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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Encarando o “centro” da dependência psicológica

Naturalmente, temos necessidade de certas coisas exteriores, superficiais, tais sejam roupas, teto e alimentos. Estas coisas são essenciais para todos nós. Mas, necessitamos realmente de mais alguma coisa? Psicologicamente, existe uma necessidade real de sexo, de fama, do imperioso impulso da ambição, do perpétuo ansiar por mais  mais? De que necessitamos, psicologicamente? Pensamos que necessitamos de muitas coisas, e daí é que resulta todo o sofrimento da dependência. Mas, se examinarmos realmente, se investigarmos profundamente a questão, existe alguma necessidade essencial, psicologicamente, interiormente? Acho que valeria a pena fazermos seriamente esta pergunta a nós mesmos. A dependência psicológica de outra pessoa nas relações, a necessidade de estar em comunhão com outro, a necessidade de aderir a um dado padrão de pensamento e de atividade, a necessidade de preenchimento, de nos tornarmos famosos — todos conhecemos essas necessidades e constantemente estamos cedendo a elas. E penso que seria significativo se pudéssemos, cada um de nós, tentar descobrir quais são realmente as nossas necessidades e até que ponto delas dependemos. Porque, se não compreendermos a necessidade, não seremos capazes de compreender o desejo, não seremos capazes de compreender a paixão e, por conseguinte, o amor. Seja rico, seja pobre, um homem necessita evidentemente de comida, de roupa e de teto, embora, mesmo aí, a necessidade possa ser limitada, pequena, ou expansível. Mas, além dessa, existe realmente alguma necessidade? Por que se tornaram tão importantes as nossas necessidades psicológicas, por que se tornaram uma força tão imperiosa e compulsiva? São elas, meramente, uma fuga de algo muito mais profundo?

Em nossa investigação não estamos procedendo analiticamente. Estamos tentando encarar o fato, ver exatamente o que é; e isso não requer nenhuma espécie de análise, de psicologia, de engenhosas e digressivas explicações. O que estamos tentando é ver por nós mesmos quais são as nossas necessidades psicológicas, e não explicá-las, não racionalizá-las, e sem perguntar: “Que faremos sem elas? Eu tenho de tê-las.” Isso fecha a porta à ulterior investigação. E, evidentemente, a porta está também hermeticamente fechada quando a investigação é puramente verbal, intelectual ou emocional. A porta está aberta quando desejamos realmente enfrentar o fato, e isso não requer um intelecto extraordinário. Para se compreender um problema muito complexo, necessita-se de uma mente clara, simples; mas nega-se a simplicidade e a clareza quando temos uma quantidade de teorias e estamos tentando evitar o problema.

A questão, pois é: Por que temos essa imperiosa necessidade de preencher-nos, por que somos tão cruelmente ambiciosos, por que tem o sexo tão extraordinária importância em nossa vida? Não importa a qualidade ou a quantidade de nossas necessidades, ou se alguém tem “o máximo” ou “o mínimo”; mas, por que existe esse tremendo impulso para nos preenchermos, na família, num nome, numa posição, etc., com todas as respectivas ansiedades, frustrações e sofrimentos — impulso que a sociedade estimula e a igreja abençoa?

Ora, se examinardes isso, pondo de parte a reação de dizer: “Que me aconteceria se eu não tivesse êxito na vida?” — descobrireis, sem dúvida, algo muito profundo, ou seja o medo de “não ser”, do isolamento completo, do vazio e da solidão. Ele lá está, profundamente oculto, esse anseio tremendo, esse medo de se ver isolado de tudo. Eis a razão porque nos apegamos a todas as formas de relação. Eis porque existe a necessidade de pertencer a alguma coisa, a um culto, uma sociedade, de entregar-se a certas atividades, de ater-se a determinada crença; porque, dessa maneira, podemos fugir da realidade interior, profunda. É esse medo, por certo, que força a mente, o intelecto, nosso ser inteiro a aderir a uma dada forma de crença ou de relação, a qual se torna, então, necessidade.

Não sei se alcançastes este ponto, nesta investigação, — não verbalmente, porém, realmente. Isso significa descobrir diretamente e enfrentar o fato de se ser nada, de se estar interiormente vazio como uma concha e coberto das joias do saber e da experiência que, na realidade, nada mais são do que palavras e explicações. Ora, para enfrentar esse fato sem desespero, sem sentir quanto ele é terrível, porém, simplesmente “ficar com ele”, é necessário em primeiro lugar compreender a necessidade. Se compreendermos o significado da necessidade, ela não terá mais preponderância em nossa mente e coração.

Voltaremos a este tópico mais tarde. Mas passemos a considerar o desejo. Conhecemos — não é verdade? — o desejo que se contradiz, se tortura, se lança em diferentes direções; a dor, a agitação, a ansiedade do desejo, e o disciplinar, o controlar dele. E, em nossa eterna batalha com ele, torcemo-lo, desfiguramo-lo, tornamo-lo irreconhecível; mas ele subsiste, vigilante, expectante, premente. O que quer que se faça — sublimá-lo, fugir-lhe, rejeitá-lo ou aceitá-lo, soltar-lhe as rédeas — ele está sempre presente. E sabemos que os instrutores religiosos e outros têm dito que devemos ser isentos de desejos, cultivar o desapego — coisa realmente absurda, porquanto o desejo tem de ser compreendido e, não, destruído. Se destruís o desejo, podeis destruir a própria vida. Se pervertermos o desejo, se o moldamos, se o controlamos, dominamos, reprimimos, podemos estar destruindo algo extraordinariamente belo.

Temos de compreender o desejo; mas é dificílimo compreender essa coisa tão cheia de vitalidade, tão exigente e premente, pois no próprio preenchimento do desejo gera-se a paixão, com os prazeres e dores respectivos. E para compreender o desejo não deve, naturalmente, haver escolha. Não se pode julgar o desejo chamando-o “bom” ou “mau”, “nobre” ou “ignóbil”, ou dizer: “Conservarei este desejo e rejeitarei aquele”. Tudo isso deve ser posto de parte para podermos descobrir a verdade relativa ao desejo — sua beleza, fealdade, ou o de adquirir conhecimentos e acumular vários tipos de experiência, ao que quer que seja. Este é um assunto muito interessante, mas aqui, no Oeste, ou no Ocidente, muitos desejos podem ser preenchidos. Tendes carros, prosperidade, melhor saúde, a possibilidade de ler livros, ao passo que no Oriente existe ainda carência de alimentos, roupa e de morada, bem como a desdita e a degradação da pobreza. Mas tanto no Ocidente como no Oriente, o desejo sempre arde em todos os sentidos; ele está sempre presente, exteriormente e também interiormente, bem entranhado. O homem que renúncia ao mundo está tão tolhido pelo seu desejo de buscar Deus, como o está o homem que busca a prosperidade. Assim, o desejo está presente a todas as horas, ardente, contraditório, criando agitação, ansiedade, culpa e desespero.

Não sei se já fizestes experiências a esse respeito; mas que aconteceria se não condenássemos o desejo, se não o julgássemos “bom” ou “mau”, porém, ficássemos simplesmente cônscios dele? Será que sabeis o que significa “estar cônscio de alguma coisa?” Em geral, não estamos “cônscios”, porque nos acostumamos a condenar, a julgar, a avaliar, a identificar, a escolher. A escolha, evidentemente, impede o percebimento, porque a escolha é sempre feita como resultado de conflito. Estar cônscio, ao entrar numa sala, ver os móveis, o tapete ou  falta dele, etc. —  ver, simplesmente, estar cônscio de tudo sem a tendência para julgar — é dificílimo. Já experimentastes olhar para uma pessoa, uma flor, uma ideia, uma emoção, sem fazer escolha, sem imitir julgamento?

E se fizermos o mesmo com o desejo, se “vivermos com ele” — sem rejeitá-lo ou dizer “Que farei com este desejo? Ele é tão feio, veemente, violento”, sem aplicar um nome, um símbolo, sem encobri-lo com uma palavra — existe então ainda a causa da agitação? É então o desejo algo que se deve lançar fora, destruir? Desejamos destruí-lo porque um desejo está em antagonismo com outro, criando conflito, sofrimento e contradição; e pode-se ver como tentamos fugir desse conflito perene. Assim, pode-se estar cônscio da totalidade do desejo? O que entendo por “totalidade” não é simplesmente um desejo ou muitos desejos, mas a “qualidade total” do próprio desejo. E só se pode estar cônscio da totalidade do desejo, quando não há opinião a seu respeito, nem palavra, nem julgamento, nem escolha. Estar cônscio de cada desejo ao surgir, não se identificar com ele nem condená-lo — nesse estado de alertamento existe desejo ou o que existe é uma chama, uma paixão que é necessária? A palavra “paixão” é de ordinário reservada para uma coisa: o sexo. Mas, para mim, paixão não é sexo. Precisamos de paixão, intensidade, para podermos viver realmente com uma coisa; para vivermos plenamente, contemplarmos uma montanha, uma árvore, olharmos realmente para um ente humano, devemos ter intensidade apaixonada. Mas essa paixão, essa chama é negada, quando estamos tolhidos por vários impulsos, exigências, contradições, temores. Como pode sobreviver uma chama se a sufocamos com uma quantidade de fumo? Nossa vida é só fumaça; buscamos a chama, mas a estamos negando pelo reprimir, controlar, moldar a coisa a que chamamos desejos.

Sem paixão, como pode haver beleza? Não me refiro à beleza de quadros, edifícios, pinturas de mulheres, etc., que têm suas peculiares formas de beleza, mas não estamos tratando da beleza superficial. Uma coisa construída pelo homem, como uma catedral, um templo, um quadro, um poema, ou uma estátua, pode ser ou pode não ser bela. Mas existe uma beleza superior ao sentimento e ao pensamento e que não pode ser percebida, compreendida ou conhecida se não existe paixão. Mas não interpreteis erroneamente a palavra “paixão”. Não é uma palavra feia; não é uma coisa adquirível no mercado ou de que se pode falar romanticamente. Não tem absolutamente nenhuma relação com a emoção, o sentimento. Não é coisa respeitável; é uma chama destruidora de quanto é falso. E temos sempre tanto medo de deixar essa chama consumir as coisas que nos são caras, as coisas que chamamos importantes!

Afinal de contas, a vida que atualmente levamos, baseada em necessidades, desejos e métodos de controlar o desejo, faz-nos mais superficiais e vazios do que nunca. Pode os ser talentosos, ilustrados, e capazes de repetir tudo o que aprendemos; mas as máquinas eletrônicas fazem a mesma coisa e já, em certos setores, as máquinas se tornaram mais capazes do que o homem, mais exatas e rápidas em seus cálculos. E assim estamos sempre voltando a este mesmo tópico, ou seja, que a vida que vivemos atualmente é bem superficial, estreita, limitada, e isso porque, profundamente, estamos vazios, sós, e sempre tentando encobrir, preencher esse vazio; por isso, a necessidade, o desejo se torna uma coisa terrível. Nada pode preencher esse profundo vazio interior — nem deuses, nem salvadores, nem o saber, nem as relações, nem os filhos, nem o marido, nem a esposa — nada. Mas se a mente, o intelecto, a totalidade de vosso ser, é capaz de encará-lo, de “viver com ele”, vereis então que, psicológica, interiormente, não há necessidade de coisa alguma. Esta é a verdadeira liberdade.

Isso, porém, requer profundo discernimento, profunda investigação, incessante vigilância; e desse modo talvez venhamos a saber o que é amor. Como pode haver amor quando há apego, ciúme, inveja, ambição e todas as hipocrisias que acompanham esta palavra? Mas, se tivermos passado por aquele vazio — que é uma realidade e não um mito nem uma ideia — veremos que o amor e o desejo e a paixão são uma mesma coisa. Se se destrói uma, destrói-se a outra; se se corrompe uma, corrompe-se a beleza. Para se penetrar tudo isso requer-se, não uma mente desapegada, dedicada ou uma mente religiosa, mas uma mente disposta a investigar, uma mente nunca satisfeita, que está sempre a olhar, a vigiar, a observar a si própria — a conhecer a si mesma. Sem o amor, nunca será possível descobrir o que é a Verdade.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

Enfrentando nossa tremenda solidão e vazio

Pergunta: Que queríeis dizer ao declarardes, há dias, que devemos ser perturbados?

Krishnamurti: Peço-vos não considerar-me como uma autoridade. Isso seria uma coisa terrível. Mas podeis ver por vós mesmo que o desejo de não sermos perturbados é uma de nossas principais necessidades. E é possível que a mente, o intelecto, ao deter seu incessante “tagarelar”, descubra uma grande perturbação interior. Podeis ver por vós mesmo que vossa mente vive ocupada — com a esposa, o marido, o sexo, a nacionalidade, Deus, sobre onde obter a próxima refeição, etc. E já procurastes averiguar por que ela vive ocupada, e que aconteceria se não estivesse ocupada? Se o fizerdes, vos vereis frente a frente com algo que nunca pensastes; e esse algo pode ser um fato extremamente perturbador. E é realmente. Esta constante ocupação da mente pode ser uma simples fuga ao fato, ou seja, nossa tremenda solidão e vazio. E essa perturbação precisa ser enfrentada e profundamente examinada.

Krishnamurti — 10 de setembro de 1961  

Onde há dependência, há contradição e o conflito

É verdadeiramente extraordinário o descobrirmos diretamente que só há pensar e não há pensador. Porque se vê, então, que se pode viver neste mundo sem contradição, já que se necessita de muito pouca coisa. Se se necessita de muita coisa — sexual, emocional, psicológica ou intelectualmente — há dependência de outrem; e no momento em que começa a dependência, começa a contradição e o conflito. Quando a mente se liberta do conflito, com essa liberdade se manifesta um movimento de caráter de todo diferente. A palavra “paz”, como a conhecemos, não tem aí aplicação, porque esta palavra tem para nós diferentes significados, conforme a pessoa que a emprega — um político, um sacerdote, ou quem quer que seja. Não é a prometida paz celestial, após a morte; ela não se encontra em nenhuma igreja, nenhuma ideia, nem na adoração de nenhum Deus. Ela surge quando ocorre a cessação total de todo conflito interior; e isso só é possível quando não há nenhuma necessidade. Não há então necessidade, nem mesmo de Deus. Só há um movimento imensurável que não pode ser corrompido por ação alguma.

Krishnamurti – 10 de setembro de 1961

A crença não vos conduz a Deus

Pergunta: A crença em Deus se baseia sempre no medo?

Krishnamurti: Por que credes em Deus? Qual é  a necessidade? Interessa-vos a crença em Deus quando sois muito feliz ou só quando se vos apresentam tribulações? Vós credes, porque fostes condicionado para crer? Como bem sabemos, há dois mil anos que nos dizem que existe Deus; e no mundo comunista estão condicionando a mente para não crer em Deus. É a mesma coisa; tanto num como noutro caso a mente está sendo influenciada. A palavra “Deus” não é Deus; e o descobrirdes verdadeiramente, por vós mesmo, se tal coisa — Deus — existe, é muito mais significativo do que vos apegardes a uma crença ou descrença. E o descobrir por si mesmo requer enorme energia — energia para libertar-se de todas as crenças; porém isto não importa um estado de ateísmo ou de dúvida. Mas a crença é uma coisa muito confortante, e poucos estão dispostos a despedaçar-se interiormente. A crença não vos conduz a Deus. Nenhum templo, nem igreja, nem dogma, nem ritual pode conduzir-vos à Realidade. Essa Realidade existe; mas para descobri-la precisais de uma mente imensurável. A mente pequena, limitada, só pode encontrar os deuses pequeninos e limitados que ela mesma cria. Portanto, devemos estar prontos a perder toda a nossa respeitabilidade, todas as nossas crenças, para podermos descobrir o que é real.

Acho que não podeis continuar escutando.  Se estivestes escutando indolentemente, ouvindo puramente as palavras, neste caso, sem dúvida, poderíeis continuar ouvindo por mais algumas horas. Mas, se escutastes corretamente, atentamente, com o propósito de aprofundar, então dez minutos bastariam, porque neste espaço poderíeis destroçar as barreiras que a mente criou para si própria de descobrir o que é Verdade.

Krishnamurti — Paris, 7 de setembro de 1961 

A mente cria sua própria escravidão como também os elementos de sua própria libertação

Pergunta: A mente traz em si mesma os elementos de sua própria compreensão?

Krishnamurti: Acho que sim; não achais também? O que é que impede a compreensão? Os obstáculos não são criados pela própria mente? Por conseguinte tanto a compreensão como as próprias barreiras são elementos mentais.

Vede, senhor, para se viver numa base de incerteza, sem se tornar mentalmente, requer-se grande dose de compreensão. Não achais que uma das barreiras é o insistente desejo de segurança interior? Exteriormente, vejo que não existe segurança; assim, a mente cria, interiormente, a sua própria segurança, numa crença, num deus, numa ideia. A mente, portanto, cria sua própria escravidão, mas tem, também, os elementos de sua própria libertação.

Krishnamurti – Paris, 7 de setembro de 1961

A semente tem de quebrar-se

Deus purifica de qualquer forma.

Não é somente ouro que tem de passar pelo fogo para ser purificado, o homem também.

Para o homem esse fogo é a angústia do amor.

É uma felicidade quando este fogo entra na vida de uma pessoa, ele é o fruto de preces infinitas, nascimentos infinitos.

É a intensidade da sede que se transforma finalmente em amor, mas, infelizmente, poucos são capazes de recebê-lo porque poucos podem reconhecer o amor em forma de angústia.

Amor não é um trono, é uma cruz; mas aqueles que prazerosamente se oferecem a ela alcançam o trono mais alto. A cruz pode ser vista, o trono, não — está sempre escondido atrás da cruz.

E mesmo Jesus hesitou por um momento; mesmo seu coração gritou: Pai, por que você se esqueceu de mim?

Mas no próximo momento ele se lembrou e disse: Que seja feito.

Aquilo foi suficiente: a cruz tornou-se um trono e a morte, uma nova vida.

No momento de revolução, entre uma frase e outra, Cristo desceu sobre Jesus.

Seu sofrimento é intenso e um novo nascimento está chegando; seja feliz, seja agradecido, não tenha medo da morte, tenha gratidão, estes são os rumores de um novo nascimento e o velho deve morrer para dar vida ao novo; a semente tem de quebrar-se para desabrochar em flor.

Osho, em "Uma Xícara de Chá"

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Existe algum meio de aquietar a mente?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, ao formulardes esta pergunta, estais percebendo que vossa mente está agitada? Estais cônscio de que vossa mente nunca está quieta, que está constantemente a “tagarelar”? Eis um fato. A mente fala incessantemente, seja a respeito de alguma coisa, seja para si própria; está constantemente ativa. Por que fazeis esta pergunta? Pensai até o fim junto comigo. Se a fazeis porque estais parcialmente cônscio da “tagarelice” e desejais livrar-vos dela, neste caso podeis tomar uma droga, uma pílula que faça a mente dormir. Mas, se estais investigando e desejais realmente descobrir porque tagarela a mente, o problema se torna então muito diferente. No primeiro caso, trata-se de uma fuga, no segundo de seguir a tagarelice até o fim.

Pois bem; por que tagarela a mente? Com “tagarelar” queremos dizer que ela está sempre ocupada com alguma coisa — o rádio, seus problemas, seu emprego, suas visões, suas emoções, seu mitos. Ora, por que está ela ocupada e o que aconteceria se não estivesse ocupada? Já tentastes alguma vez não estar ocupado? Se já o fizestes, tereis visto que no mesmo instante em que o intelecto deixa de estar ocupado, manifesta-se o medo. Porque isso significa estar “só”. Se vos verdes sem ocupação alguma, esta é uma situação muito dolorosa, não? Já estiveste , alguma vez? Duvido. Podeis passear a sós, sentar-vos sozinho num ônibus ou em vosso quarto, mas vossa mente está sempre ocupada, vossos pensamentos sempre a fazer-vos companhia. O cessar da ocupação faz-vos descobrir que estais completamente só, isolado, e isso gera medo; eis por que a mente prossegue tagarelando, tagarelando…

Krishnamurti — 5 de setembro de 1961   

É capaz a mente, o intelecto, libertar-se de todos problemas?

Se desejais descobrir o que é verdadeiro, deveis quebrar todos os elos que vos prendem, para investigardes não só o exterior, vossas relações com as coisas e pessoas, mas também o interior, isto é, conhecer a vós mesmo — tanto superficialmente, na consciência desperta, como no inconsciente, nos ocultos recessos do intelecto e da mente. Requer isso observação constante; e se observardes dessa maneira, vereis que não existe separação real entre o exterior e o interior; porque o pensamento, como a maré, tanto flui para fora como para dentro. Tudo constitui um só processo de autoconhecimento. Não podeis rejeitar o exterior, porquanto, não sois uma entidade separada do mundo. O problema do mundo vos concerne, e o “exterior” e o “interior” são duas faces da mesma moeda. Os eremitas, os monges, e os chamados religiosos que renunciam ao mundo estão apenas, com todas as suas disciplinas e superstições, fugindo para suas próprias ilusões.

Pode-se ver que exteriormente não somos livres. Em nossos empregos, em nossas religiões, nossas pátrias, em nossas relações com esposa, marido, filhos, em nossas ideias, crenças e atividades políticas, não somos livres. Interiormente, também, não somos livres, porque não conhecemos nossos “motivos”, nossos impulsos, compulsões, exigências inconscientes. Assim, não há liberdade, nem interior nem exteriormente, e este é que é o fato. Mas, em primeiro lugar, cumpre-nos perceber essa fato, pois em geral recusamo-nos a percebê-lo; sofismamos a respeito dele, encobrimo-lo com palavras, com ideias, etc. O fato é que, tanto na esfera psicológica, como na exterior, desejamos segurança. Exteriormente, desejamos estar seguros em nosso emprego, nossa posição, nosso prestígio, nossas relações; e quando um reduto é destruído, passamos a outro.

Assim, reconhecendo as condições extremamente complexas em que o intelecto e a mente funcionam, que possibilidade temos de romper com essas muralhas? Espero estejais vendo o impasse a que chegamos. A questão é esta: Tratamos alguma vez de enfrentar realmente o fato? O fato é que o intelecto e a mente buscam a segurança numa dada forma, e quando existe essa ânsia de segurança, existe medo. Nunca encaramos realmente esse fato; ou dizemos que ele é inevitável ou, ainda, perguntamos como nos libertamos do temor. Já se pudermos encarar o fato, sem tentar fugir-lhe, interpretá-lo ou transformá-lo, então o fato atua por si mesmo.

Não sei se, psicologicamente, chegaste até este ponto, experimentaste até este ponto, pois me parece que a maioria de nós não percebe o quanto a nossa mente, o nosso intelecto, se mecanizou; e não perguntamos a nós mesmos se é possível encarar esse fato completamente, com intensidade. Desejo que fique bem claro que não estou procurando convencer-vos de coisa alguma; isso seria muito infantil. Não estamos aqui fazendo propaganda — deixemos isso aos políticos, às Igrejas e a todos aqueles que “oferecem” coisas. Não estamos a oferecer-vos novas ideias, porquanto as ideias nada significam; podemos entreter-nos com elas intelectualmente, porém elas não nos levam a parte alguma. O que é significativo, o que tem vitalidade, é enfrentar um fato; e o fato é que a mente, todo o nosso ser está sendo mecanizado há séculos. Todo pensamento é mecânico; e para compreendermos esse fato e transcendê-lo, precisamos primeiramente vê-lo.

Pois bem; como podemos entrar em contato, emocionalmente, com um fato? Intelectualmente posso dizer que tenho o hábito de beber e que é muito nocivo beber — física, emocional e psicologicamente — e, no entanto, continuar a beber. Mas entrar em contato com o fato emocionalmente é coisa bem diferente. Pois o contato emocional com o fato tem ação própria. Sabeis como — quando guiais um carro por muito tempo — começais a cochilar e, então, dizeis: “Preciso despertar” — mas continuais a guiar. Depois, ao passardes perigosamente próximo a outro carro, dá-se então, repentinamente, um contato emocional direto e despertais imediatamente, e levais o carro para margem da estrada, a fim de descansardes um pouco. Já alguma vez vistes um fato repentinamente, da mesma maneira, entrando em contato com ele totalmente, completamente? Já apreciastes realmente uma flor? Duvido, porque nunca olhamos realmente para uma flor; o que fazemos é classificá-la imediatamente, dar-lhe um nome, chamá-la “rosa”, cheirá-la, dizer “como é bela!” e colocá-la de lado, como coisa já conhecida. A denominação, a classificação, a opinião, o julgamento, a escolha — tudo isso vos impede de efetivamente olhá-la.

Da mesma maneira, para entrarmos emocionalmente em contato com um fato não deve haver denominação, nem classificação, nem julgamento; todo pensar e toda reação devem cessar. Só então podeis olhar. Experimentai, de vez em quando, olhar para uma flor, uma criança, uma estrela, uma árvore ou o que quer que seja, livre de todo o processo do pensar, pois, se o fizerdes, vereis muito mais. Não haverá então nenhuma cortina de palavras entre vós e o fato e, portanto, estareis em contato direto com ele. Há séculos que somos educados para avaliar, condenar, aprovar, classificar; e tornar-se cônscio de todo esse processo é começar a ver o fato.

Atualmente, a totalidade de nossa vida está confinada no tempo e no espaço, e os problemas imediatos nos absorvem. Nossos empregos, nossas relações, os problemas do ciúme, do medo, da morte, da velhice, etc. — tudo isso nos enche a vida. A mente, o intelecto, é capaz de libertar-se de todos os problemas? Digo que sim, pois já o experimentei, já desci até suas profundezas e deles me libertei. Mas de modo nenhum deveis aceitar o que vos diz este orador, porquanto a simples aceitação nenhum valor tem. A única coisa valiosa é empreenderdes também a jornada; mas, para a empreenderdes, necessitais de liberdade desde o começo, necessitais do impulso para descobrir — não, aceitar, não, duvidar, mas, sim, descobrir. Vereis, então, ao aprofundardes a questão, que a mente pode ser livre; e só essa mente livre pode descobrir o que é verdadeiro.

Krishnamurti — 5 de setembro de 1961

O pensamento nunca pode ser livre


Pergunta: É verdade que não podemos servir-nos da razão para descobrir o que é verdadeiro?

Krishnamurti: Senhor, que se entende por razão? A razão é pensamento organizado, como a lógica são ideias organizadas, não é exato? E o pensamento, por mais inteligente, por mais vasto, por mais erudito que seja, é limitado. Todo pensamento é limitado. Podeis observá-lo vós mesmo; isso não é novidade. O pensamento nunca pode ser livre. O pensamento é reação, reação da memória; é “processo” mecânico. Ele poderá ser razoável, poderá ser são, poderá ser lógico, mas é limitado. É como os computadores eletrônicos. E o pensamento nunca pode descobrir o que é novo. O intelecto adquiriu, acumulou, através de séculos, experiências, reações, lembranças; e quando essa cosia pensa, está condicionada e, portanto, não pode descobrir o novo. Quando, porém, esse intelecto compreendeu todo o processo da razão, da lógica, do investigar, do pensar — não rejeitou, mas compreendeu — então ele se torna quieto. E, então, esse estado de quietude pode descobrir o que é verdadeiro.

Senhor, a razão vos diz que deveis ter líderes. Tendes tido líderes políticos ou religiosos. Eles não vos conduziram a parte alguma, a não ser a mais sofrimento, mais guerras, maior destruição e corrupção.
Krishnamurti

A mente religiosa

A mente religiosa não é aquela que pertence a certa igreja, crença, dogma — essas coisa só podem condicionar a mente. Ir à igreja todas as manhãs e render culto a este ou àquele não vos torna uma pessoa religiosa, embora a sociedade respeitável possa considerar-vos como tal. O que faz a pessoa religiosa é a destruição do conhecido. 

(...) A mente religiosa, pois, conhece essa destruição completa, total, e sabe o que significa achar-se num estado de criação, estado esse que não se pode comunicar. E nela existe o sentimento da beleza e do amor, que são inseparáveis. O amor não é divisível em amor divino e amor físico. Á amor. E não é necessário dizer que ele se acompanha, naturalmente, de um sentimento de paixão. Não se pode ir muito longe sem paixão — paixão, que é intensidade. Não é um estado de entusiasmo. A beleza só pode existir quando há paixão, que é austera; e a mente religiosa, encontrando-se nesse estado, tem uma força de qualidade peculiar. 

(...) Assim, quando uma pessoa penetrou profundamente no descobrimento de si mesma, existe a mente religiosa; e esta não pertence a um dado indivíduo. Ela é a mente, a mente religiosa, separada de todas as humanas lutas, exigências, ânsias e compulsões individuais, etc. Estivemos apenas descrevendo a totalidade da mente, que poderá parecer dividida pelo emprego de diferentes palavras; mas ela é uma coisa total, na qual tudo se contém. Por conseguinte, essa mente religiosa pode receber aquilo que não é mensurável pelo intelecto. Essa coisa é indenominável; nenhum templo, nenhum sacerdote, nenhuma igreja, nenhum dogma pode conter. Rejeitar tudo isso e viver naquele estado, essa é a verdadeira mentalidade religiosa. 

Krishnamurti

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O que é o amor?

Aparte: Podeis falar-nos um pouco mais sobre o que é o amor?

Krishnamurti: Isto supõe duas coisas, não? — a definição verbal, de acordo com o dicionário, a qual, evidentemente, não é o amor. Essa é a primeira coisa, que envolve todos os símbolos, as palavras, as ideias, concernentes ao amor. A outra coisa é que só se pode encontrar o amor por meio da negação; ele só pode ser descoberto pela negação. E, para descobrir, a mente deve primeiramente libertar-se da escravidão das palavras, ideias e símbolos. Isto é, para descobrir o amor, a mente precisa varrer tudo o que já sabe a respeito do amor. Não é necessário “varrer” tudo o que é conhecido para se descobrir “o desconhecido?” Não é necessário varremos todas as nossas ideias, por mais que nos deleitem, todas as nossas tradições, por mais nobres que sejam, para descobrir o que é Deus, descobrir se Deus existe? Deus, aquela imensidão, deve ser incognoscível, não mensurável pela mente. Assim, precisamos cortar completamente o processo de medição, de comparação, e o processo de reconhecimento, para podermos descobrir.

Do mesmo modo, para saber, experimentar, sentir o que é o amor, a mente deve estar livre para descobri-lo; estar livre para senti-lo, para “viver com ele”, sem divisão entre observador e coisa observada. Precisa ultrapassar as limitações da palavra; perceber tudo o que a palavra sugere: amor pecaminoso e amor divino; amor nobre e amor ignóbil — todos os preceitos e sanções e tabus sociais com que temos cercado esta palavra. E isso representa empreendimento dificílimo, não? — amar um comunista, amar a morte. E o amor não é oposto do ódio, porque todo oposto é parte de outro oposto. Amar, compreender a brutalidade que impera no mundo, a brutalidade dos ricos e dos poderosos; ver o sorriso no rosto do pobre por quem passais na estrada e participar da felicidade dessa pessoa — experimentai isso uma vez, para verdes o que sucede. Amar requer uma mente que esteja sempre a purificar-se das coisas que conhece, que experimentou, recolheu, acumulou, e às quais se apegou. Sendo assim, não há possibilidade de descrever essa palavra; só podemos sentí-la em sua totalidade.

Krishnamurti — 28/05/1961

Como proceder para conhecer o genuíno espírito religioso?

Dissemos que existe a beleza, um sentimento do belo inacessível aos sentidos, sentimento não provocado pelas coisas feitas pelo homem ou pela natureza. A beleza transcende tudo isso; e para efetuarmos a investigação da beleza — que não é meramente subjetiva ou objetiva — temos de alcançar o percebimento intenso de beleza que se alcança por meio da meditação. Considero a meditação, a mente meditativa, um requisito essencial. Já examinamos esta matéria com bastante profundeza e vimos que a mente meditativa é aquela que investiga, que percorre todo o processo do pensamento e é capaz de ultrapassar-lhe as limitações.

Talvez, para alguns dentre nós seja dificílimo meditar; e é mesmo provável que não tenhamos sequer pensado nesta questão. Mas quem examina atentamente esta questão da meditação — a qual não é auto-hipnotismo, nem imaginação, nem evocações de visões, e outras infantilidades que tais — alcança, invariavelmente, penso eu, aquele mesmo sentimento, aquela mesma intensidade própria da mente que percebe o belo sem "provocação". E a mente que está em silêncio, tranquila, naquele estado de intensidade, descobre um estado não limitado pelo tempo e pelo espaço.

Desejo agora falar sobre o significado da mente religiosa. (...) Parece-me que neste nosso mundo atual, onde vemos tanta confusão, aflição e agitação, são necessárias a mente científica e a mente religiosa. Estes dois, sem dúvida, são os únicos estados mentais reais; pois não é real o estado da mente que crê, da mente condicionada, quer pelo dogma do cristianismo, do hinduísmo, quer por qualquer outra crença ou religião. Afinal, temos problemas imensos e a vida se tornou muito mais complexa. Exteriormente, talvez haja um maior sentimento de segurança, o sentimento de que talvez não tenhamos guerras atômicas no futuro, dado o terror que inspiram. Sente-se que, conquanto possa haver guerra em data remota, não será na Europa; e, assim, podemos sentir-nos mais seguros, física e emocionalmente. Mas, parece-me, a mente que busca segurança se torna embotada, medíocre, e, em tais condições, ela é incapaz de resolver seus próprios problemas.

Assim, para vivermos neste mundo — com suas rotinas, seu tédio, a existência superficial da classe média, da classe superior ou da inferior — e resolvermos os nossos problemas, ultrapassá-los, penetrar profundamente em nós mesmos, só há dois caminhos:, dar-lhe o cientifico ou o religioso. O "caminho" religioso inclui o cientifico, mas o cientifico não contém o religioso. Mas necessitamos do espírito cientifico, uma vez que este é capaz de examinar rigorosamente todas as causas da miséria humana; o espírito cientifico poderá promover a paz mundial, objetivamente — alimentar a humanidade, dar-lhe casas para morar, roupas, etc. — não apenas aos ingleses ou aos americanos, mas a todo o mundo. Não se pode viver na prosperidade numa extremidade da terra, enquanto na outra extremidade existe degradação, doença, fome e esqualidez. Talvez a maioria de vós ignoreis isso, mas o deveis saber. Para se resolverem todos esses imensos problemas, perceber toda a estupidez do nacionalismo, dos conchavos políticos, das ambições, da avidez de poder, necessita-se do espírito cientifico. Mas, infelizmente, como se vê, o espírito cientifico está agora interessado em viagens à Lua ou mais além, em aumentar nossos confortos com geladeiras melhores, carros melhores, etc. Isto está certo, de modo geral, mas afigura-se-me um ponto de vista muito limitado.

Sabemos o que é "espírito cientifico": espírito de investigação, nunca satisfeito com seus achados, sempre variável, nunca estático. Foi o espírito cientifico que criou o mundo industrial; mas esse mundo industrial, sem revolução interior, produz uma medíocre maneira de viver. Sem essa revolução interior, todas as glórias e belezas da chamada vida intelectual só podem tornar a mente mais embotada, mais contentada, satisfeita, segura. O progresso em certos sentidos é essencial, mas também destrói a liberdade. Não sei se já notastes que, quanto mais coisas tendes, tanto menos sois livres. E, por isso, os homens religiosos do Oriente têm dito: "renunciemos às coisas materiais, pois não importam. Busquemos a outra coisa; mas eles não acharam também essa "outra coisa". Sabemos, pois, mais ou menos, o que é espírito científico — o espírito que existe no laboratório. Não me refiro ao cientista como indivíduo; este é provavelmente igual a vós e a mim, entediado da existência de cada dia, avarento, ávido de poder, posição, prestígio.

Agora, muito mais difícil é averiguar o que é espírito religioso. Como proceder, quando se deseja descobrir algo verdadeiro? Queremos saber o que é espírito religioso — não esse estranho espírito que prevalece nas religiões organizadas, porém o genuíno espírito religioso. Como proceder?

Só se começa a descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso por meio do pensar negativo, porquanto, para mim, o pensar negativo é o pensamento em sua forma mais elevada. Entendo por pensamento negativo aquele que despreza, que rompe e destroça as coisas falsas construídas pelo homem para sua própria segurança, seu sossego interior; que destroça todas as defesas e o mecanismo de pensamento construtor dessas defesas. É preciso destroçar tudo isso, ultrapassá-lo, rapidamente, celeremente, para ver se algo existe além. E o ultrapassar dessas coisas falsas não é uma reação ao que existe. Certo, para descobrirmos o que é o espírito religioso e dele nos abeiramos negativamente, precisamos ver no que cremos, e porque cremos, porque aceitamos todos os inumeráveis condicionamentos que as religiões organizadas do mundo inteiro impõem à mente humana. Por que credes em Deus? Por que não credes em Deus? Por que tendes tantos dogmas e crenças?

Direis, porventura, que se ultrapassarmos todas essas chamadas estruturas positivas atrás das quais a mente se abriga, ultrapassá-las sem desejar encontrar algo mais — nada mais restará senão desespero. Só existe desespero quando há esperança — a esperança de nos pormos em segurança, permanentemente confortados, perpetuamente medíocres, perenemente felizes. Para a maioria de nós, o desespero é reação à esperança. Mas, para se descobrir o que é o espírito religioso, acho que essa investigação deve realizar-se sem nenhuma provocação, nenhuma reação. Se vossa busca é apenas uma reação — porque desejais mais segurança interior — nesse caso vossa busca visa apenas a um conforto maior, seja numa crença, numa ideia, seja no conhecimento, na experiência. E a mim me parece que tal modo de pensar nascido da reação só pode produzir mais reações, e, por conseguinte, não oferece a libertação do processo de reação que impede o descobrimento. Não sei se está claro o que estou dizendo.

Deve haver uma maneira negativa de proceder, e isso significa que a mente necessita tornar-se cônscia do condicionamento imposto pela sociedade, em relação à moralidade; cônscia das inumeráveis sansões impostas pela religião; e cônscia, também, de como, rejeitando essas imposições exteriores, cultivamos certas resistências internas, crenças conscientes e inconscientes, baseadas na experiência, no conhecimento, e que se tornam fatores diretores.

Assim, para descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso, a mente deve achar-se num estado de revolução, e este significa a destruição de todas as coisas falsas que lhe foram impostas, seja por pressão externa, seja por ela própria; pois a mente está sempre em busca de segurança.

Afigura-se-me, pois, que o espírito religioso encerra esse constante estado mental que nunca constrói para sua segurança. Porque se a mente constrói com essa ânsia de segurança, então ela fica vivendo atrás de seus próprios muros e, portanto, é incapaz de descobrir algo novo.

Por conseguinte, a morte, a destruição do "velho", é necessária: destruição da tradição, libertação total do que foi, abandono das coisas acumuladas como memória através dos séculos. Então, direis, porventura: "Que mais resta? Tudo o que sou é constituído por todo esse conjunto de fatos, essa "história", a experiência; se tudo isso desaparece, se apaga, que resta? — Em primeiro lugar, pode-se apagar tudo isso? Podemos falar a esse respeito, mas é verdadeiramente possível apagá-lo? Eu digo que é possível — mas não por influência ou coerção, pois isso é insensatez, falta de madureza. É possível, se o penetrarmos profundamente, afastando de nós toda autoridade. E esse "limpar da lousa" — que significa morrer todos os dias e de momento em momento, para as coisas acumuladas — requer abundante energia e profundo discernimento; e isso faz parte do espírito religioso.

Outra parte do espírito religioso é o "espírito-força", que inclui a ternura e o amor. Estou tentando expressar-me por meio de palavras, mas tende a bondade de não vos contentardes com palavras, apenas. Eu disse que outra parte do espírito religioso é a força proveniente do amor. E com essa palavra "força" quero referir-me a algo completamente diferente do impulso para ser poderoso, do desejo de dominação, controle; do poder que a abstinência confere; ou do poder de uma mente sagaz, cheia de ambição, avidez, inveja, ávida de perfeição. Este poder é maligno. O domínio de uma pessoa sobre outra, o poder político, o poder de influenciar outros para pensarem de certa maneira, seja exercido pelos comunistas, pelas igrejas, seja pelos sacerdotes ou pela imprensa — este poder, para mim, é extremamente nocivo. Estou-me referindo a coisa muito diferente, tanto em grau como em qualidade, algo sem nenhuma relação com o poder dominador. Existe essa força, esse poder, uma coisa "exterior", não produzida por nossa vontade ou desejo. Nesse poder reside aquela coisa extraordinária que é o amor; e este faz parte do espírito religioso.

O amor não é sensual; nenhuma relação tem com a emoção; não é reação ao medo; não é amor materno, amor conjugal, etc.

Segui bem isso, por favor, penetrai-o, sem nada aceitar, nem rejeitar, pois estamos jornadeando juntos. Direis, talvez: "Um tal amor, um tal estado mental não baseado em lembrança, é impossível". Mas eu acho que ele pode ser encontrado. Encontramo-lo por vias obscuras, ao investigarmos no seu todo o processo do pensamento, as peculiaridades da mente. É um poder existente por si só; é energia não causada. Difere inteiramente da energia gerada pelo "eu" em sua ânsia de alcançar as coisas que deseja. E aquela energia existe, mas só será encontrada pela mente livre, não vinculada ao tempo e ao espaço. Nasce aquela energia quando o pensamento — como experiência, conhecimento, como "ego", centro — o "eu" — gerador de sua própria energia, volição e concomitantes pesares, aflições etc. — se dissolve. Dissipado esse centro, manifesta-se aquela energia, aquela força que é o amor.

(...) Assim, no sentido da palavra "religioso", é necessária uma revolução em cada um de nós — revolução total e não parcial. Toda reação é parcial; e a revolução a que nos referimos não é parcial e, sim, uma coisa total. E só essa mente pode ter intimidade com a Verdade. Só essa mente pode ter "amizade" com Deus — ou o nome que preferirdes. Só essa mente pode participar da Realidade.

Krishnamurti - 25 de maio de 1961

Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento

Desejo agora apreciar a meditação, porquanto a meditação é necessária, e estamos aqui lançando as suas bases. Para a meditação, necessita-se de uma mente capaz de permanecer em silêncio — não uma mente posta em silêncio por meio de artifícios, de disciplina, de persuasão, de repressão, porém uma mente completamente tranquila. Isso é absolutamente essencial à mente que se acha num estado de meditação. Por conseguinte, a mente deve estar liberada de todos os símbolos e palavras. Ela é escrava das palavras, não? Os ingleses são escravos da palavra "rainha", os indivíduos religiosos escravos da palavra "Deus", etc. A mente atravancada de símbolos, de palavras, de ideias, é incapaz de estar em silêncio, quieta. E a emaranhada em seus pensamentos é incapaz de estar tranquila. Essa tranquilidade não é estagnação, um estado "em branco", um estado de hipnose; mas ela pode ser alcançada "no escuro", inesperadamente, sem volição e sem desejo, quando compreendemos o processo do pensamento.

O pensamento, afinal de contas, é reação da memória; é a memória é o resíduo da experiência; e o resíduo da experiência é o centro, o "eu". Assim se forma o centro, o "eu", que é essencialmente acumulação de experiência, passada e presente, em relação tanto à coletividade como ao indivíduo. Desse centro, o resíduo da memória, emana o pensamento; e esse processo precisa ser compreendido completamente — e isso é autoconhecimento. Assim, sem autoconhecimento, consciente e inconsciente, a mente nunca estará tranquila. Só poderá hipnotizar-se para tornar-se tranquila, mas isso é infantil, sem madureza.

O autoconhecimento, portanto, é imediato, é necessário e urgente, porquanto a mente que conhece a si própria e a todos os seus artifícios, imaginações e atividades, pode chegar sem esforço, sem exigência, sem premeditação, ao estado de completa quietude. Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento e saber como este divide a si próprio em "eu superior" e "eu inferior". É o percebimento da totalidade desse movimento de experiência, memória, pensamento, e também do centro — pois o centro se torna pensamento, memória e experiência; e a experiência, por sua vez, se torna memória mediante o ulterior condicionamento da experiência.

Espero me estejais seguindo, pois, se vos observardes atentamente, podeis perceber isso. O centro nunca é estático. O que era "centro" se torna experiência, e a experiência se torna "centro", e "o centro" se torna experiência, e a experiência se torna "centro", e "o centro" se transforma em memória. É tal como causa e efeito. O que era causa se torna efeito, e o efeito se torna causa. E esse processo não é só consciente, mas também inconsciente. O inconsciente é o resíduo da raça, do homem, oriental ou ocidental; essas tradições herdadas, no encontro com o presente, se transformam noutra tradição. Para se perceberem as múltiplas camadas do inconsciente e o seu movimento, necessita-se de uma mente bem penetrante e viva, que nunca esteja, por um momento sequer, a buscar segurança, conforto. Porque, no momento em que busca segurança, conforto, está tudo acabado, vemo-nos atolados, aprisionados. A mente ancorada na segurança, no conforto, na crença, num padrão, num hábito, não pode ser ágil.

Eis pois, o que é autoconhecimento; e conhecer a si mesmo significa descobrir o fato e seguir o fato sem nenhum interesse em modificá-lo. E isso requer atenção. Atenção é uma coisa, concentração outra muito diferente. A maioria dos que desejam meditar espera adquirir o poder de concentração. Todo colegial sabe o que é concentração. Ele deseja olhar pela janela, e o mestre diz: "Olha para o teu livro"; e trava-se uma batalha entre o desejo de olhar para fora e a compulsão do medo, da competição, que o força olhar para o livro. Concentração, pois, é uma forma de exclusão, não achais? E embora em tal "processo" possais tornar-vos perspicazes, vossa mente está sendo limitada. Tende a bondade de ir seguindo isso, sem aceitar, nem rejeitar, porém, simplesmente, observando.

A mente que se limita a concentrar-se conhece a distração; mas a que está atenta, não tolhida pela concentração, não conhece distração. Tudo, então, é movimento vivo. Compenetrai-vos bem disso e vereis como lançareis fora toda a carga de mandamentos religiosos que vos foi imposta e olhareis a vida de diferente maneira. Torna-se a vida então algo maravilhoso, extraordinariamente significativo — o verdadeiro viver, que não é fugir. que se verifica dentro e fora

Quando se dá a uma criança um brinquedo, cessa completamente o seu desassossego e ela se torna quieta, toda absorvida no brinquedo. E o mesmo acontece conosco; temos também nossos brinquedos: Mestres, salvadores, obras e arte; e, neles se absorvendo, a mente se torna quieta. Mas, essa absorção é morte para a mente.

Pois bem, a atenção não é o oposto da concentração; não está em relação com a concentração, e, por conseguinte, não é reação à concentração. Atenção é estar a vossa mente cônscia de cada movimento que se verifica dentro e fora dela própria. Significa, não apenas ouvir os barulhos dos tráfegos, mas também o que se está dizendo, e estar cônscios da reação ao que se está dizendo, cônscio sem escolha, para que não haja limitações à mente. Quando a mente está atenta dessa maneira, a concentração tem, então, significado completamente diferente; pode, então, a mente concentrar-se, mas tal concentração não é esforço, não é exclusão, porém parte do percebimento. Não sei se estais compreendendo bem.

Essa atenção é bondade; essa atenção é virtude; e nessa atenção encontra-se o amor e, portanto, aconteça o que acontecer, lá não pode existir o mal. O mal só se torna existente quando há conflito. A mente atenta, completamente cônscia de si mesma e de todas as coisas que se passam nela própria, é capaz de transcender a si própria.

A meditação, pois, não é um "processo" de "saber meditar", de ser ensinado a meditar; isso é completamente infantil, pois daí provém hábito, e todo hábito torna a mente embotada. Aprisionada em seu próprio condicionamento poderá a mente ter visões do Cristo ou dos deuses indianos, ou do que quer que seja, mas, sem embargo, está condicionada. O cristão só pode ter visões do Cristo, e o hindu só pode ter visões dos seus deuses prediletos. A mente meditativa não é imaginativa; portanto, não tem visões.

Assim, quando a mente, depois de agitar-se inutilmente na esfera de seus próprios movimentos, começa a seguir a atividade de seus pensamentos, a amar o seu centro, seu movimento, suas experiências, só então é capaz de compreensão, só então está quieta.

Agora, um momento. Este orador pode comunicar-vos verbalmente o que então sucede, mas isso é sem muita importância, porque vós é que tendes de descobri-lo. Deveis chegar àquele estado, abrindo vós mesmo a porta. Se outro vos abre a porta, ou procura abri-la, então esse outro se torna vossa autoridade, e vós o seu seguidor. Por conseguinte, isso significa morte para a verdade; morte para a pessoa que diz que "sabe", e morte para aquele que pede "dizei-me". A ânsia de saber gera a autoridade; dessa forma, tanto o guia como o seguidor se acham presos na mesma rede.

Ora bem. Este que vos fala está-vos expondo isto tudo, não com o intuito de convencer-vos, ou estimular-vos, ou demonstra-vos algo, ou coisa parecida, mas, sim, porque, quando compreenderdes, vereis a relação existente entre o tempo e o espaço.

Quando a mente está completamente livre de barreiras, de limitações, acha-se então num estado de plenitude: e, nesta plenitude, está vazia: e nesse vazio pode conter o tempo — tempo como espaço e distância; tempo como ontem, hoje e amanhã. Mas, não havendo aquele vazio, não há tempo, nem espaço, nem distância. Por causa daquele vazio, existe o tempo e, portanto, distância e espaço. E quando a mente descobre isso, experimenta-o, não verbalmente, porém, realmente, não como coisa lembrada— ela sabe, então, o que é criação — criação e não coisa criada. E vereis então que, ao dobrardes uma esquina, ao passeardes na floresta ou por uma rua imunda, ou onde quer que seja, sempre vos encontrareis com o Eterno.

A mente, pois, jornadeou pelo seu próprio interior, pela últimas profundezas de si própria. esta não é jornada semelhante à viagem à Lua num foguete, que é relativamente fácil, mecânica; e a jornada interior, a visão interior não é mera reação ao exterior. É um só movimento: interior e exterior. E quando há essa visão profunda, interior, essa atenção interior, esse movimento interior, a mente, então, já não está separada do Sublime. Por conseguinte, toda busca, toda ânsia, tudo terminou.

Por favor, não vos deixeis hipnotizar, influenciar por minhas palavras. Se estais influenciados, não podeis saber por vós mesmos o que é amor. A meditação é o descobrimento dessa coisa extraordinária que se chama Amor.

Krishnamurti — 23 de maio de 1961

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Um olhar sobre a superficialidade de nossa vida

Antes de tudo, valeria a pena reconhecermos por nós mesmos o quanto somos superficiais. A mim me parece que quanto mais superficiais, tanto mais ativos e mais “coletivos” nos tornamos, e tanto mais nos entregamos às atividades de reformas sociais. Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, dedicamo-nos a atividades sociais, frequentamos concertos, bibliotecas, galerias de arte, e submergimos na interminável rotina do emprego e dos negócios. Estas coisas tornam-nos embotados; e quando percebemos esse embotamento, procuramos fazer-nos mais penetrantes, por meio de palavras, do intelecto, das coisas da mente. E, reconhecendo-nos superficiais, tentamos fugir a esse vazio, entregando-nos a práticas religiosas, às orações, à contemplação, à busca de saber; tornamo-nos idealistas, adornamos de quadros as paredes, etc. Acho que estamos suficientemente cônscios de sermos muito superficiais, bem cônscios de que a mente que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de “vir a ser algo” torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. É dificílimo a uma mente superficial despedaçar sua própria estreiteza, suas próprias limitações, sua própria insignificância. Não sei se já pensastes nisso alguma vez.

(…) Evidentemente, nossas vidas são vazias, superficiais. E a mente superficial facilmente se satisfaz. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma estreita rotina, fixa um ideal, sai atrás do que deveria ser. E essa mente, não importa o que faça — quer estejamos sentados de pernas cruzadas, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditemos a respeito do Supremo — permanecerá sempre vazia, porque sua mesma essência é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. O que ela pode fazer é compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela própria é, sem imaginar o que deveria ser, “quebra-se” então a estupidez. Com esta compreensão, toda busca termina — mas isto não significa que a mente se torna “estagnada”, adormentada. pelo contrário, está enfrentando o que é, em sua realidade; e isto não é processo de busca, porém de compreensão.

Afinal, a maioria das pessoas está em busca de Deus, da Verdade, do eterno amor, de uma eterna morada celestial, um amor permanente. E a mim me parece que a mente que busca é muito superficial. Acho que devemos compreender mais ou menos este ponto, investigá-lo, ver quanto são absurdas a mente superficial e suas atividades, pois não poderemos penetrar fundo, em nossa investigação desta tarde, se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir. Ao contrário, necessitamos de uma mente sobremodo penetrante, quieta, tranquila. A mente sem profundeza, que se esforça para se tornar silenciosa, continua a ser apenas qual poça d’água, sem profundidade. A mente limitada, sempre tão sabedora, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, ou um santo qualquer, porque seu desejo é chegar a alguma parte — essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, produto da mente limitada, estreita. Jamais pode ser sensível essa mente; e parece-me necessário encararmos esta verdade. O esforço para ser, “vir a ser”, rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar — tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial. Provavelmente a maioria não concordará com isso, mas não importa. A mim me parece um óbvio fato psicológico.

Ora, quando uma pessoa percebe isso, se torna cônscia disso, percebe a sua verdade, realmente e não verbal e nem intelectualmente — e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar esse fato, como libertar-se desta superficialidade — sendo que tudo isso envolve esforço — reconhece então a mente que nada pode fazer contra esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem invocar opiniões a respeito do fato; quer dizer, observar simplesmente. E é dificílimo observar pura e simplesmente, porque nossa mente foi exercitada para condenar, comparar, competir, justificar ou identificar-se com o que vê. Por esta razão, nunca vê as coisas tais como são. "Viver com um sentimento” tal qual ele é — seja ciúme, inveja, ambição, ou seja o que for — “viver com ele” sem o deformar, sem imitir opinião ou julgamento a seu respeito, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um juízo.

Assim, a mente que está vigilante, que é sensível, percebe a futilidade do esforço. Mesmo na educação, a criança, o estudante que forceja para aprender, nunca aprende realmente. Poderá adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa transcende o esforço. Talvez possamos nesta tarde aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos na esfera do conhecimento.

Estar cônscio do fato, sem o desfigurar, sem o colorir, sem lhe dar nenhuma tendência — observar a nós mesmos tais como somos — com todas as nossas teorias, esperanças, desesperanças, sofrimentos, fracassos e frustrações — isso torna a mente em extremo penetrante. O que torna a mente embotada são as crenças, os ideais, os hábitos, a busca de seu propósito, engrandecimento, desenvolvimento, seu próprio vir a ser ou ser. Como disse, para se seguir o fato requer-se uma mente precisa, sutil, ativa, porquanto o fato nunca é estático.

Não sei se já alguma vez olhastes a inveja como um fato, seguindo-a. Todas as nossas sansões religiosas baseiam-se na inveja, do arcebispo ao ínfimo clérigo; e toda a nossa moralidade social, nossas relações, estão baseadas na aquisição e na comparação, e esta, por seu turno, significa inveja. E seguir isso até o fim, em todos os seus movimentos, em todas as nossas atividades diárias, requer uma mente muito alertada. É muito fácil — não achais? — reprimi-lo, dizendo: “Vejo que não devo ser invejoso”, ou “Já estou aprisionado nesta sociedade corrompida, tenho de aceitar esta condição”. Mas seguir todos os movimentos do fato, cada curva, cada linha, cada nuança, cada sutileza — esse próprio “processo” de seguí-lo torna a mente sensível, sutil.

Ora bem, se fazemos isso, se seguimos o fato sem tentar alterá-lo, não existe então contradição entre o fato e o que deveria ser, e, portanto, nenhum esforço existe. Não sei se estais percebendo isto realmente; que se a mente está seguindo o fato, não está então empenhada em alterá-lo, em torná-lo diferente. Isto, também, é uma verdade psicológica. E esse seguimento do fato precisa ser feito a todas as horas, noite e dia, mesmo durante o sono. Pois a atividade da mente quando o corpo dorme é muito mais deliberada, positiva, e essas atividades são descobertas pela mente consciente através de símbolos, sugestões, sonhos.

Mas se a mente se conserva vigilante, no correr do dia, observando a todas as horas cada movimento, cada gesto, cada movimento de pensamento, não há então sonhar; pode então a mente ultrapassar a própria consciência. Não prosseguiremos nisso, por ora, porque o que desejamos salientar é a necessidade de uma mente sensível. Para se descobrir o que é a Verdade, Deus, ou o nome que preferirdes, é absolutamente necessário uma mente lúcida — não no sentido de talentosa, intelectual, arguitiva; uma mente capaz de raciocinar, de examinar, de duvidar, de indagar e investigar, a fim de descobrir. A mente que tem fronteiras, que está condicionada, não é sensível. O nacionalista, o crente, por certo não tem uma mente sensível, porquanto sua crença, seu nacionalismo lhes limita a mente. Assim, no seguir o fato, a mente se torna sensível. O fato a torna sensível e não há necessidade de fazermos  a mente sensível.

Se está mais ou menos claro isso, qual é a natureza da beleza que essa mente descobre? A beleza, para a maioria de nós, reside nas coisas que vemos objetivamente — um edifício, um quadro, uma árvore, um poema, um rio, uma montanha, o sorriso de um belo rosto, a criança que vemos na rua. E existe também, para nós, a negação da beleza, a reação à beleza, que é o dizermos: “Isto é feio”. Mas a mente sensível é sensível tanto para o feio como para o belo e, por consequência, não há nenhuma busca daquilo a que chama belo e nenhuma evitação do feio. E com essa mente descobrimos que existe uma beleza inteiramente diferente das avaliações feitas pela mente limitada. Deveis saber que a beleza requer simplicidade, e a mente muito simples, que vê os fatos tais como são, é uma mente muito bela. Mas não podemos ser simples se não houver passividade, e não há passividade se não há austeridade. Não me refiro a austeridade da tanga, das longas barbas, do monge, do tomar uma só refeição por dia, porém a austeridade da mente que se vê como é e segue infinitamente aquilo que vê. E esse seguir é passividade, porquanto a mente a nada está apegada. A mente deve ficar completamente passiva, para ver “o que é”.

Assim, o percebimento da beleza requer a paixão da austeridade. Estou empregando propositadamente as palavras “paixão” e “austeridade”. Já expliquei o que é austeridade; e da paixão necessitamos obviamente para ver a beleza. Necessita-se de intensidade, e necessita-se de penetração. A mente embotada não pode ser austera, não pode ser simples e, por conseguinte, é sem paixão. É na chama da paixão que se percebe a beleza, que se pode “viver com a beleza”.

Talvez tudo isso, para vós, não passe de palavras, para serem lembradas, invocadas, sentidas, mais tarde. Não há “mais tarde”; não há “interim”. Isso tem de acontecer agora, enquanto conversamos, enquanto estamos em comunhão uns com os outros. E esse percebimento da beleza não reside apenas nas coisas — em vasos, estátuas, o céu — mas começa-se também a descobrir a beleza da meditação, e a intensidade, a paixão da mente meditativa.

Krishnamurti — 23 de maio de 1961      

Existe pensar pessoal e pensar coletivo?

Examinemos este ponto. Existe pensar pessoal e pensar coletivo? Ou tudo é pensamento coletivo, mas acontece que o “personalizamos”? Vós sois ingleses: isto é pensamento coletivo. Todos sois cristãos: isto é pensamento coletivo. Só há pensar individual quando um homem se liberta do “coletivo”, quando já não está confinado, limitado, condicionado. Assim, por certo, nós só somos indivíduos no sentido de haver um organismo separado de outro organismo, no sentido de haver um espaço, uma distância entre nós. Todo o nosso pensar não é coletivo? É uma ideia aterradora, esta, mas não é exato isto?

(…) Mas a questão é: existe pensar individual separado do coletivo? O que estou tentando dizer é isto: Sou educado como hinduísta, como cristão, como budista ou seja o que for, e creio em tudo o que a sociedade crê, sendo eu uma parte dela. Existe pensamento separado desse todo? Todo pensamento separado só pode ser uma reação, não é verdade? Posso libertar-me da estrutura do “coletivo” e me declarar separado, mas isso, em verdade, é apenas uma reação dentro daquela estrutura, não achais? Eu estou falando a respeito da rejeição total da estrutura. É isso possível? Se é possível, há então pensamento individual que não é mera reação ao “coletivo”.

Afinal, a morte é a libertação do “coletivo”. A morte é um libertar-se da estrutura em que existe pensar coletivo e reação a esse pensar coletivo, a qual chamamos “pensar individual”, mas que continua parte do “coletivo”. Morrer para tudo isso pode e deve ser algo completamente diferente, algo que se não pode medir em termos de “coletivo” ou em termos de “individual”, algo incognoscível, desconhecido. E eu digo que, se o conhecido não existe dentro do “desconhecido”, somos então meros escravos do conhecido e daí não há saída. O incognoscível só se torna possível quando morremos para o conhecido.

Krishnamurti — 21 de maio de 1961 

Desaparecendo com todo sentimento de solidão e medo

Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam etc., porém coisa bem diferente. e para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vós fugistes dele, mas ele continua existente e vos segue sempre. Ele lá está, em vosso coração e em vossa mente, nos mais profundos recessos de vosso ser. Vós o encobristes, fugistes dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo. Ora, pode a mente passar por ele sem reação, sem dizer que é um estado horrível? No momento em que há reação, torna-se existente o conflito. Se vós o aceitais, continuareis debaixo de seu peso; e se o rejeitais, tornareis a encontrá-lo na primeira volta do caminho. A mente, pois, tem de passar por ele. Estais-me acompanhando? A mente é aquela solidão, não precisa de passar por ela; ela é a solidão. Quando pensais em termos de “passar por uma coisa” para alcançar outra, já estais em conflito. No momento em que dizeis: “De que maneira devo passar pela solidão, de que maneira devo olhá-la?” — nesse momento já vos achais de novo em conflito.

Existe, pois, vazio, uma solidão extraordinária que nenhum Mestre, nenhum guru ou idéia, nenhuma atividade poderá afastar de vós. Já andastes “mexendo” com essas coisas, já vos entretivestes com todas elas; mas elas não podem preencher esse vazio; ele é um abismo sem fundo. Mas deixa de ser esse “abismo sem fundo” no momento em que o experimentais. Compreendeis?    

Para que a mente possa ficar inteiramente livre de conflito, total e completamente livre de apreensão, medo e ansiedade, torna-se necessário o experimentar desse extraordinário sentimento de não relação com alguma coisa; daí provém o sentimento de solidão. Não imagineis que já o tendes; isso é muito difícil. Só quando temos esse sentimento de solidão em que não há medo é que existe o movimento para o imensurável; porque então não há ilusão, não há fabricante de ilusão, não há o poder de criar ilusão. Enquanto existe conflito, existe o poder de criar ilusão; e com a total cessação do conflito, o temor deixa de existir completamente, e, portanto, não há mais buscar.

Não sei se compreendestes. Afinal, todos vós estais aqui porque andais a buscar. E se examinardes isso, que é que estais buscando? Estais em busca de algo existente além de todo esse conflito, miséria, sofrimento, agonia, ansiedade. Buscais uma saída. Mas, se se compreende isso de que estivemos falando, cessa então toda a busca — e esse é um extraordinário estado mental.

Como sabeis, a vida é um processo de desafio e reação, não? Temos o desafio exterior: o desafio da guerra, da morte, de dúzias de coisas diferentes, e reagimos. O desafio é novo, mas todas as nossas reações são sempre velhas, condicionadas. Não sei se isto está claro. Para reagir ao desafio, eu preciso reconhecê-lo, não? E se o reconheço, é porque o interpreto em termos de passado; portanto, ele é “o velho”, evidentemente. Vede bem isso, por favor, porque desejo ir pouco mais longe.

Para o homem que vive muito interiormente, os desafios exteriores perderam toda a importância; mas ele continua a ter seus desafios e reações interiores. Porém, eu estou falando a respeito da mente que já não busca, e, portanto, já não tem desafio e reação. E este não é um estado de satisfação, de contentamento, um estado de placidez qual de uma vaca. Quando compreendemos o significado do desafio e da reação exteriores, e o significado do desafio interior que apresentamos a nós mesmos, e a respectiva reação, e rapidamente passamos por tudo isso — sem levarmos nisso meses e anos — a mente, então, já não está sendo moldada pelo ambiente; já não é influenciável. A mente que passou por essa extraordinária revolução pode enfrentar todo e qualquer problema, sem que nenhum problema deixe marca nem raízes. Desapareceu, então, todo sentimento de medo.

Não sei até que ponto percebestes o que estive explicando. Notai que escutar não significa apenas ouvir; escutar é uma arte. Faz parte do autoconhecimento; e se uma pessoa escutou realmente, e penetrou profundamente em si mesma, isso é uma purificação. E o que foi purificado recebe uma benção que não é a benção das igrejas.

Krishnamurti — 18 de maior de 1961

Despertando a criação que está ao alcance de todos

Pode a mente eliminar todo o seu condicionamento? Afinal de contas, condicionamento é produto do passado. As reações, os condicionamentos, as crenças, as tradições de muitos milhares de dias passados concorreram para moldar a mente. E pode-se eliminar tudo isso? Deveis pensar nisso seriamente, em lugar de afastardes de vós a questão, dizendo "Não é possível", ou "Se é possível, como poderei fazê-lo?" O "como" não existe. "Como" implica tempo intermediário; e a mente para a qual é importante o tempo intermediário está em verdade adiando. Pode-se pensar que, embora se possa "banhar" a mente para torná-la comunista, capitalista ou o que quer que seja — e isso significa apena uma diferente forma de condicionamento — é impossível estar-se livre de todos os condicionamentos. Não sei se percebeis isso. Não sei se estais cônscios de vosso condicionamento, o que ele implica, e se há, ou não possibilidade de libertação. O condicionamento é a própria raiz do medo; e onde existe medo, aí não há virtude.

Para se penetrar profundamente nessa questão requer-se muita inteligência, e por inteligência entendo a compreensão libertadora de toda e qualquer influência. A influência é a causa do condicionamento. Fomos criados para crer em Deus, em Cristo, para repetir certas coisas todos os dias; ao passo que na Índia se despreza tudo isso, porquanto, lá, eles foram criados com seus próprios santos e deuses. A questão, pois, é esta: Pode a mente, depois de influenciada por tantos séculos pelo peso esmagador da tradição, desfazer-se desta completamente e sem esforço algum? Podeis sair daí, dessa estrutura, tão facilmente como podeis sair deste salão? Esse fundo (background) não é a própria mente? A história da mente é a mente. Não sei se isto está para vós bem claro.

A mente é o próprio fundo (background). A mente é a tradição. Ela resulta do tempo. E reconhecendo a inutilidade de suas atividades, diz, por fim, que existe "a graça de Deus", que é preciso esperar, aceitar, receber — e isso é outra forma de influência. Essa mente não é uma mente inteligente.

Que fazer, então? Estou certo de que já examinastes bem isso. Deveis tê-lo experimentado: não aceitar, não confiar na autoridade, não se deixar influenciar. Deveis ter chegado à compreensão de que a mente, ela própria, nada pode fazer. Ela é escrava de si própria; criou seu condicionamento; e toda reação a esse condicionamento o fortalece ainda mais. Todo movimento, todo pensamento, toda ação que se verifica no interior da mente continua dentro da limitada esfera de seus próprios valores. Se já penetramos até este ponto, não teoricamente, não intelectual ou verbalmente, porém de modo real, que acontece então? Espero compreendais o resultado disso. O Resultado é que, para a mente que deseja compreender o que é verdadeiro e saber se existe o imensurável, o "indenominável", toda espécie de autoridade deve cessar — tanto a autoridade da Lei como a autoridade da experiência. Mas isso não significa "conduzir o carro pelo lado errado da estrada": significa que a mente rejeita a autoridade de toda experiência, que é conhecimento, que é a palavra, e rejeita todas as sutilíssimas formas de influência, "o esperar para receber", todas as expectativas. A mente é então deveras inteligente.

Penetrar em si mesmo tão profundamente, tão cabalmente, é trabalho dificílimo. Para nos aplicarmos a qualquer coisa requer-se energia, não esforço. E se chegamos até esse ponto, resta ainda alguma coisa da mente, tal como a conhecemos? E não é necessário alcançar esse estado? Porque, sem dúvida, ele é o único estado criador. Escrever um poema, pintar um quadro, construir um edifício, etc. — isto por certo não pode ser chamado ação criadora, no verdadeiro sentido da palavra.

Sente-se que a criação, a coisa que chamamos Deus, ou a Verdade, ou como quiserdes chamá-la, não é apenas para uns poucos eleitos. Não é apenas para os indivíduos dotados de certa capacidade, certo dom, tal um Miguelangelo ou Beethoven, ou os modernos poetas, arquitetos e artistas. Eu sinto que ela está ao alcance de todos — esse extraordinário sentimento da imensidade, de algo que não conhece obstáculos nem fronteiras, que não pode ser medido pela mente ou expresso em palavras. Sinto que a criação está ao alcance de todos. Porém, não é um resultado. Ela nasce, penso, quando a mente começa pelo que está mais próximo, ou seja por si própria — e não quando busca o que está mais remoto, o inimaginável, o desconhecido. O autoconhecimento, conhecimento de nosso "eu", significa abri-lo, examiná-lo, ver o que ele é — e, não, buscar algo fora de nós. A mente é de fato uma coisa extraordinária. Como a conhecemos, ela é resultado do tempo; e o tempo é autoridade — a autoridade do bom e do mau, do que se deve fazer e do que não se deve fazer, da tradição, das influências, do condicionamento.

Pode, pois, a vossa mente — não vos falo individualmente — descobrir todo o seu condicionamento, tanto o consciente como o inconsciente, e dele sair? "Sair" é apenas expressão verbal: pois quando a mente se vê condicionada e compreende todo o mecanismo desse condicionamento, então, de repente, ela se encontra "do outro lado".

Krishnamurti — 14 de maio de 1961

Rebeldia e revolução



O homem ainda não chegou ao ponto em que os governos possam ser descartados. Anarquistas como Kropotkin são contra o governo, a lei. Ele queria que isso acabasse. Eu também sou anarquista, mas de um modo completamente contrário ao de Kropotkin.

Eu quero elevar a consciência da humanidade até o ponto em que o governo se torne inútil, os tribunais fiquem vazios, ninguém seja assassinado, ninguém seja estuprado, ninguém seja torturado ou molestado.

Vê a diferença? A ênfase de Kropotkin é acabar com os governos. Minha ênfase é elevar a consciência dos seres humanos até o ponto em que os governos passem a ser, espontaneamente, inúteis; até o ponto em que os tribunais comecem a fechar, a polícia comece a desaparecer porque não há trabalho, e é dito aos juízes, "Achem outro trabalho".

Sou um anarquista de uma outra dimensão muito diferente. Primeiro, deixe que as pessoas se preparem, e então os governos desaparecerão por conta própria.

Não sou a favor de acabar com os governos; eles estão preenchendo uma certa necessidade. O homem é tão bárbaro, tão vil, que, se não fosse impedido pela força, toda a sociedade seria um caos.

Não sou a favor do caos. Quero que a sociedade humana se torne um todo harmonioso, uma grande comunidade em todo o planeta: pessoas meditando, pessoas sem culpa, pessoas de grande serenidade, de grande silêncio; pessoas rejubilando-se, dançando, cantando; pessoas que não querem competir com ninguém; pessoas que descartaram a própria ideia de que são especiais e têm de provar isso tornando-se o presidente da república; pessoas que não sofrem mais de complexo de inferioridade. Então ninguém quer ser superior, ninguém ostenta grandeza.

Os governos evaporarão como gotas de orvalho sob o sol da manhã. Mas essa é uma história totalmente diferente, um enfoque totalmente diferente. Até que chegue esse momento, os governos são necessários.

É muito simples. Se você está doente, precisa de remédios. Um anarquista como Kropotkin quer destruir os remédios. Eu quero que você seja tão saudável que não precise de remédios

Osho

Descobrindo o sentimento da totalidade, sem a barreira das palavras.

Existe essa coisa complexa chamada EU, com seus antagonismos, temores, esperanças, aspirações, ambições, avidez — essa totalidade que é o EU. Posso olhá-lo de maneira tão completa que, instantaneamente, o compreenda em seu todo? Afinal de contas, o que é a verdade? O percebimento da verdade, o sentimento do que é a verdade, com sua beleza, seu amor — como se pode alcançá-lo? Só se pode ver a verdade quando a mente não está fragmentada, quando se vê a totalidade. Quando vedes a totalidade de "vós mesmos", não apenas tais e tais fragmentos, porém a totalidade de vosso ser — vedes a verdade e compreendeis todo o complexo conjunto.

Pode um indivíduo olhar a si próprio tão completa e atentamente, que a totalidade dele próprio lhe seja revelada num instante? Em geral somos incapazes disso, porque nunca nos aplicamos seriamente ao problema, nunca olhamos para nós mesmos — nunca! Culpamos a outros, buscamos explicações para as coisas, ou temos medo de olhar-nos, etc. — nunca olhamos para nós mesmos, para nos vermos exatamente como somos. Só podeis olhar totalmente quando aplicais toda a atenção. Nessa atenção não há medo, porque quando olhamos com toda a nossa mente, corpo, nervos, olhos, ouvidos, tudo, não há lugar para o medo, para a contradição, para o conflito. Após vos terdes olhado dessa maneira profunda, estais então apto a penetrar mais fundo ainda. Não digo "mais fundo" em sentido comparativo. Pensamos sempre de modo comparativo — profundidade e superficialidade, felicidade e infelicidade; estamos sempre a medir. Quando digo "Preciso penetrar profundamente. ou mais profundamente, em mim mesmo" — esse "mais profundamente" é um termo comparativo. Ora, existem em nós estados tais como "superficial" e "profundo"? Quando digo "Minha mente é superficial, vulgar, estreita, limitada" — porque sei que ela é vulgar, estreita e limitada? É porque comparei minha mente com vossa mente, que é mais brilhante, dotada de mais capacidade, mais inteligência, que é mais vigilante, etc. Então, comparando, posso dizer: "Minha mente é superficial, minha mente é vulgar". Mas, posso conhecer a minha vulgaridade sem comparação? Sei que sinto fome agora, porque ontem senti fome, ou sei que estou com fome sem nenhuma comparação com a fome que ontem senti? Assim, quando empregamos as palavras "mais profundamente", não estamos pensando em termos comparativos, não estamos comparando.

A mente que está sempre a comparar, sempre a medir, criará sempre ilusões. Se me estou medindo por vós, que sois arguto, mais inteligente, estou a esforçar-me para igualar-vos negando a mim mesmo, tal como sou, e estou criando uma ilusão. Assim, ao compreender que as comparações, de qualquer espécie, só levam a maior ilusão e maior aflição, ou que quando me identifico com qualquer coisa maior — o Estado, o Salvador, uma ideologia — ao compreender que esse pensar comparativo só conduz a mais ajustamentos e, por conseguinte, a um conflito maior, abandono-o de todo. Minha mente já não está então a buscar, a tatear, a indagar, a questionar, a exigir, a esperar (o que não significa que esteja satisfeita com as coisas como são) — já não tem então nenhuma "imaginação" (ato ou faculdade de formar imagens). Pode ela então mover-se numa dimensão totalmente diferente. A dimensão em que estamos vivendo nossa vida de cada dia, a dor, o prazer e o medo que nos tem condicionado a mente e limitado a sua natureza, tudo isso desapareceu de todo. Há então alegria, que é coisa totalmente diferente do prazer. O prazer é criado pelo pensamento, que também cria o medo. Mas, o deleitamento, a verdadeira alegria, o sentimento de bem-aventurança, não é resultado do pensamento. A mente funciona então numa dimensão em que não há conflito, não há sentimento de "diferença", de dualidade.

Verbalmente, só podemos chegar até este ponto; o que existe além não pode ser posto em palavras, porquanto as palavras não representam a coisa real. Compreendei — a árvore real não é a palavra "árvore"; a palavra é diferente do fato. Até este ponto, pode-se descrever, explicar, mas as palavras ou as explicações não podem "abrir a porta". O que abrirá a porta é o percebimento diário, a atenção constante. Percebimento, sem escolha, do que se está passando interiormente, da maneira como falamos, do que dizemos, da maneira como andamos, do que pensamos; percebimento diário de tudo isso. É como limpar um aposento a fim de mantê-lo em boa ordem; mas, manter o aposento em boa ordem é coisa sem importância; é importante num sentido e completamente sem importância noutro sentido. Deve haver ordem no aposento, mas a ordem não abrirá a janela. O que abrirá a janela, a porta, não é vossa volição, nem vosso desejo. Não se pode chamar "a outra coisa". O que se pode fazer é só conservar o aposento em ordem, quer dizer, ser virtuoso (mas não da virtude ou moralidade de uma certa sociedade, da virtude que sempre espera alguma coisa) por amor à virtude, ser são, racional, ordenado. Então, talvez, se tendes sorte, a janela se abrirá e as auras entrarão. Isso poderá não acontecer, pois depende de vosso estado mental e esse estado só pode ser compreendido por vós mesmo, observando-o, porém nunca tentando moldá-lo, quer dizer, observando-o sem escolha. Mediante esse percebimento sem escolha, a porta talvez se abra e conhecereis aquela dimensão na qual não há conflito, não há tempo — conhecereis aquilo que jamais se pode expressar em palavras.

(...) Aparte: parece-me que só podemos ver através de palavras.

Krishnamurti: Vós compreendeis através das palavras? Naturalmente nós nos servimos de palavras para fins de comunicação, para que possais falar comigo e eu falar convosco; mas isto não significa escravização à palavra. Percebeis como estamos escravizados às palavras? As palavras "inglês", "russo", "Deus", "amor" — não somos escravos delas? E se sois escravos de palavras, como podeis compreender a natureza total do amor, que há de ser necessariamente uma coisa extraordinária? Todo o universo está contido no significado desta palavra.

Mas, infelizmente, somos escravos das palavras e estamos tentando alcançar algo que se acha além dos limites verbais. Extirpar. destroçar as palavras e ficar livre delas — isso dá invulgar percebimento, vitalidade, vigor. É necessário tempo para nos libertarmos das palavras? Dizeis "preciso refletir primeiro" ou "preciso exercitar o percebimento" ou "vou ler Bertrand Russel"? Ou vedes deveras que a mente escrava da palavra é incapaz de olhar, de observar, sentir, ver? — e esta própria clareza, esta própria verdade não destrói a escravidão?

Pergunta: Poder-se-ia ver, por um instante, e logo a mente interferir?

Krishnamurti: Vedes, por um instante, que o nacionalismo é venenoso e, logo a seguir, nele recaís?

Percebemos realmente que somos escravos das palavras? O comunista é escravo das palavras "Marx", "Stalin", etc. E o chamado cristão é escravo do símbolo, da Cruz, e do respectivo jogo sutil de palavras. Ide a Roma, ide a qualquer parte do mundo, e o que se encontra é sempre a palavra.

E talvez sejamos também escravos da palavra "mente". Adoramos a mente, e nossa educação consiste em cultivá-la. E, por certo, o que estamos tentando descobrir é a totalidade de alguma coisa que não é a palavra: o sentimento que abarca a totalidade, sem a barreira das palavras.

Krishnamurti — Como viver neste mundo

domingo, 16 de dezembro de 2012

Em busca da natureza exata do pensamento

Como descobrireis por vós mesmo como se origina o pensamento, qualquer pensamento? Já fizestes alguma vez a vós mesmo esta pergunta? Se já a fizestes, como ireis descobrir? Para descobrir alguma coisa, qualquer coisa que seja, a vossa mente, a totalidade da consciência, e não apenas uma parte dela, deve estar quieta, não? Se desejo olhar-vos, para que eu possa ver-vos claramente, minha mente deve estar muito quieta, sem seus preconceitos, tagarelices, diálogos, imagens, quadros; tudo isso tenho de por de lado, para olhar-vos. E então, porque há liberdade e, portanto, quietação, é possível a observação. Assim, posso eu — prestai atenção à pergunta que vou fazer! — posso eu, podemos nós, vós e eu, observar a origem do pensamento? Só posso observar o começo do pensamento se estou em silêncio — e não quando começo a buscar, a fazer perguntas e esperar respostas. É só então, quando minha mente está totalmente quieta, após ter feito a pergunta "Qual a origem do pensamento?" — totalmente quieta, em todos os pontos de meu ser — é só então que posso começar, em virtude desse silêncio, a ver como se forma o pensamento. Essa pergunta é muito importante, porque, se há o percebimento da origem do pensamento, não há mais necessidade de controlar o pensamento. Como sabeis, consumimos um tempo enorme — não só nas escolas e colégios, mas também quando nos tornamos mais velhos — a controlar o pensamento, a dizer "este é um bom pensamento", "este é um mau pensamento", "este é um pensamento agradável e devo controlá-lo", ou "este é um pensamento feio e tenho de reprimi-lo", etc. etc. — sempre controlar, reprimir. Está a travar-se a todas as horas uma batalha entre diferentes pensamentos, a mente é um campo de batalha, campo em que existe conflito constante, um pensamento contra outro pensamento, um desejo contra outro desejo, um prazer a dominar todos os outros prazeres, etc. Mas, se há o percebimento da origem do pensamento, não há então contradição no pensamento.

Estou dizendo coisas tolas, ou há nelas alguma sensatez? Acho que há, porque, deveis saber, uma vida de conflito não tem significação nenhuma. Conflito comigo mesmo, ou com um vizinho, ou com ideias; e eu não desejo conflito de espécie alguma, porque todo conflito é tensão, desfiguração. A vida de conflito muito depressa se gasta, e eu preciso descobrir se existe uma maneira de viver sem o mais leve sopro de conflito, em nenhum momento da vida. E só posso descobrir essa maneira de viver, começando a descobrir a origem do pensamento. Se a mente é capaz de descobrir sem estar cônscia do "centro", então nenhum pensamento é distração. Cada pensamento não tem então o seu oposto, pois só há pensamento e não há pensamento oposto. Por conseguinte, aquela pergunta é importante, encerra alguma sensatez e não uma pura tolice.

Só se pode ver a origem do pensamento quando há silêncio, quando a mente tornou-se silenciosa, não por meio da disciplina, nem de controle, nem de várias formas de meditação — não por meio de nenhuma dessas coisas detestáveis, porém, naturalmente. Só em silêncio posso descobrir alguma coisa; só então a mente se torna capaz de desse extraordinário descobrimento, que é o descobrimento de uma coisa nova. Esse descobrimento só pode sair do silêncio, silêncio que não pode ser cultivado, organizado pelo pensamento; se o pensamento o organiza, ele é então uma coisa morta, estagnação. Quando o pensamento organiza alguma coisa, há sempre conflito. Chega-se, pois, ao descobrimento da origem do pensamento quando a mente está toda quieta; não importa que pensamento: o pensamento. E se há só pensamento, não há contradição. Oh, não percebeis isso? Só há desejo, mas surge a contradição quando há o desejo disto em oposição àquilo, e quando começamos a descobrir a origem do desejo, deixa de haver contradição. Contradição supõe conflito, e quem deseja viver sem conflito deve compreender isto. Para compreende-lo, a mente deve estar em silêncio, e esse silêncio é meditação. A mente que está plenamente desperta e vigilante não cuida de conservar cada descobrimento que faz, e prossegue descobrindo coisas novas; porque a mente que está vigilante e desperta em tão alto grau, é a luz de si própria e já não há experiência alguma.

Em geral, ansiamos por experiência, seja a experiência de uma viagem à Lua, seja uma mente vulgar que busca nas drogas um estado de consciência povoado de visões, um estado de exaltada sensibilidade, etc. etc.; experiência mística, experiência religiosa, experiência sexual, a experiência de possuir dinheiro em abundância, de ter poder, posição, domínio — sabeis como todos nós ansiamos por tais experiências. E isso porque nossa própria vida é tão superficial e vazia, tão insuficiente, e pensamos que, sem experiências, a mente se tornaria embotada, estúpida, pesada. Por essa razão é que lemos livros e mais livros, visitamos museus, frequentamos concertos, os rituais, as igrejas, os jogos de futebol — enfim, buscamos todas as espécies de experiência. Entretanto, nunca indagamos o que está contido nesse experimentar, ou se se encontra alguma coisa nova no experimentar. Toda experiência requer conhecimento, pois, de contrário, não é experiência. Se não a reconheço como uma experiência com um certo conteúdo, já não se trata de uma experiência. Só quando a reconheço, chamo-a "experiência"; mas, para reconhecê-la, já a devo ter conhecido. Por meio da experiência não se pode encontrar nenhuma coisa nova. Acabamos, pois, de descobrir uma verdade fundamental, ou seja que a mente que busca, que anseia por experiências mais amplas e profundas, é uma mente superficial, porque está vivendo sempre com suas memórias, seu reconhecimento, e o que é lembrado, reconhecido, nunca é coisa nova. Mas, no silêncio não há experimentar, e pergunta-se: "Como é possível atuar, neste mundo, com a mente quieta deveras, em silêncio?" Compreendeis? É possível "funcionar", neste mundo, nesse extraordinário estado de silêncio? cada um de nós tem uma certa função, tem de fazer certas coisas, como bibliotecário, cozinheiro, técnico, auxiliar de escritório, etc. — funções que exigem certos conhecimentos acumulados, quer dizer, saber, experiência. E pergunta-se: "Pode a minha mente que compreendeu e está vivendo nesse estado de silêncio, funcionar, em tais circunstâncias?" Quando se faz esta pergunta, está-se separando o silêncio da ação; portanto, a pergunta é errônea. Mas, quando há silêncio, qualquer um pode "funcionar" em seu escritório. Isso é ser como um tambor bem ajustado e que, quando percurtido, dá a nota exata, embora, esteja sempre vazio, em silêncio. Ele não diz: "Estou em silêncio", "Como posso funcionar no escritório?"

Descobre-se, pois, que toda a consciência, tanto a oculta como a patente, a secreta e a superficial, faz parte desse processo de pensar. Só se pode conhecer a origem do pensamento, quando há silêncio, quando não há fronteiras na consciência. Tudo isso exige enorme disciplina — não, disciplina para se obter alguma coisa — e, se já chegamos até aqui, podemos perguntar: Que é o amor? É necessário investigar se o amor se encontra no campo da consciência, que é pensamento. Digo: "Amo-te, amo minha pátria, amo a Deus, amo meus livros, amo minha posição" — amo. Empregamos a palavra de maneira um tanto leviana, contudo, com certa intensidade. Quando dizeis a alguém "Amo-te", que significa tal palavra? Os indivíduos religiosos, em todo o mundo, dividiram o amor em profano e sagrado, etc. O amor é desejo? Não respondais "Não", porque, para a maioria de nós, ele é desejo e prazer, prazer derivado dos sentidos, do apego e do preenchimento sexual, derivado de minha mulher, meu marido, minha família, oposta às outras famílias, minha pátria, meu Deus, meu Rei — e de tantas outras coisas sem valor que bem conhecemos! Chamamos isso "amor", e por sua causa matamos os nossos semelhantes... Quer dizer, nesse amor há ciúme e ódio. É amor? Nele, há posse, domínio, dependência, busca de satisfação, de prazer, de conforto, de companhia: fuga de mim mesmo. Isso é amor? Ou reside o amor além dessa agitação do pensamento? Se dizeis que sim, que será então de minha mulher, de meus filhos, de minha família, que necessitam de segurança, e que será de mim, que também necessito de segurança? Com tal pergunta mostrais que nunca estivestes fora do campo da consciência. Por que, uma vez fora do campo da consciência, jamais fareis uma pergunta dessas, porque então sabereis o que é o amor, o amor em que não há pensamento, em que não há amanhã e, por conseguinte, tempo. Ouvireis isto com certo agrado, provavelmente hipnotizado, "encantado"; mas, transcender o pensamento, o tempo (pois tempo é pensamento, e pensamento é sofrimento) é tornar-se cônscio de uma dimensão diferente, chamada amor. Daí em diante pode-se atuar, pode-se existir.

Krishnamurti — Como viver neste mundo

Não há coisa mais destruidora e maligna do que o seguir alguém

Interrogante: Que confiança podemos ter no orador, para sabermos que o que ele diz é verdadeiro? E que confiança podemos depositar nele, para sabermos que nos está conduzindo corretamente?

Krishnamurti: Estamos tratando de matéria de “guiar”, “ter confiança?” temos tido guias de toda espécie, políticos e religiosos. Não estais fartos de guias? Já não lançastes ao mar ou ao rio tudo isso, para não terdes mais guia nenhum? Ou continuais, após estes dois milhões de anos, a buscar um guia? Porque os guias destroem os seguidores, e os seguidores destroem o guia. Porque devemos ter fé em alguém?

Este orador não necessita de vossa fé, não está a arvorar-se em autoridade, porque toda espécie de autoridade — principalmente no campo do pensamento, da compreensão — é a coisa mais destruidora e maligna que há. Portanto, não estamos tratando deste assunto de “guiar”, de “ter fé” no guia ou no orador. Estamos dizendo que cada um de nós, cada um de nós como ente humano, tem de ser seu próprio guia, instrutor, discípulo, tudo. Tudo o mais já falhou: as igrejas, os líderes, políticos, os cabos de guerra, os que têm querido criar uma sociedade maravilhosa e nunca o conseguiram. Portanto, tudo depende de vós, agora, de vós, o ente humano que contém em si toda a humanidade; a responsabilidade é vossa. Por conseguinte, deveis tornar-vos intensamente cônscio de vós mesmo, de tudo o que dizeis, de como o dizeis, de tudo o que pensais e dos motivos existentes na vossa busca de prazer.

Krishnamurti – Como viver neste mundo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill