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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O desejo de ser, ou de não ser, gera condicionamentos

Éramos três ou quatro na sala, e logo além da janela havia um gramado amplo e resplandecente. O céu era de um azul pálido, com grandes e movimentadas nuvens.

"Será possível", indagou o homem, "que a mente se livre de seu condicionamento? Se for, qual é o estado de uma mente que se descondicionou? Ouvi suas palestras durante vários anos, e dediquei muita reflexão ao assunto, mas minha mente não parece capaz de romper com as tradições e as ideias que foram implantadas na infância. Sei que sou tão condicionado quanto qualquer outra pessoa. Desde a infância, somos ensinados a nos conformar — brutalmente, ou com carinhos e sugestões gentis — até que a conformidade se torna instintiva, e a mente teme a insegurança de não se conformar.

"Tenho uma amiga que cresceu em ambiente católico", continuou ele, "e, naturalmente, ela ouviu falar sobre o pecado, o fogo do inferno, as alegrias confortadoras do céu e tudo mais. Ao chegar à maturidade, e depois de muito pensar, ela abandonou a estrutura católica de pensamento; mas, mesmo agora, na vida adulta, ela se vê influenciada pela ideia de inferno, com seus pavores contagiantes. Embora minha formação seja um tanto diferente na superfície, tal como ela, também tenho medo de não me conformar. Vejo o absurdo do conformismo, mas não consigo me livrar dele; e, mesmo que pudesse, provavelmente estaria fazendo o mesmo de outra forma — simplesmente me conformando a um novo molde."

"Essa também é minha dificuldade", disse uma das senhoras. "Vejo com bastante clareza as muitas maneiras pelas quais estou presa à tradição; mas será que posso me livrar de meu presente cativeiro sem recair em outro? Há pessoas que passam de uma organização religiosa, sempre buscando, nunca satisfeitas; e quando finalmente, ficam satisfeitas, tornam-se terrivelmente chatas. Provavelmente, é o que acontecerá comigo se eu tentar romper com meu presente condicionamento: sem perceber, serei arrastada para outro padrão de vida."

"Na verdade", continuou o homem, "a maioria de nós nunca pensou profundamente como a mente é quase completamente moldada pela sociedade e pela cultura em que crescemos. Não nos damos conta de nosso condicionamento, e simplesmente prosseguimos, lutando, buscando, ou sendo frustrados nos moldes de determinada sociedade. Esse é o destino de quase todos nós, incluindo políticos e líderes religiosos. Infelizmente, para mim, talvez, compareci a muitas de suas palestras, e logo começou a dor do questionamento. Durante algum tempo, não pensei no assunto com profundidade, mas, de repente, vi que me tornava sério. Andei experimentando, e agora estou consciente de muitas coisas em mim que jamais havia notado. Se eu puder continuar sem que os presentes sintam que estou tagarelando demais, gostaria de me aprofundar um pouco mais na questão do condicionamento".

Quando os outros lhe garantiram que também estavam profundamente interessados nesse tema, ele prossegui.

"após ouvir ou ler a maioria das coisas que você disse, percebi o quanto sou condicionado; e, da mesma maneira, vi que um indivíduo deve livrar-se do condicionamento — não apenas do condicionamento da mente superficial, mas também do inconsciente. Percebi a absoluta necessidade disso. Mas o que realmente está ocorrendo é o seguinte: o condicionamento que recebi em minha juventude continua, e, ao mesmo tempo, há um forte desejo de me descondicionar. Assim, minha mente está presa nesse conflito entre o condicionamento que percebo e a ânsia por me livrar dele. Essa é a minha situação atual. Como devo proceder agora?

O anseio da mente por se libertar do condicionamento põe em marcha outro padrão de resistência e condicionamento, não? Ao se tornar consciente do padrão ou molde em que cresceu, você deseja libertar-se dele; mas esse desejo de liberdade não condicionará a mente mais uma vez, de maneira diferente? O antigo padrão insiste que se conforme à autoridade, e, agora, você está desenvolvendo uma nova autoridade, que insiste que você não deve se conformar; assim, você tem dois padrões em conflito entre si. Enquanto houver essa contradição interna mais condicionamentos ocorrerão.

"Sei que o antigo padrão é completamente absurdo e morto, e que preciso libertar-me dele; caso contrário, minha mente continuará da mesma maneira estúpida".

Sejamos pacientes e nos aprofundemos na questão. A velha regra lhe dizia para se conformar, e por diversas razões — medo da insegurança, entre outras — você se adaptou. Pois bem, por razões de um tipo distinto, mas nas quais ainda há medo e desejo de segurança, você sente que não deve se conformar. É isso que ocorre, não?

"Sim, mais ou menos. Mas o antigo é estúpido, e eu tenho de me livrar da estupidez."

Permita-me destacar que você não está ouvindo. Segue insistindo que o antigo é mau, e que você precisa do novo. Mas alcançar o novo não é o problema, em absoluto.

"Este é meu problema, senhor."

Será. Você acredita nisso, mas vejamos. Por favor, não prossiga com seus pensamentos sobre o problema, apenas ouça, pode ser?

"Vou tentar."

Uma pessoa se conforma instintivamente por várias razões: por apego, medo, desejo de recompensa e assim por diante. Essa é a primeira reação de um indivíduo. Porém, chega alguém e diz que o indivíduo deve se livrar do condicionamento, e daí surge o anseio por não se conformar. Está entendendo?

"Sim, senhor, está claro."

Pois bem, há alguma diferença essencial entre o desejo de se conformar e o anseio por libertar-se da conformidade?

"Parece que deveria haver, mas realmente não sei. O que me diz, senhor?"

Não cabe a mim dizer, nem a você aceitar. Será que você não tem de descobrir por si mesmo se existe alguma diferença fundamental entre esses dois desejos aparentemente opostos?

"Como posso descobrir?"

Ao não condenar o primeiro nem buscar ansiosamente pelo segundo. Qual é o estado da mente que anseia por livrar-se da conformidade, e que a rejeita? Por favor, não me responda, apenas sinta, realmente vivencie esse estado. As palavras são necessárias para a comunicação, mas não são a experiência real. A menos que você realmente vivencie e compreenda esse estado, seus esforços por se libertar só provocarão a formação de outros padrões. Não é assim?

"Não compreendo muito bem."

Certamente, não dar fim completo ao mecanismo que produz padrões, moldes, sejam eles positivos ou negativos, implica continuar num padrão ou condicionamento modificado.

"Eu compreendo isso verbalmente, mas não o sinto de fato."

Para um homem faminto, a mera descrição da comida não têm valor; ele deseja comer.

Há o anseio que forma a conformidade e o anseio por ser livre. Independente do quão diferentes pareçam dois anseios, não são fundamentalmente semelhantes? E, se assim são, então sua busca por liberdade é vã, pois você apenas se deslocará de um padrão a outro, incessantemente. Não há qualquer condicionamento nobre, ou melhor, todo condicionamento é dor. O desejo de ser, ou de não ser, gera condicionamentos, e é esse desejo que deve ser compreendido.

Krishnamurti

domingo, 23 de setembro de 2012

É possível produzir uma mutação radical em nossa consciência?


A crise não está no mundo econômico, nem no mundo político; a crise está na consciência. Acho que muitos poucos de nós percebem isto. A crise está na nossa mente e em nosso coração; isto é, a crise está em nossa consciência. A nossa consciência é a nossa existência em sua totalidade. Com as nossas crenças, com as nossas conclusões, com o nacionalismo, com todos os medos que temos; são os nossos prazeres, os problemas aparentemente insolúveis e aquilo que chamamos amor, compaixão; ela inclui o problema da morte — o imaginar se existe alguma coisa após a morte, alguma coisa além do tempo, além do pensamento, alguma coisa eterna: este é o conteúdo da nossa consciência.

este é o conteúdo da consciência de todo ser humano, em qualquer parte do mundo em que viva. O conteúdo da nossa consciência é o terreno comum de toda a humanidade. Acho que temos que deixar isto bem claro desde o início. Um ser humano de qualquer parte do mundo sofre, não apenas fisicamente, mas também interiormente. Ele está incerto, amedrontado, confuso, ansioso, provado de qualquer sentido de profunda segurança. Assim, a nossa consciência é comum a toda a humanidade... A consciência de vocês, o que vocês pensam, o que vocês sentem, as suas reações, as suas ansiedades, a sua solidão, os seus pesares, a sua dor, a sua procura de alguma coisa que não seja apenas física, mas que ultrapasse todo o pensamento, é igual à de uma pessoa que viva na Índia, na Rússia ou na América. Todos eles passam pelos mesmos problemas que vocês, os mesmos problemas de relacionamento uns com os outros, homem, mulher. Assim, todos estão no mesmo terreno da consciência. A consciência é comum a todos nós e, portanto, não somos indivíduos... Nós fomos treinados, educados, tanto religiosa quanto academicamente, para pensar que somos indivíduos, almas separadas, em luta por nós mesmos; mas isso é uma ilusão, porque a nossa consciência é comum a toda a humanidade. Não somos indivíduos em separado batalhando por nós mesmos. Isto é lógico, é racional, sensato. Não somos entidades separadas, com conteúdo psicológico separado, lutando por nós mesmos, mas somos, cada um de nós, na realidade, o resto da humanidade.

Talvez vocês aceitem intelectualmente a lógica disto, mas se vocês sentirem profundamente, então toda a atividade de vocês sofrerá uma mudança radical. Essa é a primeira questão que temos que pensar juntos: que a nossa consciência, o modo como pensamos, o modo como vivemos, alguns talvez mais confortavelmente, com mais fartura, com maior facilidade de viajar do que os outros, é, interiormente, psicologicamente, exatamente igual à dos que vivem milhares e milhares de milhas distantes.

Tudo é relação; a nossa própria existência é relação. Observem o que fazemos com as nossas relações uns com os outros, sejam elas íntimas ou não. Em toda relação há um tremendo conflito, luta — por quê? Por que os seres humanos, que vivem há mais de milhões de anos, não resolveram esse problema da relação?... Toda a sociedade está baseada no relacionamento. Não há sociedade se não houver relacionamento; a sociedade torna-se, então, uma abstração.

Observamos que existe conflito entre o homem e a mulher. O homem tem seus próprios ideais, as suas próprias buscas, as suas próprias ambições, está procurando o sucesso, ser alguém no mundo. E a mulher também está lutando, também está querendo ser alguém, querendo realizar-se, transformar-se. Cada um está buscando sua própria direção. Assim, homem e mulher são como duas ferrovias que correm paralelas, nunca se encontram, a não ser, na cama, mas de outro modo — se vocês observarem profundamente — nunca na realidade se encontram psicologicamente, interiormente. Por quê? Essa é a questão. Quando perguntamos por que, estamos sempre perguntando pela causa; pensamos em termos de causação, na esperança de que, se pudermos entender a causa, então, talvez, possamos mudar o efeito.

Assim, estamos fazendo uma pergunta muito simples e muito complexa: por que nós, seres humanos, não fomos capazes de resolver este problema do relacionamento, embora vivamos sobre esta terra há milhões de anos? Será porque cada um tem a sua imagem particular e especial, formada pelo pensamento, e que o nosso relacionamento se baseia em duas imagens, a imagem que o homem cria dela, da mulher, e a imagem que a mulher cria dele? Assim, neste relacionamento, somos como duas imagens que vivem juntas. Isto é um fato. Se vocês observarem por vocês mesmos, com muito cuidado, se é possível fazer esta observação, vocês terão criado uma imagem dela e ela criou um quadro, uma estrutura verbal de você, o homem. Assim, o relacionamento é feito entre estas duas imagens. Essa imagens foram formadas pelo pensamento. E o pensamento não é amor. Todas as lembranças desse relacionamento, de um com o outro, os quadros, as conclusões de um a respeito do outro, se observarmos cuidadosamente, sem qualquer preconceito, são produtos do pensamento; são o resultado de muitas lembranças, experiências, irritações e solidões e, assim, o nosso relacionamento de um com o outro não é amor, mas a imagem que o pensamento formou. Assim, se devemos entender a realidade das relações, temos que entender todo o movimento do pensamento, porque vivemos pelo pensamento; todas as nossas ações se baseiam no pensamento, todos os grandes edifícios, as catedrais, igrejas, templos e mesquitas do mundo são resultado do pensamento. E tudo dentro destes edifícios religiosos — as figuras, os símbolos, as imagens — tudo é invenção do pensamento. Não há como refutar isso. O pensamento criou não apenas os mais maravilhosos edifícios, mas também criou os instrumentos de guerra, a bomba sob todas as suas formas. O pensamento também produziu o cirurgião e os seus maravilhosos instrumentos, tão delicados na cirurgia. E o pensamento também produziu o carpinteiro, o seu estudo da madeira e os instrumentos que ele usa. O conteúdo de uma igreja, a habilidade de um cirurgião, a perícia do engenheiro que constrói uma bela ponte, tudo é resultado do pensamento — não há como refutar isso.  Assim, temos que examinar o que é o pensamento e por que os seres humanos vivem do pensamento e por que o pensamento produziu esse caos no mundo — a guerra e a falta de relacionamento de uns com os outros — examinar a grande capacidade do pensamento, com a sua extraordinária energia.  Também devemos perceber como o pensamento trouxe, durante milhões de anos, esse pesar da humanidade.

(...) O pensamento é uma resposta da lembrança de coisas passadas; ele também se projeta como esperança para o futuro. A memória é conhecimento; o conhecimento é a memória da experiência. Isto é: há a experiência, da experiência se faz o conhecimento como memória e pela memória vocês agem. Com essa ação vocês aprendem, o que quer dizer mais conhecimento. Assim, vivemos neste ciclo — experiência, memória, conhecimento, pensamento e daí ação — sempre vivendo dentro do campo do conhecimento.

(...) Podemos ter avançado tecnologicamente, ter melhores meios de comunicação, melhor transporte, higiene, e assim por diante, mas, internamente, somos mais ou menos os mesmos — infelizes, inseguros, solitários, carregando o pesar interminavelmente. E qualquer homem sério, quando se defronta com este desafio, deve responder a ele, não pode aceitá-lo casualmente, dar as costas. É por isso que essas reuniões são muito sérias, mas muito sérias mesmo, porque temos que aplicar as nossas mentes e os nossos corações para descobrirmos se é possível produzir uma mutação radical em nossa consciência e, portanto, em nosso comportamento.

O pensamento nasce da experiência e do conhecimento, e não há nada de absolutamente sagrado a respeito do pensamento. Pensar é um ato materialista, é um processo da matéria. E nós confiamos no pensamento para resolver os nossos problemas na política, nas religiões e nas nossas relações. O nosso cérebro, a nossa mente, são condicionados, educados para resolver os problemas. O pensamento criou os problemas e, depois, o nosso cérebro, a nossa mente, são treinados para resolvê-los com mais pensamento. Todos os problemas são criados, psicologicamente, interiormente, pelo pensamento... O pensamento cria o problema, psicologicamente; a mente é treinada para resolver os problemas com mais pensamento; assim o pensamento, ao criar o problema, tenta, depois, resolvê-lo. Assim, ele é preso num processo contínuo, numa rotina. Os problemas estão se tornando cada vez mais complexos, mais insolúveis; por isso, devemos descobrir se é possível abordarmos a vida de um modo diferente, não através do pensamento, porque o pensamento não resolve os nossos problemas; pelo contrário, o pensamento produziu uma complexidade maior. Devemos descobrir se é possível ou não, se há uma dimensão diferente, uma abordagem totalmente diferente da vida. Por isso, é importante entender a natureza do pensamento. O nosso pensamento se baseia na lembrança das coisas passadas — pensar no que aconteceu uma semana atrás, pensar nisso modificado no presente e projetá-lo no futuro. Este é realmente o movimento de nossa vida. Assim, o conhecimento tornou-se muito importante para nós, mas o conhecimento nunca se completa. Portanto, o conhecimento sempre vive dentro da sombra da ignorância. Esse é um fato...

O amor não é lembrança. O amor não é conhecimento. Amor não é desejo ou prazer. Lembrança, conhecimento, desejo e prazer são baseados no pensamento. O nosso relacionamento de uns com os outros, embora próximo, se for olhado com cuidado, baseia-se na lembrança, que é pensamento. Assim, essa relação — embora vocês possam dizer que amam suas esposas ou seus maridos ou as suas namoradas — está, na realidade, baseada na lembrança, que é pensamento. E nisso não há amor. Vocês percebem realmente esse fato? Ou vocês dizem: “Que coisa mais terrível de se dizer. Eu realmente amo minha esposa”. Mas será mesmo? Pode haver amor quando há ciúme, posse, ligação, quando cada um está perseguindo sua própria e particular ambição, cobiça e inveja, como duas linhas paralelas que nunca se encontram? Isso é amor?

(...) O amor não tem nenhum problema e, para entender a natureza do amor e da compaixão com a sua própria inteligência, devemos entender juntos o que é o desejo. O desejo possui uma extraordinária vitalidade, uma extraordinária persuasão, impulso, alcance; todo o processo do vir a ser, do sucesso, está baseado no desejo — desejo que faz com que nos comparemos uns com os outros, imitemos, nos conformemos. É muito importante, ao entendermos a nossa natureza, entender o que é o desejo; não suprimi-lo, não fugir dele, não transcende-lo,, mas entende-lo, perceber todo o seu ímpeto. (...)

Entender o desejo exige atenção, seriedade. É um problema muito complexo entender por que os seres humanos viveram desta extraordinária energia do desejo, assim como da energia do pensamento. Qual é a relação entre pensamento e desejo? Qual é a relação entre o desejo e a vontade? Vivemos muito pela vontade. Assim, qual é o movimento, a fonte, a origem do desejo? Se nos observarmos, veremos a origem do desejo; ele começa com as respostas sensoriais; depois, o pensamento cria a imagem e, neste momento, começa o desejo. Vemos algo na vitrina, um vestido uma camisa, um carro, seja lá o que for — nós vemos isso — sensação —, e então o tocamos, e então o pensamento diz: “se eu vestir esta camisa ou vestido, como vai ficar bem” — isso cria as imagens e, então, começa o desejo. Assim, a relação entre o desejo e o pensamento é muito próxima. Se não houvesse o pensamento, haveria apenas a sensação. O desejo é a quintessência da vontade. O pensamento domina a sensação e cria o estímulo, o desejo, a vontade de possuir. Quando o pensamento opera no relacionamento — que é lembrança, que é a imagem que um cria do outro pelo pensamento — não pode haver amor. O desejo, o desejo sexual ou outras formas de desejo, impede o amor, porque o desejo faz parte do pensamento.

Krishnamurti – A rede do pensamento 

Um vídeo sobre o condicionamento escolar



sábado, 22 de setembro de 2012

Pode o tempo psicológico determinar o fim do conflito humano?


Para observar claramente, é óbvio, é preciso ser livre para olhar. Se alguém se apega às suas experiências, julgamentos e preconceitos particulares, então não é possível pensar com clareza. A crise do mundo que está bem a nossa frente exige, reclama que pensemos juntos de modo a podermos resolver o problema humano juntos, não de acordo com alguma pessoa em particular, com um determinado filósofo ou guru. Estamos tentando observar juntos.

(...) É muito importante entender que a nossa consciência não é a nossa individual. A nossa consciência não é somente a consciência específica de um grupo, da nacionalidade, e assim por diante, mas é também toda a agonia humana, o conflito a miséria, a confusão e a dor. (13) 

(...) Vivemos com o conflito desde que nascemos, e assim continuamos até a morte. Há luta constante para ser, para ser alguma coisa espiritualmente, como se diz, ou psicologicamente, tornar-se bem-sucedido no mundo, realizar-se — tudo isso é movimento do vir a ser: eu agora sou isto e chegarei à meta final, ao princípio mais alto, tenha esse princípio o nome de deus, de brahman ou qualquer outro nome. A luta constante, seja para vir a ser ou para ser é a mesma. Mas quando alguém está tentando vir a ser em várias direções, então está negando o ser. Quando você tenta ser, você também está se tornando. Vejam este movimento da mente, do pensamento: eu acho que sou e, estando insatisfeito, descontente com aquilo que sou, tento realizar-me em alguma coisa, eu me dirijo em determinado objetivo; pode ser doloroso, mas pensa-se que o fim é agradável. Há esta constante luta para ser e vir a ser.

Estamos todos tentando vir a ser; fisicamente, queremos uma casa melhor, uma melhor posição, com mais poder, um status mais elevado. Biologicamente, se não estamos bem, procuramos ficar bem. Psicologicamente, todo o processo interior do pensamento, da consciência, toda a propensão interior vem do reconhecimento de que na realidade nada somos e, pelo vir a ser, nos afastamos disso. Psicologicamente, interiormente, há sempre a fuga “do que é”, sempre o escapar daquilo que eu sou, daquilo pelo que estou descontente para alguma coisa que irá me satisfazer. Seja essa satisfação concebida como um grande contentamento, felicidade ou iluminação, o que é uma projeção do pensamento, ou a aquisição de um maior conhecimento, ainda é o processo de vir a ser — eu sou, eu serei. Esse processo implica tempo. O cérebro é “programado” para isso. Toda a nossa cultura, todas as nossas sansões religiosas, tudo diz: “torne-se”. É um fenômeno que se pode constatar em todo o mundo. Não apenas neste mundo ocidental, mas no Oriente todo mundo está tentando vir a ser, ou ser, ou evitar ser. Agora: será esta a causa do conflito, interior e externamente? (14) 

(...) O nosso cérebro está programado para o conflito. Temos um problema que nunca fomos capazes de resolver. Vocês podem escapar neuroticamente para alguma fantasia, ficar totalmente contentes, ou podem imaginar que interiormente alcançaram alguma coisa e ficarem totalmente contentes com isso; uma mente inteligente deve questionar tudo isso, deve exercitar a dúvida, o ceticismo. Por que os seres humanos, durante milhões de anos, desde o aparecimento do homem até o momento presente, viveram em conflito? Nós aceitamos isso, nós toleramos isso; nós dizemos que faz parte de nossa natureza competir, sermos agressivos, imitar, nos conformarmos, dizemos que faz parte do eterno modelo da vida.

Por que o homem, que é tão altamente sofisticado num sentindo, é tão completamente desinteligente em outros? O conflito termina com o conhecimento? O conhecimento de si mesmo, ou do mundo, o conhecimento da matéria, aprender mais a respeito da sociedade a fim de ter melhores organizações e melhores instituições, adquirir cada vez mais conhecimento. Isso solucionará o conflito humano? Ou a libertação do conflito nada tem a ver com o conhecimento?

Temos um grande conhecimento do mundo, da matéria e do universo; temos também um grande conhecimento histórico de nós mesmos; esse conhecimento libertará o ser humano do conflito? Ou a libertação do conflito nada tem a ver com a análise, com a descoberta das várias causas e fatores do conflito? A descoberta analítica da causa, das muitas causas, libertará o cérebro do conflito? Do conflito que temos enquanto estamos despertos, durante o dia, e do conflito que prossegue enquanto estamos dormindo? Podemos examinar e interpretar os sonhos, podemos discutir toda a questão sobre por que os seres humanos sonham — isso solucionará o conflito? A mente analítica, analisando com muita clareza, racionalmente, sensatamente a causa do conflito porá fim ao conflito? Na análise, o analista tenta analisar o conflito e, ao fazer isso, separa-se do conflito — isso solucionará o conflito? Ou a liberdade nada tem a ver com quaisquer desses processos? Se vocês seguem alguém que diz: “Eu lhes mostrarei o caminho, estou livre do conflito e vou lhes mostrar o caminho”, isso os ajudará? Esta tem sido a parte do sacerdote, a parte do guru, a parte do assim chamado homem iluminado: “Sigam-me, que eu lhes mostrarei”, ou “Eu lhes apontarei o seu objetivo”. A história mostra isto durante milênios e milênios e, no entanto, o homem não foi capaz de solucionar o seu conflito, tão profundamente enraizado. (15)

(...) O cérebro, sendo programado para o conflito, é aprisionado nesse modelo. Estamos perguntando se esse modelo pode ser rompido imediatamente, não gradualmente. Vocês podem pensar que podem rompê-lo por meio das drogas, do álcool, do sexo, das diferentes formas de disciplina, entregando-se a alguma coisa — o homem tentou mil modos diferentes de fugir do terror do conflito. Agora, estamos perguntando: é possível para um cérebro condicionado romper esse condicionamento imediatamente? (16)

(...) se examinarem o assunto racionalmente, logicamente, com inteligência, verão que o tempo não solucionará este condicionamento. A primeira coisa a perceber é que não há nenhum amanhã psicológico. Se vocês olharem realmente, não verbalmente, mas profundamente nos seus corações, nas suas mentes, na própria profundeza do seu ser, irão perceber que o tempo não vai solucionar este problema. E isso quer dizer que vocês já romperam com o modelo, já começaram a ver rachaduras no modelo do tempo que nós aceitamos como um meio para desenredar, para fazer parar este cérebro programado. Os filósofos e os cientistas afirmaram: o tempo é um fator de crescimento, biologicamente, linguisticamente, tecnologicamente, mas nunca indagaram a natureza do tempo psicológico. Qualquer indagação sobre o tempo psicológico implica todo o complexo do vir a ser psicológico — eu sou isto, mas serei aquilo; estou infeliz, irrealizado, desesperadamente só, mas amanhã serei diferente. Perceber que esse tempo é fator de conflito, então, essa própria percepção é ação; realizou-se a decisão — vocês não têm que decidir — a própria percepção é a ação e a decisão. (17)

(...) Existe uma percepção, uma percepção que não nasça da memória, do conhecimento, que veja toda a natureza e estrutura do conflito? Uma percepção desse todo? Existe essa percepção? Não uma percepção analítica, não uma observação intelectual dos vários tipos de conflito, não uma resposta emocional ao conflito. Existe uma percepção que não seja feita da lembrança, que é o tempo, que é o pensamento? Existe uma percepção que não pertença ao tempo ou ao pensamento, que possa ver toda a natureza do conflito e, com essa percepção, produzir o fim do conflito? O pensamento é tempo. O pensamento é experiência, conhecimento formado no cérebro como memória. É o resultado do tempo — “eu não sabia há uma semana, mas agora sei”. A multiplicação do conhecimento, a expansão do conhecimento, a profundidade do conhecimento, pertencem ao tempo. Assim, o pensamento é tempo — qualquer movimento do psicológico é tempo... Assim, o pensamento é tempo. O pensamento e o tempo são indivisíveis.

E nós estamos fazendo a seguinte pergunta: existe uma percepção que não pertença ao tempo e ao pensamento? Uma percepção inteiramente fora do modelo ao qual o cérebro se acostumou? Existe isso, essa coisa que, talvez, por si irá solucionar o problema? Nós não solucionamos o problema em um milhão de anos de conflito, estamos dando continuidade ao mesmo padrão. Devemos descobrir, com inteligência, hesitantemente, com cuidado, se há um modo, se há uma percepção que cubra todo o conflito, uma percepção que rompa com este modelo. (18) 

(...) Agora, podemos observar — não importa o que — sem nomear, sem a lembrança?... Vocês alguma vez já tentaram fazer isso diretamente? Olhem para a pessoa sem nomeá-la, sem o tempo e a lembrança, e olhem também para vocês mesmos — para a imagem que construíram de vocês mesmos, a imagem que construíram do outro; olhem como se estivessem olhando pela primeira vez... Aprendam a olhar; aprendam a observar esta qualidade que surge sem toda a operação do pensamento... Agora, podemos nós, juntos, ouvir ou observar assim, sem a palavra, sem a lembrança, sem todo o movimento do pensamento? Isto significa atenção completa, não a atenção de um centro, mas uma atenção que não tem um centro. Se vocês possuem um centro através do qual prestam atenção, esta é apenas uma forma de concentração. Mas se vocês estão prestando atenção e não há um centro, isto significa que estão dando completa atenção; nessa atenção não há nenhum tempo. (19) 

(...) Nós estamos dizendo: para romper com esse programa, com esse modelo, observem o movimento do pensamento. Parece muito simples, mas vejam a lógica disso, a razão, a sensatez disso, não porque o conferencista o diz, mas porque é sadio. Obviamente, deve-se exercer a capacidade de ser lógico, racional e, ainda assim, conhecer as suas limitações, porque o pensar racional, lógico, ainda faz parte do pensamento. Sabendo que o pensamento é limitado, estejam cônscios dessa limitação e não o empurrem para adiante, porque ele ainda será limitado, por mais longe que vocês vão, enquanto que, se vocês observam uma rosa, uma flor, sem a palavra, sem nomear a cor, mas apenas olham para ela, então esse olhar produz grande sensibilidade, quebra esse sentido de densidade do cérebro e dá uma extraordinária vitalidade. Há uma espécie de energia totalmente diferente quando há a percepção pura, que não está relacionada com o pensamento e o tempo. (20) 
Krishnamurti - 16 de julho de 1981

(13) A rede do pensamento – pág. 29 
(14) A rede do pensamento – pág. 30-31
(15) A rede do pensamento – pág. 32-33
(16) A rede do pensamento – pág. 33
(17) A rede do pensamento – pág. 34
(18) A rede do pensamento – pág. 34-35
(19) A rede do pensamento – pág. 36-37
(20) A rede do pensamento – pág. 37-38

Rompendo com o círculo vicioso da consciência humana


O pensamento, sendo limitado, cria problemas — divisões nacionais, econômicas e religiosas; depois, o pensamento diz: “devo resolvê-los”. Desse modo, o pensamento está sempre funcionando na resolução dos problemas...

A nossa consciência foi programada como consciência individual. Estamos questionando se essa consciência, que aceitamos como individual, é, na realidade, individual. Não digam: “O que acontecerá se eu não for um indivíduo?” Algo completamente diferente pode acontecer. Vocês podem ter um treinamento individual para uma ocupação particular, ter um treinamento individual para uma ocupação particular, uma profissão particular podem ser um cirurgião, um médico, um engenheiro, mas isso não os torna um indivíduo. Vocês podem ter um nome diferente, uma forma diferente — isso não faz a individualidade; nem a aceitação de que o cérebro, através do tempo, afirmou: “eu sou um indivíduo, é meu desejo me realizar, vir a ser pela luta”. Essa assim chamada consciência individual, que é a de vocês, é a consciência de toda a humanidade.

Se as suas consciências, que vocês aceitaram como separadas, não são separadas, então qual será a natureza da nossa consciência? Parte delas são as respostas sensórias. Essas respostas sensórias são, naturalmente, necessariamente programadas para defendê-los da fome, para procurar por alimento, para respirar, inconscientemente. Biologicamente, vocês são programados. Então, o conteúdo das suas consciências, inclui as muitas lesões e ferimentos que vocês receberam na infância, as muitas formas de culpa; ela inclui as várias ideias, certezas imaginárias; as muitas experiências, tanto sensórias como psicológicas; há sempre a base, a raiz do medo em suas várias formas. Com o medo, naturalmente, surge o ódio. Onde há medo deve haver violência, agressão, a extraordinária ânsia de ser bem-sucedido, tanto no mundo físico quanto no mundo psicológico. No conteúdo da consciência, há a constante perseguição do prazer; o prazer da posse, da dominação, o prazer do dinheiro que dá o poder, o prazer de um filósofo com o seu imenso conhecimento, o prazer do guru com o seu circo. O prazer, ademais, tem inúmeras formas. Também há a dor, a ansiedade, o profundo sentido de enfrentar a solidão e a dor, não apenas a assim chamada dor pessoal, mas também a enorme dor produzida pelas guerras, pela negligência, por essa interminável conquista de um grupo de pessoas por outro grupo. Nessa consciência há os conteúdos racial e de grupo; e, finalmente, há a morte.

Esta é a nossa consciência — crenças, certezas e incertezas, ansiedades, solidão e a interminável miséria. Estes são os fatos. E dizemos que esta consciência é minha! É mesmo? Vão ao Extremo Oriente ou ao Oriente Próximo, à América, à Europa, a qualquer lugar onde estão os seres humanos; eles sofrem, são ansiosos, solitários, deprimidos, melancólicos, estão lutando em conflito — eles são iguais a você. Desse modo, a sua consciência é diferente da do outro? Eu sei que é muito difícil as pessoas aceitarem — vocês podem aceitar isso logicamente; intelectualmente vocês podem dizer: “Sim, talvez seja assim”. Mas ter esta sensação total de que vocês são o resto da humanidade exige uma grande dose de sensibilidade. Não é um problema a ser resolvido. Não é que vocês devam aceitar que não são um indivíduo, mas devem se esforçar para sentir essa entidade humana global. Se assim o fizerem, vocês o transformam num problema que o cérebro fica completamente disposto a tentar resolver! Mas se vocês realmente o olharem com a mente, com o coração, com todo o seu ser totalmente cônscio desse fato, então vocês apagarão o programa. Ele ficará naturalmente apagado. Mas se vocês disserem: “Eu vou apaga-lo”, então, vocês estarão novamente de volta ao mesmo modelo... Vocês podem ter examinado lógica, razoável e sensatamente a questão e descoberto que assim é, mas o cérebro, que está programado para o sentido de individualidade, vai se revoltar contra isso (o que vocês estão fazendo agora). O cérebro reluta em aprender. Enquanto o computador irá aprender porque nada tem a perder. Mas aqui estão vocês, com medo de perder alguma coisa. (10) 

(...) pela experiência, nós adquirimos conhecimento; pelo conhecimento, memória; a resposta da memória é o pensamento, então, do pensamento, vem a ação; com essa ação vocês aprendem mais, e assim o ciclo se repete. Esse é o padrão de nossa vida. Essa forma de aprendizagem nunca solucionará os nossos problemas, porque é repetição. Nós adquirimos mais conhecimento, o que pode levar à uma melhor ação, mas essa ação é limitada e nós continuamos a repetir isso. A atividade proveniente desse conhecimento não solucionará os nossos problemas humanos. Nós não os solucionamos; é tão óbvio. Depois de milhões de anos, nós não solucionamos os nossos problemas: estamos nos arruinando mutuamente, estamos competindo uns com os outros; nós nos odiamos, queremos ser bem-sucedidos, todo o modelo é repetido desde o tempo que o homem surgiu e ainda estamos nisso. Façam o que quiserem de acordo com este modelo e nenhum problema humano será solucionado, sela ele político, religioso ou econômico, porque é o pensamento que está operando. (11) 

(...) O modo como estamos vivendo há milhões de anos tem sido a repetição do mesmo processo de adquirir conhecimento e de agir a partir desse conhecimento. Essa ação e esse conhecimento são limitados. Essa limitação cria problemas e o cérebro acostumou-se a solucionar os problemas que o conhecimento criou repetidamente. O cérebro fica preso a esse modelo e estamos dizendo que esse modelo jamais, em quaisquer circunstâncias, solucionará os nossos problemas humanos. É óbvio, nós não os solucionamos até agora. Deve haver um movimento diferente, totalmente diferente, uma ação perceptiva não-acumulativa. Ter uma percepção não-acumulativa é não ter nenhum preconceito. É não ter absolutamente nenhum ideal, nenhum conceito, nenhuma fé — porque tudo isso destruiu o homem; isso não solucionou os nossos problemas.

Assim, vocês têm um preconceito? Têm um preconceito que tem algo em comum com um ideal? Naturalmente. Os ideais existem para serem consumados no futuro e o conhecimento torna-se extraordinariamente importante na realização dos ideais. Assim, por acaso vocês são capazes de observar sem a acumulação, sem a natureza destrutiva do preconceito, dos ideais, da fé, da crença e das suas próprias conclusões e experiências? Há a consciência de grupo, a consciência nacional, a consciência linguística, a consciência profissional, a consciência racial, e há o medo, a ansiedade, o pesar, a solidão, a procura do prazer, do amor e, finalmente, a morte. Se vocês continuarem a agir dentro desse círculo manterão a consciência humana do mundo. Percebam só a verdade disto. Vocês são parte dessa consciência e a sustentam dizendo: “Eu sou um indivíduo. Meus preconceitos são importantes. Os meus ideais são essenciais.” Repetindo a mesma coisa vezes sem conta. Agora, a manutenção, a sustentação e a nutrição dessa consciência acontecem quando vocês repetem esse modelo. Mas quando vocês se livram dessa consciência, estão introduzindo um fator totalmente novo no todo dessa consciência.

Agora, se entendemos a natureza da nossa consciência, se percebemos o modelo como ela está operando neste interminável ciclo do conhecimento, da ação e da divisão — uma consciência que tem sido sustentada há milênios — se percebemos a verdade de que tudo isto é uma forma de preconceito, e nos livramos dele, introduzimos um fator novo no antigo. Isto quer dizer que você, como um ser humano que faz parte da consciência do restante da humanidade, pode afastar-se do antigo modelo de obediência e aceitação. Este é o momento verdadeiramente decisivo da sua vida. O homem não pode continuar repetindo o modelo; ele perdeu o seu significado — no mundo psicológico, ele perdeu totalmente o seu significado. Se vocês se realizam, quem se importa? Se vocês se tornam santos, que importância tem isso? Enquanto que, se vocês se afastam totalmente do modelo, afetam toda a consciência da humanidade. (12)
14 de julho de 1981

Krishnamurti, em :

(10) A rede do pensamento – pág. 22 à 24
(11) A rede do pensamento – pág. 25
(12) A rede do pensamento – pág. 26 à 28

Tempo, conhecimento, memória, pensamento são um único movimento


A consciência humana é semelhante em todos os homens... É formada de muitas camadas de medo, ansiedades, prazeres, pesares e todas as formas de fé. De vez em quando, talvez, nessa consciência há também o amor, a compaixão e, nessa compaixão, uma espécie completamente diferente de inteligência. E há sempre o medo do término, da morte. Os seres humanos, no mundo todo, desde os tempos imemoriais, têm tentado descobrir se há alguma coisa sagrada além de todo o pensamento, alguma coisa que seja incorruptível e intemporal.

Existem as várias consciências grupais; os homens de negócios com suas consciências, os cientistas com as suas e o carpinteiro com a sua; elas pertencem ao conteúdo da consciência e são produto do pensamento. O pensamento criou coisas maravilhosas, da extraordinária tecnologia dos computadores à telecomunicação, aos robôs, à cirurgia e à medicina. O pensamento inventou as religiões; todas as organizações religiosas de todo mundo são formadas pelo pensamento. (1)

(...) O pensamento inventou o computador, mas o pensamento humano é limitado e a inteligência mecânica do computador está superando a inteligência do homem... Nós seres humanos, fomos “programados” biologicamente, intelectualmente, emocionalmente, psicologicamente, durante milhares de anos, e repetimos o padrão do programa reiteradamente. Nós paramos de aprender e devemos indagar se o cérebro humano, que foi programado durante tantos séculos, será capaz de aprender e transformar-se imediatamente numa dimensão totalmente diferente. Se não formos capazes disso, o computador, que é muito mais capaz, rápido e exato, irá assumir o comando das atividades do cérebro. (2) 

(...) A nossa consciência foi programada durante milhares e milhares de anos para pensar em nós como indivíduos, como entidade separada, lutando, em conflito desde o momento em que nascemos até a morte. Somos programados para isso. Nunca o constatamos, nunca perguntamos se é possível ter uma vida absolutamente sem conflito. Como nunca perguntamos, nunca aprenderemos. Repetimos. É inato em nossa existência o estar em conflito — a natureza está em conflito, esse é o nosso argumento — e pensamos que o progresso somente se faz através do conflito. As organizações religiosas, em toda a história, mantiveram a ideia de salvação individual. Estamos perguntando muito seriamente se há uma consciência individual, se vocês, como seres humanos, têm uma consciência separada do resto da humanidade. Vocês têm que responder a isso, não apenas brincar com isso.

Tendo sido educados, programados, condicionados para sermos indivíduos, então a nossa consciência é toda essa atividade do pensamento. O medo e a perseguição ao prazer são os movimentos do pensamento. O sofrimento, a ansiedade, a incerteza e os profundos arrependimentos, ferimentos, o peso de séculos de pesares, tudo faz parte do pensamento. O pensamento é responsável pelo que chamamos de amor, que se tornou prazer sensual, algo a ser desejado. (3) 

(...) O pensamento criou os problemas que nos cercam, e os nossos cérebros são treinados, educados, condicionados para a solução dos problemas. O pensamento criou os problemas, como a divisão entre nacionalidades. O pensamento criou a divisão e o conflito entre as várias estruturas econômicas; o pensamento criou as várias religiões e divisões entre elas e, por conseguinte, há conflito. O cérebro é treinado para tentar solucionar esses conflitos que o pensamento criou. É essencial que entendamos profundamente a natureza do nosso pensar, a natureza das reações que surgem do nosso pensar. O pensamento domina nossas vidas, não importa o que façamos; seja qual for a ação que se realize, o pensamento está por trás dessa ação.

(...) O pensamento é um movimento no tempo e no espaço. O pensamento é memória, lembrança das coisas passadas. O pensamento é a atividade do conhecimento, conhecimento que foi acumulado durante milhões de anos e armazenado como memória no cérebro. Se vocês observarem a atividade do nosso pensar, verão que a experiência e o conhecimento constituem a base da nossa vida. O conhecimento nunca está completo: ele caminha sempre com a ignorância. Achamos que o conhecimento solucionará os nossos problemas, seja o conhecimento do sacerdote, do guru, do cientista, do filósofo ou do mais recente psiquiatra da moda. Mas nunca questionamos se o conhecimento em si pode solucionar quaisquer dos nossos problemas — exceto, talvez, os problemas tecnológicos.

O conhecimento vem com o tempo. Para aprender uma língua, vocês precisam do tempo. Aprender uma habilidade ou dirigir um carro com eficiência leva tempo. O mesmo movimento do tempo é convertido para o campo psicológico; aí, também dizemos: “Tenho que ter tempo para aprender a meu respeito”; “tenho que ter tempo a fim de mudar ‘aquilo que sou’ para ‘aquilo que devo ser’”. Converter a atividade do mundo externo ao mundo psicológico significa que o tempo é um grande fator em nossa vida — o futuro, o passado e o presente. O tempo é pensamento. O tempo é necessário para a aquisição do conhecimento pela experiência, tanto ao mundo externo quanto interiormente. Foi assim que fomos programados.

Sendo assim programados, pensamos que o tempo é necessário para produzir uma mudança profunda e fundamental na estrutura humana. Nós usamos o tempo como pensamento — “eu sou isto, devo ser aquilo”. Vocês também diriam no mundo técnico: “não sei como construir um computador, mas vou aprender”. Tempo, conhecimento, memória, pensamento são uma única unidade; não são atividades separadas, mas um único movimento. O pensamento, o resultado do conhecimento, é eternamente incompleto e, por conseguinte, limitado, porque o conhecimento é incompleto. Tudo quanto é limitado deve produzir conflito. A nacionalidade é limitada. A crença religiosa é limitada. Toda experiência deve ser limitada. (4)

Fonte: Krishnamurti, em: 

(1) A rede do pensamento – pág. 17
(2) A rede do pensamento – pág. 18
(3) A rede do pensamento – pág. 19
(4) A rede do pensamento – pág. 20-21-22

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O sistema educacional como fator condicionante


Inquirir e aprender é função da mente. Por aprender não me refiro simplesmente ao cultivo da memória ou o acúmulo de conhecimentos , mas sim a capacidade de pensar de forma sã e clara, sem ilusões, e de partir de fatos e não de crenças e ideais. Não há aprendizagem quando o pensamento origina de conclusões. O simples adquirir informação ou conhecimento não é aprender. A aprendizagem implica o amor de compreender e o amor de fazer uma coisa por si mesma. A aprendizagem só é possível quando não há nenhum tipo de coerção. E a coerção assume muitas formas, não é verdade? Há coerção por meio de influência, por meio de ameaça ou de apego, por meio de encorajamento persuasivo ou de formas sutis de recompensa.

A maioria das pessoas pensa que a aprendizagem é encorajada através de comparações, ao passo que a verdade é precisamente o contrário disso. As comparações produzem decepções e só estimulam a inveja, que se chama competição. Como outras formas de persuasão, a comparação impede a aprendizagem e produz o medo. A ambição também provoca medo. A ambição, seja pessoal ou identificada com o coletivo, é sempre anti-social. A assim chamada ambição nobre no relacionamento é fundamentalmente destrutiva.

É necessário encorajar o desenvolvimento de uma boa mente — uma mente capaz de lidar com as muitas questões da vida como um todo, e que não procure escapar das mesmas, e, desse modo, tornar-se contraditória, frustrada, amargurada e cínica. E é essencial que a mente tome consciência de seu próprio condicionamento, de suas próprias motivações e objetivos.

Visto que o desenvolvimento de uma boa mente é uma de nossas principais preocupações, a forma de ensinar torna-se muito importante. É preciso cultivar a totalidade da mente, e não a mera transmissão de informações. No processo de comunicação de conhecimento, o educador tem de convidar os estudantes à discussão e estimulá-los a inquirir e a pensar de forma independente.

A autoridade, como “aquele que sabe”, não tem lugar no processo de aprendizagem. Tanto o educador como o estudante estão aprendendo, através de seu relacionamento especial um com o outro; mas isso não quer dizer que o educador não deva levar em conta a boa ordem do pensamento. Essa boa ordem não é produzida por meio da disciplina, sob forma de afirmações convictas de conhecimento; mas ela ocorre naturalmente, quando o educador compreende que, ao cultivar a inteligência, é preciso haver uma sensação de liberdade. Isto não quer dizer liberdade para fazer o que se quiser, ou de pensar com espírito de mera contradição. Trata-se da liberdade em que o estudante é ajudado a tomar consciência de suas próprias necessidades e motivações, que lhe são reveladas através de seu pensamento e ação diários.

Uma mente disciplinada nunca é uma mente livre, nem pode ser livre a mente que suprimiu o desejo. Só através da compreensão de todo o processo do desejo é que a mente pode ser livre. A disciplina sempre limita a mente a um movimento dentro do quadro de um sistema particular de pensamento ou de crença, não é verdade? E essa mente nunca é livre para ser inteligente. A disciplina acarreta submissão à autoridade. Ela proporciona a capacidade de agir de acordo com o modelo de uma sociedade que exige capacidade funcional, mas não desperta a inteligência que tenha capacidade própria. A mente que não cultivou nada, senão a capacidade através da memória, é como o moderno computador eletrônico que, embora funcione com assombrosa capacidade e precisão, continua apenas sendo uma máquina. A autoridade pode persuadir a mente a pensar em certa direção. Mas ser guiado a pensar numa determinada maneira, ou em termos de uma conclusão prévia não é absolutamente pensar; é apenas funcionar como uma máquina humana, o que produz irrefletido descontentamento, acarretando decepções e outras misérias.

(...) Qualquer espírito de comparação impede esse florescimento pleno do indivíduo, seja ele um cientista ou um jardineiro. A plena capacidade do jardineiro é idêntica à plena capacidade do cientista, quando não há comparação; mas, quando são feitas comparações, surgem o desprezo e as reações invejosas que criam conflitos entre os homens.

(...) Cumpre aqui fazer uma distinção entre função e status. O status, com todo o seu prestígio emocional e hierárquico, surge apenas da comparação de funções como sendo altas ou baixas. Quando cada indivíduo floresce até sua capacidade plena, passa a não haver comparação de funções; há apenas a expressão de sua capacidade como professor, como primeiro-ministro, ou como jardineiro, e assim o status perde seu aguilhão de inveja.

A capacidade funcional ou técnica agora é reconhecida por se ter um título junto ao próprio nome; mas se estivermos realmente interessados no desenvolvimento total do ser humano, nosso enfoque precisa ser completamente diferente. O indivíduo que tem capacidade pode graduar-se e apor o devido título ao seu nome, ou deixar de fazê-lo, como quiser. Mas ele conhecerá, por si mesmo, suas profundas aptidões, que não serão limitadas por um título, e a expressão delas não acarretará aquela confiança autocentrada que a mera capacidade técnica normalmente produz. Tal confiança é comparativa e, portanto anti-social. A comparação pode existir para fins utilitários; mas o educador não deve comparar as capacidades de seus alunos nem dar-lhes maior ou menor apreço.

(...) Se o aluno for ajudado, desde o princípio, a encarar a vida como um todo, com todos os seus problemas psicológicos, intelectuais e emocionais, não ficará amedrontado com ela.

A inteligência é a capacidade de encarar a vida com uma totalidade; e dar notas ou letras ao aluno não assegura inteligência. Ao contrário; degrada a dignidade humana. Essa avaliação comparativa paralisa a mente — o que não quer dizer que o professor não deva observar o progresso do estudante e manter o registro desse progresso. Os pais, naturalmente ansiosos por saber do progresso dos filhos, desejarão ter um relatório; mas se, infelizmente, eles não puderem entender o que o educador está procurando fazer, esse relatório tornar-se-á um instrumento de coerção no sentido de produzir os resultados que eles desejam, e desse modo anulará o trabalho do educador.

Os pais precisam entender o tipo de educação que a escola tenciona proporcionar. Em geral eles se satisfazem em ver os filhos sendo preparados para obter um diploma que lhes assegure a sobrevivência. Muito poucos estão interessados em algo mais que isso. É claro que desejam ver os filhos felizes; mas, além desse vago desejo, bem poucos fazem qualquer tipo de reflexão acerca do desenvolvimento total deles. Visto que a maioria dos pais deseja, acima de tudo, que seus filhos tenham uma carreira de sucesso, eles os ameaçam ou induzem afetuosamente a adquirir conhecimento, e assim o livro se torna muito importante; com isso, vem o mero cultivo da memória, a mera repetição, sem a qualidade do verdadeiro pensamento por trás dela.

Talvez a maior dificuldade que o educador tenha de enfrentar seja a indiferença dos pais em relação a uma educação mais ampla e mais profunda. A maioria dos pais está interessada apenas no cultivo de algum conhecimento superficial, que assegura aos seus filhos posições respeitáveis numa sociedade corrupta. Assim sendo, o educador não só tem de educar as crianças de maneira certa, como ainda precisa evitar que os pais anulem qualquer benefício porventura produzido na escola. Na verdade, a escola e o lar devem ser centros conjuntos da educação correta, não devendo, de modo algum, opor-se um ao outro, desejando os pais uma coisa e o educador algo inteiramente diferente... O total desenvolvimento da criança só pode ocorrer quando houver um relacionamento correto entre professor, aluno e pais... A aprendizagem é facilitada quando há uma atmosfera de afeição feliz e de consideração humana.

Franqueza emocional e sensibilidade só podem ser cultivadas quando o estudante se sente seguro em seu relacionamento com os professores. A sensação de segurança nos relacionamentos é uma necessidade primordial da criança. Há grande diferença entre a sensação de segurança e a sensação de dependência. Conscientemente ou não, a maioria dos educadores cultiva a sensação de dependência, e desse modo encoraja sutilmente o medo — o que os pais também fazem, à sua própria maneira, afetuosa ou agressiva. A dependência na criança é proporcionada mediante asserções autoritárias ou dogmáticas por parte dos pais e dos professores no tocante ao que a criança deve ser ou fazer. Com a dependência sempre há a sombra do medo, e esse medo obriga a criança a obedecer, a conformar-se, a aceitar sem discutir os editos e as sanções de seus maiores. Nessa atmosfera de dependência, a sensibilidade é esmagada; mas quando a criança sabe e sente que está segura, seu desenvolvimento emocional não é distorcido pelo medo.

Essa sensação de segurança por parte da criança não é o oposto de insegurança. É a sensação de estar à vontade, seja no lar ou na escola; a sensação e que ela pode ser o que ela é, sem sofrer nenhum tipo de compulsão; de que pode trepar numa árvore e não ser recriminada se cair. Ela só pode ter essa sensação de segurança quando seus pais e educadores estiverem profundamente interessados em seu bem-estar total.

É importante que numa escola a criança se sinta à vontade completamente segura, desde o primeiro dia de aula. Essa primeira impressão é da mais alta importância... O primeiro impacto desse novo relacionamento baseado na confiança, que a criança talvez nunca tenha tido antes, ajudará a promover uma comunicação natural, sem que os jovens encarem os mais velhos como uma ameaça a recear. Uma criança que se sinta segura tem seus próprios meios naturais de exprimir o respeito, que é essencial ao aprendizado. O respeito é isento de toda autoridade e de todo medo... É somente nessa atmosfera de segurança que podem florescer a franqueza emocional e a sensibilidade. Estando à vontade, sentindo-se segura, a criança fará o que melhor lhe parecer; mas, ao fazê-lo, descobrirá qual é a coisa certa a fazer, e sua conduta, então, não se deverá à resistência ou à obstinação, nem a supressão de sentimentos ou à mera expressão de uma necessidade momentânea.

Ter sensibilidade significa ser sensível a tudo que nos cerca — às plantas, aos animais, às árvores, ao céu, às águas dos rio, aos pássaros; e também ao estado de humor das pessoas que nos cercam, e aos estranhos pelos quais passamos. Esta sensibilidade acarreta a qualidade de reação não calculada, não egoísta, que é a verdadeira moral e a verdadeira conduta. Sendo sensível, a criança será franca, não será retraída em sua conduta; portanto, uma simples sugestão por parte do professor será aceita com facilidade, sem resistência nem atrito.

Krishnamurti — O verdadeiro objetivo da vida

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

É possível educar nossos filhos sem condicioná-los?


Pergunta: É possível educarmos os nossos filhos sem condicioná-los, e, se o é, de que maneira? Se não existe, uma coisa tal, como “condicionamento bom” e “condicionamento mau”? Tende a bondade de responder incondicionalmente (risos).

Krishnamurti: É possível educar as crianças, sem condicioná-las? Achais possível? Eu não acho. Tende a bondade de escutar; vamos investigar juntos. Antes, porém, liquidemos a última parte da pergunta — se há “bom condicionamento” e “mau condicionamento”. Por certo, há apenas condicionamento, sem que seja “bom” ou “mau”. Podeis achar que é um “bom condicionamento” crer em Deus, mas na Rússia comunista dir-se-á que é um “mau condicionamento”. O que chamais “bom condicionamento” outro poderá chamar de mau, o que é um fato muito óbvio. Esta questão, portanto, pode ser liquidada muito facilmente.

Resta a outra questão: Pode-se educar as crianças, sem condicioná-las, sem influenciá-las? Ora, tudo o que as cerca está a influenciá-las. O clima, a alimentação, as palavras, os gestos, as conversas, as reações inconscientes, as outras crianças, a sociedade, as escolas, os livros, as revistas, os cinemas — tudo está a influenciar a criança. E pode-se acabar com tal influência? Impossível, não achais? Podeis não desejar influenciar, condicionar, o vosso filho; mas, inconscientemente, o estais influenciando, não estais? Tendes as vossas crenças, vossos dogmas, vossos temores, vossos princípios morais, vossos planos, vossas ideias sobre o que é bom e o que é mau, e, assim, consciente ou inconscientemente, estais moldando a criança. E se vós não o fazeis, a escola o fará, com os seus livros de História, que falam dos heróis maravilhosos que nós temos e outros povos não têm, etc. etc. Tudo isso está a influenciar as crianças, e, portanto, precisamos, em primeiro lugar, reconhecer este fato evidentemente.

O problema, agora, é este: podemos ajudar a criança a desenvolver-se para investigar inteligentemente todas as influências? Estais compreendendo? Sabendo-se que a criança está influenciada por tudo o que a cerca, tanto no lar como na escola, pode-se-lhe prestar a necessária assistência, a fim de a capacitarmos a investigar todas as influências e nunca se deixar dominar por nenhuma delas? Se tendes realmente a intenção de ajudar o vosso filho a investigar todas as influências, a vossa tarefa será dificílima, não é verdade? Porque isso exige não só o exame de vossa própria autoridade, mas de todo o problema da autoridade, do nacionalismo, da crença, da guerra, do militarismo — um exame completo da coisa, o que significa: cultivar a inteligência. E quando existe essa inteligência e a mente já não aceita nenhuma autoridade nem se deixa ajustar, por medo, aos padrões vigentes — então, toda influência é devidamente examinada e posta a parte. Por conseguinte, a mente não fica condicionada. Ora, isto é possível, não? E a função da educação não consiste, justamente, em cultivar esta inteligência, que é capaz de examinar objetivamente qualquer influência, de investigar todo o “background” ¹, tanto nos níveis imediatos como nos mais profundos, de modo que a mente nunca esteja sujeita a condicionamento algum?

Afinal de contas, todos estamos condicionados pelo nosso “background”; nós somos esse “background”, constituído pela nossa tradição cristã, por essa extraordinária vigilância por parte da mente, não é exato? O homem religioso não é americano, nem inglês, nem hindu,  e sim um ente humano; não pertence a nenhum grupo, raça ou cultura, e por conseguinte é livre para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus. Cultura alguma pode ajudar o homem a descobrir o Verdadeiro. As culturas só criam organizações pata agrilhoar o homem. Importa, por conseguinte, investigar tudo isso, não só o condicionamento consciente, mas também — o que é muito mais importante — o condicionamento inconsciente da mente.

E o condicionamento inconsciente não pode ser examinado superficialmente pela mente consciente. Só quando a mente está de toda quieta, pode ser revelado o condicionamento inconsciente — não num dado momento, mas a qualquer hora: quando damos um passeio a pé, ou viajamos num ônibus, ou conversamos com um amigo. Havendo a intenção de descobrir, ver-se-á que o condicionamento inconsciente sairá aos jorros, e estarão assim abertas as portas para o descobrimento.

Krishnamurti — Realização sem esforço – pág. 70 à 73 — 20 de agosto de 1955  
     

A educação não passa do cultivo e do fortalecimento do medo


Pergunta: O senhor disse que se os pais realmente amarem os filhos, eles não o impedirão de fazer coisa alguma. Mas se o filho não quiser lavar-se ou se ele quiser comer alguma cosia que lhe faz mal à saúde, não deverão impedir?

Krishnamurti: Não creio que jamais tenha dito que se amarem os filhos os pais os deixarão fazer exatamente o que bem entenderem. Esta é uma questão muito difícil, não é? Afinal, se amo meu filho devo cuidar para que ele não tenha motivo de ter medo — o que é uma coisa extraordinariamente difícil de fazer. Como eu disse, para libertar-se do medo, a criança não pode ser comparada com nenhuma outra, nem deve ser submetida a exames. Se amo a criança, dar-lhe-ei liberdade, não para ela fazer o que bem entender — porque meramente fazer tudo o que se quer é estúpido — mas liberdade para cultivar a inteligência; e essa inteligência depois lhe dirá o que fazer.

Para haver inteligência é preciso que haja liberdade, e não podemos ser livres se nos estão constantemente pressionando para nos tornarmos semelhantes a algum herói, porque então o herói é que é importante e não nós. Vocês não têm dor de barriga quando prestam exames? Não ficam nervosos, ansiosos? Quando, ano após ano, têm de enfrentar essa terrível provação chamada exames finais, sabem o que isto lhes faz pelo resto da vida? Os mais velhos dizem que vocês precisam crescer sem medo; mas isso não significa nada, é só um amontoado de palavras, porque eles estão cultivando o medo ao submetê-lo a exames e ao compará-los com outros.

Outra coisa que realmente deveríamos discutir é o que chamamos de disciplina. Sabem o que quero dizer com disciplina? Desde a infância os outros dizem o que fazer, e vocês o têm conseguido fazer muito bem. Ninguém se dá ao incômodo de lhes explicar por que devem levantar cedo ou porque precisam se lavar. Pais e professores não explicam estas coisas a vocês porque não têm amor, o tempo, nem a paciência necessários para tanto; limitam-se a dizer: "Faça isto ou, caso contrário, eu os castigarei". Portanto, a educação como a conhecemos, é a instilação do medo.   E como pode a mente de vocês ser inteligente quando existe o medo? Como podem sentir amor ou respeito pelas pessoas quando têm medo? Vocês podem "respeitar" as pessoas que tenham nomes famosos carros dispendiosos; mas não respeitam seus criados, aplicam-lhes pontapés. Quando aparece um grande homem todos vocês o saúdam e reverenciam, e a isso chamam respeito; mas não é respeito, é o medo que os está fazendo reverenciá-los. Vocês não reverenciam o pobre collie, não é? Não são respeitosos para com ele, porque ele não lhes pode dar nada. Portanto, toda a nossa educação não passa do cultivo e do fortalecimento do medo.  Que coisa terrível, não? E, enquanto houver medo, como poderemos criar um mundo novo? Não podemos. Eis porque é muito importante compreender este problema do medo enquanto vocês são jovens, e cuidarmos todos nós de sermos educados realmente sem medo. (1)

(...)

Pergunta: Qual deve ser o sistema de educação para levar a criança a não ter medo?

Krishnamurti: Sistemas ou métodos implicam a ideia de que nos digam o que devemos fazer e como fazê-lo; porventura isso o levará a não ter medo? Pode-se ser educado com inteligência, sem medo, mediante alguma espécie de sistema? Quando jovens, vocês devem ser livres para crescer; mas não existe nenhum sistema para torná-los livres. Um sistema implica a ideia de levar a mente a conformar-se com um modelo, não é verdade? Significa encerrá-lo num molde, não lhes dar liberdade. No momento em que se apoiam num sistema, vocês não ousam mais sair dele e, então, até mesmo o simples pensamento de sair dele provoca medo. Nessas condições, não há realmente nenhum sistema de educação. O que importa é o professor e o aluno, não o sistema. Afinal de contas, se desejo ajudá-los a libertar-se do medo, eu mesmo tenho que me livrar do medo. Devo, pois, estudá-los; devo dar-me ao trabalho de explicar-lhes tudo e dizer-lhes como é o mundo; e para fazer isso eu preciso amá-los. Como professor, devo ter a sensibilidade para fazer com que, quando vocês deixem a escola ou a faculdade, estejam sem medo. Se eu realmente tiver essa sensibilidade, poderei ajudá-los a livrar-se do medo. (2)

(1) Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 154-155
(2) Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 156-157

Você não é argila e nem geleia para se ajustar a um molde


Pergunta: Posso saber por que não devemos nos ajustar aos planos de nossos pais, já que sempre desejam nosso bem?

Krishnamurti: Por que se ajustaria você aos planos de seus pais, por mais dignos e nobres que tais planos sejam? Você não é argila e nem geleia para se ajustar a um molde. E se realmente se ajustar, que é que lhe acontece? Você se torna o que se chama uma boa menina ou um bom menino, e daí? Sabem o que quer dizer ser bom? Não é simplesmente fazer o que a sociedade manda ou o que determinam os pais. Ser bom é algo inteiramente diferente, não é mesmo? Só se pode ser bom quando se é inteligente, quando se tem amor, quando não se tem medo. Você não pode ser bom se tiver medo. Pode tornar-se respeitável por fazer o que manda a sociedade — e então a sociedade lhe dará uma grinalda e dirá quão boa pessoa você é; mas ser meramente respeitável não é ser bom.

Vejam, quando somos jovens não queremos nos ajustar, e ao mesmo tempo queremos ser bons. Queremos ser bondosos, delicados, ter consideração e fazer coisas generosas; mas não sabemos o que isso tudo significa, e somos "bons" porque temos medo. Nossos pais dizem: "Sejam bons", e a maioria de nós o faz, mas essa "bondade" equivale simplesmente a viver de acordo com o plano deles a nosso respeito.
Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 163

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Como pode uma mente condicionada descondicionar-se?

Pergunta: Estou inteiramente de acordo convosco sobre a necessidade de descondicionar a mente. Mas como pode uma mente condicionada descondicionar-se?

Krishnamurti: O interrogante declara concordar comigo. Antes de entrarmos na questão do descondicionamento da mente, verifiquemos o que se entende por “estar de acordo”. Vós podeis concordar com uma opinião, uma ideia, mas não se pode concordar com um fato. Vós e eu podemos estar de acordo, no sentido de que temos uma opinião comum a respeito de determinado fato; mas uma opinião sustentada por muito não “faz” a verdade. Para compreender, necessita-se de vivo e vigoroso ceticismo, e não de concordância ou discordância. Se meramente concordais comigo, estais concordando com uma opinião que pensais que eu tenho. Eu não tenho opiniões, portanto, não estamos “de acordo”. Se nós dois vemos uma serpente venenosa, não há questão de concordar: ambos guardaremos distância dela. Ao dizer que concordamos, estamos intelectualmente de acordo sobre uma certa ideia; mas a investigação de como libertar a mente do condicionamento não requer concordância intelectual. Enquanto a mente está condicionada como hinduísta, comunista ou o que quer que seja, é incapaz de penar de maneira nova. Isto não é nenhuma questão de opinião. É um fato. Não tendes a necessidade de concordar.

A questão, pois, é: estando condicionada, como pode a mente descondicionar-se? Percebeis que vossa mente está condicionada como hinduísta, com as diversas crenças do hinduísmo, ou como comunista, ou cristão, ou muçulmana etc. Vossa mente, é óbvio, está condicionada. Credes em alguma coisa, no sobrenatural, em Deus, enquanto outro que foi educado num diferente meio social e psicológico diz que tal coisa não existe, que tudo isso são baboseiras. Ambos estais condicionados, e o vosso Deus não é mais real do que o “não-Deus” em que o outro crê.

Assim, quer vos agrade, quer não, vossa mente está condicionada, não parcialmente, porém de ponta a ponta. Não digais que o Atman não é condicionado. Disseram-nos que o Atman existe e, afora isso, nada sabeis a respeito dele; e quando pensais acerca do Atman, vosso pensamento está condicionando o Atman. Isso também é evidente. É o mesmo caso do homem que crê nos Mestres. Disseram-lhe que os Mestres existem e, em virtude de seu próprio desejo de segurança, ele anseia encontra-los; e, assim, tem visões, as quais psicologicamente, são muito simples e infantis.

Ora, a questão é esta: Eu sei que a minha mente está condicionada; e como poderei libertá-la do condicionamento se a entidade que procura libertá-la se acha condicionada? Compreendeis o problema? Quando uma mente condicionada compreende que está condicionada e deseja descondicionar-se, esse próprio desejo é também condicionado; assim, que pode a mente fazer?

Estais seguindo? Por favor, senhores, não vos limiteis a escutar minhas palavras, mas observai vossa própria mente em funcionamento. Este é um problema bem difícil de apreciar com um grupo tão numeroso, e, a menos que presteis real atenção, não encontrareis a solução. Eu não vou vos dar a solução e, portanto, tendes de observar vossa própria mente com toda atenção.

Sei que minha mente está condicionada como hinduísta, budista, ou o que quer que seja, e vejo que qualquer movimento mental para descondicionar-se é sempre condicionado. Ao procurar a mente descondicionar-se, a entidade que faz esse esforço está também condicionada, não é verdade? Espero que me esteja explicando bem.

Vossa mente está condicionada; não há uma só parte dela que não esteja condicionada. Isto é um fato, quer vos agrade, quer não. Podeis dizer que há uma parte de vós — o observador, a “superalma”, o Atman — que não é condicionada; mas, visto que pensais nessa coisa, ela está contida na esfera do pensamento e, portanto, condicionada. A tal respeito podem-se inventar dúzias de teorias, mas o fato é que vossa mente está condicionada, de ponta a ponta, tanto consciente como a inconsciente, e todo esforço que faça para libertar-se é por igual condicionada. Assim, que pode a mente fazer? Ou, melhor, qual é o estado da mente quando sabe que estar condicionada e reconhece que qualquer esforço que faça para descondicionar-se é também condicionado? Estou-me expressando claramente?

Agora, quando dizeis: “Sei que estou condicionado” — o sabeis realmente ou trata-se de uma mera declaração verbal? Vós o sabeis com a mesma intensidade com que vedes uma naja? Se vedes uma serpente e sabeis que é uma naja, há ação imediata, não premeditada; e quando dizeis “Sei que estou condicionado”, tem isso a mesma significação vital que tem a vossa percepção da naja? Ou trata-se apenas de um superficial reconhecimento do fato, e não da percepção real do fato? Quando percebo o fato de que estou condicionado, há ação imediata. Não preciso fazer nenhum esforço para me descondicionar. O próprio fato de estar condicionado, e a real percepção desse fato, produz imediato esclarecimento. A dificuldade está em que não percebeis realmente que estais condicionado — “não o percebeis”, no sentido de que não compreendeis todas as suas implicações, não vedes que todo pensamento, por mais sutil, por mais requintado, por mais filosófico que seja, é condicionado.

Todo pensar baseia-se evidentemente na memória — consciente ou inconsciente —, e quando o pensador diz: “Devo libertar-me do condicionamento”, este próprio pensador, sendo um resultado do pensamento, é condicionado, porque a entidade que forceja está também condicionada; por conseguinte, seu esforço produzirá mais condicionamento, apenas um padrão diferente. Percebendo isso por inteiro, a mente se acha num estado não-condicionado, porquanto percebeu a totalidade do condicionamento, sua verdade ou falsidade. Senhores, isso é como ver algo verdadeiro. O próprio percebimento do que é verdadeiro é o fator libertador. Mas esse percebimento requer completa atenção — não uma atenção forçada, não uma atenção calculista, lucrativa, ditada pelo medo ou desejo de ganho. Quando se percebe a verdade de que tudo o que faça a mente condicionada está também condicionado, cessam todos os esforços dessa ordem; e o percebimento do verdadeiro é que é o fator libertador.

Krishnamurti – O homem sem medo – pág. 63 à 66 — 31 de outubro de 1956

terça-feira, 18 de setembro de 2012

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Um vídeo sobre o por que do condicionamento humano


A História da Sua Escravidão

"Nós só podemos ser mantidos em uma jaula que não enxergamos."

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Esteja tão ao longe que nem mesmo você possa achar a si mesmo

Nunca esteja demasiadamente próximo; esteja além, de modo que eles não possam encontrá-lo, que não possam chegar a você para conformá-lo, para moldá-lo. Esteja ao longe, como as montanhas, como o ar puro; tão longe que não possua pais, relações, família, país; tão longe que sequer saiba onde está. Não deixe que o encontrem; não crie com eles contatos por demais estreitos. Esteja tão longe que nem você possa encontrar a si mesmo; mantenha uma distância que jamais possa ser atravessada; tenha sempre aberta uma passagem através da qual ninguém possa entrar. Não feche a porta, pois não existe porta, só uma passagem aberta, infinita; se você fecha alguma porta, eles estarão perto demais, e você se perderá. Mantenha uma distância na qual eles não possam tocá-lo com seu hálito, que viaja ao longe e às profundezas; não seja contaminado por eles, por suas palavras, por seu grande conhecimento; eles têm grande conhecimento, mas esteja além de modo que nem mesmo você possa achar a si mesmo. Pois eles o estão esperando em cada esquina, cada casa, para forjá-lo, moldá-lo, para fazê-lo em pedaços e logo reuni-los segundo sua própria imagem. Os deuses deles, tanto os pequenos quanto os grandes, são sua própria imagem talhada por suas próprias mentes ou mãos. Estão esperando por você: o padre e o comunista, o crente e o ateu, pois são todos iguais; pensam que são diferentes, mas não são, pois todos o doutrinam até que você seja um deles, até que repita suas palavras, adore seus santos, tanto os antigos quanto os recentes; eles possuem exércitos para seus deuses e países, e são especialistas em matar. Guarde distância, pois estão esperando por você, tanto o educador quanto o homem de negócios; o primeiro o treinará, para que os outros o conformem às exigências de sua sociedade, que é uma coisa mortífera; (*) eles o transformarão em um cientista, um engenheiro, um especialista em quase tudo, desde culinária até arquitetura, de arquitetura à filosofia. Guarde uma grande distância; eles estão esperando por você, o político e o reformador; o primeiro o atira na sarjeta e o outro o recupera; eles manipulam as palavras, e você se perderá em tal deserto. Mantenha distância; eles estão esperando por você, os especialistas em deus e os lançadores de bombas: os primeiros o convencerão e os segundos (o ensinarão) a matar; há muitas formas para encontrar deus e muitas, tantas formas de matar. Mas, além de tudo isto, há hordas de outros que lhe dirão o que fazer e o que não fazer; mantenha-se longe de todos, tão longe que não possa achar a si ou nenhum outro. Você também encontraria prazer em jogar com todos que o estão esperando, mas o jogo se torna tão complicado e sedutor que você se perderá. Nunca esteja perto demais, esteja tão ao longe que nem mesmo você possa achar a si mesmo.

* Eles têm uma coisa chamada sociedade e família: são seus verdadeiros deuses, a teia na qual você acabará emaranhado. [adendo de Krishnamurti]

Krishnamurti’s Notebook, edição integral, p. 379-381 Copyr. 2003 - Krishnamurti Foundation Trust.

A família como fator condicionante e divisor

Você não pode aprender o amor com o pensamento, nem pode cultivar o amor com o pensamento. Só pode compreender o amor e saber o que significa amar, quando morre para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando você ama, pode fazer tudo o que deseja fazer, porque a vida é sem conflito. A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade – essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, como os políticos, os gurus, que estão sempre a falar em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, e sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada “amor”. Quando você diz “amo meu marido, meu filho”, não ama; porque, se o marido ou a mulher lhe vira as costas, sente ciúme, sente cólera, amargor. É isso o que você chama “amor”. O amor não têm apego. E, portanto, amor não significa “amor à família”. (1)

Quase todos vós procedeis de famílias ou de escolas onde fostes educados para respeitar a posição. Vosso pai e vossa mãe têm posição, o diretor tem posição, e, por conseguinte, já vindes para aqui com medo, com esse respeito à posição. Mas, temos de criar na escola uma atmosfera de liberdade, e isso só pode acontecer quando há função sem posição e, por conseguinte, um sentimento de igualdade. O verdadeiro encargo da educação correta é encaminhar-vos para serdes um ente humano valoroso e sensível, um ente humano sem medo e sem falsa idéia do respeito devido à posição. (2) 

Deve haver segurança física para todos, e não apenas para uns poucos; mas essa "segurança física para todos" é negada quando se busca a segurança psicológica, nas nações, nas religiões, na família... O ente humano necessita de segurança física, a qual é negada quando ele busca a segurança psicológica. Isto é um fato, e não uma opinião. Quando busco a segurança em minha família, minha mulher, meus filhos, minha casa, tenho de me opor ao mundo; tenho de separar-me das outras famílias, ficar contra o resto do mundo. (3)

No momento que você protege a sua família, sua pátria, um tecido colorido chamado bandeira, uma crença, uma idéia, um dogma, um objeto de desejo ou aquilo a que já tens apego, essa própria proteção anuncia a raiva. (4) 

(...)Nós não estamos sós. Nós somos o resultado de mil influências, mil condicionamentos, heranças psicológicas, propaganda, cultura. Nós não estamos sós, e portanto somos seres humanos de segunda mão! Quando a pessoa está só, totalmente só, não pertence a nenhuma família, embora tendo uma família, não pertence a nenhuma nação, a nenhuma cultura, não tem nenhum compromisso particular, existe a sensação de ser estranho – estranho a qualquer padrão de pensamento, ação, família, nação. E somente quando a pessoa está completamente só é que é inocente. E é esta a inocência que liberta a mente do sofrimento... Quando o homem se livra da estrutura social da ganância, inveja, ambição, arrogância, acumulação, prestígio social – quando ele mesmo se livra disso, ele se encontra completamente só. Isto é totalmente diferente! Existe então grande beleza, a percepção de grande energia. (5) 

Se lançardes as vistas para o nosso sistema atual, verificareis ser ele nada mais que uma série de explorações astutas do homem pelo homem. A família torna-se o próprio centro de exploração. Peço-vos que não compreendais mal o que entendo por família. Por família entendo o centro que vos faz sentir seguros, que exige a exploração do vosso próximo. A família, que deveria ser a própria expressão do amor e não da exclusividade, torna-se um meio da auto-perpetuação egoísta. Daí desenvolvem-se classes, as superiores e as inferiores; e os meios de adquirir riqueza acumulam-se nas mãos de uns poucos. (6) 

Se você só tivesse uma hora de vida, o que você faria? Você não organizaria tudo o que é necessário, seus negócios, sua vontade e tudo o mais? Você não chamaria junto a sua família e amigos e pediria perdão por qualquer dano que você talvez tenha feito a eles, e perdoaria todo e qualquer dano eles talvez tenham feito a você? Você não morreria completamente para as coisas da mente, para os desejos e para o mundo? E se isso pode ser feito durante uma hora, então também pode ser feito durante todos os dias e anos que se seguem ... Tente e você descobrirá. (7) 

Primeiramente, senhores, não achais também necessária uma revolução radical na vida do indivíduo? Ou estais satisfeitos com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vossos desejos de realizações, vossos anseios é vossos prazeres precários? No momento em que começardes a pensar realmente, a sentir realmente, sereis empolgados desse ardente desejo de modificação profunda, revolução radical, completa reorientação do pensar. Pois bem. Se sentirdes necessária tal coisa, então, nem família, nem amigos constituirão empecilhos Porque, nesse caso, não haverá revolução externa nem revolução interna; haverá, simplesmente, revolução, modificação. Mas, se começais a estabelecer restrições, dizendo: "não devo magoar minha família, meus amigos, meu pároco, meu explorador capitalista ou meu explorador político" - não vedes então a necessidade de mudança radical e apeteceis apenas mudança de ambiente. Isso é evidente letargia, a qual criará outro ambiente falso, fazendo continuar o conflito.

Parece-me um tanto falaz o pretexto de não devermos magoar nossas famílias e amigos. Por certo, quando desejais fazer algo de capital importância, vós o fazeis, sem considerações de família nem de amigos, não é verdade? Não receais, então, prejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sentis tão intensamente, pensais tão completamente, que sois transportados para fora das limitações dos círculos de família, das obrigações de qualquer classe. Mas só começais a levar em conta a família, os amigos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida - só começais a tomá-los em consideração quando ainda vos apegais a uma determinada segurança, quando vos falta aquela riqueza interior de que vos falei há pouco, e, em lugar dela, existe apenas a dependência de estímulos exteriores. Assim, pois, se existe plena consciência do sofrimento, despertada pelo conflito, não estais, então, tolhidos pelos vínculos de qualquer ortodoxia, amigos ou família: quereis achar a causa do sofrimento, quereis descobrir o significado do ambiente que recria esse conflito; apagou-se a personalidade, desapareceu a ideia limitada do "eu". É somente quando vos apegais a essa ideia limitada do "eu", que sois obrigados a considerar até onde vos podeis transportar e até onde não deveis ir.

Certo, não se pode encontrar a verdade, ou essa faculdade divina da compreensão, enquanto estivermos apegados à família, à tradição, ou ao hábito. Ela só poderá encontrar-se quando estiverdes em plena nudez, despidos de vossos desejos, esperanças e cautelas. Nessa simplicidade direta está a riqueza da vida. (8) 

Todos nós estamos colhidos nas malhas do sofrimento e do conflito, mas a maioria dos indivíduos não está consciente desse conflito porque vive a procurar substituições, soluções e refúgios. Se, entretanto, deixarem de procurar refúgio e começarem a interrogar o ambiente, que é a causa do conflito, tornar-se-á, então, a mente penetrante, ativa, inteligente. Nessa intensidade a mente se torna inteligente e capaz, portanto, de discernir o exato valor e significado do ambiente, causador do conflito... se estiverdes em conflito, é claro que deveis interrogar o ambiente, mas a mente da maioria já de tal modo se desvirtuou que não percebe que está à cata de soluções e meios de fuga, com maravilhosas teorias. É perfeito o seu raciocinar, porém, baseado, embora inconsciente, no desejo de fuga... Se há, pois, conflito e desejais descobrir-lhe a causa, deixai que a mente descubra pela intensidade do pensamento e, interrogando tudo o que o ambiente põe em torno de vós – vossa família, vossos semelhantes, vossas religiões, vossas autoridades políticas; no interrogar haverá ação contra o ambiente. Tendes a família, o semelhante, o Estado, e, interrogando o significado dessas coisas, vereis como é espontânea a inteligência, que ela não é coisa que se adquire ou cultive. Lançada a semente do percebimento, nasce a flor da inteligência. (9) 

Procuramos felicidade através das coisas, pelas relações, por meio de pensamentos e idéias. Assim as coisas, as relações e idéias tornam-se todas importantes, e não a Felicidade. Quando se procura felicidade através de alguma coisa, então, a coisa torna-se de valor superior a própria felicidade. Quando apresentado desta forma o problema parece simples e é simples. Procuramos felicidade na propriedade, na família, no nome e então, a propriedade, a família, a idéia torna-se todas importantíssimas, mas sendo a felicidade procurada por um algum meio, o meio destrói o fim. A felicidade pode ser achada por algum meio qualquer, através de qualquer coisa feita pela mão ou pela mente? As coisas, as relações e idéias são claramente não-permanentes, estamos sempre insatisfeitos com elas. As coisas são impermanentes, se acabam e são perdidas; o relacionamento é um constante atrito e a morte é o fim; idéias e convicções não têm nenhuma estabilidade, não são permanentes. Procuramos felicidade nisso e ainda não percebemos sua impermanencia. Portanto, o sofrimento se torna nossa constante companheira superando nosso problema. Para descobrir o verdadeiro sentido da felicidade, temos de explorar o rioa do autoconhecimento. Autoconhecimento não é um fim em si mesmo. Existe a fonte deste rio? Cada gota de água do seu início até o fim é que faz o rio. Imaginar que acharemos felicidade na fonte é um equivoco. Ela se encontra onde você está no rio do autoconhecimento. (10) 

Um homem que tem o propósito de descobrir a verdade deve interiormente ser um completo revolucionário. Não pode pertencer a qualquer classe, nação, grupo ou ideologia, a nenhuma religião organizada, a verdade não está no templo ou na igreja, verdade não se encontra nas coisas feitas pela mão ou pela mente. A verdade surge apenas quando as coisas da mente e da mão são abandonadas, e abandonar as coisas da mente e da mão não é uma questão de tempo. A verdade vem a quem é livre do tempo, quem não usa o tempo como um meio de auto-expansão. Tempo significa memória de ontem, a memória da sua família, da sua raça, do seu caráter particular, do acúmulo de sua experiência que torna-se o “eu” e o “meu”.” (11) 

Com que facilidade destruímos a delicada sensibilidade de nosso ser. A luta e o esforço incessantes, as fugas e os medos ansiosos logo embotam a mente e o coração; e a mente astuta rapidamente encontra substitutos para a sensibilidade da vida. Divertimentos, família, política, crenças e deuses ocupam o lugar da clareza e do amor. A clareza é perdida pelo conhecimento e pela crença, e o amor pelas sensações. (12) 

Se houvesse o amor real, não o amor ideal, sabeis como seria diferente este mundo? Seriamos todos verdadeiramente felizes. E não faríamos, portanto, a nossa felicidade depender das coisas, da família, dos ideais. Seríamos felizes, e, portanto, as coisas, a família, os ideais, não dominariam as nossas vidas. Tudo isso são coisas secundárias. Mas, porque não amamos e porque não somos felizes atribuímos importância às coisas, já que nos darão a felicidade, e uma dessas coisas a que damos importância é Deus. (13) 

Fizemos da vida um campo de batalha: cada família, cada grupo, cada nação contra as demais. Percebendo bem isso, não como idéia, porém como coisa que se está realmente observando, coisa que está à nossa frente, perguntamos a nós mesmos que sentido pode ter esse estado de coisas. Porque continuarmos a viver dessa maneira, nem vivendo nem amando, cheios de medo, cercado de terrores até à morte?

Se formulardes essa pergunta, que fareis? Ela não pode ser respondida pelos que se acham bem estabilizados em seus ideais familiais, suas casas confortáveis, seu dinheirinho, vivendo como pessoas altamente respeitáveis, burguesamente. Quando fazem perguntas, tais pessoas as traduzem em conformidade com suas necessidades individuais de satisfação. Mas, sendo este um problema muito humano, muito comum, um problema que toca a cada um de nós, ricos e pobres, jovens e velhos - porque é que vivemos esta vida tão monótona e sem significação - freqüentando um escritório ou trabalhando num laboratório ou fábrica por quarenta anos seguidos, gerando filhos educando-os de maneira absurda e, no fim, morrendo? Acho que deveis fazer esta pergunta com todo o vosso ser, a fim de descobrirdes a resposta. E então se pode fazer a pergunta subseqüente: se os entes humanos podem mesmo mudar radicalmente, fundamentalmente, e, assim, olhar o mundo de maneira nova, com olhos diferentes, com um coração novo, não mais repleto de ódio, de antagonismo, de preconceitos raciais; com uma mente perfeitamente clara, dotada de tremenda energia.

Vendo-se tudo isso - as guerras, as absurdas divisões criadas pelas religiões, a separação entre o indivíduo e a comunidade, a família oposta ao resto do mundo, cada (ente humano apegado a seu peculiar ideal, separando-se como "eu" e "vós", "nós" e "eles" - vendo-se tudo isso, tanto objetiva como psicologicamente, resta uma única questão, um único problema fundamental, ou seja se a mente humana, tão fortemente condicionada que está, pode mudar não em alguma encarnação futura, não no fim da vida, porem mudar radicalmente agora mesmo, de modo que se torne nova, revigorada, juvenil, inocente, livre de todas as cargas, e saibamos, assim, o que significa amar e viver em paz. Este me parece ser o único problema. Resolvido ele, todos os outros problemas, econômicos ou sociais, todos os fatores que conduzem à guerra, terminarão e haverá uma diferente estrutura social. (14) 

Pergunta: A família é o arcabouço do nosso amor e da nossa avidez, do nosso egoísmo e da nossa divisão. Que lugar tem ela?

Krishnamurti: A vida é uma coisa viva, uma coisa dinâmica, ativa, não podeis encerrá-la num arcabouço. São os intelectuais que põem a vida num molde (…) Em primeiro lugar, temos o fato de nossas relações com os outros, uma esposa, um marido ou um filho — as relações a que chamamos família. (15) 

Pois bem, que é isso a que chamamos família? Trata-se, obviamente, de uma relação de intimidade, de comunhão. Ora, em vossa família, em vossas relações com vossa esposa, vosso marido, há comunhão? (…) Relação significa comunhão sem temor, liberdade de mútua compreensão, de comunhão direta. (16) 

Estais em comunhão com vossa esposa? Talvez estejais, fisicamente, mas isso não é relação. Vós e vossa esposa viveis dos lados opostos de uma muralha de isolamento (…) Tendes os vossos alvos e ambições próprios e ela os seus. (17) 

Ora, se existem relações reais entre duas pessoas, o que significa que existe comunhão entre elas, o que isso implica é de extraordinária significação. Porque então não há isolamento, há amor, e não responsabilidade ou dever. Um homem que ama, porém, não fala de responsabilidade — ele ama. Por isso partilha com alguém a sua alegria, a sua tristeza, o seu dinheiro. (18)

Então, senhores, não é isso que está acontecendo? Em nossas famílias o que há é isolamento, e não comunhão; logo, não há amor. Amor e sexo são duas coisas diferentes (…) Se tivésseis interesse pelo próximo, se estivésseis em real comunhão com vossa esposa, com vosso marido, o mundo não estaria nesta desgraça. (19) 

Como, então, quebrar esse isolamento? Para quebrarmos esse isolamento, precisamos estar cônscios dele (…) Tomai nota da maneira como tratais vossa esposa, vosso marido, vossos filhos; notai a insensibilidade, a brutalidade, as asserções tradicionais, a falsa educação (…) E, por não saberdes amar vossa esposa, vosso marido, não sabeis amar a Deus. (20)

A família é um processo de identificação particularista; e quando a sociedade está baseada nessa ideia da família como unidade exclusiva, em oposição a outras (…), tal sociedade (…) há de produzir violência. (21)

Usamos a família como meio de segurança para nós mesmos. (…) Essa exclusão é chamada “amor”, e, nesse chamado estado de família ou de matrimônio, existe realmente amor? (…) Não estamos considerando o ideal do que ela deveria ser, mas (…) tal como a conhecemos. (22)

Entendeis por “família”, vossa esposa e vossos filhos (…) É uma unidade (…), e nessa unidade sois vós quem tem importância — não a vossa esposa, nem os vossos filhos ou a sociedade — mas somente vós, que estais em busca de segurança, de nome, de posição, de poder, tanto na família como fora dela. (23)

Dominais a vossa esposa, e ela vos é subserviente; vós ganhais e gastais o dinheiro, ela é vossa cozinheira e a progenitora dos vossos filhos. Criais, assim, a família, que é uma unidade exclusiva (…) Por conseguinte, não pode haver reforma do coletivo enquanto vós, como indivíduo, fordes exclusivista e buscardes o auto-isolamento em cada uma de vossas ações, limitando o vosso interesse a vós mesmos. (24)

Ora, esse processo de exclusão não é, por certo, amor. O amor não é criação da mente. O amor não é pessoal (…) O amor é algo que não pode ser compreendido enquanto existir o pensamento, que é exclusivista. O pensamento, que é reação da mente, nunca pode compreender o que é amor; o pensamento é invariavelmente exclusivista, separatista. (25) 

A família, como a conhecemos, (…) é exclusivista, é um processo de engrandecimento do “eu”, que é resultado do pensamento; (…) Dizemos que amamos a verdade, (…) a esposa, o esposo, os filhos; mas essa palavra está rodeada pelo fumo do ciúme, da inveja, da opressão, da dominação. (26)

Pergunta: Você é contra a instituição da família?

Krishnamurti: Sou, se a família for o centro de exploração, se estiver baseada na exploração. (Aplauso) Por favor, o que adianta simplesmente concordarem comigo? Têm que agir para alterar isto. Este desejo de perpetuação cria a família que se torna o centro de exploração. Portanto a pergunta é na realidade, pode-se alguma vez viver sem explorar? Não se a vida familiar está certa ou errada, não se ter filhos está certo ou errado, mas se a família, as posses, o poder, não são o resultado do desejo de segurança, de auto-perpetuação. Enquanto existir este desejo, a família torna-se o centro de exploração. Podemos alguma vez viver sem exploração? Eu digo que podemos. Tem que existir exploração enquanto houver esta luta pela auto-proteção; enquanto a mente procurar segurança, conforto, através da família, da religião, da autoridade ou da tradição, tem que existir exploração. E a exploração só cessa quando a mente discernir a falsidade da segurança e já não estiver enredada pelo seu próprio poder de criar ilusões. Se experimentarem com o que digo, compreenderão então que não estou a destruir o desejo, mas que podem viver neste mundo de uma maneira rica e sensata, uma vida sem limitações, sem sofrimento. Só podem descobrir isto experimentando, não negando, não através da resignação nem simplesmente imitando. Onde funciona a inteligência – e a inteligência cessa de funcionar quando há medo e o desejo de segurança – não pode haver exploração. (27)

Sabe, de fato não temos amor – essa é uma coisa terrível de se perceber. De fato não temos amor; temos sentimento; temos emocionalismo, sensualidade, sexualidade, temos lembranças de alguma coisa que pensamos que era amor. Mas de fato, brutalmente, não temos amor. Porque ter amor significa não ter violência, nem medo, nem competição, nem ambição. Se você teve amor, nunca dirá, “Esta é minha família.” Você pode ter uma família e lhe dar o melhor que pode; mas ela não será “sua família” que está em oposição ao mundo. Se você ama, se existe amor, existe paz. Se você amasse, educaria seu filho não para ser nacionalista, não para ter apenas uma profissão técnica e tratar apenas de seus pequenos assuntos; você não teria nacionalidade. Não haveria divisões de religião, se você amasse. Mas como essas coisas de fato existem – não teoricamente, mas brutalmente – este mundo hediondo, mostra que você não tem amor. Mesmo o amor da mãe por seu filho não é amor. Se a mãe realmente amasse seu filho, você acha que o mundo seria assim? Ela cuidaria que ele tivesse o alimento correto, a educação correta, que fosse sensível, que apreciasse a beleza, que não fosse ambicioso, ganancioso, invejoso. Então a mãe, conquanto ela possa pensar que ama seu filho, não ama. Então não temos esse amor. (28)

Pergunta: — Você disse ontem que se a pessoa se pudesse libertar do círculo de que se rodeia a família, aconteceria uma coisa extraordinária. Gostaria muito de compreender isso.

Krishnamurti: — Antes de mais, cada pessoa estará consciente — não verbalmente — de que há um muro à roda de si mesma? Cada um de nós tem um muro à sua volta, um muro de resistência, de medo e ansiedade — é o "eu" construído à minha volta a fazer essa barreira; é este  "eu" na família, cada membro da qual está também rodeado pelo seu próprio muro. Depois, é toda a família, com uma parede à sua volta, e o mesmo acontece com a comunidade e a sociedade. Ora, estaremos nós conscientes disso? Não temos nós o sentimento de que, vivendo neste mundo, isso é necessário, de outro modo o  "eu" seria destruído, assim como a família? Desse modo, mantemos o muro, como a coisa mais sagrada. Ora, se tomarmos consciência disso, que acontece? Se fizermos desaparecer completamente esse muro à volta de cada um, à volta da família, será que a família acaba? Que acontece então à competição entre o  "eu",  a família, e o resto do mundo?

Sabemos muito bem o que se passa quando há um muro — há então resistência, conflito, luta e sofrimento constantes, porque qualquer movimento separativo, qualquer atividade egocêntrica, gera de fato conflito e sofrimento. Quando se tem consciência de toda a natureza e estrutura deste círculo, deste muro, e se compreende como ele surge isto é, quando há um percebimento imediato de tudo isto — que sucede então? Quando fazemos desaparecer a divisão entre o  "eu"  e o  "tu" , o  "nós"  e o  "eles" , que acontece? Só então e não antes, se pode talvez usar a palavra amor. E o amor é que é essa coisa absolutamente extraordinária que acontece quando não há  "eu", como o seu círculo com o seu muro. (29)

A família não é um grupo autônomo, em oposição à sociedade?  Ela não é o centro de irradiação de todas as atividades, não constitui uma relação que exclui e domina todas as outras formas de relação? Não é uma entidade geradora de divisão, de separação, do superior e do inferior, do poderoso e do fraco? A família, como sistema, existe para resistir ao todo; cada família está em oposição às outras famílias, aos outros grupos. A família, com suas propriedades, seus bens, não é uma das causas da guerra?... A família, como hoje existe, é uma unidade, um centro de relações limitadas, egocêntricas e "exclusivas". Muitos reformadores e desses chamados revolucionários têm procurado eliminar esse espírito "exclusivo" da família, gerador de atividades anti-sociais de toda ordem. Entretanto, ela é um centro de estabilidade, em oposição à insegurança, e a presente estrutura social, no mundo inteiro, não pode existir sem essa segurança. A família não é uma mera unidade econômica, e é bem evidente que todo o esforço para resolver o problema desse nível, está fadado a falhar. O desejo de segurança não é apenas de natureza econômica, porém muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança, dadas pelo estado, pela coletividade, pela crença, etc. etc.; e qualquer dessas coisas gera, por sua vez, os seus problemas próprios. Temos de compreender o nosso desejo de segurança interior, psicológica, e não cuidar apenas de substituir um padrão de segurança por outro.

O problema, pois, não é a família, mas o desejo de estar em segurança. O desejo de segurança, em qualquer nível que seja, não é "exclusivo"? Esse espírito de exclusão se manifesta na família, na propriedade, no Estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não constrói formas exteriores de segurança sempre "exclusivas"? O próprio desejo de estar em segurança, destrói a segurança. A "exclusão", a separação, tem de acarretar, inevitavelmente, a desintegração, o nacionalismo; o antagonismo de classe e a guerra são os seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordens e catástrofes sociais... Compreendei, por favor, a verdade a esse respeito. É só quando não buscamos segurança interior, que podemos viver em segurança, exteriormente. Enquanto a família for um centro de segurança, haverá a desintegração social; enquanto a família servir de meio para um fim autoprotetório, terá de haver conflito e sofrimentos... Enquanto eu faço uso de vós ou de outro, para a minha própria segurança interior, psicológica, tenho de ser "exclusivo"; Eu sou importantíssimo, Eu tenho a máxima significação; esta é minha família, minha propriedade. As relações utilitárias estão baseadas na violência. A família como meio de mútua segurança interior é um fator de conflito e confusão... Fazer uso do outro como meio de satisfação e segurança, não é amor. O amor nunca é segurança; o amor é um estado em que não existe desejo de estar em segurança; é um estado de vulnerabilidade é o único estado em que a "exclusão", a inimizade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, uma família pode tornar-se existente, mas não será "exclusiva", egocêntrica.

(...) É bom estarmos cônscios dos movimentos do nosso próprio pensar. O desejo interior de segurança se expressa exteriormente pela "exclusão" e a violência, e enquanto o seu "processo" não for perfeitamente compreendido não poderá haver amor. O amor não é um refúgio diferente, na busca de segurança. O desejo de segurança tem de cessar completamente, para que o amor possa vir. O amor não é uma coisa que possamos fazer surgir mediante compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a negação mesma do amor. Um revolucionário com uma ideologia, não é revolucionário nenhum apenas oferece um substituto, uma segurança de qualidade diferente, uma nova esperança; e esperança é morte.  Só o amor pode promover uma revolução ou uma transformação radical nas relações; e o amor não é produto da mente. O pensamento pode planear e formular as mais estupendas e promissoras estruturas, mas, o pensamento só pode levar a mais conflito, confusão e miséria. O amor existe quando a mente astuciosa, a mente egocêntrica, não mais existe. (30)

Fonte das citações:

(1) Uma Nova Maneira de Agir - Cultrix
(2) A Cultura e o Problema Humano - Ed. Cultrix
(3) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(4) Liberte-se do Passado
(5) O Livro da Vida
(6) Krishnamurti no Chile e no México em 1935 - ICK
(7) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(8) A Luta do Homem - Suas causas seus efeitos seu fim - ICK - Ojaí, Califórnia, USA, 1938
(9) A Luta do Homem
(10) O Livro da Vida
(11) O Livro da Vida
(12) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(13) Uma Nova Maneira de Viver - 23 de novembro de 1947
(14) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(15) Novo Acesso à Vida, p. 40-41
(16) Novo Acesso à Vida, p. 41
(17) Novo Acesso à Vida, p. 41
(18) Novo Acesso à vida, p. 42
(19) Novo Acesso à vida, p. 42-43
(20) Novo Acesso à vida, p. 43
(21) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(22) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(23) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248-249
(24) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 249
(25) Que Estamos Buscando?, p. 249
(26) Que Estamos Buscando?, p. 249-250
(27) Sobre a ação correta
(28) The Collected Works, Vol. XV Varanasi 5th Public Talk 28th November 1964
(29) O Mundo Somos Nós – Horizonte Pedagógico
(30) Reflexões sobre a vida - pág.124 à 126
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill