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terça-feira, 2 de abril de 2013

O desejo é a causa exata do medo

O medo existirá de diferentes formas, grosseira ou sutil, enquanto existir o processo auto-ativo da ignorância gerado pelas atividades do desejo. É possível eliminar completamente o medo; ele não é parte fundamental da vida. Se existir medo, não pode haver a inteligência, e para despertar a inteligência é preciso compreender-se plenamente o processo do “eu” na ação. O medo não pode ser transmutado em amor. Ele há de ser sempre medo, embora tentemos afastá-lo pelo raciocínio, e embora procuremos disfarça-lo, chamando-o de amor.

Nem tão pouco pode o medo ser compreendido como parte fundamental da vida, para que nos resignemos a suportá-lo. Vocês não descobrirão a causa profunda do medo, pela simples análise de cada um de seus aspectos, à medida que se apresentam.

Existe somente uma causa fundamental de medo, embora se manifeste por formas diferentes.

Pela simples dissecação das várias formas do medo não pode o pensamento libertar-se da causa raiz dele. Quando a mente não aceita nem rejeita o medo, quando não lhe foge nem procura transmuta-lo, só então é possível seu cessar.

Quando a mente não está presa no conflito dos opostos, ela é capaz de discernir, sem escolha, o processo do “eu” em sua íntegra.

Enquanto esse processo continuar, tem de haver medo, e a tentativa para fugir dele apenas aumenta e fortifica o processo. Se quiserem se libertar do medo, devem compreender plenamente a ação nascida do desejo.
(...)
Se sentirem integralmente todo este processo como ignorância, então saberão o meio de ficar livre do desejo, do medo.
(...)
Quando compreenderem o pleno significado da ação nascida do desejo, esta própria compreensão, espontaneamente, dissipará o desejo, o medo, que está procurando satisfação.
(...)
Se o interesse for apenas o resultado do desejo, do lucro, do estar satisfeito, de obter sucesso, então, o interesse é a mesma coisa que o desejo e, portanto, destruidor da vida criadora.
(...)
O desejo de satisfação cria o medo e o hábito. O desejo e a emoção constituem dois processos diferentes e distintos; o desejo é inteiramente da mente, e a emoção é a expressão integral de todo o nosso ser. O desejo, o processo da mente, é sempre acompanhado pelo medo, e a emoção é isenta dele. O desejo deve produzir sempre o medo, e este a emoção jamais o contem porque ela é a essência de todo o nosso ser. A ação é um estado de destemor, que só pode ser experimentado quando cessa o desejo, com o seu medo e a sua vontade de satisfação. A emoção não pode dominar o medo; porque o medo, como o desejo, são da mente. As emoções são de caráter, qualidade e extensões completamente diferentes.

O que a maioria de nós estamos procurando fazer é dominar o medo, seja pelo desejo, ou pelo que chamamos “emoções” — que é realmente outra forma de desejo. Vocês não podem dominar o medo pelo amor. Dominar o medo, por meio de outra força que chamamos amor, não é possível, porque o desejo de dominar o medo nasce do próprio desejo, da própria mente, e não do amor. Isto é, o medo é resultado do desejo, da satisfação, e o desejo de dominar o medo é da natureza da própria satisfação. Não é possível dominar o medo pelo amor, como a maioria das pessoas verifica por si mesma. A mente, que é do desejo, não pode dissipar parte de si mesma. É isto o que vocês tentam fazer quando falam de “se desembaraçarem” do medo. Quando perguntam: “Como posso desembaraçar-me do medo, que posso fazer com as várias formas de medo?”, estão meramente querendo saber como dominar um grupo de desejos por outro — o que somente perpetua o medo. Todo desejo cria medo. O desejo produz o medo e tentando dominar o medo um desejo por outro, estão apenas cedendo ao medo. O desejo somente pode recondicionar-se a si mesmo, remodelar-se segundo um novo padrão, mas permanecerá ainda desejo, dando nascimento ao medo.
(...)
A mente é um campo de batalha dos seus próprios desejos, temores, valores, e qualquer esforço que ela faça para destruir o medo — isto é, para destruir a si mesma — é inteiramente inútil. A parte que deseja desvencilhar-se do medo está sempre procurando satisfação; e aquela de que ela anseia livrar-se é o motivo de satisfação no passado. Desse modo, a satisfação procura livrar-se daquilo que já satisfez; o medo tenta vencer o que foi o instrumento do medo. O desejo, criando medo na busca de satisfação, tenta vencer este medo, mas o próprio desejo é a causa do medo. O mero desejo não pode destruir-se, nem o medo dominar-se, e todo o esforço da mente, para livrar-se deles, nasce do próprio desejo. Desse modo, a mente fica presa no seu próprio círculo vicioso do esforço.
(...)
O poder do desejo, da escolha, pode cessar, e isto só acontece, quando se compreende, quando se sente internamente o esforço cego do intelecto. A profunda percepção deste processo, sem ansiedade, sem julgamento, sem preconceito, e, portanto, sem desejo, é o começo do percebimento, o único que pode libertar a mente de seus temores, hábitos e ilusões.
(...)
Para realizar a verdade, para perceber este infinito renovar da vida, vocês devem estar completamente livres, a mente de vocês deve achar-se completamente despojada de todos os desejos. Vocês dirão: “Como pode o homem viver num mundo isento de desejos?” Vocês têm visto a causa da tristeza e dito a si próprios — me libertarei dessa causa? Intelectualmente observam a causa e intelectualmente observam o quão difícil é dela se libertar. Dizem ainda: “O homem não pode viver sem desejos, tem de lutar por si mesmo nesta civilização; pois, de outro modo, será esmagado e destruído”. Vocês não têm feito a experiência, por isso não podem dizer o que acontecerá.
(...)
Como podem discernir aquilo que é verdadeiro e duradouro, se a mente de vocês está sempre preocupada com um desejo futuro ou impedido em sua percepção pelo passado? Há uma completa ausência do verdadeiro valor da vida, uma avaliação falsa, enquanto a mente estiver encerrada na divisão criada pelo desejo.
(...)
O desejo não compreendido no presente cria o tempo.

Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Só há libertação quando a mente está livre da escolha

Para mim, existe somente uma verdade, — a libertação do desejo, do eu-consciência; aí não existe distinção de dualidade. Tudo mais não passa de ilusão, infinita em sua variedade, glória e distinção.
(...)
O homem que estiver vivendo com plenitude no presente, é um artista na vida. Uma apreciação sobre arte não significa necessariamente, a compreensão da vida, a qual é completa liberdade do eu-consciência, do cativeiro do desejo.
(...)
A ignorância é o resultado do desejo, do anseio.
(...)
A ignorância não deve ser confundida a mera falta de informação. A ignorância é a falta de compreensão de si próprio.
(...)
O desejo surge da ignorância. Ela não pode existir independentemente; precisa alimentar-se do condicionamento prévio, que é ignorância.

A ignorância consiste e muitas formas de medo, de crença, de desejo e de apego. Estas criam o conflito nas relações mútuas.

Quando estivermos integralmente percebidos do processo da ignorância, voluntária, espontaneamente, há o começo dessa inteligência que experimenta todas as influências condicionantes. Estamos interessados no despertar dessa inteligência, desse amor, o único que pode libertar da luta da mente e o coração. O despertar dessa inteligência, desse amor, não é o resultado de uma moralidade disciplinada, sistematizada, nem um resultado que se possa buscar, mas é um processo de percebimento constante.
(...)
O desejo, o anseio, a tendência sob qualquer das suas formas, têm de criar conflito entre si próprios e aquilo que os provoca ou seja o objeto do desejo; este conflito entre a ânsia e o objeto, pelo qual se anseia, aparece na consciência como individualidade. Portanto, é realmente este atrito que procura perpetuar-se a si mesmo. Aquilo que intensamente desejamos que continue nada mais é do que o atrito, a tensão entre as várias formas do anseio e seus agentes provocadores. Este atrito, esta tensão, é essa consciência que sustenta a individualidade.
(...)
Vocês precisam se tornar conscientes de que são prisioneiros, precisam perceber que estão continuamente procurando escapar da falta de plenitude e de que a busca de vocês pela verdade é apenas uma fuga. O que vocês denominam busca da verdade, de Deus, por meio da próprio disciplina e da consecução, é apenas uma fuga do desejo.

A causa do desejo está na própria busca da aquisição, mas vocês estão sempre fugindo dessa causa. A ação proveniente da disciplina de si mesma, do medo, ou do anseio, é a causa do desejo. Ora, quando vocês se apercebem de que tal ação é em si mesma a causa do desejo, deste estão libertos. No momento em que se tornam apercebidos do veneno, ele cessa de ser um problema para vocês.

É um problema somente enquanto não forem cientes da ação dele na vida de vocês.

A maioria das pessoas, porém, ignoram a causa do desejo e dessa ignorância surge o esforço incessante.

Quando se tornam apercebidas da causa — que é o esforço de conseguir — então, nesse percebimento, há plenitude, plenitude que não requer esforço.

Então, na ação de vocês, não há mais esforço, nem autoanálise, nem disciplina.

Da falta de plenitude surge a busca do conforto, da autoridade, e a tentativa para alcançar este objetiva priva a ação de seu significado intrínseco.  Quando, porém, vocês se tornam integralmente apercebidos, na mente e no coração de vocês, da causa da falta de plenitude, então este desejo cessa. Deste percebimento advém a ação, que é infinita, por ter significado em si mesma.

Por outras palavras, enquanto a mente e o coração estiverem presos no desejo, tem de haver vacuidade. Vocês querem coisas, ideias, pessoas só quando estão conscientes da própria vacuidade e esse querer cria a escolha. Quando houver anseio, tem de haver escolha e esta lhes precipita no conflito das experiências. Vocês tem a capacidade de escolher e assim a si mesmos se limitam pela própria escolha. Só quando a mente está livre da escolha há libertação.

Todo desejo, todo anseio é obscurescente, e a escolha de vocês provém do medo, do desejo de consolo, conforto, recompensa, ou como resultado de astucioso cálculo. Por causa da vacuidade interna de vocês, há o desejo. Desde que a escolha de vocês é sempre baseada na ideia de lucro, não pode haver verdadeiro discernimento, nem verdadeira percepção; há apenas o desejo. Quando escolhem, do modo porque o fazem, a escolha de vocês cria meramente outro conjunto de circunstancias, que resultam em novo conflito e escolha. A escolha de vocês, que provem da limitação, estabelece uma nova série de limitações, e estas criam a consciência que é o "eu".

Vocês chamam de experiência a multiplicação da escolha. Recorrem a estas experiências para que lhes livrem do cativeiro, porém, elas jamais o poderão fazer, porque vocês as julgam como um contínuo movimento de aquisição.

Permitam que ilustre isto com um exemplo que talvez transmita meu pensamento. Suponham que percam, pela morte, um ente querido. Esta morte é um fato. Ora, experimentam imediatamente um sofrimento de perda, uma ansiedade para estar novamente junto dessa pessoa. Querem a volta do seu amigo e, como não o podem ter novamente, a mente cria ou aceita uma ideia para satisfazer esse anseio emocional.

A pessoa a quem amam foi arrebatada. Então, porque sofrem, porque estão conscientes de uma intensa vacuidade, de uma solidão, querem ter novamente seu amigo. Isto é, querem por fim ao sofrimento de vocês, alivia-lo, esquecê-lo; querem amortecer a consciência dessa vacuidade, que se achava oculta, quando estavam na companhia do amigo querido. A ansiedade de vocês nasce do desejo de consolo. Mas, como não podem ter o conforto da presença do amigo, pensam em alguma ideia que possa lhes satisfazer — reencarnação, vida após a morte, unidade de toda a vida. Em tais ideias — não digo que sejam certas ou erradas — em tais ideias, repito, vocês acham consolo. Por não poderem ter a pessoa que amam, vocês se consolam mentalmente com ideias. Isto é, sem discernimento verdadeiro, aceitam qualquer ideia, qualquer principio que, no momento, lhes pareça satisfazer, para aliviar a consciência de vacuidade que causa o sofrimento. Assim, a ação de vocês é baseada na ideia de consolo, na ideia de multiplicação de experiências; a ação de vocês é determinada pela escolha, que tem suas raízes no desejo. Porém, no momento em que, com a mente e coração, com todo o ser de vocês, se tornam apercebidos da futilidade do desejo, então cessa a vacuidade. Agora estão apenas parcialmente conscientes desta vacuidade, por isso procuram obter satisfação no acompanhamento de novelas, se atordoando nas diversões criadas pelo homem em nome da civilização; e a essa busca de sensação vocês chamam de experiência.

Vocês precisam perceber, com o coração também como com a mente, que a causa da vacuidade é o desejo, que redunda em escolha e impede o verdadeiro discernimento. Quando estiverem apercebidos disto, então cessará o desejo.

Quando se sente uma vacuidade, um desejo, aceita-se algo, sem discernimento verdadeiro. E a maioria das ações de que são constituídas as nossas vidas estão baseadas no desejo. Podemos pensar que as nossas escolhas se baseiam na razão, no discernimento; podemos imaginar que pensamos nas possibilidades e calculamos as oportunidades antes de fazer uma escolha. Entretanto, porque há em nós um desejo ardente, um querer, uma ansiedade, não podemos conhecer a verdadeira percepção ou discernimento. Quando entenderem isto, quando se aperceberem com todo o ser de vocês, tanto emocional como mentalmente, quando compreenderem a futilidade do desejo, ele cessa. Então, estarão livres da sensação de vacuidade. Nessa chama de percebimento não há disciplina, não há esforço.

Mas não compreendemos isto plenamente; não nos tornamos apercebidos, porque experimentamos um prazer no desejo, porque esperamos continuadamente que o prazer no desejo suplante a dor. Esforçamo-nos para conseguir o prazer, embora saibamos que ele não está livre da dor.

Se vocês se tornarem inteiramente apercebidos de todo o significado disto, terão forjado um milagre para si mesmos; então experimentarão a libertação do desejo, e, em consequência a libertação da escolha; então já não serão essa consciência limitada, o "eu".

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

quinta-feira, 28 de março de 2013

Onde há medo não pode haver inteligência

Quero falar agora a respeito do medo, que necessariamente cria compulsão e influência.

Nós dividimos a mente em pensamento, razão e intelecto; mas, para mim, a mente é inteligência criadora de si mesma, porém nublada pela memória; a mente que é inteligência, estando nublada pela memória, confunde-se com esse "eu" consciência, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escravizada pelo ambiente que ela própria criou através do desejo, e, portanto, há temor continuamente. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos este ambiente, deve haver medo. Não damos todo o nosso entendimento ao ambiente e não estamos plenamente conscientes dele e, assim, a mente torna-se escrava desse ambiente e por causa disso há medo; e a compulsão é o instrumento desse medo. Logo, naturalmente, a falta de entendimento do ambiente é produzida pela falta de inteligência, e, por não compreendermos o ambiente, o medo é, por essa forma, criado, necessitando de influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta continua compulsão, a qual se tornou o instrumento, o penetrante instrumento do medo? A memória nubla a mente, e a mente nublada, é o resultado da falta de entendimento do ambiente, que cria conflito, e a memória torna-se consciência de si própria. Esta mente, nublada, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação do resultado do ambiente, que é o "eu"; assim, na perpetuação do "eu", a mente busca ajustamento, a alteração ou modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Como sabem, a mente está continuamente buscando o ajustamento ao ambiente; porém, este ajustamento não produz entendimento, nem podemos verificar o significado desse ambiente pela tentativa de modificar ou expandir esse ambiente. Porque a mente busca, continuamente, sua proteção, ela, nublada pela memória, tornou-se confusa, identificada com a própria consciência — essa consciência que deseja perpetuar-se; por conseguinte, ela se esforça por alterar, ajustar, modificar o ambiente ou, em outras palavras, a mente procura tornar o "eu" imortal, universal e cósmico, como julga ser possível.

Não é assim?

Portanto, a mente que busca imortalidade, deseja realmente a continuação desse "eu"-consciência, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar a ideia do "eu"-consciência, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela continuará a procurar nessa limitação sua própria perpetuação, que denominamos imortalidade, ou aquela consciência cósmica em que o particular ainda persiste. Enquanto a mente, que é inteligência, estiver presa no cativeiro da memória, que é o "eu"-consciência, haverá a busca do falso pelo falso. Este "eu", como expliquei, é a falsa reação do ambiente; há uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente nublada pela memória busca perpetuar-se como própria consciência, está procurando falsa imortalidade, falsa expansão cósmica ou o que quer que lhe queiram chamar.

Neste processo de perpetuação do "eu", dessa memória que é conservadora de si própria, na perpetuação desse "eu", nasce o medo — não o medo superficial, porém o medo fundamental, de que tratarei logo em seguida. Eliminem esse medo, que tem como sua expressão exterior a nacionalidade, o crescimento, a expansão, o êxito — eliminem esse medo fundamental e, então, a ansiedade pela perpetuação desse "eu" e todos os temores cessam. Portanto, o medo existirá, enquanto existir o desejo de perpetuação dessa coisa que é falsa: este "eu" é falso, portanto, devem ter uma falsa reação, a qual é o próprio medo. E onde existir o medo, deve existir disciplina, compulsão, influência, domínio e a busca do poder que a mente glorifica como virtude e divino. Se realmente refletirem sobre isto, verificarão que onde existir inteligência não pode existir a busca pelo poder.

Toda a vida está moldada pelo medo e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e grilhões que alguns julgavam virtuosos e dignos e outros consideravam venenosos e maus. Não é assim? São estas as restrições que vocês estabeleceram em suas buscas de  perpetuação, livre de medo; nessa busca criaram disciplinas, códigos e autoridades, a vida de vocês está modelada, controlada e conformada pela compulsão de várias formas e graduações. Alguns denominam de virtuosa esta compulsão, outros a consideram perniciosa.

Temos, em primeiro lugar, a compulsão exterior, que é a repressão do ambiente sobre o indivíduo. A pessoa vulgar, que vocês denominam não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, o ambiente exterior; isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões de moral, autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto, porque isto tudo está radicado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não é assim? Eliminem integralmente as necessidades econômicas de que o indivíduo depende e então os códigos de conduta, padrões de moral e valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nestas restrições do ambiente externo, que criam conflito entre o indivíduo e o ambiente, na qual o indivíduo é oprimido, vergado, torcido, torna-se ele progressivamente sem inteligência. O indivíduo que está meramente condicionado, a todo instante, pelo ambiente exterior, amoldado por certas regras, leis, reações, editos e padrões de moral — quanto mais o oprimirem, menos inteligente ele se torna. A inteligência, porém, é a compreensão do ambiente, percebendo seu significado sutil, liberto de compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, às quais ele chama ambiente externo, tem como seus expoentes os charlatões e exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política do homem. Explorador é o indivíduo que se utiliza de vocês, consciente ou inconsciente, e vocês se submetem consciente ou inconscientemente, porque não compreendem; se tornam econômica, social, política e religiosamente, o explorado, e ele se torna o explorador de vocês. Assim, por esta maneira, a vida torna-se uma escola, um molde, um molde de aço em que o indivíduo é batido para tomar forma, em que ele se torna mero dente da engrenagem de uma máquina, irrefletido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta, uma batalha contínua, e assim ele estabeleceu essa falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas, de modo que ele possa, previamente, ser advertido para defrontar a vida amanhã, novamente, porém, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se meramente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser gozada, a ser vivida com êxtase, plenamente, sem medo.

O ambiente externo domina o indivíduo, forçando-o a entrar nessa estrutura de aço, de padrões, de moralidades, ideias religiosas, de editos de moral, e como o indivíduo é esmagado pelo exterior, busca escapar e foge para um mundo que ele chama interior. Naturalmente quando a mente é torcida, conformada, pervertida pelo ambiente exterior e há um constante conflito externo, luta, constantes falsos ajustamentos, a mente espera por tranquilidade, por felicidade, por um mundo diferente; assim o indivíduo edifica um céu romântico de fuga, onde procura compensação para as perdas e o sofrimento no mundo externo.

Por favor, como disse, vocês estão aqui para descobrir, para criticar, não para se oporem. Podem se oporem, depois que tiverem refletido muito cuidadosamente sobre o que lhes digo. Podem levantar barreiras, se assim o desejarem, mas, primeiro, averiguem plenamente o que eu quero lhes transmitir, e, para o fazerem, necessitam de ser supercríticos, apercebidos, inteligentes.

Como lhes disse, o indivíduo, esmagado pelas circunstâncias exteriores que criam sofrimento e esforçando-se para escapar a essas circunstancias, cria um mundo interno, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições individuais a que denomina disciplina ou cooperação com aquilo  a que aprendeu a chamar seu "eu" superior.

A maioria das pessoas — as pessoas pretensamente espirituais — rejeitaram a força externa do ambiente e a sua influência, porém, desenvolveram uma lei interna, um padrão interno, uma disciplina interna, a que chamam trazer o eu superior para o eu inferior; isto, em outras palavras, é mera substituição. Existe, assim, a própria disciplina. Há, depois, aquilo que denominam de voz interior, cujo poder e controle é, sem dúvida, muito maior do que o ambiente externo. Qual é, porém, finalmente, a diferença entre um e outro, entre o externo e o interno? Ambos controlam, pervertem a mente, que é a inteligência, pelo desejo de perpetuação de si mesma. E vocês têm também aquilo que chamam de intuição, que é apenas a apelação, sem travas, de suas próprias esperanças e desejos secretos. Assim, vocês completaram o mundo interno, aquilo que chamam de mundo interior, com tudo isto — disciplina de si próprio, voz interna e intuição. Tudo isto, se refletirem são formas sutis desse mesmo conflito, levadas para um mundo diferente em que não há entendimento, mas apenas uma padronização, um ajustamento a um ambiente mais sutil a que vocês denominam mais espiritual.

Como sabem, algumas pessoas buscaram e encontraram, no mundo exterior, distinções sociais e, igualmente, as pessoas denominadas espirituais, buscam apenas nesse mundo interno, e geralmente encontram, seus pares e superiores espirituais; e, assim como há conflito entre os indivíduos no exterior, também é criado um conflito espiritual no mundo interno, entre os ideais, as expansões e suas próprias ansiedades. Vejam, pois, o que foi criado.

No mundo externo não há expressão para a mente nublada pela memória, para esse "eu"-consciência não há expressão, porque o ambiente é demais forte, poderoso e esmagador; nele, ou vocês se adaptam ao molde ou, se não o fizerem, são esmagados. Assim, vocês desenvolvem uma forma interna, ou mais sutil, de ambiente, em que tem lugar exatamente o mesmo processo. Este ambiente por vocês criado é uma fuga do ambiente externo, e nele vocês também têm padrões de leis morais, instituições, o eu superior, a voz interna, e a isso constantemente se ajustam. Isto é um fato.

Em essência, estas restrições, denominadas internas e externas, nascem do desejo e, por isso, existe o medo; do medo surge a repressão, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas expressões exteriores do medo. Onde há medo não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isto, deve haver na vida essa divisão em interna e externa e, portanto, as nossas ações têm de ser sempre influenciadas e compelidas pelo externo, e, portanto pelo falso, ou pelo interno, que é igualmente falso, porque também no interno vocês estão procurando apenas se ajustarem a determinados outros padrões.

O medo é criado, quando o falso busca a perpetuação de si próprio no falso ambiente. E, assim, o que acontece à nossa ação, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que acontece a tudo isto?

A mente e o coração amoldam-se ao ambiente, ao ambiente externo, porém, quando verificam que não podem, por tornar-se a compulsão demasiadamente forte, então voltam-se para um estado interno, em que a mente e o coração buscam perfeita tranquilidade e satisfação. Ou, então, saciaram-se completamente pelas conquistas sociais, econômicas, políticas e religiosas e depois voltam-se para o interno e ali também desejam ter sucesso, bom êxito, triunfo, e, para o atingir, devem sempre ter em vista uma culminância, um objetivo que se torna apenas um estado, ao qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

Assim, neste ínterim, o que é que acontece aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? O que acontece, quando vocês estão meramente se ajustando, quando simplesmente estão se modificando, alterando? O que acontece a qualquer coisa, por exemplo a uma casa cujas paredes vocês decoram, embora seus alicerces estejam deteriorados? De modo idêntico, nossos pensamentos e emoções estão meramente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja ele externo ou interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou de uma direção interna. Assim, pois, as nossas ações estão sendo grandemente limitadas pela influência, em que todo o raciocínio se torna apenas a imitação de um modelo, um ajustamento a certa condição, e o amor torna-se apenas outra forma de medo. Toda a nossa vida — afinal a nossa vida são os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas alegrias e dores — toda a nossa vida permanece incompleta, todo nosso processo de pensar ou de expressão dessa vida, é meramente ajustamento, uma modificação, jamais um preenchimento, uma plenitude. E daí surge problema após problema, o ajuste ao ambiente que deve estar, constantemente, mudando, e a conformidade com padrões, que também devem variar. Assim, vocês prosseguem nesta batalha a que chamam evolução, no crescimento do eu, na expansão dessa consciência que é apenas memória. Vocês inventaram palavras para apaziguar suas mentes, porém, continuam nessa luta.

Ora, se ponderarem, realmente, sobre isto, se reconhecerem tudo isto, e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, se tornarem apercebidos desse ambiente exterior, destas circunstâncias, destas condições, e também do mundo interno em que existem as mesmas condições, os mesmos ambientes que apenas denominaram por nomes mais sutis e mais bonitos; se realmente se aperceberem de tudo isto, então começarão a compreender o verdadeiro significado do externo e do interno; então surgirá uma percepção imediata, a libertação da vida, a mente torna-se, depois, inteligência e pode funcionar com naturalidade e de modo criador, sem esta constante luta. Então, a mente — a inteligência — reconhece os obstáculos, e porque os compreende, ela penetra-os; não há mais ajustamento, não há modificação, há somente entendimento. Por esta razão, a inteligência não depende do externo ou do interno, e nesse percebimento não há desejo, não há ansiedade, mas apenas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Vocês sabem que, quando há um desejo ardente, a mente de vocês já está nublada, pervertida, porque a mente identifica-se com uma coisa e rejeita outra — onde há desejo ardente, não há entendimento; porém, quando a mente não se identifica com o "eu", mas se torna percebida tanto do externo como do interno, das sutis divisões, das várias emoções, das delicadas matizes da mente, que se divide em memória e inteligência — então, nesse percebimento, verificarão o pleno significado do ambiente que criamos através dos séculos, desse ambiente que denominamos externo e também interno, ambos os quais estão continuamente mudando, ajustando-se um ao outro.

Tudo o que lhes preocupa agora é a modificação, a alteração, o ajustamento, e, portanto, deve haver medo. O medo tem seu instrumento na compulsão, e esta só existe, quando não há entendimento, quando a inteligência não está funcionando normalmente.  

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

quinta-feira, 21 de março de 2013

Onde Deus está escondido

Pergunta a Osho:
Amado Osho, o que exatamente está me impedindo de ver o óbvio? Eu simplesmente não compreendo o que fazer ou o que não fazer. Quando é que eu serei capaz de ouvir o som do silêncio?
O que exatamente está obstruindo a minha visão de ver o óbvio? O simples desejo de vê-lo. O óbvio não pode ser desejado, o óbvio é!

Quando você deseja, você se afasta: você começa a buscar o óbvio. Nesse exato momento você o tomou distante, ele não é mais o óbvio, ele não mais está próximo; você o colocou bem distante. Como pode você buscar pelo óbvio? Se você compreende que é óbvio, como pode você buscá-lo? Ele está simplesmente aqui! Qual a necessidade de buscá-lo ou desejá-lo?

O óbvio é o divino, o mundano é o sublime e o trivial é profundo. Você está encontrando Deus a cada momento, nas suas atividades simples do dia-a-dia, porque não existe mais ninguém. Você não pode encontrar ninguém mais, é sempre Deus de mil e uma formas.

Deus é bem óbvio. Apenas Deus é! Mas você busca, você deseja... e você perde. Nesta sua mera busca você coloca Deus bem longe, muito distante. Isso é uma viagem do ego.

Tente compreender... o ego não está interessado no óbvio porque com o mesmo ele não pode existir. O ego não está de forma alguma interessado no que está próximo, ele está interessado no distante, lá longe. Pense bem: o homem alcançou a lua, mas ele ainda não alcançou o seu próprio coração.

O distante... o homem inventou viagens espaciais, mas ele ainda tem que desenvolver as viagens até a alma. Ele alcançou o Everest, mas ele não se interessa em ir para dentro do seu próprio ser.

Perde-se o que está próximo e busca-se o que está bem distante. Por quê? Porque o ego sente-se bem; se a jornada é difícil o ego sente-se bem, existe algo a ser provado. Se é difícil, existe algo a se provar. O ego se sente bem em ir até a lua, mas ir para dentro do seu próprio ser? Isso não seria muito pretensioso.

Existe uma velha história:

Deus criou o mundo. E então, ele costumava viver na terra. Você já pode imaginar... ele tinha tantos problemas, todos vinham reclamar, todos batiam à sua porta nas horas vagas. À noite pessoas vinham e diziam: “Isso está errado, hoje nós precisávamos de chuva e está tão quente”. E alguém vinha logo depois e dizia: “Não traga chuvas por enquanto — eu estou fazendo algo e a chuva estragaria tudo”.

E Deus estava a ponto de ficar louco... “O que fazer? Tantas pessoas, tantos desejos, e todos esperando e todos necessitando serem atendidos, e eram desejos tão contraditórios! O fazendeiro queria chuva e o ceramista não queria chuva alguma pois ele fazia vasos e a chuva podia destruí-los; ele necessitava de sol quente por alguns dias...” E assim em diante.

Então, Deus chamou os seus conselheiros e perguntou: “O que fazer? Eles irão me enlouquecer, e eu não posso satisfazer a todos. Ou eles irão me matar um dia destes! Eu gostaria de encontrar um lugar para me esconder”.

E os conselheiros sugeriram várias coisas. Um deles disse: isso não é problema, vá para o Everest. Ele é o pico mais elevado dos Himalaias, ninguém irá alcançá-lo”.

Deus disse: “Você nem imagina! Eles o alcançariam em poucos segundos”, para Deus isso seria apenas uns poucos segundos: “Edmund Hillary iria alcançá-lo com Tensing e então os problemas começariam. E uma vez que soubessem, então eles começariam a vir em helicópteros e ônibus, e tudo seria... Não, isso eu não vou fazer. Isso resolveria as coisas só por alguns minutos”.

Lembrem-se de que o tempo para Deus tem uma dimensão diferente. Na Índia diz-se que para Deus milhões de anos é um dia, alguns segundos então...

Daí alguém mais sugeriu: “E por que não ir para a lua?”

E Deus respondeu: “Lá também não é longe o bastante; mais uns poucos segundos e alguém iria alcançá-la”.

E os conselheiros sugeriram estrelas distantes, mas Deus falou: “Isto não resolveria o problema. Seria apenas uma espécie de adiamento. Eu quero uma solução permanente”.

Então, um velho ajudante de Deus aproximou-se dele e sussurrou algo em seu ouvido. E Deus disse: “Você está certo. Vou fazer isso mesmo!”.

O velho ajudante havia dito: “Só existe um lugar onde o homem nunca irá alcançar — esconda-se nele mesmo”. E esse é o lugar onde Deus está escondido desde então: no interior do próprio homem. E esse seria o último lugar no qual o homem pensaria encontrá-lo.

Perde-se o óbvio porque o ego não se interessa por ele. O ego está interessado em coisas duras, difíceis, árduas, porque aí existe um desafio. Quando você ganha, você pode clamar por vitória. Se o óbvio está aí e você ganha, que tipo de vitória é essa? Você não terá muito de um vencedor. É por isso que o homem segue perdendo o óbvio e buscando o distante. E como pode você buscar o distante quando você não pode nem mesmo buscar o óbvio?

“O que exatamente está obstruindo a minha visão de ver o óbvio?” O mero desejo está tomando-o distante. Abandone o desejo e você verá o óbvio.

“Eu simplesmente não compreendo o que fazer ou o que não fazer.” Você não tem que fazer nada. Você tem apenas que ser um observador de tudo que está acontecendo ao seu redor. O fazer é de novo uma viagem do ego. Fazendo, o ego se sente bem — algo está aí para ser feito. O fazer é um alimento para o ego, ele fortifica o ego. Não faça nada e o ego cai por terra; ele morre, ele não é mais nutrido.

Então, simplesmente seja um não fazedor. Não faça nada que diga respeito a busca por Deus, e pela verdade. Em primeiro lugar isso não é uma busca, assim você não pode fazer nada a respeito. Simplesmente seja.

Deixe-me dizer-lhe isso de uma outra forma: se você está em um estado puro de ser, Deus vem até você. O homem nunca poderá encontrá-lo; Deus encontra o homem.

Simplesmente esteja em um espaço silencioso — não fazendo nada, não indo a lugar algum, não sonhando — e nesse espaço de silêncio repentinamente você encontrará Deus. Porque ele sempre esteve presente! Simplesmente você não estava em silêncio para que pudesse vê-lo e você não pôde ouvir a sua voz, pequenina e quieta.

“Quando serei eu capaz de ouvir o som do silêncio?” Quando? Você faz a pergunta errada. É agora ou nunca! Escute-o agora, porque ele está aqui, a sua música está tocando, a sua música está em toda a parte. Você simplesmente precisa estar em silêncio para que possa ouvi-la.

Porém, nunca diga “quando”; “quando” significa que você está colocando no futuro; “quando” significa que você começou a esperar e sonhar; “quando” significa “não agora”. E sempre é no agora, sempre é no momento presente.

Para Deus existe apenas um tempo: o agora; e apenas um lugar: o aqui. “Lá”, “então” — abandone-os.


Osho, em "A Visão Tântrica: Discursos Sobre as Canções de Saraha"

Publicado no blog palavras de Osho

quinta-feira, 7 de março de 2013

A mutação mental que ocorre sem drogas e sem desejo

O homem tem tentado todos os meios para fugir dos problemas, evitá-los ou encontrar algum pretexto para não resolvê-los. Falta-nos provavelmente a capacidade, a energia, o impulso necessários para os resolvermos e, tão habilmente preparamos as nossas vias de fuga, que nem sequer percebemos que estamos fugindo. Uma mudança total me parece ser necessária, uma radical revolução da mente, revolução que não seja uma "continuidade modificada", porém uma total mutação psicológica que liberte a mente, de todo, de sua sujeição ao tempo; que a torne capaz de ultrapassar a estrutura do pensamento, não para ingressar numa certa região metafísica, porém, sim, numa dimensão atemporal, onde ela não estará fechada em sua estrutura e seus problemas.... Temos tentando muitos meios, inclusive o L.S.D., crenças, dogmas, seitas religiosas, disciplinas, meditação. E, ao fim de tudo isso, a mente tem permanecido exatamente a mesma: vulgar, estreita, limitada, ansiosa, ainda que tenha passado por períodos de iluminação, lucidez. É isso o que está fazendo a maioria de nós, em nosso esforço para alcançarmos uma certa visão, uma clareza, algo que não seja produto do pensamento — para sempre voltar ao mesmo estado de confusão. A liberdade parece inexistente... Não sabemos o que significa liberdade. Só somos capazes de formar uma imagem, uma ideia, uma conclusão, a respeito dela — o que ela deve ser, o que não deve ser. Para a experimentarmos, para a encontrarmos realmente, requer-se muito exame, muita penetração do nosso processo pensante.

Nessa tarde, desejo investigar se é possível ao homem, ao ente humano, libertar-se inteiramente do medo, do esforço, de toda espécie de ansiedade. Essa libertação deve ser inconsciente, isto é, não deve ser deliberadamente provocada. Para compreendermos esta questão temos de examinar o que significa mudança. Nossa mente está acorrentada, condicionada pela sociedade, por nossa experiência, nossa herança racial, enfim, por todas as influências a que o homem está sujeito. Pode um ente humano libertar-se de tudo isso e, por si mesmo, descobrir um estado mental inteiramente incontaminado pelo tempo? Afinal, é isso o que todos nós estamos buscando. Cansados das diárias experiências da vida, de seu tédio, de sua trivialidade, desejamos alcançar, através da experiência, algo muito superior. Chamamos esse estado de Deus, uma visão, ou damos-lhe não importa o nome.

(...) Nós temos de mudar. Há em nós muito do animal: agressividade, violência, avidez, ambição, busca de sucesso, esforço para dominar. Podem esses remanescentes do animal ser totalmente erradicados, de modo que a mente deixe de ser violenta, agressiva? A menos que a mente se encontre em perfeita paz, em completa tranquilidade, não há a possibilidade de descobrir-se nada novo. Sem esse descobrimento, sem a transformação da mente, ficaremos meramente vivendo no processo temporal da imitação, continuaremos com o que era, a viver no passado. O passado não só está presente, mas também o presente é o passado.

Que se entende por mudança? Ela é uma inadiável necessidade, porquanto nossa vida é bastante trivial, vazia, monótona e estúpida, sem significação. Ter de frequentar diariamente um escritório durante os próximos quarenta anos, gera alguns filhos, estar sempre à procura de entretenimento, na igreja ou no campo de futebol — tudo isso, para um homem amadurecido, é muito pouco significativo. Sabemos disso, mas não sabemos o que devemos fazer; não sabemos como deter o processo temporal.

(...) Mudança, para a maioria de nós, significa um movimento em direção ao conhecido. Ora, isso não é uma mudança real, porém, uma continuação do que era, num padrão modificado. Todas as revoluções sociais se baseiam nessa espécie de mudança... Mas, isso não é nenhuma mudança, porém, mera reação; e a reação é sempre "imitativa".

Quando falamos de mudança, não se trata de mudança ou mutação de o que era para o que deveria ser. Espero que estejais observando o processo de vosso próprio pensar e percebendo não só a necessidade de mudança, mas também o vosso condicionamento, as limitações, os temores, as ansiedades, a total solidão e monotonia da vida. Estamos nos perguntando se essa estrutura pode ser totalmente demolida, para que possa se tornar existente um novo estado mental. Esse estado mental não pode ser preconcebido; se assim for, trata-se meramente de um conceito, de uma ideia; e uma ideia nunca é real.

(...) Só conhecemos o esforço como meio de efetuar qualquer mudança — mudança motivada sempre pelo prazer ou pela dor, pela recompensa ou a punição. Para se compreender a mudança, no sentido que damos à palavra, no sentido de mutação, de transformação total da mente, temos de investigar a questão do prazer. Se não compreendermos a estrutura do prazer, a mudança ficará sempre na dependência de prazer e da dor, da recompensa ou da punição. O que todos queremos é prazer, cada vez mais prazer — ou o prazer físico, do sexo, das posses, do luxo, etc. — o qual é muito fácil de compreender e de rejeitar — ou o prazer psicológico, no qual estão baseados todos os nossos valores morais, éticos, espirituais.

(...) O animal só deseja prazer. E, como disse, há muito do animal em nós. A menos que compreendamos a natureza da estrutura do prazer, a mudança ou mutação será uma mera forma de continuidade do prazer, no qual está sempre contida a dor... Que é prazer? Por que busca a mente com tanta persistência essa coisa chamada prazer? Por prazer entendo o sentir-nos superiores, psicologicamente, a violência e seu oposto, a não violência. Cada oposto contém o oposto respectivo; a não violência, por conseguinte, não é, de modo nenhum, não violência. A violência proporciona grande prazer. Há enorme prazer em adquirir, em dominar; e, psicologicamente, no sentimento de possuir uma certa capacidade, de ter alcançado um objetivo importante, no sentimento de ser inteiramente diferente de outra pessoa. Nesse princípio do prazer estão baseadas as nossas relações; nele se alicerçam os nossos valores éticos e morais. O prazer supremo não é só o sexo, porém a ideia de termos descoberto Deus, de termos descoberto algo totalmente novo. Estamos constantemente a esforçar-nos por alcançar esse prazer supremo. Alteramos os padrões de nossas relações. Não gosto de minha mulher e procuro vários pretextos para escolher outra mulher. É dessa maneira que estamos vivendo — nessa batalha constante, nessa luta interminável. Nunca refletimos sobre o que é o prazer, sobre se, psicologicamente, existe um estado real de prazer. Por meio do pensamento concebemos ou formulamos o prazer e desejamos alcançar esse prazer. O prazer, pois, pode ser produto do pensar.

Cumpre compreender tudo isso muito profundamente, perceber com máxima clareza a estrutura inteira do prazer, em vez de tratarmos de nos livrar dele, que é falta de maturidade. É isso o que fazem os monges, por todo este mundo. Estamos empregando a palavra "compreender" num sentido não intelectual, não emocional: no sentido de vermos uma coisa com toda a clareza, tal como é e não como gostaríamos que fosse; sem a interpretarmos de uma certa maneira, conforme nosso temperamento. Então, quando compreendemos uma coisa, isso não significa que uma mente individual a compreendeu, porém, sim, que há um total percebimento desse fato. Seria bastante absurdo e insincero, de nossa parte, dizermos: "Não estou em busca de prazer". Todos o estão buscando.

Para compreendermos o prazer, temos de examinar não só a questão do pensar, mas também a estrutura da memória... O prazer se torna existente por causa de uma experiência deleitável. A experiência foi-se, mas a lembrança ficou. Então a memória reage e, por meio do pensamento, deseja a repetição daquele prazer. A memória está sempre a esforçar-se. Isto é simples. O pensamento ocupa-se sempre com as coisas que proporcionam prazer — sexo, sucesso, etc.

(...) O meio cultural em que vivemos nos impôs certos padrões de comportamento, certos padrões de pensamento, certos padrões de moralidade. Quanto mais antiga a cultura ou civilização, tanto mais condicionada a mente se torna. Existe aquele padrão, que a mente está sempre a imitar, a seguir, sempre a ajustar-se a ele. Esse processo chama-se "ação". Se trata-se de atividade puramente técnica, está a mente meramente a copiar, a repetir, a acrescentar alguma coisa ao que era. Por que atuamos com uma ideia?...

(...) Vejo-me aflito. Psicologicamente, acho-me num estado de terrível perturbação. Tenho a ideia sobre o que devo fazer, o que não devo fazer, como proceder para alterar esse estado. Essa ideia, essa fórmula, esse conceito me impede de olhar o fato — o que é. A ideação e a fórmula são fugas ao que é. Há ação imediata em presença de um grande perigo. Não há então nenhuma ideia. Não formulamos primeiramente uma ideia, para agirmos de acordo com ela.

A mente se tornou preguiçosa, insensível, por causa da fórmula que lhe proporciona um meio de fuga à ação em presença do que é... Que necessidade tenho de uma ideia?... Quando sente fome, não há nenhuma ideia a esse respeito. Depois é que vem a ideia relativa ao que devemos comer; então, conforme dita-nos o desejo do prazer, comemos. Só há ação em relação ao que é, quando nenhuma ideia existe sobre o que se deve fazer a respeito do fato com que nos defrontamos, o qual é o que é.  

(...) Este é um problema que exige muito percebimento, e não um dado estado espiritual, absurdo, místico: percebimento das palavras que usais, do que falais, do que fazeis, do que pensais. Deveis estar conscientes de tudo isso, para começardes a descobrir por vós mesmos todos os movimentos de vossa mente, que é também a mente de todos os outros entes humanos do mundo. Não precisais de ler nenhuma filosofia ou psicologia, para descobrirdes o processo de vossa própria mente. Ele está à vossa frente; tendes de aprender a olhá-lo; e para olhá-lo, deveis estar conscientes não só das coisas externas, mas também dos movimento interiores. O movimento exterior é também o movimento interior; não existe "exterior" e "interior". É um movimento de constante intercâmbio. Tendes de estar conscientes desse movimento; mas não precisais ingressar num mosteiro para aprenderdes a estar consciente, o que tendes de fazer é apenas manter-vos vigilantes, todos os dias, ao entrardes num ônibus, num carro, ao fazerdes qualquer coisa. Isso exige enorme atenção, atenção significa energia. Começareis assim a descobrir como a energia se dissipa por causa de nosso interminável tagarelar e, por conseguinte, pela vigilância, começareis a estar conscientes sem escolha, sem gostar ou não gostar, sem condenação. Começareis a observar, simplesmente: a observar vossa maneira de andar, de falar, de tratar os outros. Esse mesmo ato de observar, sem nenhuma fórmula, produz uma tremenda energia. Não precisais tomar drogas para terdes energia. Vereis então por vós mesmos, que se opera uma mutação, sem a terdes desejado.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Descobrindo o que se acha infinitamente além da mente, dos desejos, vaidades e paixões

Quando a mente busca um determinado estado, a solução de um determinado problema, quando busca a Deus, a Verdade, ou deseja uma certa experiência, mística ou de outra ordem, ela já concebeu, já formulou coisa que deseja; e, visto que já a concebeu e formulou, é infinitamente vã a sua busca. E uma das coisas mais difíceis é o libertarmos a mente desse desejo de resultado.

A meu ver, os nossos incontáveis problemas só podem ser resolvidos quando ocorrer uma revolução fundamental da mente, porque só uma revolução dessa ordem pode proporcionar a compreensão do Verdadeiro. Nessas condições, importa compreendermos o funcionamento de nossa própria mente, não por um processo de auto-análise ou introspecção e, sim, pelo percebimento claro do seu processo total que desejo investigar nestas palestras. Se não nos vermos como somos, se não compreendermos o "pensador" — a entidade que busca, que está perpetuamente a exigir, a interrogar, a querer descobrir, a entidade que está criando o problema, isto é, o "eu", o "ego" — então o nosso pensar, a nossa busca, não terá significação alguma. Enquanto o nosso "instrumento de pensar" não for lúcido, enquanto estiver pervertido, condicionado, tudo o que pensarmos há de ser, inevitavelmente, limitado, estreito.

Nosso problema, pois, é de como libertarmos a mente de todos os condicionamentos, é não "de que maneira controlá-la melhor". Compreendeis, senhores? Quase todos nós estamos em busca de um condicionamento melhor. Os comunistas, os católicos, os protestantes e as demais seitas, por todo o mundo, inclusive hinduístas e budistas — todos visam a condicionar a mente de acordo com um padrão mais nobre, mais virtuoso, mais abnegado, ou um padrão religioso. Cada indivíduo, no mundo inteiro, está interessado em condicionar sua mente de uma maneira melhor, e nunca levantar a questão do libertar a mente de todo e qualquer condicionamento. Mas quer-me parecer que, enquanto a mente não estiver livre de todo o seu condicionamento, isto é, enquanto estivermos condicionados como cristãos, budistas, hinduístas, comunistas, etc., não pode deixar de haver problemas.

Sem dúvida, só é possível descobrir o que é real ou se existe Deus, quando a mente está livre de todo condicionamento. A mera ocupação da mente a respeito de Deus, da Verdade, do Amor, não tem nenhuma significação, porquanto essa mente só pode funcionar dentro da esfera de seu condicionamento. O comunista que não crê em Deus, pensa de um modo, e o homem que crê em Deus, que está ocupado com um dogma, pensa de outro modo; mas a mente de todos os dois está condicionada e, portanto, nem um nem outro é capaz de pensar livremente, e todos os seus protestos, suas teorias e crenças muito pouco significam. Religião, pois, não é frequentar a igreja, ter certos dogmas e crenças. A religião deve ser uma coisa de todo diversa, pode significar a total libertação da mente de toda esta vasta e secular tradição; porque só a mente livre é que pode achar a Verdade, a realidade, aquilo que transcende todas as projeções mentais.

Pode-se ver que isso não é uma teoria pessoal, minha, se observarmos o que está acontecendo no mundo. Os comunistas pretendem solucionar os problemas da vida de uma maneira, os hinduístas de outra maneira, os cristãos ainda de outra maneira; a mente de todos eles, por consequência, está condicionada. Vossa mente está condicionada como cristã, quer admitais, quer não. Podeis libertar-vos superficialmente da tradição cristã, mas as camadas profundas do vosso inconsciente estão cheias dessa tradição, condicionadas por séculos de educação segundo um determinado padrão; e, por certo, a mente que deseja achar algo mais além — se tal coisa existe — essa mente tem de libertar-se, em primeiro lugar, de todo condicionamento.

Fica entendido, pois, que nestas palestras não vamos de modo nenhum tratar da questão do aperfeiçoamento pessoal, nem tampouco nos interessa o aperfeiçoamento de nenhum padrão; não pretendemos condicionar a mente segundo um padrão mais nobre, ou um padrão de maior alcance social. Pelo contrário, o que pretendemos é descobrir como libertar a mente, a consciência total de todo o condicionamento, porque, a menos que isso aconteça, nunca haverá o experimentar da realidade. Podeis falar sobre a realidade, ler inúmeros volumes a seu respeito, ter todos os livros sagrados do Oriente e do Ocidente, mas se vossa mente não estiver cônscia de seus próprios processos, não perceber que ela própria está funcionando dentro de um determinado padrão, e não for capaz de libertar-se desse condicionamento, é bem de ver que sua busca será sempre vã.

Nessas condições, parece-me de maior importância comecemos por nós mesmos comecemos por estar cônscios de nosso próprio condicionamento. E como é difícil uma pessoa saber que está condicionada! Superficialmente, nas camadas conscientes da mente, podemos perceber que estamos condicionados; podemos libertar-nos de um padrão e adotar outro, abandonar o Cristianismo e nos tornarmos comunistas, deixar o Catolicismo e aderir a outro grupo igualmente tirânico, e, assim fazendo, pensar que estamos volvendo para a Realidade. Mas isso, pelo contrário, é mera troca de padrões.

Todavia, é isto o que quase todos queremos: encontrar um lugar seguro, no nosso pensar. Queremos seguir um padrão fixo e não ser perturbados em nossos pensamentos, em nossas ações. Mas só a mente capaz de observar com paciência o seu condicionamento e dele libertar-se, só essa mente é capaz de uma revolução, uma transformação radical, e descobrir, assim, o que se acha infinitamente além da mente, além de todos os nossos desejos, nossas vaidades, e paixões. Sem o autoconhecimento, sem nos conhecermos exatamente como somos — e não como gostaríamos de ser, que é simples ilusão, fuga idealística — sem conhecermos os movimentos do nosso pensar, todos os nossos "motivos", nossos pensamentos, nossas inumeráveis reações, não haverá possibilidade de compreendermos e ultrapassarmos o processo do pensar.

(...) estamos falando a respeito de algo de imensa importância, porque, se não houver uma revolução fundamental em cada um de nós, não percebo como será possível operarmos uma vasta e radical transformação no mundo. E esta transformação radical, decerto, é sumamente relevante. A mera revolução econômica, de caráter comunista ou socialista, é destituída de qualquer importância. Só pode haver revolução de natureza religiosa; e a revolução religiosa não será possível se a mente está apenas ajustada ao padrão de um condicionamento anterior. Enquanto uma pessoa for cristã ou hinduísta, não poderá haver revolução fundamental, no sentido verdadeiramente religioso da palavra. E nós temos real necessidade desta revolução. Quando a mente estiver livre de todo condicionamento, ver-se-á surgir a ação criadora da Realidade, de Deus, ou o nome que preferirdes; e só a mente que se acha nesse estado, a mente que está a experimentar constantemente essa criação, só ela poderá criar uma perspectiva nova, valores diferentes, um mundo diferente.

É, pois, importante compreendermos a nós mesmos, pois não? O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendeis isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e vereis como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar, deter todo esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente.

Veja, por favor, se estais aqui realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve interessar-nos, e nada mais. Vosso problema não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividades entregar-vos, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante.

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendeis o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode libertar-se? Ou só pode libertar-se ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejais compreendendo. Se não, continuaremos a examinar esse ponto em dias vindouros.

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo movimento para libertar-se resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: a mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenhamos problemas e inúmeros impulsos, conflitos e ambições, se — mercê de autoconhecimento, da autovigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se logrardes alcançar essa compreensão em que não há automistificação, encontrareis a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes — a palavra tem muito pouca importância. Podeis ser prósperos socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável, encontrareis sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Krishnamurti - Realização sem Esforço

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Podemos ficar livres do desejo?

Pergunta: Todas as nossas tribulações parecem provir do desejo, mas podemos ficar livres do desejo? O desejo é inerente à nossa natureza ou é produto da mente?

KRISHNAMURTI: Que é "desejo"? E porque separamos o desejo da mente? E quem é a entidade que diz: "O desejo cria problemas e, por conseguinte, devo ser livre de desejo"? Entendeis? Temos de compreender o que é o desejo, e não, perguntar como livra-nos do desejo, porque ele nos traz tribulações, ou se o desejo é produto da mente. Em primeiro lugar, precisamos saber o que é o desejo, para podermos examiná-lo com mais profundidade. Que é desejo? Como nasce o desejo? Eu vou explica-lo, e vós podereis ver, mas não vos limiteis a escutar as minhas palavras. "Experimentai" realmente a coisa sobre que estamos falando, e, desse modo, as palavras terão significação. 

Como se origina o desejo? Pode-se dizer com segurança que ele nasce do perceber ou ver, do contato, da sensação — depois, o desejo. Não é exato isso? Primeiro, vedes um automóvel, depois vem o contato, a sensação, e, por fim, o desejo de possuir o carro, conduzi-lo. Tende a bondade de acompanhar lentamente, com paciência, o que estou dizendo. A seguir, ao procurardes adquirir o carro, que é a manifestação do desejo, há conflito, há dor, sofrimento, alegria, e cada um deseja manter o prazer e livrar-se da dor. É isto o que de fato está acontecendo a cada um de nós. A entidade criada pelo desejo, a entidade que está identificada com o prazer, diz: "Preciso livrar-me daquilo que desagrada, que é doloroso". Nunca dizemos: "Quero livrar-me da dor e do prazer". Queremos reter o prazer e livrar-nos da dor; mas é o desejo que cria as duas coisas, não é verdade? O desejo, que nasce da percepção-contato-sensação, está identificado com aquele "eu" que deseja apegar-se ao que é agradável e afastar de si o que é doloroso. Mas tanto o doloroso como o agradável são igualmente produtos do desejo, que faz parte da mente, não se acha fora da mente; e enquanto existir uma entidade a dizer: "Quero conservar isto e livrar-me daquilo", será inevitável o conflito. Visto que queremos livrar-nos de todos os desejos dolorosos e apegar-nos àqueles que primariamente proporcionam prazer, vantagem, nunca consideramos no seu todo o problema do desejo.  E quando dizemos: "preciso livrar-me do desejo" — quem é essa entidade que está tentando livrar-se de alguma coisa? Essa entidade não é também filha do desejo? Estais compreendendo?

Como disse no início desta palestra, necessitamos de infinita paciência para compreender estas coisas. Para as perguntas fundamentais não há respostas absolutas, "sim" ou "não". O importante é formular a pergunta fundamental e não achar-se a resposta; e se somos capazes de considerar a pergunta fundamental, sem buscarmos uma resposta, então, esta observação da coisa fundamental cria a compreensão. 

Nosso problema, por conseguinte, não é de como libertar-nos dos desejos dolorosos, ao mesmo tempo que nos apegamos aos agradáveis; o problema é de compreender, no seu todo, a natureza do desejo. Isto sugere a pergunta: Que é conflito? E quem é a entidade que está sempre a escolher entre o que é agradável e o que é doloroso? A entidade a que chamamos "eu", "ego", a mente que diz "Isto é prazer, isto é dor, prender-me-ei ao agradável e rejeitarei o doloroso" — essa entidade não é desejo? Mas, se formos capazes de olhar com atenção todo o campo do desejo, sem o propósito de conservar alguma coisa ou livrar-nos de alguma coisa, descobriremos, então, que o desejo tem um significado completamente diferente. 

O desejo cria a contradição, e a mente que é vigilante, muito ou pouco, não gosta de viver em contradição, e por isso tenta livrar-se do desejo. Mas, se a mente puder compreender o desejo, sem tentar afastá-lo de si, sem dizer: "Este é um desejo melhor, e aquele é um desejo pior; vou ficar com este e desfazer-me daquele" — se puder conhecer todo o campo do desejo, sem rejeitar, nem escolher, nem condenar, ver-se-á, então, que a mente é desejo, não está separada do desejo. Se compreenderdes realmente isto, a mente se tornará muito tranquila; os desejos surgirão, mas não terão mais "poder de choque", já não terão muita significação, já não ficarão raízes na mente, nem criarão problemas. A mente reagirá, pois, do contrário, não estará viva, mas sua reação será superficial e não criará raízes. Eis porque é importante compreendermos, no seu todo, o processo do desejo, processo em que quase todos nós estamos aprisionados. Presos nesse processo, sentimos a contradição, a dor infinita que ele causa, e, portanto, lutamos contra o desejo, e essa luta cria dualidade. Mas, se, por outro lado, pudermos dar atenção ao desejo, sem julgamento, sem avaliação ou condenação, veremos que, então, ele não cria mais raízes na mente. A mente que faculta terreno propício aos problemas nunca encontrará o Real. A questão, por conseguinte, não é de como dissolver o desejo, mas, sim, de compreendê-lo, e só é possível compreendê-lo quando não o condenamos. Só a mente que não está ocupada pelo desejo, pode compreender o desejo. 

Krishnamurti - Realização sem desejo - pág. 14 à 17 - 6 de agosto de 1955 - Ojai, Califórnia, USA   

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Relato de uma experiência culminante


Em algum lugar do passado...

A depressão iniciática havia atingido seu ponto culminante, fazendo com que a mente entrasse em total colapso. Não mais dispunha ela da energia pendular necessária para dar continuidade a sua tentativa de solucionar o conflito — por ela mesmo criado — de forma totalmente dual (faço, não faço... largo, não largo...). Já não havia mais energia para sustentar a resistência diante do forte impulso criado pela mente para a concretização da ideia de cometer suicídio. De repente, deu-se a instalação de um estado de total rendição, de total prostração e impotência diante do poderoso fluxo de conflituosos pensamentos. O corpo se encontrava curvado, quase que em posição fetal. Com o sentimento resultante da rendição, deu-se a constatação dos nervos do corpo se soltando, liberando assim, toda a tensão que causava a dispersão de energia vital. Deu-se a percepção de todo fluxo de energia, antes preso no processo de tensão, sendo direcionado de forma abrupta em direção ao centro da mente, ocasionando algo semelhante a uma explosão silenciosa, seguida de de uma impactante fala, surgida na parte posterior da caixa craniana, bem próximo das primeiras vértebras do pescoço. A impactante fala limitou-se à expressão: "Eu Sou O Que Sou". Instantaneamente, todo conflito, toda confusão, toda tensão, todo labirinto de questionamento, dissolveu-se de tal maneira, que só pode ser simbolizada com a palavra "milagrosa". Uma possante carga de energia apoderou-se do corpo, mente e coração, energia essa que tinha seu centro de origem na região superior do cérebro, dando a impressão de que a mesma partia de um local externo do corpo, algo como um palmo acima da cabeça. Essa energia era profundamente calorosa e o corpo parecia envolto por uma brisa benfazeja, algo como uma Presença Invisível, amorosamente acolhedora. Havia o sentimento de estar seguro sobre a ação dessa Presença. Não existia o sentido de tempo e espaço, observador e coisa observada; tudo parecia ser parte de "Algo" único, dotado de cores e formas, cuja intensidade, torna-se impossível a descrição. Era possível a percepção da energia, dos pensamentos e sentimentos que moviam os seres, bem como os ambientes. Uma capacidade de leitura vibratória, instalou-se juntamente com a potencialização da sensibilidade. Uma Realidade nunca antes imaginada tomou conta de todo o ser, na verdade, não havia separação entre o ser e a Realidade. Essa Realidade se expressa num ritmo próprio, dotado de profunda calma e compaixão. Aliás, o próprio ritmo da respiração podia ser sentido como a Pura Compaixão. Não havia qualquer manifestação de ansiedade, medo ou a necessidade de movimento, de ação por parte do corpo. Era um estado de contemplativa compaixão, o qual trazia consigo, uma percepção imediata, sem espaço para a medição da mente. Nesse estado, não havia passado, nem futuro e, em consequência, nenhum sentido de apego, inclusive no que se refere ao corpo. Havia uma tal clareza de percepção que a mesma chegava a causar dores no ser — mas que não tem nenhuma relação com as dores criadas pelo conteúdo da mente. Enquanto nesse estado, até o entendimento de línguas e símbolos que não faziam parte do conteúdo da mente, eram lidos de imediato, sem esforço, o que para a mente lógica, racional, cartesiana, soa como algo completamente destituído de sentido. Não se tratava de um processo alucinógeno, aliás, apesar da intensidade do processo depressivo, a mente e o corpo não se encontravam sobre a influência de nenhum tipo de droga receitada ou não. Uma intuição premonitória, elevada a níveis indizíveis, apontava a direção e trazia a ação imediata que não era resultante de um processo de ideação, ação imediata esta que causava conflito com outras mentes, que de forma codependente, se alimentavam do antigo estado de ser. Foi no choque com essa mentes controladoras e autocentradas que insistiam dizer que tudo aquilo não passava de um perigoso surto psicótico à ser imediatamente clinicado, que o medo encontrou espaço para a identificação e, por meio dela, deu-se a instalação do processo de "queda do paraíso". Esse estado de bem-estar e bem-aventurança deve ter levado algo próximo a sete dias; não há como precisar. No choque com a antiga realidade, instalou-se novamente um profundo quadro depressivo, no entanto, este já não apresentava mais o anterior impulso para o suicídio, mas sim, um forte impulso para a busca daquele estado de compaixão contemplativa, em cuja totalidade do ser, grafou como que com fogo, a pedra de seus mandamentos. À partir de então, toda relação que não apontasse para a potencialização do Ser e que, ao contrário, forçava ao ajustamento servil, por não servir de ponte, era deixada pelo caminho. Nenhuma verbalização tem o poder de alcançar e registrar o conteúdo do que aconteceu nesse processo iniciático de abertura e limpeza do coração. A tentativa de verbalização pela mente lógica, racional, tem tanta vida e frescor como folhas secas, soltas ao vento outonal.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mecanismo do Desejo: Percepção, Contato, Sensação, etc.

Que é desejo? Como surge ele? Vejo, lá fora, um carro, (…)reluzente, bonito, de linhas elegantes, (…) Há o ato de ver e, em seguida, a sensação resultante desse ato. Em seguida, o contacto com o objeto que vimos e, em seguida a esse contato, a sensação; essa sensação é o desejo. (…) Percepção, contato, sensação e desejo; isso está sucedendo a cada instante, em nossa vida.(1)

Por conseguinte, urge compreender o que é “ajustamento” e o que é “desejo”. Desejo é apetite não satisfeito. O desejo é isto - um apetite a que se não soltaram as rédeas. E a sociedade diz que você deve conter, reprimir , guiar, controlar ou sublimar o desejo. O lado religioso da sociedade diz; “Pratique várias formas de disciplina, reprima-se a fim de achar Deus (…). Dessa maneira implanta-se na psique, no ente humano, essa contradição(2)

Que é, pois, desejo? Você vê uma bonita casa, ou um belo carro ou um homem poderoso - você gostaria de possuir aquela casa, de ser aquele homem de posição, ou de conduzir aquele carro sob os olhares admirados da multidão. Como aparece esse desejo?(3)

Há, pois, o ver, o perceber, que cria a sensação; em seguida, vem o contato, depois o desejo - o desejo de possuir - que dá continuidade àquela sensação. Isto é muito simples. Vejo uma bela mulher ou um belo homem. Há então o prazer do ver, e todo prazer exige continuidade. Por conseguinte, penso nesse prazer, e, quanto mais penso nele, tanto mais favoreço a sua continuidade. E (…) entra em cena o “eu” quero, não quero.(4)

Estamos vendo, pois, como nasce o desejo. Percepção, contato, sensação; depois, dá-se continuidade à sensação, e essa continuidade da sensação é o desejo. Mas, o desejo se torna muito complicado quando se apresenta uma contradição, não no próprio desejo, porém no objeto por meio do qual ele busca preenchimento. (…) Apresenta-se, assim, a contradição, isto é, devo ajustar-me aos padrões da sociedade, competindo, batalhando com meus semelhantes, a fim de subir mais alto que eles. (5)

Que é desejo, e como continua? Vê-se como surge o desejo: percepção, visão, contacto, sensação. Mas, que é que dá continuidade ao desejo? Eis o problema. (…) Ora, não há dúvida de que o pensamento dá continuidade ao desejo. Isto é, gosto de uma certa coisa, dá-me grande prazer contemplar o por do sol, ou ver um belo rosto, ou um homem de posição, prestígio,(…) Penso. Gosto do seu rosto; você tem um bonito sorriso,(…) Penso nisso, e, quanto mais penso, tanto mais força dou ao desejo, que busca seu preenchimento em vossa pessoa - ou numa certa idéia ou objeto.(6)

Assim, o pensamento dá continuidade ao desejo. Se não houvesse a continuidade do desejo, não haveria a busca de preenchimento. O desejo apareceria e tornaria a desaparecer. Ele tem de aparecer, como uma reação. (…) O desejo, pois, viria como uma reação, e a essa reação não seria dada continuidade pelo pensamento. Observe esse fato em sua vida.(7)

Tendes um prazer, sexual ou trivial, e pensais nele; criais em vossa mente imagens, símbolos, palavras. E, quanto mais pensais nesse prazer, tanto mais intenso ele se torna. E essa intensidade exige preenchimento. Mas nesse preenchimento há uma contradição, pois desejais também preencher-vos em outros sentidos. (…) Por conseguinte, para fugirdes à contradição, à dor causada pelo conflito, dizeis ser necessário reprimir o desejo. Mas, não é importante reprimir o desejo, moldá-lo, sublimá-lo, porém, sim, compreendê-lo; compreender o que lhe dá substância, intensidade, urgência de preenchimento. Compreendido isso, tem o desejo significado completamente diferente.(8)

Pode-se ver de maneira muito simples como o desejo surge e como se lhe dá vitalidade, continuidade. O desejo, por certo, começa com o ver, ou sentir, ou provar, e a sensação resultante desse contato. Depois, o pensamento intervém e diz que “isso” é bem agradável ou desagradável (…) Assim, o pensamento, dando continuidade à sensação, fortalece o desejo. (…) Vemos um belo rosto, um belo carro, (…) Ver - sensação: entra em cena o pensamento e diz: “preciso conservar isso” (…) O mesmo acontece em relação ao sexo, e a todas as outras formas de prazer. O pensamento dá continuidade ao prazer, tornando-o desejo.(9)

Pode-se ver como nasce o desejo. Não é uma coisa muito complexa. Primeiro, percebe-se diretamente com os olhos; daí vem certo prazer, se a coisa é bela. Há primeiro a percepção, em seguida a sensação, depois o contacto e, como resultado desse contacto, o desejo. Vedes um belo carro - essa é a percepção, o ver, e vem em seguida a sensação, o contacto e o desejo. Começa então o pensamento a nutrir, a sustentar e a dar continuidade a esse desejo. E o desejo se torna então prazer. Tudo isso ocorre instantaneamente. (…) Pode-se ver muito bem como nasce o desejo; vem então o pensamento e me faz dizer: “Eu o quero. Quero possuí-lo, quero que isso continue”. Assim, o pensamento não só dá nutrição, sustento, ao desejo, mas também, pelo pensar repetidamente nele, lhe dá continuidade.(10)

Se observo, em mim mesmo, todo o processo do desejo, vejo que há sempre um objeto para o qual a minha mente é dirigida, em busca de mais sensação; e que esse processo implica resistência, tentação e disciplina. Há percepção, sensação, contato e desejo, e a mente se torna o instrumento mecânico desse processo, em que símbolos, palavras, objetos, constituem o centro em torno do qual se formam todos os desejos, aspirações, ambições; e esse centro é o “eu”.

Posso dissolver esse centro do desejo - não determinado desejo, determinado apetite ou ânsia, mas toda a estrutura do desejo, do ansiar, do esperar, em que há sempre o medo da frustração? Quanto mais frustrado me vejo, tanto mais força dou ao “eu”. Enquanto houver esse esperar, esse ansiar, haverá aquele fundo de temor, que, por sua vez, fortifica o centro. E a revolução só é possível no centro, e não na superfície (12) 

Observo esse processo do desejo a funcionar em mim mesmo, esse processo mecânico, uniforme, que mantém a mente numa rotina, tornando-a um centro morto do passado, um centro em que não há espontaneidade criadora. E há, também, momentos repentinos de criação, de contato com aquilo que não procede da mente, da memória, da sensação, do desejo. Que devo, pois, fazer?(13) 

(…) O desejar “mais”, o cultivo de símbolos, palavras, imagens, com suas respectivas sensações - tudo isso precisa acabar. Só então será possível a mente ficar naquele estado de criação em que o novo possa realizar-se constantemente. Se souberdes escutar sem vos deixardes hipnotizar por palavras, hábitos, idéias, (…) então, quiçá, compreendereis o processo do desejo.(14) 

Outra razão do temor é o desejo. Temos de observar a natureza e estrutura do desejo, e ver por que o desejo se há tornado tão extraordinariamente importante em nossas vidas. Onde há desejo tem de haver conflito, concorrência, luta. (…) Porém, o desejo é uma força extraordinariamente poderosa em nossas vidas. Ou o reprimimos, ou fugimos dele, ou substituímos suas atividades, ou o racionalizamos vendo como surge, qual é a sua origem.(15)

A observação tem de ser livre, sem tendência ou motivo algum (…) O desejo origina-se na sensação. A sensação é contato, é o ver. Depois, o pensamento cria uma imagem dessa sensação; esse movimento do pensar é o começo do desejo. (…) A atividade dos sentidos tem de existir. Quando surge a sensação do ver ou do tocar, o pensamento constrói a imagem (…) Tão logo o pensamento cria a imagem, nasce o desejo.(16) 

Pergunta: Todas as nossas tribulações parecem provir do desejo, mas podemos ficar livres do desejo? (…)

Krishnamurti: Que é “desejo”? E por que separamos o desejo da mente? (…) Temos de compreender o que é o desejo, em vez de perguntar como livrar-nos do desejo por ele nos trazer tribulações, ou se o desejo é produto da mente. (…) Como nasce o desejo?(17)

Como se origina o desejo? Pode-se dizer com segurança que ele nasce de perceber ou ver, do contato, da sensação - depois, o desejo (…) Primeiro, vedes um automóvel, depois vem o contato, a sensação e, por fim, o desejo de possuir o carro, conduzi-lo. (…) A seguir, ao procurardes adquirir o carro, que é a manifestação do desejo, há conflito, há dor, sofrimento, alegria, e cada um deseja manter o prazer e livrar-se da dor. (…) Queremos reter o prazer e livrar-nos da dor; mas é o desejo que cria as duas coisas. O desejo, que nasce da percepção, contato-sensação, está identificado com aquele “eu” que deseja apegar-se ao que é agradável e afastar de si o que é doloroso.(18) 

Nosso problema, por conseguinte (…) é compreender, no seu todo, a natureza do desejo. Isso sugere a pergunta: Que é conflito? (…) A entidade a que chamamos “eu” “ego” a mente que diz: “Isto é prazer, isto é dor, prender-me-ei ao agradável e rejeitarei o doloroso” - essa entidade não é desejo? Mas, se formos capazes de olhar com atenção todo o campo do desejo (…) descobriremos, então, que o desejo tem um significado completamente diferente.(19)

O desejo cria a contradição, e a mente que é vigilante, muito ou pouco, não gosta de viver em contradição, e por isso tenta livrar-se do desejo. Mas, se a mente puder compreender o desejo, sem tentar afastá-lo de si, (…) se puder conhecer todo o campo do desejo, sem rejeitar, nem escolher, nem condenar, ver-se-á, então, que a mente é desejo, não está separada do desejo. Se compreenderdes realmente isso, a mente se tornará muito tranqüila; os desejos surgirão, mas não terão mais “poder de choque”, já não terão muita significação. (…) Eis por que é importante compreendamos, no seu todo, o processo do desejo, processo em que quase todos estamos aprisionados.(20)

Presos nesse processo, sentimos a contradição, a dor infinita que ele causa, e, portanto, lutamos contra o desejo, e essa luta cria dualidade. Mas, se, por outro lado, pudermos dar atenção ao desejo, sem julgamento, sem avaliação ou condenação, veremos que, então, ele não cria mais raízes na mente. A mente que faculta terreno propício aos problemas nunca encontrará o que é Real. A questão, por conseguinte, não é de como dissolver o desejo, mas, sim, de compreendê-lo (…) Só a mente que não está ocupada pelo desejo, pode compreender o desejo.(21)

Vamos, pois, investigar, descobrir o que é o desejo. Com a compreensão do desejo vem a disciplina - disciplina não imposta por ninguém, que não é ajustamento nem repressão, porém uma disciplina inerente à própria compreensão do desejo. Como disse, o desejo é apetite, aspiração, ânsia não preenchida. E, ou cedemos a essa ânsia, a esse desejo, ou o reprimimos, porque a sociedade nos diz que devemos reprimi-lo, porque as religiões preceituam que devemos transmutá-lo, etc. Há nesse “processo” uma constante batalha entre o ente humano que quer compreender o desejo ou por ele se vê completamente dominado, e a sociedade (…) e as religiões organizadas.(22) 

Eis a primeira coisa que importa compreender: o desejo não é em si contraditório; há, porém, contradição entre os objetos de seu preenchimento. Entendeis? Satisfaço o meu desejo numa certa direção, mais tarde desejo satisfazê-lo noutra direção. Essas duas direções, ou estados, é que são contraditórios. Desejo ser um homem rico e ao mesmo tempo viver santamente (…) Muito mais difícil, porém, porque requer extraordinária inteligência e compreensão, é investigar o desejo e libertar-se do conflito que os objetos do desejo provocam. A compreensão do “processo” do desejo requer muita inteligência.(23)

Temos desejo, que é, na realidade, reação a um apetite. Desejo ser uma coisa e “reajo”. Essa reação depende da intensidade do meu sentimento. Se é intenso o sentimento, imperiosa a emoção, o preenchimento é então quase imediato, seja em pensamento, seja em ato.(24) 

O desejo, reação a uma sensação a que se deu continuidade pelo pensamento, busca preenchimento; e, nas várias formas de preenchimento, há sempre contradição. Dessa contradição vem o conflito; e, onde há conflito, há esforço. O desejo, pois, gera o esforço, se não compreendemos o seu “processo” total.(25)

Mas, para averiguarmos, temos de investigar muito profundamente. Não só temos de investigar o que é desejo e prazer, mas também investigar o pensamento e o pensador - em que há também contradição; talvez mesmo aí se encontre a verdadeira essência da contradição. Porque, como sabeis, vivemos num mundo onde há divisões nacionais, idiomáticas, religiosas, (…) onde o homem mata o homem em nome da paz, em nome da pátria (…) Há violência por toda a Terra. (…) O homem que deseje resolver o problema do sofrimento, e pôr fim ao sofrimento, tem de compreender essa contradição.(26)

O que vamos, pois, fazer (…) é descobrir por nós mesmos a natureza do prazer, o que lhe dá continuidade e, por conseguinte, quando há prazer, há sempre a correspondente contradição ou não prazer e, daí, sofrimento. E a essência mesma desse sofrimento é o sentimento de solidão, em que nenhum prazer existe. E para podermos descobrir o que é o desejo, devemos observar-nos em ação. (…) Porque pensamos que o desejo gera perturbações, ansiedades de toda ordem; que o desejo acarreta desperdício de energia, é algo que devemos afastar de nós. A compreensão do desejo, por conseguinte, requer clareza.(27)

Assim, tanto a resistência à dor como a busca do prazer dão continuidade ao desejo. E, uma vez compreendido isso, não cuido mais de reprimir o desejo, porque, quando o reprimimos, ele inevitavelmente causa outros conflitos - como acontece quando se reprime uma doença. Não se pode reprimir uma doença; temos de deixá-la declarar-se, dar atenção a ela, fazer tudo o que seja necessário. Se a reprimimos, ela aumentará em potência, tornar-se-á mais forte, e mais tarde nos atacará. (…) Mas isso não significa que devamos entregar-nos ao desejo. Porque, se cedemos ao desejo, ele traz a dor ou o prazer que lhe são próprios.(28) 

Afinal de contas, nós vivemos pela sensação - contatos, percepção, sensação - de onde surge o desejo. E, quando o desejo não é preenchido, há conflito e há temor. Nessas condições, o temor e o desejo criam o tempo, (…) a importância do “eu”, do “ego”. (…) O que, portanto, mais importa, em todas essas questões, é a investigação do processo do nosso pensar - o que é autoconhecimento.(29)

Um dos nossos maiores problemas é o referente à compreensão do desejo. (…) Se, em vez de procurarmos controlar, sublimar ou transcender o desejo, pudermos encarar, frente a frente, o fato que é o desejo, e começar a compreender a sua índole, creio surgirá então uma ação de qualidade totalmente diversa.(30) 

Examinemos com vagar este problema do desejo. O desejo, afinal, é energia dirigida para o exterior, e, sendo o desejo positivo, dominador, potente, a sociedade procura controlá-lo e moldá-lo. A sociedade é produto desse mesmo desejo, o qual procura ajustar-se, (…) e funcionar dentro dos limites da moral social.(31)

Nessas condições, aquela energia dirigida para o exterior esbarra numa muralha de moralidade social, de suposta religião, etc., e volta para dentro, ao seu ponto de partida. Esse retrocesso não é um movimento livre: é simples reação. (…) Superficial ou profundo, esse movimento para dentro é sempre uma regressão, e todo esse “processo”, esse movimento da energia “para fora” e “para dentro”, é o movimento do “eu”, do “ego”.(32) 

(…) Quando o pensamento diz: Preciso reprimir, moldar, disciplinar o desejo, canalizar a energia (…), nesse mesmo processo a energia é diminuída e destruída; e nós necessitamos de uma espantosa soma de energia livre, energia não disciplinada, para descobrirmos o que é verdadeiro, o que é Deus. Releva, pois, não reprimir, sublimar ou controlar o desejo, mas, sim, que esse movimento “para dentro” e “para fora” do desejo finde totalmente.(33)

Que estamos fazendo, presentemente? Há uma energia dirigida para fora, a qual é desejo, pensamento; e, no seu movimento para o exterior, essa energia é obstada; daí resulta frustração, dor, sofrimento. Por conseguinte, o desejo se recolhe e busca interiormente um estado em que não haja dor, um permanente estado de paz. Essa introversão da mente (…) é uma simples reação; e, destarte, criam-se os opostos.(34)

(…) Mas, se essa energia que está permanentemente a dirigir-se para o exterior ou a recolher-se no interior, puder imobilizar-se, sob nenhuma compulsão, puder ficar quieta, livre de qualquer movimento para o exterior ou para o interior, vereis então que, qual um rio, essa energia cria sua ação própria, porque está livre do “eu”. Estando imóvel, a energia percebe o que é - a verdade; então, a própria energia é a verdade, e essa verdade cria seu movimento peculiar, que não é movimento para fora nem para dentro.(35)

Se isso tiver sido bem compreendido, então a disciplina terá uma significação de todo diversa; mas atualmente a disciplina é mero conflito, ajustamento, (…) está destruindo a energia. (…) A tal ponto nos temos ajustado, que já não nos resta nenhuma energia criadora, (…) iniciativa; e só o homem que tem essa energia criadora, essa descomunal iniciativa, só tal homem descobre o que é verdade; e não aquele que ajusta, disciplina e amolda os seus desejos.(36) 

O que estou expondo é um fato e não uma teoria ou mera idéia (…) Só há resolução quando aquele movimento de vaivém, do desejo, terminou, sem o emprego de compulsão. (…) Só quando cessa o movimento, apresenta-se uma tranqüilidade cheia de riqueza, plenitude, vitalidade, e, nessa placidez, há abundância de energia e não diminuição de energia.(37)

Por que somos torturados pelo desejo? Por que fazemos do desejo um instrumento de tortura? Há desejo de poder, desejo de posição, desejo de fama, desejo sexual, desejo de dinheiro, desejo de carro, etc.(38)

(…) Reprimir o desejo, ou a ele ceder, é a mesma coisa, porque o desejo continua ainda existente. Podeis reprimir o desejo de uma mulher, de um carro, de uma posição; mas o próprio estímulo a não ter essas coisas é, em si, uma forma de desejo. Assim, ao vos verdes presos na rede do desejo, deveis compreendê-lo, em vez de dizer que ele é correto ou errado, justo ou injusto.(39)

(…) Mas temos de ir bem mais longe. Porque a vida é um movimento e, para poderdes acompanhar esse movimento, precisais de energia - energia que não conhece ajustamento; energia que não produz conflito, energia que não é produto do pensamento, com todas as sua resistências, contradições; energia que não é escrava do tempo, que é “gradualidade”.(40) 

Por conseguinte, a menos que a mente compreenda esse movimento do desejo - ajustamento, pensamento, tempo - nunca poderá ir mais longe. Só a mente livre é religiosa. E só a mente religiosa resolverá os nossos problemas (…) Só a mente religiosa, que compreende todo esse “processo” e, por conseguinte, o conflito, é capaz de libertar aquela energia que é imaculada. E só essa energia pode alcançar o Altíssimo.(41)

O desejo é a raiz de toda ignorância, toda aflição, e não é possível libertamo-nos da ignorância e da aflição, a não ser com o abandono do desejo. Não o podemos afastar com a simples vontade, porque a vontade é parte do desejo; não o podemos afastar com a negação, porque esta é resultado dos opostos. Só é possível dissolver o desejo com a percepção de suas múltiplas formas e expressões. Mediante observação e compreensão tolerantes, poderemos transcendê-lo. Na chama da compreensão consome-se o desejo.(42)

(1) A Suprema Realização, pág. 204)
(2) A Suprema Realização, pág. 33
(3) A Suprema Realização, pág. 35
(4) A Suprema Realização, pág. 35
(5) A Suprema Realização, pág. 35-36
(6) A Suprema Realização, pág. 44-45
(7) A Suprema Realização, pág.45
(8) A Suprema Realização, pág. 45
(9) A Essência da Maturidade, pág. 34
(10) A Essência da Maturidade, pág. 103
(12) Claridade na Ação, pág. 117-118
(13) Claridade na Ação, pág. 119
(14) Claridade na Ação, pág. 122
(15) La Llama de la Atención, pág. 91
(16) La Llama de la Atención, pág. 92
(17) Realização sem Esforço, pág. 14-15
(18) Realização sem Esforço, pág. 15
(19) Realização sem Esforço, pág. 16
(20) Realização sem Esforço, pág. 16-17
(21) Realização sem Esforço, pág. 17
(22) A Suprema Realização, pág. 43
(23) A Suprema Realização, pág. 43-44
(24) A Suprema Realização, pág. 44
(25) A Suprema Realização, pág. 45
(26) A Suprema Realização, pág. 201
(27) A Suprema Realização, pág. 203-204
(28) A Suprema Realização, pág. 111
(29) A Renovação da Mente, pág. 64
(30) Visão da Realidade, pág. 154
(31) Visão da Realidade, pág. 155
(32) Visão da Realidade, pág. 156-157
(33) Visão da Realidade, pág. 157
(34) Visão da Realidade, pág. 158
(35) Visão da Realidade, pág. 160
(36) Visão da Realidade, pág. 160-161
(37) Visão da Realidade, pág. 161
(38) O Homem Livre, pág. 140
(39) O Homem Livre, pág. 141
(40) A Suprema Realização, pág. 39
(41) A Suprema Realização, pág. 39
(42) A Suprema Realização, pág. 35-36
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill