Questionador. Você fala muito sobre a necessidade de uma vigilância incessante. Acho que meu trabalho me entorpece de forma tão irresistível que falar sobre vigilância depois de um dia de trabalho é como colocar sal na ferida.
Krishnamurti: Meu senhor, esta é uma questão importante. Por favor, vamos examinar juntos, cuidadosamente, e ver o que nela está envolvido. Bem, a maioria de nós se entorpece com o que chamamos de nosso trabalho, nosso emprego, nossa rotina. Os que amam o trabalho e os que são obrigados a trabalhar em função de necessidade e que percebem que o trabalho os torna aborrecidos — ambos se aborrecem. Tanto os que amam o seu trabalho como os que resistem a ele se aborrecem, não é verdade? O que faz um homem que ama o seu trabalho? Ele pensa nele da manhã até a noite, está permanentemente ocupado com ele. Esse homem está tão identificado com o trabalho que não pode olhar para ele — ele é a própria ação, o próprio trabalho. O que sucede com essa pessoa? Ela vive numa prisão, vive em isolamento com seu trabalho. Nesse isolamento, ela pode ser bastante esperta, bastante inventiva, muito sutil, mas ainda assim está isolada. E ela se entorpece porque está resistindo a qualquer outro tipo de trabalho, a qualquer outra abordagem. Seu trabalho é, portanto, uma forma de escapar da vida — da sua vida, de seus compromissos sociais, das incontáveis solicitações, e assim por diante. E há também o homem da outra categoria, o homem que — como a maioria de vocês — se obriga a fazer algo de que não gosta e que resiste a isso. É o trabalhador da fábrica, o funcionário do banco, o advogado, ou qualquer outra das nossas profissões.
Mas o que nos entorpece? Será o trabalho ou a nossa resistência ao trabalho, ou a tentativa de evitar outros impactos sobre nós? Estão acompanhando o que quero dizer? Espero estar me fazendo claro. Pois bem, o homem que ama seu trabalho está tão absorvido nele, tão enredado, que isso acaba por se tornar um vício. Dessa forma, seu amor ao trabalho é uma maneira de fugir da vida. E para o homem que resiste ao trabalho, que desejaria estar fazendo algo diferente, há o eterno conflito da resistência ao que está fazendo. Assim, nosso problema é: o trabalho entorpece a nossa mente? Ou esse entorpecimento é causado pela resistência ao trabalho, de um lado, e pelo uso que se faz do trabalho para evitar os impactos da vida, de outro? Isto é, será que a ação e o trabalho entorpecem a mente ou será que a mente fica entorpecida pelo conflito, pela resistência ou pela tentativa de fuga? Obviamente, não é o trabalho, mas a resistência que entorpece a mente. Se você não oferecer resistência e aceitar o trabalho, o que acontece? O trabalho não o entorpece, porque apenas uma parte da sua mente está realizando a tarefa que você tem que executar. O resto do seu ser, o inconsciente, a parte oculta, está ocupada com os pensamentos nos quais você está realmente interessado. Sendo assim, não existe conflito. Isso pode parecer bastante complexo, mas se você acompanhar cuidadosamente verá que a mente se entorpece, não pelo trabalho, mas pela resistência ao trabalho, ou pela resistência à vida. Digamos, por exemplo, que você precise fazer determinado trabalho que lhe demandará cinco ou seis horas. Se você disser: "Que amolação! Que coisa horrível! Eu gostaria de poder estar fazendo outra coisa", obviamente sua mente está resistindo e esse trabalho. Parte da sua mente desejaria que você estivesse fazendo outra coisa. Essa divisão, produzida pela resistência, cria aborrecimento, porque você está desperdiçando o seu esforço, querendo estar fazendo algo diferente. Ao passo que, se você não resistir, mas fizer aquilo que é realmente necessário, então você diz: "Preciso ganhar a vida e vou ganhar minha vida de maneira correta." Mas o viver corretamente não implica a necessidade de exército, de polícia, ou de advogados que prosperam nas disputas, nos distúrbios, nos subterfúgios astuciosos e assim por diante. Este é um problema por si só bastante difícil.
Se você estiver ocupado em fazer algo indispensável para ganhar a vida, e se resistir a isso, obviamente a mente se aborrece, pois trabalhar com resistência é como fazer um motor trabalhar com freio acionado. O que acontece ao pobre motor? Seu desempenho torna-se insuficiente, não é verdade? Se você já dirigiu um carro, sabe o que acontece se dirigir com o freio manual acionado — você não apenas irá desgastar o freio como também ira desgastar o motor. Isso é exatamente o que está fazendo quando resiste ao trabalho. Ao passo que, se você aceitar o que tem a fazer, e o fizer de maneira tão inteligente e completa quanto possível, o que sucede? Como você não está mais resistindo, as outras camadas da sua consciência estão ativas, não importa o que você esteja fazendo; você está dedicando ao trabalho apenas a sua mente consciente, e o inconsciente, a parte oculta da sua mente, está ocupada com outras coisas nas quais há muito mais vitalidade, muito mais profundidade. Embora você enfrente o trabalho, o inconsciente toma iniciativas e funciona.
Bem, se você observar, o que realmente acontece na sua vida diária? Você está interessado, digamos, em descobrir Deus, em ter paz. Esse é o seu real interesse, com o qual a sua consciência, bem como o seu inconsciente, está ocupada — em encontrar felicidade, em encontrar realidade, em viver corretamente, de forma bonita e clara. Mas você precisa ganhar a vida, pois não existe essa coisa de viver isolado — tudo o que existe tem alguma forma de relacionamento. Assim, estando interessado em paz, e uma vez que seu trabalho na vida diária interfere com isso, você resiste ao trabalho. Você diz: "Eu gostaria de ter mais tempo para meditar, para pensar, para praticar o violino", ou o que quer que seja. Ao fazer isso, quando você resiste ao trabalho que precisa fazer, essa resistência é um desperdício de energia, o que aborrece a mente. Mas todos nós fazemos uma série de coisas que precisam ser feitas — escrever cartas, falar, limpar o esterco do gado ou o que quer que seja — e por esse motivo não resistimos e dizemos: "Preciso fazer este trabalho." Então, se você compreende isso, você o fará de boa vontade e sem aborrecimento. Se não houver resistência, no momento em que o trabalho estiver terminado, você descobrirá que a mente está em paz; uma vez que o inconsciente e as camadas mais profundas da mente estão interessadas na paz, você descobrirá que a paz começa a surgir. Sendo assim, não há diferença entre a ação, que pode ser rotineira, que pode ser desinteressante, e a sua busca de realidade; elas são compatíveis quando a mente deixa de resistir, quando a mente deixa de ser entorpecida pela resistência. É a resistência que cria a diferença entre paz e ação. A resistência baseia-se numa ideia, e a resistência não pode produzir ação. Apenas a ação liberta, e não a resistência ao trabalho.
Assim sendo, é importante compreender que a mente se embota devido à resistência, à reprovação, à fuga e à censura. A mente não se embota quando não há resistência; quando não há censura ou reprovação, ela permanece ativa, viva. Resistência é isolamento, e a mente do homem que vive continuamente a se isolar, seja de forma consciente ou inconsciente, torna-se embotada devido a essa resistência.
Krishnamurti - Sobre o viver correto
Bangalore, 8 de Agosto de 1948
Bangalore, 8 de Agosto de 1948