Se me permitem, desejo considerar nesta tarde a questão da meditação, pois, no meu sentir, se não compreendermos o inteiro significado da meditação, não poderá surgir aquela mente religiosa acerca da qual lhes tenho falado. Como já acentuamos, a mente religiosa contém o espírito científico, mas a mente científica não contém o espírito religioso. A mente científica é parcial, interessada que está nas coisas superficiais; mas a mente religiosa interessa-se pela totalidade da vida. Se não se compreende e conhece o profundo significado da meditação, não há possibilidade nenhuma de se ter aquela qualidade de mente capaz de elevar-se acima e além do tempo.
[...] A meditação, pois, não é uma busca de visões, imersão na oração... Meditação, pois, não é oração, não é o desejo de achar a Verdade. A mente vulgar que busca Deus encontrará o Deus de sua própria vulgaridade. Compreendem, senhores? Se tenho uma mente comum, limitada, estreita, superficial, cheia de ambição e avidez, de inveja e ciúme de outrem — e começo a pensar em Deus, meu Deus é igualmente vulgar, estúpido; e essa estupidez me satisfaz.
Pois bem, estamos investigando o processo da meditação. Para investigar, vocês devem em primeiro lugar negar, devem proceder negativamente — isto é, devem estar conscientes de algo que nenhuma realidade tem, a não ser a realidade projetada do próprio desejo de vocês, da própria fantasia; devem repudiar o falso. Assim, pelo pensar negativo vamos descobrir alguma coisa positiva. Mas o pensar negativo é essencial, pois é a mais elevada forma de pensar — e não o pensar positivo. Pensar positivo é o processo de imitação, movimento de conhecido para conhecido. jamais descobriremos o desconhecido se nos movemos meramente do conhecido para o conhecido, que é o chamado processo positivo. Dessa maneira, jamais descobrirão por si mesmos o que é a meditação real. As coisas que nos têm sido oferecidas como meditação são por demais elementares, completamente desprovidas de base psicológica. Assim, se possuem suficiente interesse, se desejam realmente examinar até o fim a questão da meditação — e não apenas se entreterem com ela — devem meditar quando se dirigem ao escritório, quando constituem família, quando geram filhos. A meditação é necessária, porque destrói os muros da mediocridade, os muros da respeitabilidade e da imitação. Necessária é uma mente de todo livre exatamente no começo, e não no fim.
[...] Meditação não é contemplação: contemplar é pensar numa ideia, concentrar-se numa coisa, geralmente um símbolo ou uma frase lida nos chamados "livros sagrados" — que em nada são sagrados, porém simples livros como outros quaisquer. Vocês selecionam uma frase e nela começam a refletir; e chamam isso de "contemplação". Não cuidam de investigar a entidade que contempla. Essa entidade é condicionada; essa entidade é medíocre, estreita, ciumenta. E essa é a entidade que investiga, que se concentra na contemplação de uma certa coisa!
A meditação, pois, não é oração. Meditação não é contemplação. Meditação não é observância de um dado método ou sistema. O método ou sistema condiciona a mente. E, aquilo que o método ou sistema oferece, obterão; mas o que obterem será uma coisa morta. É como ter uma mente embotada e estúpida que se disciplinou por um sistema e se recusa a pensar mais; essa mente perdeu toda a flexibilidade, toda a sensibilidade; já não é nova. Assim, a meditação não é um sistema para ser praticado. Não é, por igual, um processo de disciplinar a mente.
[...] Consequentemente, a meditação não é nenhuma dessas coisas, nem tampouco disciplina.[...] A mente que faz força para alcançar algo — com exceção de coisas mecânicas — alcançar aquilo que chama Deus, alcançar um alvo, um fim — é uma mente morta. Para a meditação necessita-se de uma mente sobremaneira flexível, altamente sensível. E ninguém pode ser sensível se está "comprometido", se está preso a um sistema inventando pelo homem sob a compulsão do medo.
Nada disso, pois, é meditação.[...] A base correta da meditação é: não ser ambicioso, não ter inveja, não aceitar autoridade de espécie alguma. O lançamento da base é da mais alta importância, porquanto sem ela não podemos edificar. Não se pode construir uma casa sem alicerces; ela desaba. Ser sem ambição, sem autoridade, sem inveja, sem medo, sem ciúme, tem de ser uma coisa que deve ser vista imediatamente, e não cultivada como ideal; e é aí que está a dificuldade.[...] A inveja não é coisa que se possa adiar.[...] O homem que deseja meditar, que deseja investigar em profundidade a questão da meditação, não tem tempo para adiar a inveja. A inveja tem de cessar completamente, totalmente. Também a ambição tem de cessar por inteiro, porque o homem ambicioso não tem amor. Aqueles que, impelidos pela ambição, buscam posição, prestígio, poder, não têm amor, ainda que falem de paz e fraternidade. Poderão ter compaixão, piedade, capacidade organizadora para a ação social; mas, amor não têm.
[...] Para meditarem, precisam lançar a base correta, não nos dias vindouros, porém imediatamente. Isso é dificílimo — é em verdade o ponto crucial da questão, pois nós queremos ser ambiciosos, queremos ser invejosos; e também falamos a respeito de Deus, da Verdade, etc. Nenhum valor têm os seus deuses e suas verdades, enquanto não houver a base correta. Quando já não estão presos na engrenagem da sociedade e de sua moralidade, quer dizer, quando a mente de vocês está livre da ambição, da avidez, da inveja, do poder e de todas as coisas que o homem busca porque isso a sociedade o estimulou desde a infância — então, há liberdade; não amanhã, não no fim da vida de vocês, porém exatamente no começo — agora!
Esse é o início da meditação. Implica o conhecimento de si mesmo, e não o conhecimento do Ser Supremo. Não há Ser Supremo para a mente vulgar, a não ser aquilo que ela inventou e a que chama "Ser Supremo". Assim, quando a mente é livre — não amanhã, porém realmente, imediata e instantaneamente — da inveja, da avidez, da ambição da busca de fama e de poder, então, começa a meditação. Para essa mente cessou o buscar.[...] Assim, quando, mediante o autoconhecimento, vocês negam de todo a ambição, a avidez, a inveja, a autoridade, vocês se tornam a luz de si mesmos; a mente, estando então livre, não "comprometida", já não busca, porque nada tem que buscar; ela está tranquila.
[...] O homem que deseja meditar deve compreender a si próprio. Se não conhecem a si mesmos, não podem ir longe. Por mais que tentem ir longe, nunca ultrapassaram suas próprias "projeções"; e a própria "projeção" de vocês está muito perto, e a parte alguma os leva. Meditação é aquele processo de lançar imediatamente a base e de fazer nascer — naturalmente, sem esforço algum — aquele estado de tranquilidade. Só então existe uma mente fora do tempo, fora da experiência e fora do conhecimento.
Jiddu Krishnamurti — A Mutação Interior
Jiddu Krishnamurti — A Mutação Interior