Cabe-lhe também descobrir o que é
a morte — não no último minuto, prostrado pela doença, inconsciente, sem
lucidez; a isso todos estamos sujeitos: velhice, doença e morte. Impende-nos
descobrir o que é a morte enquanto está novo, vigoroso, ativo, frequentando
diariamente seu escritório e de lá voltando para casa — sua “prisão particular”.
O organismo pode durar mais,
conforme a espécie de vida que levamos. Se nossa vida, do nascimento à morte, é
uma batalha, o corpo se desgasta mais rapidamente. O coração está sujeito a
constante tensão. Isso é um fato incontestável. Para se descobrir o que é a
morte, não deve haver medo; e a maioria de nós teme a morte, deixar nossas
famílias, largar as coisas que acumulamos, ou nossos conhecimentos e nossos
livros. Não sabendo o que acontece ao morrermos, a mente — isto é, o pensamento
— diz que deve haver outra espécie de vida. A vida deve continuar de alguma
maneira, nossa vida individual. Eis aí toda a estrutura da crença — da sua crença
na reencarnação. O que é que renascerá na próxima vida: sua acumulação de
conhecimentos, seus pensamentos e atividades, as ações belas ou feias que
praticou? Se você acredita realmente em karma, então, o que importa é o que
agora, nesta vida, você faz, como agora se comporta, porque na próxima vida
pagará suas culpas.
Assim, se realmente você se acha
enredado nessa crença, deve prestar toda a atenção a sua vida de agora.
Cabe-lhe descobrir o que significa morrer — não fisicamente, que é inevitável —
morrer para tudo o que conhece, para sua família, seus apegos, para todas as
coisas que você acumulou, para seus acostumados prazeres e temores, morrer a
cada minuto, para você ter sempre uma mente nova, pura e, por conseguinte, “inocente”.
Haverá, assim, “encarnação” em cada novo dia. Encarnar todos os dias é muito
mais importante do que encarnar na vida futura. Essa “encarnação” lhe dará uma
mente sobremodo “inocente”. A mente “inocente” nunca pode ferir-se. Por
conseguinte, a mente que se fere deve morrer, cada dia, para seus ferimentos,
para que possa, em cada manhã, achar-se renovada, lúcida, sem máculas nem
cicatrizes. Eis a verdadeira maneira de viver.
Jiddu Krishnamurti — 31 de janeiro de 1971