Krishnamurti: Percebem a mentalidade que inspira esta pergunta? Não estou desacatando o interrogante, mas, consideremos essa mentalidade que pergunta: “Como posso obter isso, por quanto posso compra-lo?” O que devo fazer, que sacrifício, que disciplina ou meditação devo praticar a fim de obtê-lo” ? É uma mente mecânica, medíocre, aquela diz: “Farei isto afim de obter aquilo”. As pessoas chamadas “religiosas” pensam desta maneira. Mas, por este caminho, ninguém chega ao autoconhecimento. Vocês não podem compra-lo mediante um certo esforço ou prática. O autoconhecimento vem quando vocês observam a si mesmos nas relações com seus colegas e seus mestres, com todas as pessoas que os cercam; vem ao observarem as maneiras de outrem, seus gestos, seu modo de trajar, de falar, seu desprezo ou lisonja e sua reação; vem quando observam tudo o que se passa em vocês e ao redor de vocês e se veem tal como veem seus rostos num espelho. Quando se olham ao espelho, se veem como são, não é verdade? Podem desejar que a cabeça de vocês fosse de forma diferente, com um pouco mais de cabelo, e que o rosto de vocês fosse um pouquinho menos feio; mas, o fato está na frente de vocês, claramente refletido no espelho, e vocês não podem afastá-lo para o lado, dizendo: “Que belo que sou!”
Ora, se puderem se olhar no espelho das relações da mesma maneira como se olham num espelho comum, então nunca terá fim o autoconhecimento. É como entrar num oceano insondável e sem praias. O mais de nós desejamos alcançar um fim, queremos nos habilitar a dizer: “Alcancei o autoconhecimento e sou feliz”; mas, assim não é, de modo nenhum. Se puderem se olhar sem condenar aquilo que veem, sem se compararem com outra pessoa, sem desejarem serem mais belos ou mais virtuosos; se puderem simplesmente olhar o que são e seguir o caminho de vocês com isso, verão que então é possível ir infinitamente longe. Não há então fim à jornada, e nisso é que consiste o mistério, a beleza do autoconhecimento.
Krishnamurti — A Cultura e o problema humano