Questionador: Por que sempre há morte e sofrimento no equilíbrio da
natureza?
Krishnamurti: Por que o homem
matou cinquenta milhões de baleias? Cinquenta milhões — vocês entenderam? E
ainda continuamos matando todo o tipo de espécies — os tigres, os chitas, os
leopardos e os elefantes estão se extinguindo — eles são mortos pela sua carne,
pelas suas presas; vocês conhecem o fato. Não será o homem um animal muito mais
perigoso do que o resto dos animais? E vocês querem saber por que há morte e
sofrimento na natureza. Vocês veem um tigre matar uma vaca ou um gamo. Esse é o
modo natural da vida; no entanto, no momento em que interferimos nele, ele se
transforma numa verdadeira crueldade. Vocês viram filhotes de baleia ser
abatidos com uma pancada na cabeça? Quando houve um grande protesto contra esse
fato, as uniões disseram que temos de viver desta maneira. Vocês sabem de tudo
isso.
Sendo assim, quando começaremos a
entender o mundo à nossa volta e o mundo dentro de nós? O mundo interior é tão
enormemente complexo que preferimos atender primeiro o mundo da natureza... Se
começássemos por nós mesmos, não matando, não ferindo, não sendo violentos, não
sendo nacionalistas, mas sentindo amor pela humanidade como um todo, talvez
tivéssemos um relacionamento apropriado entre nós e a natureza. Agora, estamos
destruindo a terra, o ar, o mar, as criaturas do mar porque somos o maior
perigo para o mundo, com nossas bombas atômicas — vocês sabem, todo esse tipo
de coisas.
Questionador: O senhor diz que somos o mundo, contudo o mundo parece estar
rumando para uma destruição em massa. Uma minoria de pessoas integradas poderá
superar a maioria?
Krishnamurti: Vocês são a
minoria? Não, eu não estou brincando. Somos a minoria? Ou há alguém entre nós
que esteja totalmente livre de tudo isso? Ou há alguém entre nós que esteja
totalmente livre de tudo isso? Ou estamos parcialmente contribuindo para o ódio
dos outros? Psicologicamente. Vocês talvez não sejam capazes de impedir a
Rússia ou a América do Norte, a Inglaterra ou o Japão de atacarem outro país,
mas psicologicamente estamos livres de nossa herança comum, que é nosso
nacionalismo tribal, glorificado? Estamos livres da violência? A violência
existe onde existe um muro ao nosso redor. Por favor, procurem entender tudo
isso. E construímos muros em volta de nós, muros de dez pés de altura e de
quinze pés de espessura. E todos nós estamos cercados de muros. E disso surge a
violência, o senso de imensa solidão. Assim a minoria e a maioria são vocês. Se
um grupo de nós fundamentalmente tivesse se transformado psicologicamente,
vocês nunca fariam essa pergunta, porque então seríamos algo totalmente
diferente.
Questionador: Se há verdade e ordem supremas, por que elas permitem que
a humanidade se comporte de modo tão chocante?
Krishnamurti: Se existe uma tal
entidade suprema, ela deve ser muito estranha porque nos criou e então fazemos
parte dela — está certo? E se fosse organizada, sadia, racional, piedosa, não
seríamos como somos. Vocês podem aceitar o processo evolucionário do homem, ou
acreditarem que o homem apareceu subitamente criado por deus. E deus, essa
entidade suprema, é ordem, é bondade, é compaixão e todo o resto, todos os
atributos que nós lhe dermos. Assim, vocês têm essas duas escolhas; que há uma
entidade suprema que fez o homem de acordo com sua imagem, ou que existe um
processo evolucionário do homem, que a vida criou a partir das pequenas
moléculas, e assim por diante, até chegar no momento presente.
Se vocês aceitarem a ideia de
deus, da pessoa suprema na qual existe a ordem total, vocês fazem parte dessa
entidade, então essa pessoa deve ser extraordinariamente cruel, certo? —
extraordinariamente intolerante para nos fazer comportar do modo como estamos
fazendo, destruindo uns aos outros.
Ou há a outra ideia, a de que o
homem criou o mundo como ele é; seres humanos fizeram este mundo, o mundo
social, o mundo do relacionamento, o mundo tecnológico, o mundo da sociedade —
nosso relacionamento uns com os outros. Nós — não deus, nem alguma entidade
suprema —, nós fizemos o mundo. Somos responsáveis por este horror que temos
perpetuado. E confiar num agente exterior determinado para transformar tudo
isso? Esse jogo tem sido jogado por milênios, e vocês ainda são os mesmos!
Talvez um pouco mudados, um pouco mais gentis, um pouco mais tolerantes — no
entanto, a tolerância é algo terrível.
Jiddu krishnamurti — 4 de setembro
de 1980