A maioria de nós está ocupada consigo mesma, em diferentes maneiras, da manhã à noite e, consciente ou inconscientemente, vamos alimentando essa corrente. Ao subir subitamente um desafio, esse movimento, essa ocupação egoísta perturba-se e, então, nos sentimos "culpados", sentimos que estamos fazendo algo iníquo, ou que deixamos de fazer algo justo; mas esse sentimento está ainda na corrente da atividade egocêntrica, não é verdade?[...]
Por que deveis sentir-vos "culpado"? Se estais vivendo intensamente, com todo o vosso ser, se percebeis plenamente tudo o que se passa ao redor de vós e dentro de vós, tanto consciente como inconscientemente, onde há lugar para a "culpa"? O homem que vive fragmentariamente, que está interiormente dividido, esse, sim, sente "culpa". Uma parte dele é boa, outra parte é corrupta; uma parte procura ser nobre, e a outra é ignóbil; uma parte é ambiciosa, cruel, e a outra fala de paz e de amor. Essas pessoas sentem-se "culpadas" porque se acham ainda dentro do padrão que elas próprias fabricaram. Enquanto houver atividade egocêntrica, não podereis superar o sentimento de culpa. Só desaparece esse sentimento quando ides ao encontro da vida totalmente, com todo o vosso ser, isto é, quando não há preenchimento de espécie alguma. Vedes então que o sentimento de culpa já não existe, porque não estais pensando em vós mesmos. Não há atividade egocêntrica.
Senhores, se estais escutando, mas não agis, isso é o mesmo que estar sempre a arar sem nunca semear. É melhor não escutar uma verdade, do que escutá-la sem agir, porque ela então se torna veneno. Se aprovais ou desaprovais certas particularidades do que se está dizendo, isso é sem importância; o importante é perceberdes a verdade de que, ENQUANTO FUNCIONARDES DENTRO DO CAMPO DA ATIVIDADE EGOCÊNTRICA, não podeis fugir a várias formas de sofrimento e frustração. O sofrimento e a frustração só podem cessar quando viveis totalmente, com a intensidade de todo o vosso ser, de vossa MENTE, CORAÇÃO e CORPO; e não podeis viver desse modo completo, com essa intensidade, se só cuidais de vossa própria virtude. Podeis estar livres hoje do sentimento de culpa , mas ele surgirá com outra forma amanhã ou um dia depois.
Experimentai isso, senhores, experimentai um pouco viver intensamente todos os dias, com toda a vossa mente, coração e corpo, com tudo o que possuís, e vereis que então não há contradição, não há pecado. É o desejo, a inveja, a ambição, que gera a contradição, e a mente envolvida em contradição NUNCA DESCOBRIRÁ A REALIDADE.
Jiddu Krishnamurti em, O Homem Livre