Por que o homem tem fé na razão? Porque a razão tem uma legítima função a cumprir, para a qual está perfeitamente adaptada; e esta função é justificar e iluminar, para o homem, suas diversas experiências, dando-lhe fé e convicção para persistir na tarefa de ampliar sua consciência.
Essa verdade está escondida ao racionalista porque ele se apóia em dois constantes artigos de fé: primeiro, que sua razão está certa e que a razão dos outros, que dele divergem, está errada; segundo, que quaisquer que possam ser as atuais deficiências do intelecto humano, a razão humana coletiva certamente acabará por alcançar pureza e será capaz de fundar o pensamento e a vida humana, com segurança, sobre uma base racional clara que satisfaça inteiramente a inteligência. Seu primeiro artigo de fé é sem dúvida a expressão comum de nosso egoísmo e arrogante falibilidade, e no entanto é alguma coisa mais; ele expressa esta verdade de que é função legítima da razão justificar ao homem sua ação e sua esperança e a fé que está nele, e dar-lhe aquela ideia e conhecimento, embora restritos, e aquela convicção dinâmica, embora estreita e intolerante, de que ele necessita para poder viver, agir e crescer na mais alta luz acessível a ele. A razão não pode abarcar a verdade toda, porque a verdade é infinita demais para ela; mas ainda assim ela realmente apanha da verdade o algo de que imediatamente necessitamos, e sua insuficiência não diminui o valor de seu trabalho, mas dá antes a medida de seu valor. Pois o homem não está destinado a apoderar-se de vez da verdade inteira de seu ser, mas a movimentar-se rumo a ela através de uma sucessão de experiências e de uma auto-expansão constante, embora de modo algum perfeitamente contínua. É então a primeira tarefa da razão justificar e elucidar para ele suas diversas experiências e dar-lhe fé e convicção para persistir em suas auto-ampliações. Ela lhe justifica ora isto, ora aquilo, as experiências do momento, a luz refluente do passado, a visão semivista do futuro. Sua inconstância, sua divisibilidade contra si mesma, seu poder de sustentar pontos de vista opostos são o inteiro segredo de seu valor. Ela não conseguiria de fato suportar pontos de vista conflitantes demais no mesmo indivíduo, exceto em momentos de despertar e de transição, mas no corpo coletivo dos homens e nas sucessões do Tempo esta é toda a sua tarefa. Pois assim que o homem se move rumo à infinidade da Verdade, através da experiência de sua variedade; assim sua razão o ajuda a construir, modificar, destruir o que construiu e a preparar uma nova construção — em uma palavra, a progredir, crescer, ampliar-se em seu autoconhecimento e conhecimento do mundo e de seus trabalhos.
Mas a razão nem pode chegar a uma verdade final, porque ela nem pode alcançar a raiz das coisas nem abraçar a totalidade delas. Ela lida com o infinito, o separado, e não tem medida alguma para o todo e o infinito.
O segundo artigo de fé de quem acredita na razão é também um erro, e ainda assim contém uma verdade. A razão não pode chegar a uma verdade final porque ela nem pode alcançar a raiz das coisas nem abraçar a totalidade dos segredos delas; ela lida com o finito, o separado, o agregado limitado, e não tem medida alguma para o todo o e o infinito. Tampouco pode a razão fundar uma vida perfeita para o homem ou uma sociedade perfeita. Uma vida humana puramente racional seria uma vida malograda e privada de suas fontes dinâmicas mais poderosas; seria uma substituição do soberano pelo ministro. Uma sociedade puramente racional não poderia chegar a existir e, se ela pudesse nascer, ou não conseguiria viver ou esterilizaria e petrificaria a existência humana. Os poderes da raiz da vida humana, suas causas íntimas, estão abaixo, irracionais, e estão acima, supra-racionais. Mas é verdade que por constante ampliação, purificação, abertura, a razão do homem é obrigada a alcançar um sentido inteligente mesmo daquilo que está oculto a ela, um poder de reflexão passiva, e no entanto concordante, da Luz que a ultrapassa. Seu limite é alcançado, sua função terminou quando ela pode dizer ao homem: "Existe uma Alma, um SI, um Deus no mundo e no homem que trabalha oculto, e tudo é seu auto-ocultamento e seu gradual autodesdobrar-se. Seu ministro eu tenho sido, para lentamente declarar teus olhos, remover os grossos tegumentos de tua visão até que haja somente meu próprio véu luminoso entre ti e ele. Remove isto e faze a alma do homem uma realidade e natureza com este Divino; então tu conhecerá, descobrirás a lei mais alta e mais vasta de teu ser, te tornarás o possuidor, ou pelo menos o receptor e instrumento de uma vontade e conhecimentos mais altos que os meus, e por fim te apoderarás do verdadeiro segredo e do inteiro sentido de um viver humano e, no entanto, divino".
As limitações da razão se tornam evidentes quando a confrontamos com a vida religiosa.
Eis um reino para o qual a razão intelectual olha atenta, com a mente embaraçada de um estrangeiro que ouve uma língua cujas palavras e espírito lhe são ininteligíveis, e vê em todo lugar formas de vida e princípios de pensamento e ação absolutamente estranhos à sua experiência.
A razão intelectual desajustada, defrontada com os fenômenos da vida religiosa, tende naturalmente a adotar uma de duas atitudes, ambas extremamente superficiais e precipitadamente presunçosas e errôneas. Ou ela encara a coisa toda como uma massa de superstição, um contra-senso místico, uma mixórdia de remanescências bárbaras e ignorantes — esse foi o espírito extremo do racionalista, felizmente já enfraquecido e quase moribundo, embora não morto — ou ela patrocina a religião, tenta explicar-lhe as origens, livrar-se dela pelo processo de explicá-la; ou, ainda, trabalha suavemente ou vigorosamente para rejeitar ou corrigir suas superstições, cruezas e absurdos, para depurá-la até um nada abstrato ou persuadi-la a depurar-se ela própria à luz da inteligência raciocinante; ou lhe designa um papel, deixa-a, talvez, para a edificação do ignorante, admite seu valor como influência moralizadora, ou a utilidade que tem para o Estado por manter as classes mais baixas em ordem, e talvez ela tente mesmo inventar aquela estranha quimera, uma religião racional
Sri Aurobindo em, A evolução futura do homem