Interrogante - Nessa manhã, o senhor contestava o que afirmam as religiões e por isso indago: por que só compreendo intelectualmente o que o senhor diz? Parece sensato e razoável; não obstante, não sinto isso profundamente.
Krishnamurti - O interrogante declara que o que dizemos faz sentido intelectual, verbal, mas que, de algum modo, não penetra, não vai muito fundo, não atinge a raiz das coisas de modo que eu chegue a mudar. Não produz aquela vitalidade que impulsiona, aquela sensação de vida. Receio que seja esse o caso da maioria das pessoas.
(Interrupção)
Krishnamurti - Por favor, não responda. Vamos examinar. O cavalheiro diz: o que o senhor assevera é lógico, aceito intelectualmente, mas não sinto isso no íntimo; portanto, não mudo; portanto, não ocorre em mim uma revolução de modo que possa viver uma vida completamente diferente. E afirmei que esse é o problema da maioria de nós. Vamos até a metade do caminho e aí desistimos. Mantemos o interesse durante dez minutos e, depois, começamos a pensar em outras coisas. Vamos embora depois da palestra e continuamos na vida rotineira. Mas por que acontece isso? Compreendemos intelectualmente, verbalmente, com toda lógica, mas, pelo que parece, isso não nos toca muito profundamente, a ponto de produzir uma fogueira que queime tudo que é velho. Por que não acontece isso? Será falta de interesse? Será por preguiça, indolência? Investigue isso, senhor; não procure respostas para me dar. Se é falta de interesse, por que é que o senhor não está interessado? Quando a casa está pegando fogo (a sua casa), quando seus filhos estão crescendo para serem mortos, por que é que o senhor não está interessado? O senhor é cego, insensível, indiferente, empedernido? Ou será que, no fundo, o senhor não tem energia e se tornou apático? Verifique isso; não concorde nem discorde. Será que ficou insensível porque está voltado para os seus problemas pessoais? O senhor quer realizar-se, sente-se inferior ou superior, está cheio de ansiedade, cheio de medo e tudo isso, que são os seus problemas, está sufocando o senhor; por isso o senhor não está interessado em nada além daquilo que possa, primeiro, resolver seus problemas. Mas seus problemas são também os problemas do outro, são o produto desta cultura em que vive.
E o que sucede? Completa indiferença, insensibilidade, intransigência? Ou será que toda nossa cultura e treinamento têm sido intelectuais, verbais? Nossas filosofias são verbais, nossas teorias são o produto de cérebros extraordinariamente engenhosos e fomos educados dentro disso. É nisso que se baseia toda nossa educação. E não é ao pensamento que se atribui tanta importância? É a mente sagaz, ardilosa, eficiente, técnica, a mente que mede, que constrói, que luta é, organiza. Fomos treinados assim e é nesse nível que reagimos. Dizemos: “Sim, intelectualmente, verbalmente, concordo com o que diz, vejo a lógica da coisa”. Mas não podemos ir além porque nossa mente está presa ao mecanismo do pensamento que está sempre a medir. Só que o pensamento não pode medir nem o abismo nem a culminância; só mede o que está no seu próprio nível.
Essa pergunta, portanto, é importante para todos, pois muitos de nós concordam com tudo isso verbalmente, intelectualmente; por alguma razão, contudo, o fogo não pega.
Interrogante - Creio que não há mudança porque as coisas essenciais não se encontram no nível do intelecto, mas em outro plano.
Krishnamurti - Foi o que eu disse, senhor. O cavalheiro afirma que não ocorre mudança porque estamos condicionados psicologicamente, economicamente, socialmente e educacionalmente. Somos o produto da cultura em que vivemos. E, como ele diz, enquanto isso não mudar em nós, não manifestaremos qualquer interesse profundo por isso. Por conseguinte, o que é que pode torná-los interessados? Pergunto: por que será que, embora ouçamos tudo isso com senso lógico, e espero que também com bastante sanidade, não se acende a fogueira em que sejamos incinerados? Por favor, façam a pergunta a si próprios; verifiquem por que só vão até o ponto de concordar no nível da lógica, da palavra, superficialmente, portanto, e nunca se deixam tocar no íntimo. Se nos tiram o dinheiro ou o sexo, isso mexe conosco. Se nos desprestigiam, brigamos por isso. Se nos privam de nossos deuses, nosso nacionalismo, nossa vidinha burguesa, brigamos como cão e gato. E tudo isso prova que pelo intelecto fazemos qualquer coisa. Para ter a tecnologia a fim de ir à lua, precisamos do pensamento, mas o pensamento talvez não consiga acender a chama que transforma o homem. O que muda o ser humano, é encarar tudo isso, olhar para isso e, não, ficar vivendo nesse nível superficial.
Interrogante - O senhor disse, nessa manhã, que, quando somos capazes de olhar a morte como o desconhecido, isso quer dizer que somos também capazes de olhar a vida como ela é e que somos capazes de agir.
Krishnamurti - Sim, senhor. “Quando somos capazes”. É difícil apreender o sentido da palavra “capaz”. Capacidade significa trabalho, ter capacidade para fazer alguma coisa. Pode-se cultivar a capacidade. Posso cultivar a capacidade de jogar golfe ou tênis ou de montar uma máquina. Mas não estamos empregando a palavra “capacidade” no sentido de tempo - compreendem? Capacidade implica tempo, não é? Vejam: não sou capaz agora, mas, se me derem um ano, serei capaz de falar italiano, francês ou inglês. Se entendem capacidade como coisa do tempo, não é com tal sentido que emprego a palavra. O que quero dizer é isto: observem o desconhecido sem medo, vivam com ele. Isso não exige capacidade. Disse que poderão fazer isso se perceberem o falso e o rejeitarem.
Interrogante - Não é uma questão de não saber escutar? O senhor afirmou que escutar é uma das coisas mais difíceis.
Krishnamurti - Sim, escutar é uma das coisas mais difíceis de fazer. O senhor espera que um homem comprometido com a atividade social, vivendo exclusivamente para isso, vai dar ouvidos a algumas dessas coisas? Ou um homem que diz: “Fiz votos de celibato” - será que ele vai dar atenção a tudo isso? Não, senhor. Escutar é uma verdadeira arte.
Interrogante - O senhor disse que a dificuldade está no nível intelectual e que não deixamos que nossos sentimentos e emoções intervenham em nossas relações com os outros. Mas tenho a impressão de que é exatamente o contrário. Creio que a confusão, no mundo é causada pelas emoções e paixões descontroladas, talvez por falta de compreensão; mas são paixões. Vivemos uma vida de violência.
Krishnamurti - Violência, decerto; está claro. Mas é preciso dominar a vida emocional? Não vivemos, neste mundo, cheios de emoção e excitação, sob o delírio do prazer e do sentimento? Pois quando vivemos assim neste mundo e ele entra em desordem, o intelecto interfere e começamos a querer controlar, dizendo: “Não devo”; mas o intelecto sempre domina.
Interrogante: Ou justifica.
Krishnamurti: Justifica ou condena. Eu posso ser muito agitado emocionalmente, mas o intelecto vem e diz: olhe, tome cuidado, tente controlar-se. O intelecto, que é o pensamento, domina sempre, não? Nas minhas relações com os outros, fico zangado, irritado, agitado. E o que acontece então? Isso leva ao conflito e ao choque entre dois seres humanos. Nesse momento, tento controlar, isto é, o pensamento tenta controlar porque ele já estabeleceu um padrão para si próprio sobre o que deve ou não deve fazer - e diz: “Tenho de controlar”. É por isso que dizemos: “Tem de haver controle” pois, do contrário, as relações entram em colapso. Não é esse todo o processo do pensamento, do intelecto? O intelecto desempenha um enorme papel em nossa vida e é isso que desejamos apontar. Não estamos afirmando que as emoções são corretas ou erradas, verdadeiras ou falsas, mas que o pensamento está sempre julgando, avaliando, controlando, dominando e, assim, ele nos impede de olhar.
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Krishnamurti. Saanen, 29/07/71. THE AWAKENING OF INTELLIGENCE. London, V. Gollancz, 1973, p.361-5. Tradução do trecho: Vanfredo
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Krishnamurti. Saanen, 29/07/71. THE AWAKENING OF INTELLIGENCE. London, V. Gollancz, 1973, p.361-5. Tradução do trecho: Vanfredo