As descobertas das últimas décadas sugerem fortemente que a psique não é limitada à biografia pós-natal e ao consciente individual freudiano, e confirma a verdade perene, encontrada em muitas tradições místicas, de que os seres humanos podem ser comensurados com tudo o que existe. As experiências transpessoais e o seu extraordinário potencial certamente atestam esse fato.
A nova imagem dos seres humanos é paradoxal por natureza e envolve dois aspectos complementares. Nas situações diárias abrangendo estados comuns de consciência, poderia ser apropriado pensar nas pessoas como máquinas biológicas. Porém, em estados mentais incomuns também demonstrar propriedades de campos infinitos da consciência — transcendendo o tempo, o espaço e a causalidade linear. Essa é a imagem que as tradições místicas têm descrito por milênios. Recentemente, recebeu-se o apoio inesperado da tanatologia, da parapsicologia, da antropologia, das psicoterapias existenciais e da pesquisa psicodélica, e também do trabalho com emergências espirituais.
Todas as experiências que temos em nosso estado incomum de consciência confirmam sistematicamente a noção de que somos objetos newtonianos vivendo num mundo que tem propriedades newtonianas. A matéria é sólida, o espaço é tridimensional, o tempo é linear e tudo é ligado por correntes de causa e efeito. Podemos chamar esse meio de sentir a nós mesmos e ao mundo de modo de conhecimento "hilotrópico" (literalmente, "orientado pela matéria", do grego hyle = "matéria", e trepyen = "mover para frente"). No estado hilotrópico de consciência não vivenciamos nada completamente com todos os nossos sentidos, a não ser o momento presente e o local atual.
Essa situação está em forte contraste com o modo como vivenciamos a nós mesmos e ao mundo em certos estados incomuns de consciência que ocorrem na meditação profunda, na hipnose, na psicoterapia experiencial, nas sessões psicodélicas e, às vezes, espontaneamente. Aqui nos referimos ao mundo do conhecimento holotrópico (literalmente, "caminhar para a totalidade, do grego holos = "todo" e trepien)
Nesse modo de conhecimento podemos vivenciar um amplo espectro de fenômenos; alguns deles são o restabelecimento vívido de eventos passados; outros são sequências de morte e renascimento, e ainda outros são vários aspectos da dimensão transpessoal. Eles nos dão fortes evidências experienciais de que o mundo da matéria não é sólido, de que todas as suas fronteiras são arbitrárias e de que nós mesmos não somos corpos materiais, mas campos ilimitados de conhecimento. Demonstram também que a possibilidade de que o tempo e o espaço newtoniano podem ser transcendidos e sugerem a existência de realidades e seres que não são de natureza animal.
Na psiquiatria tradicional, todas as experiências holotrópicas têm sido interpretadas como fenômenos patológicos, apesar de a causa dos processos de doença nunca ser identificada; isto reflete o fato de que o antigo paradigma não tem uma explicação adequada para essas experiências e não foi capaz de dar conta delas de qualquer outro modo. No entanto, o estudo cuidadoso nas experiências holotrópicas demonstra que elas não são produtos patológicos do cérebro; ao contrário, revelam capacidades extraordinárias da psique humana e aspectos importantes da realidade normalmente escondidos da nossa consciência.
Stanislav Grof em, A tempestuosa busca do ser
Stanislav Grof em, A tempestuosa busca do ser