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quinta-feira, 19 de abril de 2018

A mente religiosa e a percepção direta


A mente religiosa e a percepção direta

[...] Mente religiosa não é a mente confusa, estagnada, prisioneira da crença, do dogma, do ritual. Ela não é escrava de nenhuma autoridade. Não pertence a nenhum grupo, nenhuma religião organizada, não recorre a nenhum Salvador, Mestre, ou Guia. Ela é a luz de si mesma.

Religiosa é a mente que está livre de toda influência. O ser dominada por qualquer espécie de influência deforma a mente. Não podemos eliminar as influências, mas cumpre cientificar-nos delas. Devemos perceber o quanto influem em nossa mente, consciente ou inconscientemente, as leituras sobre a meditação, isto é, acerca dos vários sistemas de meditar que prometem ao “meditador” certos resultados, desde que se ajuste a um determinado modo de praticá-la. Precisamos conscientizar-nos de tudo isso e, em seguida, pô-lo de lado.

A mente religiosa é simples, sem complicações. Para mim a palavra “simplicidade” significa “não estar envolvido em conflito”. Não significa tomar só uma refeição por dia, andar de tanga, ou retirar-se para um mosteiro. Isso não é simplicidade, absolutamente. A mente está então apenas se ajustando a um padrão por ela própria ou por outro estabelecido, como reação à complexidade da vida.

A mente religiosa é simples, direta; não está enredada em palavras e não cria nenhum intervalo de tempo entre o que é e o que deveria ser. Percebe diretamente os fatos psicológicos de sua própria natureza e, por conseguinte, não oferece o solo no qual se enraízam os problemas.

Krishnamurti, Saanen, 9 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito


terça-feira, 10 de abril de 2018

O sofrimento e a mente religiosa


O sofrimento e a mente religiosa

Esta é a última palestra. Discorrerei sobre o sofrimento e a mente religiosa. Há sofrimento em toda a parte, exterior e interiormente. Vemo-lo tanto nas altas como nas baixas camadas sociais. Ele existe há milhares de anos, diversas teorias já se conceberam a seu respeito e as religiões dele já falaram muito; entretanto, ele continua. É possível extinguir o penar, ficar realmente, interiormente, de todo livre dele? Não existe só o sofrimento da velhice e da morte, mas também o sofrimento do insucesso, da ansiedade, da culpa, do medo, o sofrimento causado pela contínua brutalidade, pela crueldade do homem para com o homem. Pode-se extirpar a causa desse sofrimento — não em outrem, mas em nós mesmos? Ora, por certo, se desejamos efetuar qualquer transformação, ela deve começar em nós mesmos. Afinal, não há separação entre o indivíduo e a sociedade. Nós somos a sociedade, o “coletivo”. Como franceses, russos, ingleses, hindus, somos o resultado de reações coletivas, desafios e influências coletivas. E no transformar esse centro individual, talvez se possa alterar a consciência coletiva.

A meu ver, a presente crise não é tanto uma crise do mundo exterior, mas uma crise existente na consciência, no pensamento, em nosso ser inteiro. E acho que só a mente religiosa pode resolver esse sofrimento, pode dissipar inteira e completamente todo o mecanismo do pensamento e o resultado que o pensamento produz, na forma de sofrimento, medo, ansiedade e culpa.

Já tentamos tantas maneiras de nos livrarmos do sofrimento: frequentar a igreja, refugiar-nos em crenças e dogmas, aderir a várias atividades sociais e políticas — e inumeráveis outras maneiras de fugir a essa perpétua corrosão do medo e do sofrimento. Só a mente religiosa pode resolver o problema. E por “mente religiosa” entendo algo completamente diferente da mente, do intelecto que crê na religião. Não há religião onde há crença. Não há religião se existe dogma, perpétua repetição de palavras, palavras, palavras, sejam em sânscrito, sejam em latim, sejam noutra língua qualquer. “Ir à missa” é uma forma de entretenimento como outra qualquer; não é religião. Religião não é propaganda. Quer vosso intelecto seja condicionado pela “gente da igreja”, quer pelos comunistas, é a mesma coisa. Religião é algo inteiramente diferente de crença e não crença; e desejo penetrar bem na questão relativa à mente religiosa. Fique, portanto, bem claro para nós que religião não é a fé que professais: isso é muito infantil. E onde não há madureza, não pode deixar de haver sofrimento. Requer-se muita madureza para se descobrir o que é uma mente verdadeiramente religiosa. Esta não é, por certo, a mente que crê, nem aquela que segue qualquer espécie de autoridade, seja a do maior dos instrutores, seja a do chefe de determinada seita. Assim, evidentemente, a mente religiosa está livre de todo sectarismo e, por conseguinte, de toda autoridade.

Posso digressionar agora um pouco, para dizer umas breves palavras a respeito de outra coisa? Alguns de vós vindes escutando estas palestras com bastante assiduidade, nestas últimas semanas. E se vos fordes daqui com uma grande coleção de conclusões, com um novo conjunto de ideias e frases, ir-vos-eis de mão vazias, ou com as mãos cheias de cinzas. Conclusões e ideias, de qualquer espécie que sejam, não resolvem o sofrimento. Assim, espero sinceramente que não fiqueis apegados às palavras mas viajeis junto comigo, a fim de podermos ultrapassar as palavras e descobrir, por nós mesmos, o que é real e, daí, empreender viagem para mais longe. O descobrimento do que existe em nós mesmos, como fato e realidade, faz nascer uma reação e ação de natureza completamente diferente. Espero, pois, não leveis convosco as cinzas das palavras, da memória.

Como dizia, a mente religiosa está livre de toda autoridade. E é muito difícil estar livre da autoridade — não só da autoridade imposta por outrem, mas também da autoridade da experiência que acumulamos, que é do passado, que é tradição. E a mente religiosa não tem crenças, não tem dogmas; ela se move de fato para fato e é, portanto, uma mente científica. Mas a mente científica não é a mente religiosa. A mente religiosa inclui a mente científica; mas a mente treinada no saber científico não é mente religiosa.

A mente religiosa se interessa pela totalidade — não por uma determinada função mas, sim, pelo total funcionamento da existência humana. O intelecto se interessa por determinada função; especializa-se. Ele funciona especializadamente, como cientista, médico, engenheiro, músico, artista, escritor. São estas técnicas especializadas, limitadas, que criam a divisão, não só exterior, mas também interiormente. O cientista, provavelmente, é considerado como a pessoa mais importante de que necessita a sociedade hoje em dia, tal como o é o médico. A função, portanto, se torna de suma importância; e a ela está ligada a posição, e posição é prestígio. Assim, onde há especialização tem de haver contradição e uma limitação, e esta é a função do intelecto.

Cada um de nós, por certo, funciona dentro de uma estreita rotina de reações autoprotetórias. É aí que tem nascença o “eu”, o “ego” — no intelecto, com suas defesas, agressões, ambições, frustrações e sofrimentos.

Há, pois, uma diferença entre o intelecto e a mente. O intelecto é “separativo”, “funcional”, não pode ver o todo; ele funciona dentro de um padrão. E a mente é a totalidade que pode ver o todo. O intelecto está contido na mente; mas o intelecto não contém a mente. E por mais que o pensamento se purifique, se requinte e se controle, ele de modo nenhum pode conceber, formular ou compreender o todo. É a capacidade da mente que percebe o todo, e não o intelecto.

Mas nós desenvolvemos o intelecto num grau espantoso. Toda nossa educação se restringe ao cultivo do intelecto, porque há vantagem no cultivo de uma técnica, na aquisição de conhecimento. A capacidade de perceber o todo, a totalidade da existência — esta percepção não tem o móvel da vantagem; por esse motivo a desprezamos. Para nós, função importa mais que a compreensão. E só há compreensão quando há o percebimento do todo. Ainda que o intelecto seja capaz de discernir a razão, o efeito, a causa das coisas, o sofrimento não pode ser resolvido pelo pensamento. É só quando a mente percebe a causa, o efeito, o mecanismo total, e passa além, é só então que tem fim o sofrimento.

Para a maioria de nós, a função se tomou muito importante porque a ela está ligada a posição, a situação, a classe. E quando a posição se torna existente em virtude da função, há contradição e conflito. Como respeitamos o cientista e desprezamos o cozinheiro! Como veneramos o Primeiro Ministro, o General, e desconsideramos o soldado! Vemos, pois, que há contradição quando a posição está aliada à função; há distinção de classes, lutas de classes. Uma sociedade poderá procurar extirpar as classes, mas enquanto a posição acompanhar a função, tem de haver classes. E é isso o que todos desejamos. Todos desejamos posição, que significa poder.

Como sabeis, o poder é uma coisa extraordinária. Todos o ambicionam: o eremita, o general, o cientista, a dona-de-casa, o marido. Todos desejamos o poder: o poder que o dinheiro confere, poder para dominar, o poder do saber, o poder da capacidade. Ele nos dá posição, prestígio, e é isso que desejamos. E o poder é coisa má, seja o poder do ditador, seja o poder da esposa sobre o marido ou do marido sobre a esposa. É mau, porque força outrem a submeter-se, a ajustar-se; e nesse processo não há liberdade. Mas nós o ambicionamos, muito sutilmente ou muito cruelmente; e é por isso que buscamos o saber. O conhecimento é importantíssimo para a maioria de nós, e temos na mais alta consideração o homem ilustrado, com suas sutilezas intelectuais, porque ao saber se associa o poder.

Tende a bondade de escutar, não apenas a mim, mas à vossa mente, vosso intelecto e coração. Observai-os, para verdes com que avidez a maioria de nós deseja esse poder. E, quando há busca de poder, não há aprender. Só a mente “inocente” pode aprender; só a mente jovem, fresca, se deleita em aprender, e não a mente, o intelecto pejado de saber, de experiência. A mente religiosa, pois, está sempre aprendendo, e não há fim ao aprender. Aprender não é acumulação de conhecimentos. No conservar e aumentar o saber, deixamos de aprender. Segui isto até o fim.

Quando se observam todas essas coisas, pode-se ficar apercebido de um extraordinário sentimento de isolamento, solidão. Em geral, temos experimentado ocasionalmente esse sentimento de estar completamente só, fechado, sem relação com nenhuma coisa ou pessoa. E ao se perceber isso, sente-se medo; quando existe medo, apresenta-se imediatamente o impulso, a ânsia de fugir-lhe. Segui tudo isso interiormente, porque não estou aqui pronunciando uma conferência; estamos, realmente, jornadeando juntos. E se puderdes fazer essa viagem, saireis daqui com uma mente bem diversa, um diferente intelecto.

Temos de passar por esse sentimento de solidão, mas não o podeis fazer se tendes medo. Essa solidão é, em verdade, criada pela mente, com suas reações autoprotetórias, suas atividades egocêntricas. Se observardes vosso próprio intelecto, vereis como vos estais isolando em tudo o que fazeis e pensais. Tudo isso que se relaciona com “meu nome, minha família, minha posição, minhas qualidades, minhas aptidões, minha propriedade, meu trabalho” — vos está isolando. Assim, tendes a solidão, e não a podeis evitar. Vós tendes de passar por ela de maneira tão real como passais por uma porta. E para passardes por ela, tendes de “viver com ela”. E “viver com a solidão”, “passar pela solidão”, significa alcançar uma coisa muito superior, um estado muito mais profundo, que é o “estar só” — completamente só, sem conhecimento. Com isso não quero dizer que nos privemos do conhecimento mecânico superficial, necessário à existência diária; o intelecto não precisa ser completamente drenado, mas o que quero dizer é que o conhecimento que adquirimos e armazenamos não deve ser usado para nossa própria expansão e segurança psicológica. Com a palavra “solidão” me refiro a um estado não atingível por nenhuma espécie de influência. Já não é um estado de isolamento, porque o isolamento foi compreendido; compreendeu-se todo o processo mecânico do pensar, da experiência, do desafio e reação.

Não sei se já refletistes alguma vez sobre este problema do desafio e reação. O intelecto está sempre reagindo a toda espécie de desafio, consciente ou inconsciente. Toda influência se imprime no intelecto, e o intelecto reage. Tende a bondade de seguir isto, porque, se penetrardes mais profundamente, vereis que não há mais desafio nem reação — mas isso não significa que a mente se acha adormecida. Pelo contrário, está completamente desperta, tão desperta que já não necessita de nenhum desafio e nem há necessidade de nenhuma reação. Esse estado, em que não há na mente desafio ou reação, porque ela compreendeu todo o mecanismo — esse estado é “solidão”. Assim, a mente religiosa compreende tudo isso, passa por tudo isso, não através do tempo, mas pelo imediato percebimento.

O tempo traz compreensão? Tereis compreensão amanhã? Ou só há compreensão no presente ativo, agora? Compreensão é ver uma dada coisa totalmente, imediatamente. Mas essa compreensão é impedida pela avaliação, sob qualquer, forma. Todo verbalizar, condenar, justificar, etc., impede o percebimento. Dizeis: “Precisa-se de tempo para compreender. Preciso de muitos dias para isso”. E durante “estes muitos dias” o problema vai lançando raízes mais profundas na mente, e se torna muito mais difícil erradicado, seja qual por esse problema. A compreensão, pois, está no presente imediato e não em prazos de tempo. Quando percebo uma coisa com toda a clareza, imediatamente, há compreensão. O “imediato” é que importa, e não o adiamento. Se bem percebo o fato de que sou colérico, ciumento, ambicioso, etc., se o percebo sem emitir opinião, avaliação, ou juízo, então o próprio fato começa a operar imediatamente.

Assim, a qualidade da “solidão” é o estado próprio de uma mente de todo desperta. Ela não está pensando em termos de tempo. E isso é verdadeiramente extraordinário, como vereis se o investigardes. A mente religiosa, pois, não é uma mente “evolucionária”; porque à Realidade está fora do tempo. Importa realmente compreender isso, se chegastes até aí em vossa viagem de descobrimento.

Notai que o tempo cronológico e o tempo psicológico são duas coisas diferentes. Nós estamos falando sobre o tempo psicológico, a exigência interior de mais dias, mais tempo para realizar algo — e isso sugere o ideal, o herói, o intervalo entre o que sois e o que deveríeis ser. Dizeis que para transpor esse intervalo, lançar uma ponte sobre ele, necessita-se de tempo; mas tal atitude é uma forma de indolência, porque podereis ver essa coisa imediatamente, se lhe derdes toda a vossa atenção.

À mente religiosa, portanto, não interessa o progresso, o tempo; ela se acha num estado de constante atividade, mas não no sentido de “vir a ser” ou “ser”. Podeis verificar isso agora, embora provavelmente não o desejeis fazer. Porque, se o fizerdes, vereis que a mente religiosa é destrutiva; pois sem destruição não há criação. Há destruição, quando a totalidade da mente aplicou sua atenção ao que é. O perceber o falso como falso, percebê-lo completamente, é a destruição do falso. Não é a ação destrutiva dos comunistas, dos capitalistas — nenhuma dessas infantilidades. A mente religiosa é destrutiva e, por ser destrutiva, é criadora. Criação é destruição.

E não há criação quando não há amor. Para nós, o amor é uma coisa estranha. Vós dividistes o amor em paixão, concupiscência, amor carnal e amor divino, amor da família, amor da pátria, e continuais por aí além a dividi-lo e tomar a dividir. E na divisão, há contradição, conflito e sofrimento.

O amor, para a maioria de nós, é paixão, concupiscência; e neste próprio mecanismo de identificação com outro há contradição, conflito, e o começo do sofrimento. E, para nós, o amor se extingue. O fumo (criado por esse processo) — o ciúme, o ódio, a inveja, a avidez — destrói a chama. Mas onde está o amor, aí está a beleza e a paixão. Deveis ter paixão, mas não traduzais prontamente esta palavra em “paixão sexual”. Por “paixão” entendo a “paixão da intensidade”, essa energia que de pronto percebe as coisas, claramente, ardentemente. Sem paixão, não há austeridade. A austeridade não é mera renúncia, nem o possuir restrito, ou autocontrole, pois tudo isso é sem importância, insignificante. A austeridade vem com o desprendimento, e no desprendimento, há paixão e, por conseguinte, beleza. Não a beleza criada pelo homem; não a beleza artística, embora eu não queira dizer que aí não haja beleza. Mas refiro-me a uma beleza que transcende o pensamento e o sentimento. E esta só pode surgir quando há alta sensibilidade intelectual, bem como corpórea e mental. E não pode haver sensibilidade dessa natureza e qualidade quando não há completo desprendimento, quando o intelecto não se está abandonando inteiramente à totalidade daquilo que a mente percebe. Porque só com esse abandono há paixão.

A mente religiosa, pois, é a mente destrutiva. E é a mente religiosa que é mente criadora, porque o que a interessa é a totalidade da existência. O seu criar não é como a ação criadora do artista, porque a este só interessa um certo segmento da existência e ele procura expressar o que aí sente, assim como o homem mundano procura expressar-se nas atividades de seus negócios — embora o artista se considere superior a qualquer outro. A criação, pois, se verifica quando há compreensão da totalidade da vida, e não de uma única parte dela.

Agora, se o intelecto alcançou este ponto e compreendeu todo o mecanismo da existência, descartando-se de todos os deuses que o homem fabricou, de seus salvadores, seus símbolos, seu céu, seu inferno, então, como há completa solidão, poder-se-á empreender uma jornada de todo diferente. Mas é necessário chegar até aí, antes de se poder negar ou afirmar a existência de Deus. Daí por diante, há o verdadeiro descobrimento, porque o intelecto, a mente destruiu completamente tudo o que conhecia. Só então é possível penetrar no “desconhecido”; só então se apresenta o Incognoscível. Ele não é o Deus das igrejas, dos templos, das mesquitas; não é o Deus de vossos temores e crenças. Existe uma realidade que só pode ser encontrada na compreensão total do mecanismo integral da existência, e não de apenas uma parte dela.

Então a mente, como vereis, se torna sobremodo quieta e tranquila, e o intelecto também. Não sei se já alguma vez notastes o vosso intelecto em funcionamento, se vosso intelecto já alguma vez percebeu a si mesmo em ação! Se estivestes assim atento, sem escolha, negativamente, deveis ver que o intelecto está perenemente “tagarelando”, “falando sozinho” ou sobre alguma coisa, acumulando e armazenando conhecimentos. Está em ação a todas as horas, conscientemente, nos níveis superficiais, e também profundamente, em sonhos, sugestões, comunicações de ideias, etc. Ele está sempre em movimento, mudando, atuando; jamais tranquilo. E é necessário que a mente, o intelecto se mantenha sereno, quieto, sem nenhuma contradição, nenhum conflito. Do contrário, é inevitável a “projeção” da ilusão. Mas, quando a mente e o intelecto estão completamente tranquilos, sem movimento algum — após terem-se apagado todas as formas de visão, influência e ilusão — então, nessa tranquilidade, a totalidade irá mais longe, em sua jornada, para receber aquilo que não é mensurável pelo tempo, o Indenominável, o Eterno, o Imperecível.

Krishnamurti, Paris, 24 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Na rejeição do fluxo do pensar, a mente religiosa

Na rejeição do fluxo do pensar, a mente religiosa

Está é a última palestra desta concentração. Durante estas palestras, estivemos tratando de muitos assuntos e penso que deveríamos considerar nesta manhã o que é a mente religiosa. Desejo examinar esta questão com certa profundeza, porque creio que só essa mente pode resolver os nossos problemas, não só os problemas políticos e econômicos, mas também os problemas mais fundamentais da existência humana. Antes de começarmos, acho oportuno repetir o que já dissemos noutra ocasião, ou seja, que a mente séria é a mente que está decidida a penetrar até à raiz das coisas, para descobrir o que, nelas, há de verdadeiro e de falso; a mente que não se detém a meio caminho e não se deixa distrair por considerações de outra ordem. Espero que nesta concentração tenha ficado suficientemente demonstrado existirem pelo menos uns poucos que são ardorosos e capazes disso.

Estamos todos bem familiarizados com a presente situação mundial, sendo desnecessário nos falem dos embustes, da corrupção, das desigualdades sociais e econômicas, do perigo de guerras, da perene ameaça do Oriente contra o Ocidente, etc. Para se compreender toda esta confusão e produzir a claridade, deve haver uma radical transformação da mente em si, e não apenas uma reforma de remendos ou mero ajustamento. Para abrirmos caminho através dessa confusão existente não apenas no exterior, mas também dentro em nós; para enfrentarmos eficazmente as crescentes tensões e exigências, necessitamos de uma revolução radical na própria psique, de uma mentalidade inteiramente nova.

Para mim, revolução é sinônimo de religião. Com a palavra “revolução” não me refiro a imediatas reformas econômicas ou sociais, porém a uma revolução na própria consciência. Todas as outras formas de revolução, seja comunista, seja capitalista, seja qual for, são puramente reacionárias. Uma revolução na mente — que significa total destruição do que foi, para que a mente se torne capaz de ver sem deformação e sem ilusão o que é verdadeiro — essa é a ação própria da religião. Penso que a mente real, a verdadeira mente religiosa, existe, pode existir. E ela pode ser descoberta por quem nisso penetrou com profundeza. A mente que deitou abaixo, que destruiu todas as barreiras, todas as mentiras que lhe impôs a sociedade, a religião organizada, o dogma, a crença, e passou além para descobrir o verdadeiro, essa é a verdadeira mente religiosa.

Consideremos, pois, em primeiro lugar, a questão da experiência. Nosso intelecto resulta de experiência secular; o intelecto é o depósito da memória. Sem essa memória, sem essa acumulação de experiência e conhecimento, ser-nos-ia completamente impossível funcionar como entes humanos. A experiência, a memória, são obviamente necessárias num certo nível. Mas, por igual me parece óbvio que toda experiência baseada no condicionamento pelo saber, pela memória, é necessariamente limitada. Por conseguinte, a experiência não é fator de libertação. Não sei se já pensastes nisso.

Toda experiência é condicionada pelas precedentes. Portanto, não há experiência nova, porque cada experiência traz sempre o colorido do passado. No próprio mecanismo de experimentar existe a deformação proveniente do passado, sendo o passado: conhecimento, memória, várias experiências acumuladas, não só as individuais, mas também as da raça, da coletividade. Ora, é possível rejeitarmos toda essa experiência?

Não sei se já considerastes a questão da rejeição, o que significa rejeitar uma coisa. Significa capacidade para rejeitar a autoridade do conhecimento, rejeitar a autoridade da experiência, rejeitar a autoridade da memória, rejeitar sacerdotes, igrejas, tudo que foi imposto à psique. Para a maioria de nós, só há duas maneiras de rejeitar — por meio do saber ou por meio de reação. Rejeitais a autoridade do sacerdote, da igreja, da palavra escrita, do livro, ou porque estudastes, investigastes, acumulastes outros conhecimentos, ou porque não gostais da coisa e reagis contra ela. Mas a verdadeira rejeição significa rejeitar sem saber o que acontecerá depois, sem esperanças para o futuro. Dizer: “Não sei o que é verdadeiro, mas isto é falso”, isso, decerto, representa a única rejeição verdadeira, porquanto não provém do conhecimento calculista nem de reação. Afinal de contas, se sabeis de antemão o resultado de vossa rejeição, trata-se então de mera troca, mera transação; por consequência, isso não é de modo nenhum a verdadeira rejeição.

Acho necessário compreender isso um pouco, examiná-lo com certa profundeza, porquanto desejo averiguar, por meio de rejeição, o que é a verdadeira mente religiosa. Tenho para mim que por meio da rejeição se pode descobrir o que é verdadeiro. Não se pode descobrir o que é verdadeiro por meio de asserção. É preciso limpar completamente a lousa de tudo o que é conhecido, antes que se possa descobrir o verdadeiro.

Vamos, pois, averiguar o que é a mente religiosa, por meio da rejeição, isto é, por meio da negação, por meio do pensar negativo. E, evidentemente, não há investigação negativa quando a rejeição se baseia no conhecimento, na reação. Espero esteja bem claro isso. Se rejeito a autoridade do sacerdote, do livro ou da tradição, porque não gosto dela, isso é mera reação, porquanto substituo por outra coisa aquilo que rejeitei; e se rejeito porque possuo suficientes conhecimentos, fatos, informações, etc., nesse caso o meu saber se torna o meu refúgio. Mas existe uma rejeição que não é produto do conhecimento, porém proveniente da observação, do perceber uma coisa como é, o fato que ela é; e essa é a rejeição verdadeira, porquanto deixa a mente purificada de todas as suposições, ilusões, autoridades, desejos.

É possível, pois, rejeitar a autoridade? Não me refiro à autoridade do policial, da lei do país, etc.; rejeitá-la seria estúpido, infantil, e nos levaria à prisão. Refiro-me, sim, à rejeição da autoridade imposta pela sociedade à psique, à consciência, muito profundamente; rejeitar a autoridade de toda experiência, todo conhecimento, de modo que a mente fique num estado de não saber o que acontecerá, sabendo apenas o que não é verdadeiro. Se penetrardes até aí, isso vos dará um extraordinário sentimento de integração, de não vos estardes debatendo entre desejos contraditórios, em conflito. Ver o que é verdadeiro, o que é falso, ou ver o verdadeiro no falso, isso vos dá um sentimento de percepção real, vos dá clareza. Está a mente então numa posição — uma vez que destruiu todas as seguranças, temores, ambições, vaidades, visões, propósitos, tudo — num estado em que se acha completamente só, não influenciada.

Por certo, para encontrar a realidade, encontrar Deus — ou o nome que preferirdes — a mente deve estar só, livre de influências, porque ela é então uma mente pura; e uma mente pura pode prosseguir. Ao ocorrer a destruição completa de todas as coisas que a mente criou em si mesma, como segurança, como esperança e como resistência contra a esperança — que é o desespero — etc., surge então, seguramente, um estado de destemor no qual a morte não existe. A mente que está só, está vivendo integralmente e nesse viver há um morrer a cada minuto; por conseguinte, para essa mente não existe a morte. Isso é realmente extraordinário para quem penetrou nesse estado; descobris, então, por vós mesmo, que a morte não existe. Existe, tão só, aquele estado de austeridade pura, da mente que está só.

Essa solidão não é isolamento; não é fuga para uma torre de marfim; não é abandono. Tudo isso ficou para trás, foi esquecido, dissipado, destruído. Essa mente, por conseguinte, sabe o que é destruição; e precisamos conhecer a destruição, senão não poderemos achar nada novo. E que medo temos de destruir tudo o que acumulamos! Há um ditado sânscrito: “As ideias são os filhos das mulheres estéreis”. E parece que a maioria de nós gosta de se entreter com ideias. Podeis estar considerando estas nossas palestras como uma troca de ideias, “mecanismo” de aceitar ideias novas e abandonar ideias velhas, ou “mecanismo” de rejeitar ideias novas e conservar as velhas. Não nos estamos ocupando com ideias, absolutamente. Estamo-nos ocupando com fatos. E quando estamos interessados nos fatos, não há ajustamento; ou aceitamos o fato, ou o rejeitamos. Podeis dizer: “Não gosto destas ideias, prefiro as velhas, e continuarei a viver no meu próprio padrão” — ou podeis aceitar o fato. Não podeis transigir, não podeis ajustar. Destruição não é ajustamento. Ajustar, dizer: “Devo ser menos ambicioso, não devo ser tão invejoso” — isso não é destruição. E devemos, decerto, perceber a verdade de que a ambição, a inveja, é feia, estúpida, e que é necessário destruir todos esses absurdos. O amor nunca ajusta. Só o desejo, o medo, a esperança, ajustam. Eis por que o amor é uma coisa destrutiva, pois se recusa a adaptar-se, a ajustar-se a qualquer padrão.

Começamos, pois, a descobrir que, havendo destruição de toda autoridade que o homem criou para si mesmo, no desejo de se pôr em segurança interiormente, há criação. Destruição é criação.

Em seguida, se abandonastes as ideias, e não vos estais ajustando a vosso próprio padrão de existência ou a um novo padrão que, pensais, este orador está criando — se alcançastes esse ponto, descobrireis que o intelecto pode e deve funcionar unicamente em relação às coisas exteriores, corresponder tão só às exigências exteriores; por consequência, o intelecto se torna completamente tranquilo. Isso significa que a autoridade de suas experiências terminou e, portanto, é incapaz de criar ilusões. E descobrir o que é verdadeiro, isso é essencial, para que termine o poder de criar a ilusão, em qualquer forma que seja. E o poder de criar a ilusão é o poder do desejo, do desejar ser isto e não desejar ser aquilo.

O intelecto, pois, deve funcionar neste mundo com raciocínio, com sanidade, com clareza; mas, interiormente, ele deve estar completamente quieto.

Dizem os biologistas que o cérebro levou milhões de anos para evolver até o seu estado atual, e levará outros milhões de anos para evolver mais. Mas a mente religiosa não depende do tempo para sua evolução. Eu gostaria que compreendêsseis isto. O que desejo transmitir é que quando o cérebro, o intelecto — que deve funcionar com suas reações à existência externa — se torna quieto interiormente, não existe mais o mecanismo de acumulação de experiência e conhecimento e, por conseguinte, o intelecto está completamente quieto, porém plenamente vivo e pode então saltar por sobre milhões de anos.

Vemos, pois, que para a mente religiosa o tempo não existe. Só existe o tempo quando um estado de continuidade passa para outro estado de continuidade e de realização. Quando a mente religiosa destruiu as autoridades do passado, as tradições, os valores que lhe foram impostos, é ela então capaz de existir sem o tempo. Está então plenamente desenvolvida. Porque, ao negarmos o tempo, negamos todo o desenvolvimento através do tempo e do espaço. Notai, por favor, que isto não é uma ideia; não é uma coisa para com ela nos entretermos. Se passastes por isso, sabeis o que é o amor, achai-vos naquele estado; mas, se não passastes por isso, podeis então apossar-vos destas ideias e entreter-vos com elas.

Vedes, pois, que destruição é criação; e na criação não existe o tempo. A criação é aquele estado em que o intelecto, tendo destruído todo o passado, está completamente quieto e, portanto, no estado em que não existe tempo nem espaço, para crescer, expressar-se, “vir a ser”. E esse estado de criação não é a criação de uns poucos indivíduos prendados — pintores, músicos, escritores, arquitetos. Só a mente religiosa pode encontrar-se num estado de criação. E a mente religiosa não é aquela que pertence a certa igreja, crença, dogma — essas coisas só podem condicionar a mente. Ir à igreja todas as manhãs e render culto a este ou àquele não vos torna uma pessoa religiosa, embora a sociedade respeitável possa considerar-vos como tal. O que faz a pessoa religiosa é a destruição total do conhecido.

Nessa criação há um sentimento de beleza; uma beleza não construída pelo homem; uma beleza que transcende o pensamento e o sentimento. Afinal, o pensamento e o sentimento são puras reações; e a beleza não é reação. Possui a mente religiosa aquela beleza — que não é a mera apreciação das montanhas graciosas, da torrente impetuosa, porém um sentimento bem diferente da beleza — e de par com ela está o amor. Não se me afigura possível separar a beleza do amor. Como sabeis, para a maioria de nós o amor é coisa dolorosa, porque é sempre acompanhado do ciúme, do ódio e dos instintos de posse. Mas esse amor de que falamos é um estado em que se acha presente a chama sem fumo.

A mente religiosa, pois, conhece essa destruição completa, total, e sabe o que significa achar-se num estado de criação, estado que não se pode comunicar. E nela existe o sentimento da beleza e do amor, que são inseparáveis. O amor não é divisível em amor divino e amor físico. É Amor. E não é necessário dizer que ele se acompanha, naturalmente, de um sentimento de paixão. Não se pode ir muito longe sem paixão — paixão, que é intensidade. Não a intensidade do desejar alterar algo, fazer algo, a intensidade que tem causa, de modo que se se remove a causa a intensidade desaparece. Não é um estado de entusiasmo. A beleza só pode existir quando há a paixão, que é austera; e a mente religiosa, encontrando-se nesse estado, tem uma força de qualidade peculiar.

Sabeis que, para nós, força é o resultado da vontade, de muitos desejos entrelaçados que formam a corda da vontade. E essa vontade, para a maioria de nós, significa resistência. O processo de resistir a uma coisa ou de buscar um resultado desenvolve a vontade e essa vontade é geralmente chamada força. Mas a força a que nos referimos nada tem em comum com a vontade. É força sem causa. Não pode ser utilizada, mas sem ela nada pode existir.

Assim, quando uma pessoa penetrou profundamente no descobrimento de si mesma, existe a mente religiosa; e esta não pertence a um dado indivíduo. Ela é a mente, a mente religiosa, separada de todas as humanas lutas, exigências, ânsias e compulsões individuais, etc. Estivemos apenas descrevendo a totalidade da mente, que poderá parecer dividida pelo emprego de diferentes palavras; mas ela é uma coisa total, na qual tudo se contém. Por conseguinte, essa mente religiosa pode receber aquilo que não é mensurável pelo intelecto. Essa coisa é indenominável; nenhum templo, nenhum sacerdote, nenhuma igreja, nenhum dogma pode conter. Rejeitar tudo isso e viver naquele estado, essa é que é a verdadeira mentalidade religiosa.

PERGUNTA: Pode a mente religiosa ser adquirida pela meditação?

KRISHNAMURTI: A primeira coisa que se deve compreender é que ninguém pode adquiri-la, ninguém pode obtê-la, e que ela não pode ser produzida pela meditação. Nem virtude, nem sacrifício, nem meditação, nada sobre a Terra pode comprá-la. O senso de alcançar, realizar, adquirir, comprar, deve cessar totalmente, para que ela seja. Não se pode fazer uso da meditação. A coisa de que estive falando é a meditação. Descobrir a cada momento da vida diária o que é verdadeiro e o que é falso, isso é meditação. A meditação não é uma certa coisa para a qual fugimos, uma certa coisa em que se nos dão visões e toda sorte de sensações; isso é auto-hipnose, infantilidade. Mas observar cada momento do dia, ver como o vosso pensamento está funcionando, ver o mecanismo de defesa em ação, ver os temores, ambições, a avidez, a inveja — observar tudo isso, investigá-lo a todas as horas, isso é meditação, ou faz parte dela. Sem se lançar a base adequada, não há meditação, e o lançamento da base adequada consiste em ser livre de ambição, inveja, avidez e todas as coisas que criamos em defesa própria. Não precisais procurar ninguém para dizer-vos o que é a meditação ou para receberdes um método. Posso descobrir com muita simplicidade, pela observação de mim mesmo, quanto sou ou não sou ambicioso. Ninguém me precisa dizer; eu o sei. Extirpar a raiz, o tronco, o fruto da ambição, vê-la e destruí-la totalmente — eis o que é absolutamente necessário. Vede, queremos ir muito longe, sem darmos o primeiro passo. E vereis, se derdes o primeiro passo, que ele é também o último passo — não há outro passo.

PERGUNTA: É verdade que não podemos servir-nos da razão para descobrir o que é verdadeiro?

KRISHNAMURTI: Senhor, que se entende por razão? A razão é pensamento organizado, como a lógica são ideias organizadas, não é exato? E o pensamento, por mais inteligente, por mais vasto, por mais erudito que seja, é limitado. Todo pensamento é limitado. Podeis observá-lo vós mesmo; isso não é novidade. O pensamento nunca pode ser livre. O pensamento é reação, reação da memória; é “um mecanismo”. Ele poderá ser razoável, poderá ser são, poderá ser lógico, mas é limitado. É como os computadores eletrônicos. E o pensamento nunca pode descobrir o que é novo. O intelecto adquiriu, acumulou, através de séculos, experiências, reações, lembranças; e quando essa coisa pensa, está condicionada e, portanto, não pode descobrir o novo. Quando, porém, esse intelecto compreendeu todo o mecanismo da razão, da lógica, do investigar, do pensar — não rejeitou, mas compreendeu — então ele se torna quieto. E, então, esse estado de quietude pode descobrir o que é verdadeiro.

Senhor, a razão vos diz que deveis ter líderes. Tendes tido líderes políticos ou religiosos. Eles não vos conduziram a parte alguma, a não ser a mais sofrimento, mais guerras, maior destruição e corrupção.[...]

Assim, para ver, a mente deve estar livre da palavra, mas deve ver o fato. Deve ver o fato de que toda espécie de condenação impede a mente de olhar uma coisa realmente. Se simplesmente condeno a ambição, impeço-me de ver a anatomia, a estrutura da ambição. Se a mente deseja compreender a ambição, deve cessar a condenação; deve haver o percebimento do fato, sem resistência a ele, sem rejeição dele. O ver o fato tem, então, sua ação própria. Se percebo o fato — a estrutura da ambição — o próprio fato revela então à mente o absurdo, a insensibilidade, a natureza infinitamente destrutiva da ambição; e a ambição desaparece; nada preciso fazer nesse sentido.

E se, interiormente, percebo o inteiro significado da autoridade, se a estudo, observo, examino, nunca rejeitando, nunca aceitando, porém vendo, cai então por si a autoridade.

Krishnamurti, Saanen, 13 de agosto de 1961, O Passo Decisivo

Pode a mente alcançar o estado religioso do amor?

Pode a mente alcançar o estado religioso do amor?

Da última vez estivemos falando sobre a meditação e a beleza, e seria bom voltarmos a este assunto por momentos, antes de entrarmos em nossa discussão de hoje.

Dissemos que existe a beleza, um sentimento do belo inacessível aos sentidos, sentimento não provocado pelas coisas feitas pelo homem ou pela natureza. A beleza transcende tudo isso; e para efetuarmos a investigação da beleza — que não é meramente subjetiva ou objetiva — temos de alcançar o percebimento intenso da beleza que se alcança por meio da meditação. Considero a meditação, a mente meditativa, um requisito essencial. Já examinamos esta matéria com bastante profundeza e vimos que a mente meditativa é aquela que investiga, que percorre todo o mecanismo do pensamento e é capaz de ultrapassar-lhe as limitações.

Talvez, para alguns dentre nós seja dificílimo meditar; e é mesmo provável que não tenhamos sequer pensado nesta questão. Mas quem examina atentamente esta questão da meditação — a qual não é auto-hipnotismo, nem imaginação, nem evocação de visões, e outras infantilidades que tais — alcança, invariavelmente, penso eu, aquele mesmo sentimento, aquela mesma intensidade própria da mente que percebe o belo sem “provocação”. E a mente que está em silêncio, tranquila, naquele estado de intensidade, descobre um estado não limitado pelo tempo e pelo espaço.

Desejo agora falar sobre o significado da mente religiosa. Como vimos dizendo, desde o começo destas despretensiosas falas, estamos procurando entrar em comunhão uns com os outros, fazer juntos uma jornada. Por conseguinte, vós não estais escutando a este orador com preconceitos, com parcialidade, com preferências ou “despreferências”; estais escutando com o fim de descobrir por vós mesmos o que é verdadeiro. E para se descobrir o que é verdadeiro quando se está enleado em tantas coisas falsas, pensamentos superficiais, esperanças e desesperanças, cumpre não aceitar nada, absolutamente, do que está dizendo o orador. É preciso investigar, explorar; e isso requer mente livre e não a mera reação de uma mente tolhida por preconceitos e opiniões; necessita-se de uma mente verdadeiramente livre, quer dizer, não ancorada em determinada crença, dogma ou experiência, uma mente capaz de seguir um fato com muita clareza e precisão. Para seguir fatos, a mente precisa ser muito sutil. Como já dissemos, um fato nunca é estático; está sempre em movimento — seja um fato que observamos em nós mesmos, seja um fato objetivo. A observação de um fato exige mente capaz, precisa, lógica e, sobretudo, livre para seguir.

Parece-me que neste nosso mundo atual, onde vemos tanta confusão, aflição e agitação, são necessárias a mente científica e a mente religiosa. Estes dois, sem dúvida, são os únicos estados mentais reais; pois não é real o estado da mente que crê, da mente condicionada, quer pelo dogma do cristianismo, do hinduísmo, quer por qualquer outra crença ou religião. Afinal, temos problemas imensos e a vida se tornou muito mais complexa. Exteriormente, talvez haja um maior sentimento de segurança, o sentimento de que talvez não tenhamos guerras atômicas no futuro, dado o terror que inspiram. Sente-se que, conquanto possa haver guerra em data remota, não será na Europa; e, assim, podemos sentir-nos mais seguros, física e emocionalmente. Mas, parece-me, a mente que busca segurança se torna embotada, medíocre; e, em tais condições, ela é incapaz de resolver seus próprios problemas.

Assim, para vivermos neste mundo — com suas rotinas, seu tédio, a existência superficial da classe média, da classe superior ou da inferior — e resolvermos os nossos problemas, ultrapassá-los, penetrar profundamente em nós mesmos, só há dois caminhos: o científico ou o religioso. O “caminho” religioso inclui o científico, mas o científico não contém em si o religioso. Mas necessitamos do espírito científico, uma vez que este é capaz de examinar rigorosamente todas as causas da miséria humana; o espírito científico poderá promover a paz mundial, objetivamente — alimentar a humanidade, dar-lhe casas para morar, roupas etc. — não apenas aos ingleses ou aos americanos, mas a todo o mundo. Não se pode viver na prosperidade numa extremidade da terra, enquanto na outra extremidade existe degradação, doença, fome e esqualidez. Talvez a maioria de vós ignoreis isso, mas o deveis saber. Para se resolverem todos esses imensos problemas, perceber toda a estupidez do nacionalismo, dos conchavos políticos, das ambições, da avidez de poder, necessita-se do espírito cientifico. Mas, infelizmente, como se vê, o espírito científico está agora interessado em viagens à Lua ou mais além, em aumentar nossos confortos com geladeiras melhores, carros melhores, etc. Isto está certo, de modo geral, mas afigura-se-me um ponto de vista muito limitado.

Sabemos o que é “espírito científico”: espírito de investigação, nunca satisfeito com seus achados, sempre variável, nunca estático. Foi o espírito científico que criou o mundo industrial; mas esse mundo industrial, sem revolução interior, produz uma medíocre maneira de viver. Sem essa revolução interior, todas as glórias e belezas da chamada vida intelectual só podem tornar a mente mais embotada, mais contentada, satisfeita, segura. O progresso em certos sentidos é essencial, mas também destrói a liberdade. Não sei se já notastes que, quanto mais coisas tendes, tanto menos sois livres. E, por isso, os homens religiosos do Oriente têm dito: “Renunciemos às coisas materiais, pois não importam. Busquemos a outra coisa”; mas eles não acharam também essa “outra coisa”. Sabemos, pois, mais ou menos, o que é espírito científico — o espírito que existe no laboratório. Não me refiro ao cientista como indivíduo; este é provavelmente igual a vós e a mim, entediado da existência de cada dia, avarento, ávido de poder, posição, prestígio.

Agora, muito mais difícil é averiguar o que é espírito religioso. Como proceder, quando se deseja descobrir algo verdadeiro? Queremos saber o que é espírito religioso — não esse estranho espírito que prevalece nas religiões organizadas, porém o genuíno espírito religioso. Como proceder?

Só se começa a descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso por meio do pensar negativo, porquanto, para mim, o pensar negativo é o pensamento em sua forma mais elevada. Entendo por pensar negativo aquele que despreza, que rompe e destroça as coisas falsas construídas pelo homem para sua própria segurança, seu sossego interior; que destroça todas as defesas e o mecanismo de pensamento construtor dessas defesas. É preciso destroçar tudo isso, ultrapassá-lo, rapidamente, celeremente, para ver se algo existe além. E o ultrapassar dessas coisas falsas não é uma reação ao que existe. Certo, para descobrirmos o que é o espírito religioso e dele nos abeirarmos negativamente, precisamos ver no que cremos, e porque cremos, porque aceitamos todos os inumeráveis condicionamentos que as religiões organizadas do mundo inteiro impõem à mente humana. Por que credes em Deus? Por que não credes em Deus? Por que tendes tantos dogmas e crenças?

Direis, porventura, que se ultrapassarmos todas essas chamadas estruturas positivas atrás das quais a mente se abriga, ultrapassá-las sem desejar encontrar algo mais — nada mais restará senão desespero. Mas eu acho que temos de passar também pelo desespero. Só existe desespero quando há esperança — a esperança de nos pormos em segurança, permanentemente confortados, perpetuamente medíocres, perenemente felizes. Para a maioria de nós, o desespero é reação à esperança. Mas, para se descobrir o que é o espírito religioso, acho que essa investigação deve realizar-se sem nenhuma provação, nenhuma reação. Se vossa busca é apenas uma reação — porque desejais mais segurança interior — nesse caso vossa busca visa apenas a um conforto maior, seja numa crença, numa ideia, seja no conhecimento, na experiência. E a mim me parece que tal modo de pensar nascido da reação só pode produzir mais reações, e, por conseguinte, não oferece a libertação do mecanismo de reação que impede o descobrimento. Não sei se está claro o que estou dizendo.

Deve haver uma maneira negativa de proceder, e isso significa que a mente necessita tornar-se apercebida do condicionamento imposto pela sociedade, em relação à moralidade; apercebida das inumeráveis sanções impostas pela religião; e apercebida, também, de como, rejeitando essas imposições exteriores, cultivamos certas resistências internas, crenças conscientes e inconscientes, baseadas na experiência, no conhecimento, e que se tornam fatores diretores.

Assim, para descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso, a mente deve achar-se num estado de revolução, e este significa a destruição de todas as coisas falsas que lhe foram impostas, seja por pressão externa, seja por ela própria; pois a mente está sempre em busca da segurança.

Afigura-se-me, pois, que o espírito religioso encerra esse constante estado mental que nunca constrói para sua própria segurança. Porque se a mente constrói com essa ânsia de segurança, então ela fica vivendo atrás de seus próprios muros e, portanto, é incapaz de descobrir algo novo.

Por conseguinte, a morte, a destruição do “velho”, é necessária: destruição da tradição, libertação total do que foi, abandono das coisas acumuladas como memória através de séculos. Então, direis, porventura: “Que mais resta? Tudo o que sou é constituído por todo esse conjunto de fatos, essa “história”, a experiência; se tudo isso desaparece, se apaga, que resta?” — Em primeiro lugar, pode-se apagar tudo isso? Podemos falar a esse respeito, mas é verdadeiramente possível apagá-lo? Eu digo que é possível — mas não por influência ou coerção, pois isso é insensatez, falta de madureza. É possível, se o penetrarmos profundamente, afastando de nós toda autoridade. E esse “limpar da lousa” — que significa morrer todos os dias e de momento em momento, para as coisas acumuladas — requer abundante energia e profundo discernimento; e isso faz parte do espírito religioso.

Outra parte do espírito religioso é o “espírito-força”, que inclui a ternura e o amor. Estou tentando expressar-me por meio de palavras, mas tende a bondade de não vos contentardes com palavras, apenas. Eu disse que outra parte do espírito religioso é a força proveniente do amor. E com a palavra “força” quero referir-me a algo completamente diferente do impulso para ser poderoso, do desejo de dominação, controle; do poder que a abstinência confere; ou do poder de uma mente sagaz, cheia de ambição, avidez, inveja, ávida de perfeição. Este poder é maligno. O domínio de uma pessoa sobre outra, o poder do político, o poder de influenciar outros para pensarem de certa maneira, seja exercido pelos comunistas, pelas igrejas, seja pelos sacerdotes ou pela imprensa — este poder, para mim, é extremamente nocivo. Estou-me referindo a coisa muito diferente, tanto em grau como em qualidade, algo sem nenhuma relação com o poder dominador. Existe essa força, esse poder, uma coisa “exterior”, não produzida por nossa vontade ou desejo. Nesse poder reside aquela coisa extraordinária que é o amor; e este faz parte do espírito religioso.

O amor não é sensual; nenhuma relação tem com a emoção; não é reação ao medo; não é amor materno, amor conjugal etc.

Segui bem isso, por favor, penetrai-o, sem nada aceitar, nem rejeitar, pois estamos jornadeando juntos. Direis, talvez: “Um tal amor, um tal estado mental não baseado em lembrança, é impossível”. Mas eu acho que ele pode ser encontrado. Encontramo-lo por vias obscuras, ao investigarmos em sua totalidade o mecanismo do pensamento, as peculiaridades da mente. É um poder existente por si só; é energia não causada. Difere inteiramente da energia gerada pelo “eu” em sua ânsia de alcançar as coisas que deseja. E aquela energia existe, mas só será encontrada pela mente livre, não vinculada ao tempo e ao espaço. Nasce aquela energia quando o pensamento — como experiência, conhecimento, como “ego”, centro — o “eu” — gerador de sua própria energia, volição e concomitantes pesares, aflições etc. — se dissolve. Dissipado esse centro, manifesta-se aquela energia, aquela força que é o amor.

E há, também, outra camada da mente religiosa que é movimento — movimento não dividido em exterior e interior. Tende a bondade de seguir isso por instantes. Conhecemos os movimentos exteriores, objetivos; e desse conhecimento resulta uma reação que chamamos movimento interior, um afastamento do exterior, renúncia ao exterior, ou, também, aceitação dele como inevitável, resistência a ele pelo cultivo de uma reação de “movimento interior”, com suas crenças, experiências etc. Existe o movimento para o exterior, o impulso para fora — ser ambicioso, ávido etc.; e quando esse movimento falha, nos voltamos para o interior. Não se busca a verdade quando a mente é feliz. Quando a mente se acha contentada, deleitada, tamanha é sua própria vitalidade que não precisa murmurar, sequer, o nome de Deus. Só quando nos sentimos infelizes, quando as coisas exteriores falharam, quando já não temos êxito, quando temos desgostos domésticos, quando há morte, conflito etc., só então nos voltamos para o interior, como costumam fazer os velhos. Nunca recorremos à religião quando somos jovens, porque então as nossas glândulas estão funcionando “a toda velocidade”. Encontramos satisfação no sexo, na posição, no prestígio, no dinheiro, na fama etc. Quando essas coisas começam a falhar-nos, só então nos voltamos para o interior; ou, se ainda somos jovens, nos tornamos beatniks. Tudo isso é reação: e revolução não é reação.

Ora, se se percebe com toda a clareza a verdade contida em tudo isso, ocorre então um movimento que é tanto exterior como interior; não há divisão. É um movimento: movimento que consiste em ver as coisas exteriores precisa, clara e objetivamente, tais como são; e esse mesmo movimento se verifica também interiormente, não como reação, porém como o movimento das marés, que é o fluxo e refluxo das mesmas águas. O movimento para fora significa ter os olhos, os sentidos, todo o nosso ser, abertos, vivos. E o movimento para dentro é o fechar dos olhos — emprego esta expressão como meio de comunicação; ninguém precisa ficar de olhos fechados. O movimento para dentro é a visão interior. Depois de compreender o exterior, os olhos se voltam para dentro; mas não como reação. E a visão interior, a compreensão interior significa quietude, tranquilidade, completas; porque nada mais há para buscar, para compreender.

Não gosto de empregar a palavra “interior”, mas espero tenhamos entendido. Esse estado interior é que é criação. Ele nada tem em comum com o poder humano de inventar, de produzir coisas, etc. É o estado de criação. Esse estado de criação só se manifesta quando a mente compreendeu a destruição, a morte. E só quando a mente vive esse estado de energia, que é amor, só então há criação.

Agora, a parte nunca é o todo. Temos descrito as partes; mas os raios de uma roda não constituem a roda, embora a roda contenha os raios. Não podemos alcançar o todo por meio de uma parte. O todo só pode ser compreendido ao perceber-se tudo o que estivemos dizendo sobre as várias partes da mente religiosa. Ao terdes esse percebimento em sua totalidade, então, nesse sentimento total está incluída a morte, a destruição, o sentimento de força pelo amor, e a criação. E isso é a mente religiosa. Mas para alcançar esse estado religioso, a mente deve ser precisa, pensar com clareza, logicamente, nunca aceitando as coisas externas ou as coisas internas que para si mesma criou, como conhecimento, experiência, opinião, etc.

Vemos, pois, que a mente religiosa encerra em si a mente científica; mas a mente científica não contém a mente religiosa. O mundo vem tentando consorciar as duas, mas isso é impossível; assim sendo, tratarão de condicionar o homem para aceitar a separação. Mas estamos falando de coisa totalmente diferente. Estamos tentando uma jornada de descobrimento, e isso significa que tendes de descobrir. Aceitar o que se está dizendo não tem valor algum, pois, assim, estais de volta à velha rotina, sois escravos da propaganda, da influência e tudo o mais.

Mas, se empreendestes também a jornada e sois capazes de descobrir, vereis então que podeis viver neste mundo; então, as agitações deste mundo têm significação. Porque, neste conteúdo total, neste sentimento total, há ordem e desordem. Não é assim? É preciso destruir, para criar. Mas não é a destruição à maneira dos comunistas. A desordem, se podemos empregar tal palavra, existente na mente religiosa, não é o contrário da ordem. Sabeis como gostamos da ordem. Quanto mais burgueses somos, quanto mais limitados e medíocres, tanto mais amamos a ordem. A sociedade precisa de ordem; quanto mais corrupta se torna, tanto mais deseja ordem. É o que querem os comunistas: um mundo em perfeita ordem. E nós outros desejamos a mesma coisa: temos medo à desordem. Compreendei, por favor, que não estou advogando um mundo em desordem; não estou absolutamente empregando a palavra “desordem” em sentido reacionário. A criação é desordem; mas essa desordem, sendo criadora, contém a ordem. Isto é muito difícil de transmitir. Percebeis?

A mente religiosa, pois, não é escrava do tempo. Onde existe o tempo — ontem, com todas as suas lembranças, movendo-se através de hoje e criando, assim, o futuro e condicionando a mente — não existe aquela desordem criadora. A mente religiosa, portanto, é uma mente que não tem futuro, não tem passado, e tampouco não está vivendo no presente, compreendido como oposto de ontem e de amanhã, porquanto nesta mente religiosa não está contido o tempo. Não sei se estais entendendo.

A mente, pois, pode alcançar aquele estado religioso. Estou empregando a palavra “religioso” com um novo sentido, indicando algo não relacionado com as religiões do mundo, todas elas mortas, moribundas, decadentes. Assim, a mente religiosa é aquela que só pode “viver com a morte”, com a extraordinária e poderosa energia do amor. Não traduzais isto. Não façais perguntas sobre o “amar um” ou “amar todos”; isto é infantil. Só a mente religiosa pode voltar-se para dentro; e esse “voltar-se para dentro” não está em relação com o tempo e o espaço. É ilimitado, infinito, não pode ser medido por uma mente aprisionada no tempo. E só a mente religiosa resolverá os nossos problemas, porque ela não tem problemas. E só a mente que não tem problemas, uma mente realmente religiosa, pode resolver todos os problemas. Essa mente, por conseguinte, está em relação íntima com a sociedade; mas a sociedade não está em relação com ela.

Assim, no sentido da palavra “religioso”, é necessária uma revolução em cada um de nós — revolução total e não parcial. Toda reação é parcial; e a revolução a que nos referimos não é parcial e, sim, uma coisa total. E só essa mente pode ter intimidade com a Verdade. Só essa mente pode ter “amizade” com Deus — ou o nome que preferirdes. Só essa mente pode participar da Realidade.

APARTE: A mesma mente cria a ordem e a desordem?

KRISHNAMURTI: Está-me parecendo, senhor, que não empreendestes a jornada. Deve haver morte, para que algo novo possa existir. Palavras, frases, a formulação intelectual de perguntas — nada disso tem relação com aquilo de que falamos. Como sabeis, quando se vê algo verdadeiramente belo, imenso — as montanhas, os rios — a mente se torna silenciosa, não é verdade? A beleza do que se está vendo varre-nos da mente toda indagação, todo sentimentalismo, todo sussurro de pensamento; naquele segundo tudo isso é varrido da mente, porque a coisa que se vê é sumamente grande. Mas, se esse “varrer” é efetuado por algo externo a vós, nesse caso é uma reação, e voltareis posteriormente a vossas lembranças. Porém, se realmente empreendestes a jornada, vossa mente se acha então naquele estado em que não faz perguntas, em que não tem problemas. Senhor, a mente que está a morrer, que está morta, tem problemas; mas não os tem a mente ativa, viva, fluente como um rio, intensa.

APARTE: Penso que concordareis que o estado da sociedade humana deixa muito a desejar. É possível uma pessoa religiosa atuar sobre essa sociedade de maneira eficiente, contra todos os outros que estão atuando diferentemente?

KRISHNAMURTI: Pretendíamos falar a este respeito na próxima reunião. Que valor tem tudo isso para a sociedade? Que vantagem há em uns poucos, ou um ou dois alcançarem aquele estado? Que é a sociedade e que deseja a sociedade? Ela deseja posição, prestígio, dinheiro, sexualidade; sua própria estrutura baseia-se na aquisição, na competição, no êxito. Se dizeis algo contra tudo isso, eles não vos quererão. Não podeis evitá-lo. Se algumas das chamadas pessoas religiosas, sacerdotes, etc., começassem a falar sobre a necessidade de não ser ambicioso, de não se fazerem guerras, nem se praticarem violências, pensais que teriam seguidores? Ninguém lhes daria ouvidos. E estou certo de que não dareis ouvidos ao que se está dizendo aqui, porque continuareis a palmilhar o caminho da ambição, da frustração, da segurança, que na verdade é o caminho da morte. Levareis convosco, daqui, uns “pedacinhos” do que ouvistes, para acrescentá-los ao que já sabeis. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, de coisa verdadeiramente extraordinária, pela sua beleza e profundidade. Porém, para a alcançardes, compreenderdes, “viverdes com ela”, requer-se imenso trabalho — trabalho de penetração, a fim de esclarecer a mente consciente e inconsciente, e o mundo que nos circunda. Ou podeis ver tudo num súbito clarão e eliminá-lo de vez. Tanto uma coisa como outra requer extraordinária energia.

Krishnamurti, Londres, 25 de maio de 1961, O Passo Decisivo


domingo, 8 de abril de 2018

Sobre a necessidade de uma mente nova

Sobre a necessidade de uma mente nova

Convém termos desde já uma noção bem clara da finalidade destas reuniões. Não devem elas degenerar, de modo nenhum, em mera troca intelectual de palavras e ideias ou exposição de pontos de vista pessoais. Não estamos tratando de ideias, porquanto as ideias são unicamente a expressão de nosso próprio condicionamento, nossas próprias limitações. Discutir a respeito de ideias, sobre quem tem razão e quem não a tem, é coisa completamente fútil. Tratemos, antes, de explorar juntos os nossos problemas. Em vez de ficarmos inativos, como os assistentes de uma competição esportiva, tomemos parte ativa, cada um de nós, nestas discussões, para vermos se podemos penetrar profundamente os nossos problemas, não apenas os individuais, mas também os coletivos. Penso que há possibilidade de ultrapassarmos os murmúrios, as “ tagarelices” da mente, ultrapassarmos todas as exigências e influências mundanas e descobrirmos por nós mesmos o que é verdadeiro. E com esse descobrimento do verdadeiro estaremos aptos a enfrentar, a ficar com os numerosos problemas que atormentam cada um de nós.

Assim sendo, procuremos investigar inteligentemente, com calma e cautela, a fim de apreendermos o integral significado da vida, de nossa existência — sua finalidade. E creio que só teremos essa possibilidade se formos honestos com nós mesmos, e isso é bastante difícil. Em nossa investigação, devemos desnudar a nós mesmos e não a outrem, de modo que, com nossa própria inteligência, nosso próprio exato pensar, possamos penetrar até encontrarmos algo de real valia.

Quase todos nós sabemos, não apenas da leitura dos jornais, mas também de nossa própria experiência direta, que uma estupenda transformação se está processando no mundo. Não estou pensando na transformação consistente em passar de um estado para outro, porém na rapidez com que está ocorrendo a transformação, não apenas em nossa vida pessoal, mas também na vida coletiva, na vida nacional de todos os povos do mundo.

Em primeiro lugar, as máquinas estão fazendo maravilhas. Sob muitos aspectos, os cérebros ou computadores eletrônicos estão operando com muito mais exatidão e rapidez do que nós, entes humanos. E já se estão estudando meios de produzir máquinas que acionarão outras máquinas, sem nenhuma interferência do homem. Vai-se, assim, eliminando gradualmente o homem. Funcionam essas máquinas com base nos mesmos princípios da mente humana, do cérebro humano. Talvez chegue o tempo em que poderão compor música, escrever poemas, pintar quadros — assim como se ensinou o macaco a pintar figuras, etc. Observa-se uma extraordinária onda remodeladora, e o mundo nunca mais tornará a ser para nós o que antes foi. Penso que todos aqui estamos bem apercebidos disso. Mas nenhuma certeza tenho sobre se estamos apercebidos de nossa relação individual com todo esse “mecanismo”; pois consideramos o saber coisa imensamente importante. Adoramos o saber — mas as máquinas são capazes de muito mais vasto saber... Este é um aspecto do problema.

Em seguida, constata-se a existência de todos os tipos de comunismo, fascismo, etc. Observa-se pobreza descomunal, esmagadora, degradante, na Ásia, e entes humanos a buscarem um sistema para resolver este problema. Mas o problema permanece sem solução, por causa de nossos pontos de vista limitados, nacionalistas, e porque cada país, cada sistema quer dominar os demais.

Parece-me, por conseguinte, que para enfrentarmos todos esses problemas de um ponto de vista diferente, se torna necessária a revolução fundamental; não uma revolução comunista, socialista, americana ou chinesa: uma revolução interior, uma mente completamente renovada. Este, parece-me, é o problema que nos deve interessar — e não a bomba atômica, ou a viagem à lua, ou o dar meia-dúzia de voltas ao redor da Terra dentro de um foguete; o macaco já fez isso, e outras pessoas e mais outras o farão. Positivamente, para se enfrentar a vida como totalidade, com todos os seus incidentes e acidentes, necessita-se de uma mente de todo diferente; não da chamada mente religiosa, produto da crença organizada, oriental ou ocidental: esta só serve para perpetuar a divisão e criar cada vez mais superstição e temor. Todas as absurdas divisões e limitações — pertencer a este ou àquele grupo, ingressar nesta ou naquela sociedade, seguir determinada forma de crença ou determinado padrão de ação — nada disso poderá resolver nossos imensos problemas.

Acho que só teremos possibilidade de atender a esses problemas quando ingressarmos num estado que não seja mero produto da experiência, porquanto a experiência é sempre limitada, sempre colorida, sempre contida nos limites do tempo. Temos de averiguar por nós mesmos — não achais? — se é possível ultrapassarmos as fronteiras da mente, a barreira do tempo, e descobrirmos o imenso significado da morte — e isso significa, realmente, descobrir o que é viver. Para tanto, sem dúvida, é absolutamente necessária uma mente nova — não uma mentalidade inglesa, indiana, russa ou americana, porém uma mentalidade capaz de apreender o significado do todo, capaz de demolir o nacionalismo, os condicionamentos, os valores, e transcender as palavras que a escravizam.

Eis o que é, para mim, o verdadeiro problema, o verdadeiro desafio. Gostaria de investigar junto convosco, inteligentemente, precisamente, sem sentimentalismos e sem parábolas, descobrir se há meios ou se nenhum meio existe de adquirirmos uma mente nova. Existe caminho, método, sistema de disciplina capaz de conduzir-nos a ela? Ou todos os métodos, disciplinas, sistemas e ideias têm de ser abandonados, abolidos, para que a mente se possa tornar nova, jovem, “inocente”?

Como sabeis, na Índia, aquele velho país tão cheio de tradições e infelizmente tão populoso, tem havido numerosos instrutores que estabeleceram o que é certo e o que é errado, que método se deve seguir, como meditar, o que pensar e o que não pensar; e dessa maneira todos se veem agrilhoados, aprisionados em diferentes padrões de pensamento. E também aqui, no Ocidente, o mesmo “mecanismo” se observa. Não queremos transformar-nos. Todos, com mais ou menos tenacidade, estamos em busca da segurança, em tudo o que fazemos; segurança na família, nas relações, nas ideias. Queremos ter certeza, e esse desejo de certeza gera temor, e o temor cria “a culpa” e a ansiedade. Se nos examinamos interiormente, podemos ver quão intensamente tememos quase tudo e como está sempre presente a sombra da “culpa”. Na Índia, cingir uma tanga limpa faz uma pessoa sentir-se “culpada”; tomar uma refeição completa faz a pessoa sentir-se “culpada” — pois há tanta pobreza, tanta sordidez e miséria por toda a parte! Aqui a situação não é tão má, porque o Estado cuida do bem-estar social, e há trabalho e um alto grau de segurança; mas há outras formas de “culpa” e ansiedade. Sabemos de tudo isso, mas, infelizmente, não sabemos como libertar-nos de todos esses horríveis fatores limitativos; não sabemos como sacudi-los de nós completamente, para que nossa mente torne a ser nova, “inocente”, jovem. Por certo, só a mente que se renova pode perceber, observar, descobrir se existe uma realidade, se existe Deus, se existe algo além de todas as palavras, frases e condicionamentos.

Considerando, pois, tudo isso, que se deve fazer? E se há algo que cumpre fazer, que é esse algo e em que direção ele se encontra? Não sei se o que estou dizendo tem alguma significação para vós. Para mim, trata-se de coisa muito séria; “sério”, não no sentido de “fazer uma cara solene”, mas no sentido de sermos ardorosos, impetuosos, diretos. E se sentis também essa necessidade de uma mente nova, investiguemos onde começar e o que cumpre fazer.

Krishnamurti, Londres, 02 de maio de 1961, O Passo Decisivo

sábado, 7 de abril de 2018

O homem religioso não quer reformar a sociedade

O homem religioso não 
quer reformar a sociedade

PERGUNTA: Admitindo-se que a religião é da mais alta importância na vida, a pessoa verdadeiramente religiosa não se sentirá interessada na situação desditosa de seu semelhante?

KRISHNAMURTI: Tudo depende de quem é que chamais "pessoa religiosa" e do que entendeis por "sentir-se interessado". Tende a bondade de prestar atenção, senhores. O homem religioso deveria ocupar-se com reformas sociais? Que está acontecendo, realmente, no mundo? A pessoa dita religiosa se preocupa com os sofrimentos, as tribulações e a pobreza de seu semelhante, que exigem uma reforma da sociedade. Isto sucede aqui na Índia e noutras partes.

Ora, como sabemos, a produção de utilidades está aumentando muito e é bem provável que daqui a cinquenta ou cem anos haja alimentação e roupa e morada para todos; porque os comunistas têm esse alvo em mira, pelos métodos brutais e tirânicos que lhe são próprios, e os capitalistas têm igual objetivo, para servir aos seus próprios fins. Estamos todos trabalhando para minorar a pobreza e fomentar a produção, pelo uso de métodos cada vez mais eficientes, de novas invenções mecânicas, etc. Tudo isso está sucedendo e continuará a suceder em escala maior ainda — como deve ser. Mas, não há dúvida, o que é de primacial importância é ver a pobreza, ver a degradação, ver como o homem está tratando o homem — o que é algo aterrador — e também senti-lo, em vez de perguntar o que se deve fazer. O que se deve fazer, virá a seu tempo. Mas quase todos nós perdemos o amor pelo homem, em nossa atividade para reformar o homem. Essa reforma vai ser realizada pelo comunismo, de acordo com seus princípios violentos, pelo socialismo, pelo capitalismo e pela constante pressão das nações pobres sobre as nações opulentas. Essa própria pressão provocará uma mudança, uma revolução.

Ora, o problema é este: — Quem é o homem religioso? E deve um homem religioso interessar-se por essa reforma social, em que se trata de acabar com a pobreza e possibilitar uma distribuição equitativa dos bens materiais? É evidentemente necessário extirpar a pobreza, ter boa saúde, alimentação suficiente, casas adequadas para morar, etc.; e isso haverá de realizar-se, por meio da legislação, da pressão, da produção em massa, etc.

Mas que entendemos nós por um homem religioso? Por certo, o homem religioso é o que trabalha para libertar o indivíduo e a si próprio de todas as crueldades e sofrimentos da vida — o que significa que ele é livre de crenças. Esse homem não obedece a nenhuma autoridade, não segue a ninguém, porque ele é a luz de si mesmo; e essa luz irradia do autoconhecimento, é a libertação que vem à existência quando o indivíduo compreende completamente a si mesmo. O homem religioso é aquele que é criador, não no sentido de pintar quadros ou escrever poesias, mas porque nele atua uma força de criação imorredoura, eterna.

Ora, esse homem religioso que descobre sempre coisas novas, de momento a momento, esse homem ir-se-á ocupar com reformas sociais? Ou permanecerá fora da sociedade, socorrendo o indivíduo que se debate nesta luta interminável? Certo, o homem religioso permanece fora da sociedade, porque para ele não existe autoridade. Ele não busca resultados e, por conseguinte, os resultados surgem sem que ele nada faça para consegui-los. Esse homem não se interessa por nenhuma reforma social.

Notai bem: A reforma social é necessária, mas há muita gente trabalhando pela reforma social. E qual a razão dessa atividade? É por amor que a ela se entregam? Ou essa atividade, a que chamam reforma social, é um meio de essas pessoas se preencherem a si mesmas? Notar o mendigo na rua, ver a aterradora pobreza e a degradação existente nas aldeias, e sentir isso, ter amor, compaixão, pelo mendigo, pelo aldeão, isso não é o mesmo quê nos preenchermos numa atividade de reforma social — mesmo quando exerçamos atividades desta natureza. Mas quando a vossa pessoa se torna importante, numa atividade social, isto não acontece porque vos estais preenchendo com tal atividade? E quando isso acontece, já não amais; e o amar, o ter compaixão, o ser sensível ao belo e ao feio, isso é muito mais importante do que nos preenchermos num certo trabalho ostensivo, a que chamamos reforma social.


Assim, o homem religioso é que é o verdadeiro revolucionário, e não o que quer realizar uma revolução no sentido econômico. O homem religioso não reconhece nenhuma autoridade, não é ávido nem ambicioso, não está visando a resultados, não é político; por conseguinte só ele é capaz de realizar a reforma correta. Eis porque é importante que todos nós, não como grupos, mas como indivíduos, nos libertemos imediatamente das crenças e dogmas, da avidez e da ambição. Se assim procederdes, vereis como a mente se tornará cheia de vitalidade. E o homem é então um reformador num sentido completamente diferente, porque irá ajudar-nos a libertar a mente, para descobrir e ser criadora. A mente que está ocupada, não pode ser criadora. A mente que se ocupa em preencher a si mesma, nunca descobrirá o desconhecido. Só a mente que se acha completamente desocupada, pode descobrir e compreender o eterno, e essa mente produzirá sua ação peculiar, na sociedade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill