultado; esperar que vos deem a resposta é inútil, porque ninguém pode dá-la; e o intervalo de tempo para nada serve. Há só o tempo no presente ativo, a certeza absoluta de que não sabeis. Esse estado de “não saber” é atenção completa, não? E qualquer outra forma de saber ou de não saber procede do tempo e do pensamento, e é desatenção. 

Estais seguindo tudo isso e aprendendo? Aprender, por certo, supõe “não saber”. Aprender não é adicionar, acumular. No processo de acumular, o que se faz é apenas aumentar o conhecimento, que é estático. O aprender é constante variação, mudança, viver.

Sendo assim, que acontece quando estais aprendendo a respeito do medo? Estais investigando o medo, não é verdade? Estais “atacando” o medo, não é o medo que vos está atacando. E descobris então que não existe esta coisa: “vós e o medo”. Esta divisão não existe. A atenção, pois, é o presente ativo, no qual a mente, o intelecto diz: “Não sei, absolutamente”. E nesse estado não existe medo. Mas existe medo quando dizeis: “Não sei, mas espero saber”. Eis um ponto essencial que importa compreender. Consideremos isso de diferente maneira.

Sem dúvida, o medo surge quando buscamos a segurança, exterior e interiormente; quando se aspira a um estado permanente, duradouro, nas relações, nas coisas mundanas, na confiança, que o saber proporciona, na experiência emocional. E, finalmente, dizemos que existe Deus, absoluta e eternamente permanente, em cujo seio encontraremos imperturbável paz e segurança para todo o sempre. Cada um está a buscar segurança nesta ou naquela forma, e sabemos como cada um atua — buscando a segurança no amor, na propriedade, na virtude, jurando a si mesmo ser bom, casto. Todos conhecemos os horrores inerentes à busca, secreta ou aberta, da segurança. E isso é medo, porquanto nunca averiguastes se existe segurança. Não o sabeis. Emprego estas palavras para denotar que se trata de um fato que desconheceis absoluta e completamente. Vós não sabeis se deus existe ou não existe. Não sabeis se haverá ou não outra guerra. Não sabeis o que irá acontecer amanhã. Não sabeis se existe, interiormente, alguma coisa permanente. Ignorais o que irá suceder em vossas relações, com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos. Não sabeis; mas deveis verificar isso, não achais? Deveis descobrir por vós mesmo que ignorais. E esse estado de não saber, esse estado de completa incerteza, não é medo; é atenção plena, na qual podeis descobrir.

Vê-se, pois, que a totalidade da consciência — a qual inclui o superficial, o consciente, o oculto, e as extremas profundezas dos resíduos raciais, os “motivos”, tudo o que constitui o pensamento — vê-se que a totalidade da consciência é, essencialmente medo. A consciência é tempo, resultado resultado de muitos dias, meses, anos e séculos. Vossa consciência de serdes francês se formou, historicamente, através de muitas gerações de propaganda. O fato de serdes cristão, católico, o que quer que seja, representa dois mil anos de propaganda durante os quais fostes obrigados a crer, a pensar, a funcionar e atuar segundo um certo padrão chamado “cristão”. E não ter crença alguma, ser o mesmo que nada parece coisa temível.  Assim, a totalidade da consciência é medo. isto é um fato, e não há concordar ou discordar sobre um fato.

Agora, que acontece quando vos vedes em presença de um fato? Ou tendes opiniões a respeito do fato, ou simplesmente o observais. Se tendes opiniões, juízos, avaliações do fato, então não o estais vendo. E não o vedes porque entra em cena o tempo, pois vossa opinião é produto do tempo, do ontem, de vossos conhecimentos anteriores. O ver realmente está no presente ativo, e nesse ver não existe medo. Isso é um fato real. O experimentar um fato real é que liberta do medo da consciência total. Espero que não estejais muito cansados e possais experimentar isto, pois não podeis levá-lo para casa para lá refletir a seu respeito. Porque então não tem valor. O que tem valor é enfrentar o fato diretamente, e penetrá-lo. Vereis então que o todo de nosso mecanismo pensante, com seus conhecimentos, suas sutilezas, suas defesas e renúncias — que esse todo constitui o pensamento e é a causa real do temor. E vemos também que, quando há atenção total, não há pensamento; há, só, percepção, o ato de ver.

havendo atenção, há completa tranquilidade; porque nessa atenção não há exclusão. Quando o intelecto pode estar completamente sereno — não adormecido, porém ativo, sensível, vivo — nesse estado de atenta serenidade não existe medo. Há então uma qualidade de movimento que não é pensamento, absolutamente, que não é sentimento, emoção ou sentimento. Não é uma visão, nem uma ilusão; é um movimento de qualidade diferente, que conduz ao Indenominável, ao Imensurável, à Verdade.

Mas, infelizemente, não estais escutando, experimentando de verdade, pois não examinastes isto realmente, não investigastes até este ponto. Por conseguinte, o medo não tardará a precipitar-se novamente sobre vós, qual uma vaga, submergindo-vos. Tendes, portanto, de examinar isto; e no examiná-lo está a solução. esta é a base; e uma vez lançada a base, nunca mais buscareis, porque toda busca da Realidade se baseia no medo. Libertada do medo a mente, o intelecto, então podereis descobrir.

Krishnamurti – Paris, 14 de setembro de 1961

A libertação pode ser realizada por todos?

Pergunta: A libertação pode ser realizada por todos?

Krishnamurti: Decerto. Ela não é dada só a uns poucos. O estado de libertação não é uma espécie de “aristocracia”; está ao alcance de quantos queiram investigá-lo. Lá está, com beleza e força sempre mais ampla e profunda, quando há autoconhecimento. E cada um pode começar a conhecer-se observando a si próprio, como quem se vê ao espelho. O espelho não mente; mostra-vos, sem desfiguração. Começais então a descobrir-vos. É uma coisa extraordinária o autoconhecimento. O caminho da realidade, daquela imensidão desconhecida, não passa pela porta de uma igreja, nem por livro nenhum, mas apenas pela porta do autoconhecimento.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

O sexo implica muitas coisas, e não simplesmente o ato.

Pergunta: Dissestes que nossas necessidades essenciais são comida, roupa e morada, e que o sexo pertence ao mundo dos desejos psicológicos. Podeis dar mais explicações sobre isso?

Krishnamurti: estou certo que esta é uma pergunta cuja resposta todos aguardam com interesse! O que é o sexo? É o ato ou as imagens agradáveis, os pensamentos, as lembranças que o rodeiam? Ou é simplesmente um fato biológico? E existe lembrança, imagem, excitação, necessidade, quando existe amor — se posso empregar esta palavra sem a desvirtuar? Acho necessário compreender o fato físico, biológico. Esta é uma coisa. Todo o romantismo e excitação, o sentimento de nos termos dado inteiramente a outra pessoa, nossa identificação com ela nessa relação, o desejo de continuidade, de satisfação — tudo isso é outra coisa. Quando o que nos concerne é realmente o desejo, que papel tem o sexo e qual a sua importância? É ele uma necessidade psicológica, tanto quanto uma necessidade biológica? Requer-se um intelecto muito claro, muito penetrante, para diferenciar entre a necessidade física e a necessidade psicológica. O sexo implica muitas coisas, e não simplesmente o ato. O desejo de esquecimento de si mesmo noutra pessoa, a continuidade dessa relação, os filhos, o buscar a imortalidade através dos filhos, da esposa, do marido, da ideia de “nos darmos” a outrem, com todos os problemas do ciúme, do apego, do medo — a agonia inerente a tudo isso — é amor isso? Se não houver compreensão da necessidade, basicamente, completamente, no mais profundo de nosso ser, nos obscuros recessos de nossa consciência, então o sexo, o amor e o desejo causarão devastações em nossa vida!

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

No findar dos enganos e ilusões, o Sublime se apresenta

Pergunta: Dizeis que crer em Deus não faz achar Deus; mas pode-se achar Deus pela revelação?

Krishnamurti: Por que desejais que vos sejam reveladas coisas, quando não conheceis a vós mesmos? Vosso próprio “eu” vos foi revelado nesta tarde: vossa maneira de pensar, vossa maneira de agir, vossos motivos, ambições, ânsias, vossas incessantes batalhas com vós mesmo. Isso vos foi revelado, mas nada sabeis a seu respeito. Só conheceis vossas teorias e visões. E se não conheceis o que se acha em vossa proximidade imediata, ao alcance de vossa mão, como podeis conhecer algo que é imenso? Portanto, é muito melhor começardes com o que está mais perto — vós mesmo. E quando todos os enganos e ilusões tiverem sido eliminados, descobrireis por vós mesmo o que é o Real. Não precisareis então crer em Deus, não precisareis de nenhuma doutrina; estais em presença do Sublime, do inominável.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

Por que cria uma pessoa uma imagem a respeito de si própria?

Pergunta: Como se pode descobrir o nosso problema principal?

Krishnamurti: Por que dividir os nossos problemas em principais e secundários? Não é tudo problema? Por que fazer eles pequenos problemas ou grandes problemas, problemas essenciais ou não essenciais? Se pudéssemos compreender um só problema, examiná-lo muito profundamente, por maior ou menor que ele seja, esclareceríamos todos os outros problemas. Esta não é uma resposta teórica. Consideremos um problema qualquer: cólera, ciúme, inveja, ódio — conhecemo-los todos muito bem. Se examinardes com profundeza a cólera, em vez de procurardes expulsá-la, que encontrais então? Por que se encoleriza uma pessoa? Por que se sente magoada: alguém lhe disse algo ofensivo; e se lhe dizemos algo que a lisonjeia, sente-se satisfeita. Por que se ofende uma pessoa? Porque atribui importância a si mesma, não é verdade? E por que existe essa importância própria? Porque cada um tem de si uma ideia, um símbolo, uma imagem — uma ideia do que deveria ser, do que é, do que não deveria ser. Por que cria uma pessoa uma imagem a respeito de si própria? Porque nunca estudou o que ela é realmente. Pensamos que devemos ser isto ou aquilo, o ideal, o herói, o exemplo. O que nos desperta a cólera é ver que está sendo atacado o nosso ideal, a ideia que temos de nós mesmos. E a ideia que temos de nós mesmos representa nossa fuga ao fato real, o que sois realmente, ninguém vos pode ofender. Então, se uma pessoa é mentirosa e lhe dizem que ela é mentirosa, isso não pode significar uma ofensa, porque se trata de um fato. Mas, se queremos aparentar que não somos mentirosos e alguém nos diz que somos, tornamo-nos encolerizados, violentos. Assim, estamos sempre vivendo num mundo imaginário, mítico, e nunca no mundo da realidade. Para se observar o que é, vê-lo, familiarizar-se com ele, não deve haver julgamento, nem avaliação, nem opinião, nem medo.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

Encarando o “centro” da dependência psicológica

Naturalmente, temos necessidade de certas coisas exteriores, superficiais, tais sejam roupas, teto e alimentos. Estas coisas são essenciais para todos nós. Mas, necessitamos realmente de mais alguma coisa? Psicologicamente, existe uma necessidade real de sexo, de fama, do imperioso impulso da ambição, do perpétuo ansiar por mais  mais? De que necessitamos, psicologicamente? Pensamos que necessitamos de muitas coisas, e daí é que resulta todo o sofrimento da dependência. Mas, se examinarmos realmente, se investigarmos profundamente a questão, existe alguma necessidade essencial, psicologicamente, interiormente? Acho que valeria a pena fazermos seriamente esta pergunta a nós mesmos. A dependência psicológica de outra pessoa nas relações, a necessidade de estar em comunhão com outro, a necessidade de aderir a um dado padrão de pensamento e de atividade, a necessidade de preenchimento, de nos tornarmos famosos — todos conhecemos essas necessidades e constantemente estamos cedendo a elas. E penso que seria significativo se pudéssemos, cada um de nós, tentar descobrir quais são realmente as nossas necessidades e até que ponto delas dependemos. Porque, se não compreendermos a necessidade, não seremos capazes de compreender o desejo, não seremos capazes de compreender a paixão e, por conseguinte, o amor. Seja rico, seja pobre, um homem necessita evidentemente de comida, de roupa e de teto, embora, mesmo aí, a necessidade possa ser limitada, pequena, ou expansível. Mas, além dessa, existe realmente alguma necessidade? Por que se tornaram tão importantes as nossas necessidades psicológicas, por que se tornaram uma força tão imperiosa e compulsiva? São elas, meramente, uma fuga de algo muito mais profundo?

Em nossa investigação não estamos procedendo analiticamente. Estamos tentando encarar o fato, ver exatamente o que é; e isso não requer nenhuma espécie de análise, de psicologia, de engenhosas e digressivas explicações. O que estamos tentando é ver por nós mesmos quais são as nossas necessidades psicológicas, e não explicá-las, não racionalizá-las, e sem perguntar: “Que faremos sem elas? Eu tenho de tê-las.” Isso fecha a porta à ulterior investigação. E, evidentemente, a porta está também hermeticamente fechada quando a investigação é puramente verbal, intelectual ou emocional. A porta está aberta quando desejamos realmente enfrentar o fato, e isso não requer um intelecto extraordinário. Para se compreender um problema muito complexo, necessita-se de uma mente clara, simples; mas nega-se a simplicidade e a clareza quando temos uma quantidade de teorias e estamos tentando evitar o problema.

A questão, pois é: Por que temos essa imperiosa necessidade de preencher-nos, por que somos tão cruelmente ambiciosos, por que tem o sexo tão extraordinária importância em nossa vida? Não importa a qualidade ou a quantidade de nossas necessidades, ou se alguém tem “o máximo” ou “o mínimo”; mas, por que existe esse tremendo impulso para nos preenchermos, na família, num nome, numa posição, etc., com todas as respectivas ansiedades, frustrações e sofrimentos — impulso que a sociedade estimula e a igreja abençoa?

Ora, se examinardes isso, pondo de parte a reação de dizer: “Que me aconteceria se eu não tivesse êxito na vida?” — descobrireis, sem dúvida, algo muito profundo, ou seja o medo de “não ser”, do isolamento completo, do vazio e da solidão. Ele lá está, profundamente oculto, esse anseio tremendo, esse medo de se ver isolado de tudo. Eis a razão porque nos apegamos a todas as formas de relação. Eis porque existe a necessidade de pertencer a alguma coisa, a um culto, uma sociedade, de entregar-se a certas atividades, de ater-se a determinada crença; porque, dessa maneira, podemos fugir da realidade interior, profunda. É esse medo, por certo, que força a mente, o intelecto, nosso ser inteiro a aderir a uma dada forma de crença ou de relação, a qual se torna, então, necessidade.

Não sei se alcançastes este ponto, nesta investigação, — não verbalmente, porém, realmente. Isso significa descobrir diretamente e enfrentar o fato de se ser nada, de se estar interiormente vazio como uma concha e coberto das joias do saber e da experiência que, na realidade, nada mais são do que palavras e explicações. Ora, para enfrentar esse fato sem desespero, sem sentir quanto ele é terrível, porém, simplesmente “ficar com ele”, é necessário em primeiro lugar compreender a necessidade. Se compreendermos o significado da necessidade, ela não terá mais preponderância em nossa mente e coração.

Voltaremos a este tópico mais tarde. Mas passemos a considerar o desejo. Conhecemos — não é verdade? — o desejo que se contradiz, se tortura, se lança em diferentes direções; a dor, a agitação, a ansiedade do desejo, e o disciplinar, o controlar dele. E, em nossa eterna batalha com ele, torcemo-lo, desfiguramo-lo, tornamo-lo irreconhecível; mas ele subsiste, vigilante, expectante, premente. O que quer que se faça — sublimá-lo, fugir-lhe, rejeitá-lo ou aceitá-lo, soltar-lhe as rédeas — ele está sempre presente. E sabemos que os instrutores religiosos e outros têm dito que devemos ser isentos de desejos, cultivar o desapego — coisa realmente absurda, porquanto o desejo tem de ser compreendido e, não, destruído. Se destruís o desejo, podeis destruir a própria vida. Se pervertermos o desejo, se o moldamos, se o controlamos, dominamos, reprimimos, podemos estar destruindo algo extraordinariamente belo.

Temos de compreender o desejo; mas é dificílimo compreender essa coisa tão cheia de vitalidade, tão exigente e premente, pois no próprio preenchimento do desejo gera-se a paixão, com os prazeres e dores respectivos. E para compreender o desejo não deve, naturalmente, haver escolha. Não se pode julgar o desejo chamando-o “bom” ou “mau”, “nobre” ou “ignóbil”, ou dizer: “Conservarei este desejo e rejeitarei aquele”. Tudo isso deve ser posto de parte para podermos descobrir a verdade relativa ao desejo — sua beleza, fealdade, ou o de adquirir conhecimentos e acumular vários tipos de experiência, ao que quer que seja. Este é um assunto muito interessante, mas aqui, no Oeste, ou no Ocidente, muitos desejos podem ser preenchidos. Tendes carros, prosperidade, melhor saúde, a possibilidade de ler livros, ao passo que no Oriente existe ainda carência de alimentos, roupa e de morada, bem como a desdita e a degradação da pobreza. Mas tanto no Ocidente como no Oriente, o desejo sempre arde em todos os sentidos; ele está sempre presente, exteriormente e também interiormente, bem entranhado. O homem que renúncia ao mundo está tão tolhido pelo seu desejo de buscar Deus, como o está o homem que busca a prosperidade. Assim, o desejo está presente a todas as horas, ardente, contraditório, criando agitação, ansiedade, culpa e desespero.

Não sei se já fizestes experiências a esse respeito; mas que aconteceria se não condenássemos o desejo, se não o julgássemos “bom” ou “mau”, porém, ficássemos simplesmente cônscios dele? Será que sabeis o que significa “estar cônscio de alguma coisa?” Em geral, não estamos “cônscios”, porque nos acostumamos a condenar, a julgar, a avaliar, a identificar, a escolher. A escolha, evidentemente, impede o percebimento, porque a escolha é sempre feita como resultado de conflito. Estar cônscio, ao entrar numa sala, ver os móveis, o tapete ou  falta dele, etc. —  ver, simplesmente, estar cônscio de tudo sem a tendência para julgar — é dificílimo. Já experimentastes olhar para uma pessoa, uma flor, uma ideia, uma emoção, sem fazer escolha, sem imitir julgamento?

E se fizermos o mesmo com o desejo, se “vivermos com ele” — sem rejeitá-lo ou dizer “Que farei com este desejo? Ele é tão feio, veemente, violento”, sem aplicar um nome, um símbolo, sem encobri-lo com uma palavra — existe então ainda a causa da agitação? É então o desejo algo que se deve lançar fora, destruir? Desejamos destruí-lo porque um desejo está em antagonismo com outro, criando conflito, sofrimento e contradição; e pode-se ver como tentamos fugir desse conflito perene. Assim, pode-se estar cônscio da totalidade do desejo? O que entendo por “totalidade” não é simplesmente um desejo ou muitos desejos, mas a “qualidade total” do próprio desejo. E só se pode estar cônscio da totalidade do desejo, quando não há opinião a seu respeito, nem palavra, nem julgamento, nem escolha. Estar cônscio de cada desejo ao surgir, não se identificar com ele nem condená-lo — nesse estado de alertamento existe desejo ou o que existe é uma chama, uma paixão que é necessária? A palavra “paixão” é de ordinário reservada para uma coisa: o sexo. Mas, para mim, paixão não é sexo. Precisamos de paixão, intensidade, para podermos viver realmente com uma coisa; para vivermos plenamente, contemplarmos uma montanha, uma árvore, olharmos realmente para um ente humano, devemos ter intensidade apaixonada. Mas essa paixão, essa chama é negada, quando estamos tolhidos por vários impulsos, exigências, contradições, temores. Como pode sobreviver uma chama se a sufocamos com uma quantidade de fumo? Nossa vida é só fumaça; buscamos a chama, mas a estamos negando pelo reprimir, controlar, moldar a coisa a que chamamos desejos.

Sem paixão, como pode haver beleza? Não me refiro à beleza de quadros, edifícios, pinturas de mulheres, etc., que têm suas peculiares formas de beleza, mas não estamos tratando da beleza superficial. Uma coisa construída pelo homem, como uma catedral, um templo, um quadro, um poema, ou uma estátua, pode ser ou pode não ser bela. Mas existe uma beleza superior ao sentimento e ao pensamento e que não pode ser percebida, compreendida ou conhecida se não existe paixão. Mas não interpreteis erroneamente a palavra “paixão”. Não é uma palavra feia; não é uma coisa adquirível no mercado ou de que se pode falar romanticamente. Não tem absolutamente nenhuma relação com a emoção, o sentimento. Não é coisa respeitável; é uma chama destruidora de quanto é falso. E temos sempre tanto medo de deixar essa chama consumir as coisas que nos são caras, as coisas que chamamos importantes!

Afinal de contas, a vida que atualmente levamos, baseada em necessidades, desejos e métodos de controlar o desejo, faz-nos mais superficiais e vazios do que nunca. Pode os ser talentosos, ilustrados, e capazes de repetir tudo o que aprendemos; mas as máquinas eletrônicas fazem a mesma coisa e já, em certos setores, as máquinas se tornaram mais capazes do que o homem, mais exatas e rápidas em seus cálculos. E assim estamos sempre voltando a este mesmo tópico, ou seja, que a vida que vivemos atualmente é bem superficial, estreita, limitada, e isso porque, profundamente, estamos vazios, sós, e sempre tentando encobrir, preencher esse vazio; por isso, a necessidade, o desejo se torna uma coisa terrível. Nada pode preencher esse profundo vazio interior — nem deuses, nem salvadores, nem o saber, nem as relações, nem os filhos, nem o marido, nem a esposa — nada. Mas se a mente, o intelecto, a totalidade de vosso ser, é capaz de encará-lo, de “viver com ele”, vereis então que, psicológica, interiormente, não há necessidade de coisa alguma. Esta é a verdadeira liberdade.

Isso, porém, requer profundo discernimento, profunda investigação, incessante vigilância; e desse modo talvez venhamos a saber o que é amor. Como pode haver amor quando há apego, ciúme, inveja, ambição e todas as hipocrisias que acompanham esta palavra? Mas, se tivermos passado por aquele vazio — que é uma realidade e não um mito nem uma ideia — veremos que o amor e o desejo e a paixão são uma mesma coisa. Se se destrói uma, destrói-se a outra; se se corrompe uma, corrompe-se a beleza. Para se penetrar tudo isso requer-se, não uma mente desapegada, dedicada ou uma mente religiosa, mas uma mente disposta a investigar, uma mente nunca satisfeita, que está sempre a olhar, a vigiar, a observar a si própria — a conhecer a si mesma. Sem o amor, nunca será possível descobrir o que é a Verdade.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

Enfrentando nossa tremenda solidão e vazio

Pergunta: Que queríeis dizer ao declarardes, há dias, que devemos ser perturbados?

Krishnamurti: Peço-vos não considerar-me como uma autoridade. Isso seria uma coisa terrível. Mas podeis ver por vós mesmo que o desejo de não sermos perturbados é uma de nossas principais necessidades. E é possível que a mente, o intelecto, ao deter seu incessante “tagarelar”, descubra uma grande perturbação interior. Podeis ver por vós mesmo que vossa mente vive ocupada — com a esposa, o marido, o sexo, a nacionalidade, Deus, sobre onde obter a próxima refeição, etc. E já procurastes averiguar por que ela vive ocupada, e que aconteceria se não estivesse ocupada? Se o fizerdes, vos vereis frente a frente com algo que nunca pensastes; e esse algo pode ser um fato extremamente perturbador. E é realmente. Esta constante ocupação da mente pode ser uma simples fuga ao fato, ou seja, nossa tremenda solidão e vazio. E essa perturbação precisa ser enfrentada e profundamente examinada.

Krishnamurti — 10 de setembro de 1961  

Onde há dependência, há contradição e o conflito

É verdadeiramente extraordinário o descobrirmos diretamente que só há pensar e não há pensador. Porque se vê, então, que se pode viver neste mundo sem contradição, já que se necessita de muito pouca coisa. Se se necessita de muita coisa — sexual, emocional, psicológica ou intelectualmente — há dependência de outrem; e no momento em que começa a dependência, começa a contradição e o conflito. Quando a mente se liberta do conflito, com essa liberdade se manifesta um movimento de caráter de todo diferente. A palavra “paz”, como a conhecemos, não tem aí aplicação, porque esta palavra tem para nós diferentes significados, conforme a pessoa que a emprega — um político, um sacerdote, ou quem quer que seja. Não é a prometida paz celestial, após a morte; ela não se encontra em nenhuma igreja, nenhuma ideia, nem na adoração de nenhum Deus. Ela surge quando ocorre a cessação total de todo conflito interior; e isso só é possível quando não há nenhuma necessidade. Não há então necessidade, nem mesmo de Deus. Só há um movimento imensurável que não pode ser corrompido por ação alguma.

Krishnamurti – 10 de setembro de 1961

A crença não vos conduz a Deus

Pergunta: A crença em Deus se baseia sempre no medo?

Krishnamurti: Por que credes em Deus? Qual é  a necessidade? Interessa-vos a crença em Deus quando sois muito feliz ou só quando se vos apresentam tribulações? Vós credes, porque fostes condicionado para crer? Como bem sabemos, há dois mil anos que nos dizem que existe Deus; e no mundo comunista estão condicionando a mente para não crer em Deus. É a mesma coisa; tanto num como noutro caso a mente está sendo influenciada. A palavra “Deus” não é Deus; e o descobrirdes verdadeiramente, por vós mesmo, se tal coisa — Deus — existe, é muito mais significativo do que vos apegardes a uma crença ou descrença. E o descobrir por si mesmo requer enorme energia — energia para libertar-se de todas as crenças; porém isto não importa um estado de ateísmo ou de dúvida. Mas a crença é uma coisa muito confortante, e poucos estão dispostos a despedaçar-se interiormente. A crença não vos conduz a Deus. Nenhum templo, nem igreja, nem dogma, nem ritual pode conduzir-vos à Realidade. Essa Realidade existe; mas para descobri-la precisais de uma mente imensurável. A mente pequena, limitada, só pode encontrar os deuses pequeninos e limitados que ela mesma cria. Portanto, devemos estar prontos a perder toda a nossa respeitabilidade, todas as nossas crenças, para podermos descobrir o que é real.

Acho que não podeis continuar escutando.  Se estivestes escutando indolentemente, ouvindo puramente as palavras, neste caso, sem dúvida, poderíeis continuar ouvindo por mais algumas horas. Mas, se escutastes corretamente, atentamente, com o propósito de aprofundar, então dez minutos bastariam, porque neste espaço poderíeis destroçar as barreiras que a mente criou para si própria de descobrir o que é Verdade.

Krishnamurti — Paris, 7 de setembro de 1961 

A mente cria sua própria escravidão como também os elementos de sua própria libertação

Pergunta: A mente traz em si mesma os elementos de sua própria compreensão?

Krishnamurti: Acho que sim; não achais também? O que é que impede a compreensão? Os obstáculos não são criados pela própria mente? Por conseguinte tanto a compreensão como as próprias barreiras são elementos mentais.

Vede, senhor, para se viver numa base de incerteza, sem se tornar mentalmente, requer-se grande dose de compreensão. Não achais que uma das barreiras é o insistente desejo de segurança interior? Exteriormente, vejo que não existe segurança; assim, a mente cria, interiormente, a sua própria segurança, numa crença, num deus, numa ideia. A mente, portanto, cria sua própria escravidão, mas tem, também, os elementos de sua própria libertação.

Krishnamurti – Paris, 7 de setembro de 1961

A semente tem de quebrar-se

Deus purifica de qualquer forma.

Não é somente ouro que tem de passar pelo fogo para ser purificado, o homem também.

Para o homem esse fogo é a angústia do amor.

É uma felicidade quando este fogo entra na vida de uma pessoa, ele é o fruto de preces infinitas, nascimentos infinitos.

É a intensidade da sede que se transforma finalmente em amor, mas, infelizmente, poucos são capazes de recebê-lo porque poucos podem reconhecer o amor em forma de angústia.

Amor não é um trono, é uma cruz; mas aqueles que prazerosamente se oferecem a ela alcançam o trono mais alto. A cruz pode ser vista, o trono, não — está sempre escondido atrás da cruz.

E mesmo Jesus hesitou por um momento; mesmo seu coração gritou: Pai, por que você se esqueceu de mim?

Mas no próximo momento ele se lembrou e disse: Que seja feito.

Aquilo foi suficiente: a cruz tornou-se um trono e a morte, uma nova vida.

No momento de revolução, entre uma frase e outra, Cristo desceu sobre Jesus.

Seu sofrimento é intenso e um novo nascimento está chegando; seja feliz, seja agradecido, não tenha medo da morte, tenha gratidão, estes são os rumores de um novo nascimento e o velho deve morrer para dar vida ao novo; a semente tem de quebrar-se para desabrochar em flor.

Osho, em "Uma Xícara de Chá"

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Existe algum meio de aquietar a mente?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, ao formulardes esta pergunta, estais percebendo que vossa mente está agitada? Estais cônscio de que vossa mente nunca está quieta, que está constantemente a “tagarelar”? Eis um fato. A mente fala incessantemente, seja a respeito de alguma coisa, seja para si própria; está constantemente ativa. Por que fazeis esta pergunta? Pensai até o fim junto comigo. Se a fazeis porque estais parcialmente cônscio da “tagarelice” e desejais livrar-vos dela, neste caso podeis tomar uma droga, uma pílula que faça a mente dormir. Mas, se estais investigando e desejais realmente descobrir porque tagarela a mente, o problema se torna então muito diferente. No primeiro caso, trata-se de uma fuga, no segundo de seguir a tagarelice até o fim.

Pois bem; por que tagarela a mente? Com “tagarelar” queremos dizer que ela está sempre ocupada com alguma coisa — o rádio, seus problemas, seu emprego, suas visões, suas emoções, seu mitos. Ora, por que está ela ocupada e o que aconteceria se não estivesse ocupada? Já tentastes alguma vez não estar ocupado? Se já o fizestes, tereis visto que no mesmo instante em que o intelecto deixa de estar ocupado, manifesta-se o medo. Porque isso significa estar “só”. Se vos verdes sem ocupação alguma, esta é uma situação muito dolorosa, não? Já estiveste , alguma vez? Duvido. Podeis passear a sós, sentar-vos sozinho num ônibus ou em vosso quarto, mas vossa mente está sempre ocupada, vossos pensamentos sempre a fazer-vos companhia. O cessar da ocupação faz-vos descobrir que estais completamente só, isolado, e isso gera medo; eis por que a mente prossegue tagarelando, tagarelando…

Krishnamurti — 5 de setembro de 1961   

É capaz a mente, o intelecto, libertar-se de todos problemas?

Se desejais descobrir o que é verdadeiro, deveis quebrar todos os elos que vos prendem, para investigardes não só o exterior, vossas relações com as coisas e pessoas, mas também o interior, isto é, conhecer a vós mesmo — tanto superficialmente, na consciência desperta, como no inconsciente, nos ocultos recessos do intelecto e da mente. Requer isso observação constante; e se observardes dessa maneira, vereis que não existe separação real entre o exterior e o interior; porque o pensamento, como a maré, tanto flui para fora como para dentro. Tudo constitui um só processo de autoconhecimento. Não podeis rejeitar o exterior, porquanto, não sois uma entidade separada do mundo. O problema do mundo vos concerne, e o “exterior” e o “interior” são duas faces da mesma moeda. Os eremitas, os monges, e os chamados religiosos que renunciam ao mundo estão apenas, com todas as suas disciplinas e superstições, fugindo para suas próprias ilusões.

Pode-se ver que exteriormente não somos livres. Em nossos empregos, em nossas religiões, nossas pátrias, em nossas relações com esposa, marido, filhos, em nossas ideias, crenças e atividades políticas, não somos livres. Interiormente, também, não somos livres, porque não conhecemos nossos “motivos”, nossos impulsos, compulsões, exigências inconscientes. Assim, não há liberdade, nem interior nem exteriormente, e este é que é o fato. Mas, em primeiro lugar, cumpre-nos perceber essa fato, pois em geral recusamo-nos a percebê-lo; sofismamos a respeito dele, encobrimo-lo com palavras, com ideias, etc. O fato é que, tanto na esfera psicológica, como na exterior, desejamos segurança. Exteriormente, desejamos estar seguros em nosso emprego, nossa posição, nosso prestígio, nossas relações; e quando um reduto é destruído, passamos a outro.

Assim, reconhecendo as condições extremamente complexas em que o intelecto e a mente funcionam, que possibilidade temos de romper com essas muralhas? Espero estejais vendo o impasse a que chegamos. A questão é esta: Tratamos alguma vez de enfrentar realmente o fato? O fato é que o intelecto e a mente buscam a segurança numa dada forma, e quando existe essa ânsia de segurança, existe medo. Nunca encaramos realmente esse fato; ou dizemos que ele é inevitável ou, ainda, perguntamos como nos libertamos do temor. Já se pudermos encarar o fato, sem tentar fugir-lhe, interpretá-lo ou transformá-lo, então o fato atua por si mesmo.

Não sei se, psicologicamente, chegaste até este ponto, experimentaste até este ponto, pois me parece que a maioria de nós não percebe o quanto a nossa mente, o nosso intelecto, se mecanizou; e não perguntamos a nós mesmos se é possível encarar esse fato completamente, com intensidade. Desejo que fique bem claro que não estou procurando convencer-vos de coisa alguma; isso seria muito infantil. Não estamos aqui fazendo propaganda — deixemos isso aos políticos, às Igrejas e a todos aqueles que “oferecem” coisas. Não estamos a oferecer-vos novas ideias, porquanto as ideias nada significam; podemos entreter-nos com elas intelectualmente, porém elas não nos levam a parte alguma. O que é significativo, o que tem vitalidade, é enfrentar um fato; e o fato é que a mente, todo o nosso ser está sendo mecanizado há séculos. Todo pensamento é mecânico; e para compreendermos esse fato e transcendê-lo, precisamos primeiramente vê-lo.

Pois bem; como podemos entrar em contato, emocionalmente, com um fato? Intelectualmente posso dizer que tenho o hábito de beber e que é muito nocivo beber — física, emocional e psicologicamente — e, no entanto, continuar a beber. Mas entrar em contato com o fato emocionalmente é coisa bem diferente. Pois o contato emocional com o fato tem ação própria. Sabeis como — quando guiais um carro por muito tempo — começais a cochilar e, então, dizeis: “Preciso despertar” — mas continuais a guiar. Depois, ao passardes perigosamente próximo a outro carro, dá-se então, repentinamente, um contato emocional direto e despertais imediatamente, e levais o carro para margem da estrada, a fim de descansardes um pouco. Já alguma vez vistes um fato repentinamente, da mesma maneira, entrando em contato com ele totalmente, completamente? Já apreciastes realmente uma flor? Duvido, porque nunca olhamos realmente para uma flor; o que fazemos é classificá-la imediatamente, dar-lhe um nome, chamá-la “rosa”, cheirá-la, dizer “como é bela!” e colocá-la de lado, como coisa já conhecida. A denominação, a classificação, a opinião, o julgamento, a escolha — tudo isso vos impede de efetivamente olhá-la.

Da mesma maneira, para entrarmos emocionalmente em contato com um fato não deve haver denominação, nem classificação, nem julgamento; todo pensar e toda reação devem cessar. Só então podeis olhar. Experimentai, de vez em quando, olhar para uma flor, uma criança, uma estrela, uma árvore ou o que quer que seja, livre de todo o processo do pensar, pois, se o fizerdes, vereis muito mais. Não haverá então nenhuma cortina de palavras entre vós e o fato e, portanto, estareis em contato direto com ele. Há séculos que somos educados para avaliar, condenar, aprovar, classificar; e tornar-se cônscio de todo esse processo é começar a ver o fato.

Atualmente, a totalidade de nossa vida está confinada no tempo e no espaço, e os problemas imediatos nos absorvem. Nossos empregos, nossas relações, os problemas do ciúme, do medo, da morte, da velhice, etc. — tudo isso nos enche a vida. A mente, o intelecto, é capaz de libertar-se de todos os problemas? Digo que sim, pois já o experimentei, já desci até suas profundezas e deles me libertei. Mas de modo nenhum deveis aceitar o que vos diz este orador, porquanto a simples aceitação nenhum valor tem. A única coisa valiosa é empreenderdes também a jornada; mas, para a empreenderdes, necessitais de liberdade desde o começo, necessitais do impulso para descobrir — não, aceitar, não, duvidar, mas, sim, descobrir. Vereis, então, ao aprofundardes a questão, que a mente pode ser livre; e só essa mente livre pode descobrir o que é verdadeiro.

Krishnamurti — 5 de setembro de 1961

O pensamento nunca pode ser livre


Pergunta: É verdade que não podemos servir-nos da razão para descobrir o que é verdadeiro?

Krishnamurti: Senhor, que se entende por razão? A razão é pensamento organizado, como a lógica são ideias organizadas, não é exato? E o pensamento, por mais inteligente, por mais vasto, por mais erudito que seja, é limitado. Todo pensamento é limitado. Podeis observá-lo vós mesmo; isso não é novidade. O pensamento nunca pode ser livre. O pensamento é reação, reação da memória; é “processo” mecânico. Ele poderá ser razoável, poderá ser são, poderá ser lógico, mas é limitado. É como os computadores eletrônicos. E o pensamento nunca pode descobrir o que é novo. O intelecto adquiriu, acumulou, através de séculos, experiências, reações, lembranças; e quando essa cosia pensa, está condicionada e, portanto, não pode descobrir o novo. Quando, porém, esse intelecto compreendeu todo o processo da razão, da lógica, do investigar, do pensar — não rejeitou, mas compreendeu — então ele se torna quieto. E, então, esse estado de quietude pode descobrir o que é verdadeiro.

Senhor, a razão vos diz que deveis ter líderes. Tendes tido líderes políticos ou religiosos. Eles não vos conduziram a parte alguma, a não ser a mais sofrimento, mais guerras, maior destruição e corrupção.
Krishnamurti

A mente religiosa

A mente religiosa não é aquela que pertence a certa igreja, crença, dogma — essas coisa só podem condicionar a mente. Ir à igreja todas as manhãs e render culto a este ou àquele não vos torna uma pessoa religiosa, embora a sociedade respeitável possa considerar-vos como tal. O que faz a pessoa religiosa é a destruição do conhecido. 

(...) A mente religiosa, pois, conhece essa destruição completa, total, e sabe o que significa achar-se num estado de criação, estado esse que não se pode comunicar. E nela existe o sentimento da beleza e do amor, que são inseparáveis. O amor não é divisível em amor divino e amor físico. Á amor. E não é necessário dizer que ele se acompanha, naturalmente, de um sentimento de paixão. Não se pode ir muito longe sem paixão — paixão, que é intensidade. Não é um estado de entusiasmo. A beleza só pode existir quando há paixão, que é austera; e a mente religiosa, encontrando-se nesse estado, tem uma força de qualidade peculiar. 

(...) Assim, quando uma pessoa penetrou profundamente no descobrimento de si mesma, existe a mente religiosa; e esta não pertence a um dado indivíduo. Ela é a mente, a mente religiosa, separada de todas as humanas lutas, exigências, ânsias e compulsões individuais, etc. Estivemos apenas descrevendo a totalidade da mente, que poderá parecer dividida pelo emprego de diferentes palavras; mas ela é uma coisa total, na qual tudo se contém. Por conseguinte, essa mente religiosa pode receber aquilo que não é mensurável pelo intelecto. Essa coisa é indenominável; nenhum templo, nenhum sacerdote, nenhuma igreja, nenhum dogma pode conter. Rejeitar tudo isso e viver naquele estado, essa é a verdadeira mentalidade religiosa. 

Krishnamurti

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O que é o amor?

Aparte: Podeis falar-nos um pouco mais sobre o que é o amor?

Krishnamurti: Isto supõe duas coisas, não? — a definição verbal, de acordo com o dicionário, a qual, evidentemente, não é o amor. Essa é a primeira coisa, que envolve todos os símbolos, as palavras, as ideias, concernentes ao amor. A outra coisa é que só se pode encontrar o amor por meio da negação; ele só pode ser descoberto pela negação. E, para descobrir, a mente deve primeiramente libertar-se da escravidão das palavras, ideias e símbolos. Isto é, para descobrir o amor, a mente precisa varrer tudo o que já sabe a respeito do amor. Não é necessário “varrer” tudo o que é conhecido para se descobrir “o desconhecido?” Não é necessário varremos todas as nossas ideias, por mais que nos deleitem, todas as nossas tradições, por mais nobres que sejam, para descobrir o que é Deus, descobrir se Deus existe? Deus, aquela imensidão, deve ser incognoscível, não mensurável pela mente. Assim, precisamos cortar completamente o processo de medição, de comparação, e o processo de reconhecimento, para podermos descobrir.

Do mesmo modo, para saber, experimentar, sentir o que é o amor, a mente deve estar livre para descobri-lo; estar livre para senti-lo, para “viver com ele”, sem divisão entre observador e coisa observada. Precisa ultrapassar as limitações da palavra; perceber tudo o que a palavra sugere: amor pecaminoso e amor divino; amor nobre e amor ignóbil — todos os preceitos e sanções e tabus sociais com que temos cercado esta palavra. E isso representa empreendimento dificílimo, não? — amar um comunista, amar a morte. E o amor não é oposto do ódio, porque todo oposto é parte de outro oposto. Amar, compreender a brutalidade que impera no mundo, a brutalidade dos ricos e dos poderosos; ver o sorriso no rosto do pobre por quem passais na estrada e participar da felicidade dessa pessoa — experimentai isso uma vez, para verdes o que sucede. Amar requer uma mente que esteja sempre a purificar-se das coisas que conhece, que experimentou, recolheu, acumulou, e às quais se apegou. Sendo assim, não há possibilidade de descrever essa palavra; só podemos sentí-la em sua totalidade.

Krishnamurti — 28/05/1961

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill