Para a maioria de nós, viver a existência diária, o escritório e sua insípida rotina, e as insignificantes disputas de cada dia, e as ambições, e as infindáveis tribulações da vida — é uma degradação; coisa fastidiosa e exaustiva.[...]
Para descobrir o pleno significado do viver, devemos compreender as diárias torturas de nossa complexa existência; delas não temos possibilidade de fugir. A sociedade em que vivemos precisa ser compreendida por cada um de nós — não por um certo filósofo, instrutor ou guru; e nossa maneira de viver tem de ser transformada, mudada completamente.[...] No movimento da transformação, no movimento de operar, sem visar vantagens, uma transformação em nossa vida, há beleza; e, nessa transformação, descobriremos por nós mesmos, o inefável mistério que anda a buscada a mente de cada um de nós. Por conseguinte, o que nos deve interessar é[...] a compreensão de nossa nossa complexa e cotidiana existência, porque esta é que que constituí a base sobre a qual temos de edificar. Pois, se não a compreendermos e transformarmos radicalmente, nossa sociedade estará sempre num estado de corrupção e, por conseguinte, nos veremos num perene estado de deterioração.
Nós somos a sociedade; dela não somos independentes. Somos o resultado do ambiente — de nossa religião, nossa educação, do clima, dos alimentos que tomamos, das reações, das inumeráveis e sempre repetidas atividades a que nos entregamos todos os dias. Tal é a nossa vida. E a sociedade em que vivemos é parte integrante dessa vida. Sociedade são as relações entre os homens. Sociedade é cooperação. A sociedade, tal como ora existe, é o resultado da avidez, do ódio, da competição, da brutalidade e crueldade do homem; esse é o padrão conforme o qual vivemos. E, para compreendê-lo — não intelectualmente, de maneira puramente teórica, porém realmente — temos de pôr-nos diretamente com o fato, ou seja: todo ente humano — vós — é o resultado desse ambiente social, de sua pressão econômica, de seu sistema religioso, educativo, etc. Entrar em contato direto com uma coisa não é verbalizá-la, porém olhá-la.
Nós somos a sociedade; dela não somos independentes. Somos o resultado do ambiente — de nossa religião, nossa educação, do clima, dos alimentos que tomamos, das reações, das inumeráveis e sempre repetidas atividades a que nos entregamos todos os dias. Tal é a nossa vida. E a sociedade em que vivemos é parte integrante dessa vida. Sociedade são as relações entre os homens. Sociedade é cooperação. A sociedade, tal como ora existe, é o resultado da avidez, do ódio, da competição, da brutalidade e crueldade do homem; esse é o padrão conforme o qual vivemos. E, para compreendê-lo — não intelectualmente, de maneira puramente teórica, porém realmente — temos de pôr-nos diretamente com o fato, ou seja: todo ente humano — vós — é o resultado desse ambiente social, de sua pressão econômica, de seu sistema religioso, educativo, etc. Entrar em contato direto com uma coisa não é verbalizá-la, porém olhá-la.
E essa parece ser uma das coisas mais difíceis — entrar diretamente em contato com o fato.[...] Para a maioria de nós o fato é inexistente. Vivemos com ideias; vivemos com nossas lembranças, nossas experiências; e à sombra dessas experiências e lembranças queremos observar o fato e transformá-lo — isto é, esperamos transformá-lo, mudá-lo. [...]
Nós nunca olhamos para as coisas.[...] Andamos ocupados demais com as nossas próprias aflições e tribulações; e tão fechados vivemos em nós mesmos, tão fechados em nossos próprios problemas, que nada mais vemos. Ora, observar significa aprender. Só com o aprender se pode operar uma transformação radical. O próprio ato de aprender é ato de transformar. Assim, olhar, observar, é a principal necessidade do homem religioso; nada importa o que um homem pensa, o que sente, ou quais sejam as suas reações.[...]
Observar exige quietude; exige da mente a capacidade de estar em silêncio, de não ficar incessantemente tagarelando entre si. Para observar, necessita-se de certo silêncio. E não se pode ter silêncio, se a mente, no ato de observar, está "projetando" suas próprias ideias, suas próprias exigências, esperanças, temores. Assim, para podermos observar a estrutura social em que vivemos, e promover uma radical transformação nessa sociedade, devemos primeiramente observar o que é, e não o que desejamos que a sociedade seja.
Porque a sociedade em que vivemos, nós mesmos a criamos e por ela somos responsáveis — cada um de nós. Ela não se tornou existente pela ação de forças fictícias, espirituais. Nasceu de nossa avidez, de nossa ambição, de nossos gostos, aversões, e inimizades pessoais, de nossas frustrações, de nossa busca de prazer e de satisfação. Nós criamos as religiões, as crenças, os dogmas, premidos pelo medo. É nessa sociedade que estamos vivendo. E o indivíduo, ou foge dessa sociedade (de qual ele faz parte) porque é incapaz de compreendê-la ou de transformá-la; ou se deixa absorver de tal maneira em suas próprias tribulações, que perde todo o interesse nessa exigência fundamental da mente humana de que ela (a sociedade) se transforme.
A existência, pois, são as relações; a existência é um movimento de relações; e essa existência significa sociedade. E nenhuma possibilidade teremos de ultrapassar os limites de nossa mente, de nosso coração, se não compreendermos a estrutura de nosso próprio ser, ou seja, a sociedade. A sociedade não difere de vós; vós sois a sociedade. A estrutura da sociedade é vossa própria. Assim, ao começardes a compreender-vos, estareis começando a compreender a sociedade em que viveis. Não estais em oposição à sociedade. Dessa forma, ao homem religioso interessa o descobrimento de um novo caminho da vida, uma nova maneira de viver neste mundo, a fim de promover uma transformação na sociedade em que vive, porque, pela transformação de si próprio, transformará a sociedade.
Em geral, temos muito interesse em descobrir uma maneira de viver harmonicamente, sem demasia de conflitos, sem a esterilidade da moderna existência. Mas, se não compreendermos a existência, nossa vida, não encontraremos nenhuma saída de nossa confusão, de nossas angústias, das tribulações que afligem o homem. É esta a primeira coisa que temos de considerar. Este é o fato.[...]
E, para olharmos, precisamos ter a mente vazia.[...] A "verbalização" do fato é uma distração, que nos afasta do fato. Mas, o observar exige uma mente capaz de estar quieta, de não verbalizar, de observar sem opinião nem julgamento. E esta é uma das coisas mais difíceis: observar "não verbalmente" uma coisa objetiva.[...]
E para a observação total de qualquer coisa, a mente deve estar de todo vazia. É difícil a observação exterior; porém, mais difícil ainda é observar a estrutura social, as influências ambientes, vossa própria mentalidade, como parte da sociedade. Observar requer uma enorme atenção.
[...] Como indivíduo, tendes o dever de promover uma enorme transformação no mundo. Dever, porque sois parte integrante dessa sociedade, porque participais no imenso sofrer do homem, seus esforços, lutas, dores e ansiedades. Tendes essa obrigação. E se não a compreenderdes, se com ela não entrardes diretamente em contato, investigardes sua estrutura e mecanismo, tudo o que fizerdes — podeis percorrer todos os templos, recorrer a todos os gurus, todos os Mestres e todos os livros sagrados do mundo — será sem significação, porque tudo isso são meras fugas à realidade.
Temos, pois, de compreender esta existência, esta vida, nossas relações com a sociedade. Não só temos de compreender nossas mútuas relações, nossas relações sociais, mas ainda de transformá-las radicalmente. É nossa obrigação. Mas, não parecemos perceber quanto isso é urgente. Ficamos esperando que os políticos, ou alguma filosofia ou algo de misterioso venha operar uma transformação em nós mesmos. Não há outra solução senão essa, de que vos torneis conscientes dessa imensa responsabilidade que vos cabe, como ente humano, de modo que possais aprender tudo o que a ela se refere, sem recorrerdes a prévios conhecimentos. E o aprender requer liberdade, pois, do contrário, ficaremos repetindo a mesma coisa, indefinidamente.
Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização
Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização