Quando se vê — além do nível intelectual o extremo caos em que se acha o mundo, a tremenda confusão, a desgraça que o homem está afligindo ao homem, em todas as partes do mundo, compete a cada um de nós, se somos verdadeiramente sérios, descobrir se é possível alterar radicalmente toda a estrutura do viver e do pensar humanos. Parecemos prosseguir indefinidamente, século por século, vivendo dentro do mesmo padrão, dentro do mesmo molde ou prisão, sujeitos a agonias, desespero, "sentimento de culpa", violência de toda a ordem, além do desejo de domínio e de poder. Assim temos vivido, cada geração, deixando-se cair na armadilha da geração que nos precede. Esse padrão vem-se mantendo inalterável há um milhão de anos ou mais. Dadas as atuais condições do mundo, todo homem refletido deve, necessariamente, perguntar a si próprio se lhe é possível libertar-se desse condicionamento, dessa maneira de vida, dessa existência tão mecânica e superficial, que só oferece solidão, velhice, desespero, e a constante batalha da vida.
Para operamos uma revolução radical, temos necessidade de tremenda energia. Essa "totalização" da energia é meditação.
(...) Sobremodo importante é a revolução profunda, radical, a revolução essencial da mente. E, como dissemos, essa revolução exige uma grande quantidade de energia. A meditação é a "totalização" da energia, sem nenhuma deformação. Passar de um hábito para outra série de hábitos requer energia; abandonar uma coisa trivial, como o hábito de fumar, requer energia; ficar livre da inveja demanda energia especial, apaixonada, capaz de colocar fim a todas as ânsias e apetites que a cultura, a civilização e a sociedade — pelas quais somos responsáveis — criaram em cada um de nós. Alterar o padrão de todos esses hábitos exige energia em abundância. Pois não estamos interessados em experiências místicas, extraordinárias, que não mudam o homem, não o tornam bondoso, delicado, amoroso. Poderão ajudá-lo a tornar-se um pouco mais tratável, dar-lhe uma mentalidade mais sociável. Mas quebrar aquele padrão, radical e profundamente, dentro das próprias células cerebrais, condicionadas através dos séculos e milênios; viver numa dimensão totalmente diferente, onde não exista nenhuma espécie de conflito, onde a mente seja vigilante, sensível e inteligente, no mais alto grau — isso requer uma energia não produzida pela vontade nem pelo desejo, uma energia que vem por si, sem "motivação" de espécie alguma. Criar, ou acumular, essa energia é meditação.
(...) Quer crente, quer não, o homem sempre desejou saber se existe uma certa realidade que não seja um mero brinquedo da mente, uma realidade existente além do tempo, uma realidade não baseada em nenhum conceito ou fórmula. E, se formos capazes de "escutar", talvez tenhamos a possibilidade de encontrá-la, naturalmente, sem nenhum esforço. Estamos acostumados com o esforço. Desde o dia em que entramos para a escola, até morrer, estamos sempre a fazer esforço, a lutar, a ajustar-nos, a competir. O esforço, em qualquer forma, é um desperdício de energia. Mas, o que não constitui desperdício de energia é o ver realmente "o que é", sem nenhuma deformação, ver o medo sem desfigurá-lo, nem fugir, nem tentar transcendê-lo. Nasce então uma atividade inteiramente diferente, porque já não há desperdício de energia e a mente se tornou capaz de resolver o problema do medo, sob qualquer forma que seja.
A mente que, em qualquer nível de sua existência, se vê envolvida na rede do esforço, produz o seu próprio desperdício de energia. Afinal de contas, psicologicamente, toda a nossa atividade é egocêntrica. Observai esse fato em vós próprios, vede por vós mesmos todo o padrão, todo o mapa de vossa vida; ela é egocêntrica, suas atividades, por mais que se ampliem, são o produto daquele centro, com seus esforços para preencher-se, vir a ser, mudar, alcançar poder, posição, prestígio, tornar-se pessoa importante, num mundo insensato; tudo gravita em torno desse movimento egocêntrico. Essa atividade egocêntrica é, essencialmente, um desperdício de energia. Nela, está sempre em ação a vontade. A vontade é a forma aguda do desejo, é o poderoso impulso de uma certa reação, de uma certa exigência de prazer. Toda ação da vontade é separativa, e, quando há separação, há necessariamente conflito. Onde há dualidade, em qualquer forma, é inevitável o desperdício de energia, o qual supõe conflito, dor, prazer, sofrimento. E todas as nossas atividades e murmurações interiores, todas as nossas exigências e apetites psicológicos, estão concentrados em torno desse "eu", desse "ego". Todas as ações do "ego" — bem observadas — são um desperdício de energia, porque conduzem ao isolamento. Ainda que um homem seja casado, tenha filhos, pai, mãe — ele e sua mulher vivem vidas "particulares", vidas separadas; poderão encontrar-se na cama, mas suas vidas são separadas. O marido no exercício de sua profissão, ambicioso, todo empenhado em alcançar posição, prestígio, etc.; a mulher, com as próprias ambições e invejas. E, assim, nessa atividade egocêntrica, nega-se o verdadeiro estado de relação.
(...) Em vosso caminho pela vida, estais sempre a isolar-vos psicologicamente, e a tornar-vos conscientes de vossa solidão, vosso vazio, vosso estado de separação, de isolamento, causador de tanto sofrimento. E o esforço para vos libertardes do sofrimento ou vos identificardes com algo superior — é o mesmo processo de isolamento, sob outra forma. E todas as culturas deste mundo baseiam-se nesse processo — isolamento, identificação e, depois, não tendo a possibilidade de identificar-vos com algo superior, a invenção de uma outra coisa. Esse processo se verifica ininterruptamente, sendo, por consequência, um desperdício de energia. Porque, nele, estão envolvidos o conflito e o prazer, que geram dor. De tudo isso estamos mais ou menos conscientes, se a seu respeito refletimos ou estamos suficientemente vigilantes. Se a pessoa é muito sagaz, pode inventar uma filosofia ou uma nova fórmula, um novo conceito, e tentar viver em conformidade com esse conceito; mas, por outro lado, o viver segundo um principio, uma fórmula, produz mais conflito. Vemo-nos, pois, infinitamente, envolvidos em conflito, prazer e dor, sofrimento e todas as demais desditas e torturas do homem. Eis a nossa sina!
E, quando realmente observamos ou estamos vigilantes, recebemos, por vezes, uma comunicação, uma sugestão sobre uma diferente condição de vida, um viver de espécie diferente; essa comunicação, essa sugestão se torna memória e a essa memória ficamos apegados e a desejar que se repita, tenha continuidade, duração. E eis-nos de novo envolvidos na batalha entre "o que foi" e "o que é".
(...) Estamos, pois, vendo tudo isso — aflição, agonia, agressão, violência e, ocasionalmente, a beleza do amor e a intuição de uma certa coisa diferente da monótona rotina da vida de cada dia. E o desejo de aprisionar essa "outra coisa", esse "algo" que o homem tem andado a buscar e a pedir, sempre foi explorado pelas igrejas, em todas as partes do mundo, pelas religiões, pelos homens sagazes que dizem: "Eis a porta que deveis transpor; só há um Salvador e deles somos os representantes", ou "Só há uma única organização; só nós conhecemos a verdade, e ninguém mais a conhece". Outros há que dizem: "Vinde para o nosso Ashram, nosso centro, nosso campo de concentração; nós vos treinaremos para descobrir a verdade." A ânsia humana por uma "outra coisa", uma coisa diferente, sempre foi explorada. E todos os instrutores, em diversos graus, prescrevem o controle do pensamento, quando, se desejamos ver bem claramente uma coisa (a flor, a nuvem, o pássaro nos ares, os nítidos contornos de uma bela montanha), temos de olhar com olhos novos, olhos imaculados, inocentes, e isso significa prestar atenção.
A concentração é um desperdício de energia... A concentração, a final de contas, é um processo de exclusão: desejo concentrar-me numa imagem, num livro ou outra coisa, mas minha mente se põe a "viajar" e eu a faço voltar para concentrar-se; essa batalha, esse esforço para concentrarmos num ponto quando a mente está interessada noutro, é consumo de energia, um processo de exclusão. Portanto, podemos colocar de lado, completamente, a concentração.
Mas, vós necessitais da atenção, algo bem diferente da concentração... A atenção só existe quando dedicamos a mente, o coração, os nervos, os olhos, os ouvidos, a determinada coisa, quando "escutamos" a verdade ou uma mentira. Aplicando-se a atenção total, deixa de haver problema. Só no estado de desatenção, isto é, na ausência de atenção, aparecem os problemas. E a atenção não está em nenhuma relação com a vontade e a concentração. Porque a mente desatenta é aquela que está "cheia de pensamento"... O que acabamos de dizer foi: a mente está desatenta, não se encontra totalmente atenta, quando o pensamento está em funcionamento. Dissemos que o pensamento é desatenção. Não sei se alguma vez já prestastes atenção. Ao prestardes atenção, completamente, com todo o vosso ser, não há pensamento de espécie alguma. É só quando não nos achamos naquele estado de atenção plena, que o pensamento começa a funcionar. E pensamento é consumo de energia, porquanto é reação da memória, do conhecimento — que é necessário no campo tecnológico, porém, totalmente dispensável e um desperdício de energia, noutro nível, no nível psicológico.
O pensamento, pois, nunca é novo, nunca é livre; ele é sempre velho, porque produto do passado, como experiência, como conhecimento, como memória. Um computador, o cérebro eletrônico, não pode produzir nada novo; só é capaz de repetir, de responder em conformidade com as "informações" que lhe foram fornecidas; segundo certas experiências, ele pode aprender, por exemplo, a jogar xadrez, a executar seus movimentos, mas, uma vez "aprendidos" esses movimentos, eles já pertencem ao passado. O mesmo acontece conosco: nossos cérebros foram condicionados, durante séculos e séculos, para viver num determinado padrão de pensamento, de uma certa maneira, e, por essa razão, o pensamento é sempre velho e, por conseguinte, incapaz de produzir energia. Eu posso excitá-lo, fazê-lo produzir prazer, e esse prazer e seu cultivo dão-nos uma certa energia, mas essa energia se dissipa por efeito da dor.
O pensamento, pois, por mais que lute para adquirir atenção, nunca o consegue, porque a atenção é sempre nova. Ela não pode ser praticada ou aprendida passo por passo. A mente que está sendo treinada, exercitada, condicionada, que vive uma vida de tristeza e aflição, dissipa sua própria energia. Assim, o que ela pode fazer é, apenas, estar consciente de seus próprios estados, suas próprias disposições, de seu próprio temor, suas mesmas exigências e apetites — ver tudo isso, simplesmente, sem desejar alterar nada. No momento em que dizeis "preciso mudar", atraís o conflito e ficais enredado em seu padrão. Mas, se virdes a coisa realmente — o medo, a solidão, a profunda tristeza que experimentamos, tão misturada de autocompaixão; se a virdes claramente, tereis então uma energia completamente diferente, não contaminada pelo passado e, portanto, capaz de atirar-se ao problema e acabar com ele imediatamente, em vez de levá-lo para o futuro.
A meditação, como dissemos, é a "totalização" da energia. E dessa energia total nós necessitamos, para operar a revolução radical em nosso interior. Afinal de contas, só uma mente juvenil é capaz de revoltar-se, de efetuar uma revolução em si mesma, e não uma mente envelhecida, que viveu sessenta, setenta anos fechada entre seus limites, que sofreu, e inventou uma quantidade de meios de fuga; esta é uma mente desperdiçada. Jamais encontrará saída alguma. E seu fim, geralmente falando, é a morte, a aflição, a confusão, a doença, a velhice. Como dissemos, só a mente jovem contém a essência de uma energia não contaminada. Só essa mente é inocente. Poderá passar por mil experiências, mas cada experiência é "atravessada" e acabada, nunca é levada para diante, nunca deixa nenhuma marca.
Krishnamurti – 21 de abril de 1968