Caro Out, gostaria de partilhar minhas percepções com vocês, mas como já disse em e-mail anterior, tenho certa dificuldade em me expressar falando no Paltalk, então estou mandando via e-mail, pois acredito que o que percebo poderia servir de auxílio para os outros compreenderem suas próprias mentes também; busco uma linguagem mais simples, para que mais pessoas compreendam, pois vejo que muitas pessoas que leem Krishnamurti não conseguem captar a mensagem. O que falo é o que realmente percebo em mim, não estou apenas repetindo o que li a respeito com outras palavras...
Nossos pensamentos são apenas reações do nosso cérebro ao ambiente, aos acontecimentos, não há um eu que pensa... Dizer "eu penso" é como dizer "eu digiro o alimento", ou "eu bato meu coração"...
À medida que o cérebro vai reagindo ao ambiente, ou seja, gerando automaticamente pensamentos, vai armazenando esses pensamentos na memória, e a partir desses pensamentos armazenados ele vai reagindo aos próximos acontecimentos, também fica remoendo os pensamentos sobre experiências passadas, sejam pelo prazer ou pela dor que causaram, aumentando consideravelmente o fato acontecido. Estamos falando aqui dos pensamentos e memórias de fundo psicológico, ou seja, aqueles que alteram a percepção dos fatos como realmente são, seja por proporcionarem prazer, como quando alguém nos elogia, ou nos causarem dor, tal como quando somos humilhados, ofendidos, ou quando perdemos algo que muito desejamos...
Esses pensamentos psicológicos armazenados criam a figura do pensador, o qual não é mais que um outro pensamento que acha que pensa os outros pensamentos... Então os pensamentos passam a dominar o cérebro, a criatura passa a dominar o criador...
Observe isso em sua mente, temos dois tipos de memórias, a memória dos fatos, ou seja, a memória que precisamos para funcionar no dia a dia, onde estão armazenadas as técnicas que aprendemos para desempenhar nossas profissões, onde moramos, como chegar de um lugar a outro, etc. A outra memória é a memória psicológica, onde armazenamos as experiências de dor, sofrimento, medo, prazer, e os pensamentos... pensados e repensados sobre essas experiências. Essa memória psicológica fica sendo o nosso fundo mental a partir do qual atuamos, se tornou o nosso "eu", essa entidade fictícia que percebe o mundo a nossa volta através desse aglomerado de memórias e pensamentos. Quando estamos dominados pelo "eu", deturpamos todas as nossas percepções, tudo passa por esse filtro, então nossa compreensão dos acontecimentos depende desses conceitos que temos guardados, dessas memórias psicológicas. Será que não poderíamos olhar pra tudo a nossa volta sem que esse aglomerado de memórias psicológicas que chamamos de "eu" se manifeste? Creio que sim, mas para isso precisamos estar muito atentos às nossas reações ao que acontece à nossa volta, prestar muita atenção ao que acontece dentro de nossa mente quando nos relacionamos com as coisas e com as pessoas com as quais temos contato. Observar como já temos idéias formadas a respeito de tudo e de todos que conhecemos, como temos formado imagens mentais sobre as pessoas que conhecemos, tudo que gostamos ou não gostamos nelas já memorizamos, e passamos a olhá-las a partir dessas informações armazenadas. Então funcionamos no automático, não estamos nos relacionando mais, pois a imagem que temos delas nos impede de percebermos que todos mudam o tempo todo, nos passam despercebidos sutilezas e detalhes, as motivações por traz do que a pessoa está falando, seus sofrimentos, angústias, medos, etc.
Mas de que é formado esse aglomerado de memórias psicológicas, esse fictício “eu”, que podemos chamar também de ego? Vamos olhar um pouco dentro de nossas mentes, mas com um olhar passivo, querendo compreender, não modificar o que está olhando, pois quando olhamos com intenção de modificar, na verdade é um fragmento do mesmo aglomerado querendo modificar os outros fragmentos...
Se olharmos com paciência, com calma, em momentos que estamos sozinhos, esse aglomerado se revelará aos poucos, podemos ver ali tantas coisas, muitas já esquecidas, varridas para o subconsciente, mas ainda atuantes em nosso cérebro. Podemos ver ali as mágoas que acumulamos, as ofensas das quais fomos alvos, as perdas de coisas e de pessoas queridas, os apegos à pessoas e objetos, as opiniões que temos sobre as outras pessoas, sobre tudo que nos cerca, as opiniões que achamos que as outras pessoas tem sobre nós, todos os nossos medos, nossos desejos que queremos realizar, os desejos que tínhamos e que foram frustrados, as comparações que fazemos entre nós e outras pessoas, a inveja daí decorrente, o ódio que temos de muitas coisas e pessoas, enfim, a lista é grande, poderíamos acrescentar muito mais, cada item poderia ser mais detalhado, mas já dá para ter uma ideia do enorme conteúdo acumulado nesse aglomerado, não acham?
Mas isso tudo são pensamentos do passado, ou seja, são memórias psicológicas, estão mortos, mas não enterrados, pois com essas memórias mortas reagimos ao que nos acontece diariamente. Será que não poderíamos viver a nossa vida sem esse aglomerado influir nas nossas decisões, nos rumos que tomamos, enfim, em tudo que fazemos? Se estivermos conscientes dele a cada momento, podemos impedir a sua ação destruidora...
Observem isso em suas mentes, o nosso “eu”, esse aglomerado de memórias psicológicas é formado também pelas imagens que formamos a respeito de nós mesmos e a respeito dos outros. Essa imagem que temos de nós é tudo aquilo que achamos que somos, aqueles pensamentos que acumulamos a respeito de nós, que somos feios ou bonitos, bondosos ou cruéis, invejosos, egoístas, legais, se gostamos de ajudar os... outros, etc. Das pessoas com quem nos relacionamos também formamos imagens, acumulamos pensamentos a respeito de cada uma delas, o que gostamos ou não gostamos nelas. Ao encontrarmos com uma pessoa que não conhecemos, ainda não temos imagem formada a respeito dela, então prestamos atenção em tudo que ela faz e fala, e isso tudo memorizamos, formamos uma opinião a respeito dessa pessoa, assim teremos já uma imagem sobre ela quando nos encontrarmos novamente. Nesse primeiro encontro, apesar de não termos a imagem sobre o outro ainda, temos a imagem do que somos, e dessa imagem procuramos mostrar ao outro só o que pensamos que pode ser agradável, e tentamos ocultar aquelas coisas que achamos que somos, mas não queremos que os outros saibam ou percebam. Temos ainda as imagens formadas do que pensamos que cada pessoa pensa sobre nós, e tentamos mudar a opinião delas a nosso respeito. Então quando encontramos uma pessoa conhecida, já temos uma imagem formada uma da outra em nossas mentes, logo colocamos barreiras que nos impedem de nos relacionar profundamente, afetuosamente, pois impedindo a visão um do outro temos a imagem que tenho já formada sobre ele e a imagem que quero que ele tenha de mim, ele também coloca essas duas imagens em frente de suas percepções, e com tudo isso atrapalhando, tentamos nos relacionar. Será que não é possível nos relacionar com os outros colocando de lado as imagens que temos a respeito deles, de forma que prestemos verdadeira atenção, como quando encontramos alguém desconhecido? Que entremos em comunhão com essa pessoa, deixando de lado as imagens que já temos, e deixemos também de projetar imagens a respeito de nós mesmos? Esses pensamentos que temos sobre nós mesmos e sobre os outros são como um vidro sujo que colocamos entre nós e através dele queremos ver o outro, mas para realmente enxergarmos o outro, temos que limpar o vidro...
Um grande abraço a todos,