Mary Lutyens: os ensinamentos não são simples. Como é que eles surgiram desse menino distraído?
K: Você admite que há um mistério. O menino era afetuoso, distraído, não-intelectual, gostava de jogos atléticos. O importante nisso tudo é a mente vaga. Como é que essa mente vaga chegou a isso? Essa condição foi necessária para isso se manifestar? Será que essa coisa que se manifesta surge do reservatório universal, assim como os gênios em outros campos também vêm dele? O espírito religioso nada tem a ver com os gênios. Como é que a mente vaga não foi preenchida com a Teosofia etc.? A mente vaga foi algo proposital para a manifestação. O menino deve ter sido estranho desde o início. O que o tornou assim? O corpo foi preparado por muitas vidas ou essa força escolheu o corpo vazio? Por que ele não se tornou desagradável com toda aquela adulação? Por que não se tornou cínico, amargurado? O que o protegeu disso? Essa vacuidade estava guardada. Pelo quê?
ML: É isso que estamos tentando descobrir.
K: Por toda a vida essa coisa tem sido guardada, protegida. Quando entro num avião, sei que nada vai acontecer. Mas eu não faço nada que seja perigoso. Eu adoraria voar num planador [ofereceram-lhe isso em Gstaad], mas pensei: ‘Não, não devo’. Sempre me senti protegido. Ou a impressão de que estou protegido vem porque Amma [Sra. Besant] sempre quis que eu fosse protegido — sempre cuidou para que dois iniciados me protegessem. Não creio que seja isso.
ML: Não, porque outra coisa — ‘o processo’ — aconteceu pela primeira vez quando você estava separado de todos eles — completamente sozinho em Ojai, com Nitya.
K: Sim, a vacuidade nunca desapareceu. Nas quatro horas que passei no dentista nenhum único pensamento veio à minha cabeça. Somente quando falo ou escrevo, ‘isso’ começa a acontecer. Fico atônito. A vacuidade ainda está ali. Desde aquela idade até agora — cerca de oitenta anos — mantendo uma mente que é vaga. O que faz isso? Você pode sentir isso no quarto agora. Está acontecendo nesse quarto agora porque estamos tocando em algo muito, muito sério e a coisa começa a verter. A mente deste homem desde a infância até agora está constantemente vaga. Não quero fazer disso um mistério: por que isso não acontece a todos?
ML: Quando você dá palestras sua mente está vaga?
K: Oh, sim, completamente. Porém, não estou interessado nisso, mas na razão pela qual ela fica vaga. Por que ela é vaga não é problema.
ML: Ela é única?
K: Não. Se uma coisa é única, os outros não a podem ter. Quero evitar qualquer mistério. Vejo que a mente do menino é a mesma de agora. A outra coisa está aqui nesse momento. Você não a sente? É como uma pulsação.
ML: O essencial nos seus ensinamentos é que todos podem ter acesso a eles. [Senti a pulsação, mas não estava certa de que não era minha imaginação].
K: Sim, se uma coisa é exclusiva não possui valor algum. Mas ela não é assim. Ela é mantida vazia para que diga ‘Embora eu seja vazia, você — X — também pode tê-la’.
ML: Você quer dizer que é vazia a fim de mostrar que isso pode acontecer a qualquer um?
K: É isso mesmo. É isso. Mas foi esta coisa que manteve a mente vazia? Como ela permaneceu vazia todos estes anos? É extraordinário. Nunca pensei nisso antes. A coisa não seria assim se não fosse livre. Por que ele não era apegado? Aquela coisa deve ter dito ‘Deve haver vazio ou eu — a coisa — não posso funcionar’. Isso significa admitir todo tipo de abstração. Então o que é aquilo que se mantém vazio para dizer tudo isso? A coisa encontrou um menino que muito provavelmente permaneceria vazio? Este menino aparentemente não tinha medo de enfrentar Leadbeater — eles tinham grande autoridade. Aquela coisa devia estar agindo. Isto deve ser possível para toda a humanidade. Se não, qual a finalidade disso?
(...)
Anotações de Mary Zimbalist
Vida e Morte de Krishnamurti