É interessante, já há um bom
tempo que venho resgatando essa questão do olhar noético, do olhar poético;
não essa questão de poesia romântica, não é, mas aquilo que está por trás das
palavras do poeta e, às vezes, fico questionando se o poeta ao escrever
aquilo, se ele realmente está escrevendo na dimensão noética, ou nessa dimensão
poética, essa coisa do romantismo.
Acordei pela manhã meditando, não sei, talvez alguns aqui devem conhecê-la, a Isolda (ela
escrevia muito pro Roberto Carlos; são
fantásticas as letras dela), com uma música
do Roberto, com certeza vocês já ouviram a música,
"Outra vez" —; vocês se lembram dessa música? A correlação que fiz
com ela, quando você a escuta pelo mito romântico, parece que o cara está
falando da mulher, uma relação homem e mulher. Olho pra essa letra numa questão de "animus e anima"; essa
coisa do toque da Graça, o contato com a
"Graça", o contato com o "Inusitado", o contato com o
"Inefável", o contato com "A Coisa", o contato com o
"Espírito Santo", seja lá o nome que você quiser dar pra isso; o contato daquilo que está além da
"mente adquirida".
Pra quem não viveu isso, acaba
soando como algo místico; pra quem já viveu uma amostra grátis disso aí, desse despertar que vai além da questão
intelectual, mas sim de uma vivência direta de um estado inusitado, de um estado
que está além daquilo que a mente adquirida conhece, então soa muito
interessante? Eu estava meditando na letra, e ela fala assim:
"Você foi o maior dos
meus casos,
de todos os abraços o que eu nunca esqueci.
Você foi dos amores que
eu tive
o mais complicado
e o mais simples para mim.”
E é bem isso: o mais complicado porque, na minha vivência, isso ocorreu num momento em que quase estava realmente me
entregando ao suicídio; não havia sequer, a ideia da possibilidade disso que
trouxe um "estado de bem aventurança", um estado de paz
que não tem como ser
colocado em palavras... Mas que nunca esqueci! Sendo que os outros
abraços aí, aqueles da questão do prazer, não dá pra lembrar de todos,
não é? Mas esse aí, esse da bem-aventurança, esse não tem
como se esquecer!
Então é assim: das lembranças
que eu trago na vida essa é a saudade que eu gosto de ter? E só assim é
que eu sinto "você" bem perto de mim, "outra vez!" Não sei se vocês lembram dessa letra, mas ela me
faz ecoar bastante essa questão de
se é
possível ou não a mente silenciar; que é uma das coisas que a maioria
desses homens e mulheres que vem tentando apontar um outro modo de
viver, dizem que só é possível isso, quando a mente cessa, quando
pensamentos cessam;
se o pensamento não cessar, não há como ocorrer isso, e, de fato, nessa vivência direta, não há pensamento. É
algo que a mente adquirida não consegue nem conceber o que seja uma mente sem pensamento.
É algo muito, muito, mas louco!
Tem uma outra letra da Isolda
em que ela fala:
"Você foi a melhor coisa
que eu tive,
mas o pior também minha vida;
você foi amanhecer cheio de luz e de
calor
e ao anoitecer a tempestade a dor."
Então, quando ocorre essa manifestação
da Graça, quando ocorre essa manifestação da mente que vai além da mente
adquirida, essa mente incondicionada, é
"o amanhecer cheio de luzes e de calor!" E, quando há o cessar disso,
"desse estado", é "anoitecer" novamente, não é? E, então, novamente, lá está o anoitecer, a tempestade e a dor... De novo o pretérito
imperfeito com sua busca de prazer e de prazer imediato.
Então,
uma vez que você tenha
essa vivência que lhe ponta pra "Algo" de uma dimensão de
felicidade, de paz, de serenidade, de tranquilidade e que não tem como
ser
descrita, essa vivência supera — não há como se contabilizar isso —,
mas ela supera por demais qualquer forma de prazer; qualquer forma de
busca de
segurança. E essa mente adquirida, ela funciona, o tempo todo, somente
nisso: na busca de
segurança, na busca de prazer. Não acredite no que estou falando; dê uma
olhada aí; vai olhando, vai vendo se o nosso cotidiano, não funciona
sempre através dessas duas moedas correntes,
nesses dois lados da moeda; moeda muito cara por sinal, não é mesmo?
Moeda que
vem trazendo uma depressão emocional econômica muito grande, não é?...
De um
lado, a busca de segurança, do outro, a busca do prazer — e sabemos o
quanto
que já pagamos por causa disso, não é mesmo? Todos vocês aí, sabem muito
bem, o quanto que
já pagamos por isso!
Então, esse processo dessa
vivência, quando ocorre essa vivência, essa manifestação, que é algo que não ocorre pela ação do desejo,
não ocorre pela busca de prazer, não ocorre pela vontade, não ocorre pelo
esforço, por isso que é dado o nome de "Graça"; quando há essa vivência da
Graça, por menor que seja essa vivência, ela tira a graça por completo de todo
o pacote velho, de todo o passado, de todo pretérito imperfeito, tira tudo
isso! Só que, quando cai, quando você cai desse estado de graça, a mente
adquirida rapidinho entra, e, como não sabe lidar com a inquietude
— porque nunca tivemos uma educação psíquica, nunca tivemos uma
educação, de fato,
emocional, não tivemos uma cultura voltada para o silêncio, para a
contemplação, para
a meditação, par a observação da própria inquietude; não tivemos uma
cultura e uma
educação voltada para prática "natural" de estados de ócio onde se pode
encarar e fazer frente ao tédio; como não tivemos e não temos isso, a
mente
adquirida, alimenta ainda mais o seu ciclo vicioso de busca de prazer e
segurança. E sabemos muito bem, como
que funciona essa coisa do prazer, não é? Somos catedráticos nesse
teorema: [Inquietude + Prazer imediato = dor ao
quadrado], não é mesmo? E vai aumentando essa
coisa: vai pra dor ao cubo e vamos que vamos!
Então,
por que é que estou
falando isso? Porque assim: ultimamente venho olhando bastante de frente
pra
questão do tédio, da insatisfação, e do vazio; que é algo que deveríamos
ter matérias na escola, e deveríamos ter horas de conversa depois do
jantar,
ou depois do almoço de domingo; ao invés de ficarmos falando dos outros,
deveríamos, desde pequeno, estar falando sobre isso, sobre tédio; coisa
do tipo: "E
aí, Tio? E aí, Tia? Como é que ambos estão lidando com o tédio, com a
insatisfação?"
Não é? Deveria ser normal isso, mas não temos isso, temos? Então,
ultimamente,
venho olhando bastante pra isso e pela primeira vez, de forma muito
consciente, feito cobaia mesmo! Uma cobaia! E percebendo o forte impulso
— fortemente alimentado pelas ferramentas sociais — para as enormes
variantes de fuga pelo prazer.
É
preciso ir mais fundo na no significado da palavra "prazer"... Não sei
se para vocês, também ocorre como na cabeça deste que agora lhes
escreve: quando se fala em "prazer", logo é a lembrança do sexo que vem
na frente... Mas prazer
é uma coisa muito abrangente, não é mesmo? E a sociedade incentiva a
busca pelo prazer; muito
mais a busca do prazer do que da própria felicidade. Vocês podem
conferir isso: ligue sua televisão; não
se está mostrando propagandas de felicidade., mas sim, propagandas que
apontam para a busca
de prazer e de segurança. Já perceberam isso? Liga-se a
televisão, e um massacrante bombardeio de propragandas, de "programas"
(esta me parece a palavra mais correta) cultuando a busca de prazer e
de segurança, sendo ambos confundidos por felicidade... É uma verdadeira
idolatria narcísica-hedonista.
Em
todo esse movimento de anos aí de busca, essa consciência foi sendo
resgatada e vem
tomando seu espaço, o qual antes era ocupado pela mente adquirida, com
seus sistemas
de crença, suas tradições e seus autocentrados movimentos? Todo esse
caminhar, que
começou lá nos grupos anônimos, vem trazendo, vem resgatando esse espaço
da Consciência. E uma vez consciente, fica muito difícil, de se optar
novamente pela inconsciência, sem depois ficar com o
barulho maior na consciência. E de fato, com o assentamento da
consciência, vai ficando
muito difícil de se ver Graça, naquilo em que antes se via graça e que
depois
que nos entregávamos, só gerava mais desgraça! Muito louco isso, não é? A
mente
adquirida faz você ver graça onde não tem graça; você se entrega à isso,
mesmo sabendo que o resultado será mais acúmulo de
desgraça! Então, há que se ir batendo a cabeça uma, duas, três... Parece
que somos mesmo como fusquinha 64: só pegamos no tranco! O pensador
compulsivo, esse que fica identificado com essa mente adquirida, parece
fusquinha 64: só pega no tranco! Já sabemos do falso, mas insistimos em
lá voltar, não é? Sempre buscando por resultado diferente na mesmice!
Então, vai formando essa consciência que vai quebrando o encantamento
por essas promessas de prazer e de segurança. Porque começa-se
a perceber o quanto nos consumimos para poder consumir um pouco mais de
breves momentos de prazer.
Então,
esse estado de
consciência, para a mente adquirida, é de fato, muito perigoso
mesmo! Porque esse paradigma, esse
material que temos aí, que vem sendo dividindo, que estamos
estudando juntos, ele vai arrancando a identificação com todos
esses conceitos, com todos esses estipulados sociais aí, que prometem
por segurança e por prazer; isso vai perdendo a graça, vai
desencantando, vai
quebrando o encantamento, não é mesmo? Esse paradigma vai quebrando o
encantamento e fazendo com que nos sintamos como um peixe fora d'água;
isso porque a grande maioria em volta de nós, de forma totalmente
inconsciente, se encontram cativos de tal encantamento! E você, não por
escolha, mas talvez porque foi escolhido
por essa Graça, que teve a graça do despertar e de abrir os olhos, não
tem mais como voltar atrás: só cabe
seguir a trilha menos percorrida, feito Bandeirante da Consciência que
somos. Chega um momento que fica bastante doloroso,
porque, olha-se para fora e nada mais faz sentido... Nada mais faz
sentir. O
que está vibrando aí fora, nada mais dá liga, nada mais dá contato; tudo
se
mostra muito desconexo, sem conexão alguma. E para a mente adquirida,
ouvir isso,
pode assustar ou achar que é loucura ou que isso é sintoma de doença;
quando,
na realidade, não é: isso é um sair fora da sociedade; é um descartar
total da
sociedade; de tudo aquilo que antes você via como fator de segurança, a
começar
pela ideia de família... E isso causa um rebuliço incrível dentro da
mente
adquirida, quando tocou na expressão família... Porque pode ver que a
própria
questão da família é a base de prazer e segurança... Prazer e segurança!
Prazer
alimentar!
Essa questão do prazer é muito
interessante: Dá uma olhada que a gente foge desse vazio e do tédio sempre por
alguma forma de prazer: é o cafezinho, é o livro, é uma compra, é o prazer de disputar
alguma ideia intelectual com alguém no facebook, ou sei lá onde; disputar num
balcão de padaria uma ideia... É tudo prazer! A leitura de um livro... É tudo
prazer! Só que é um prazer que não traz essa "real felicidade"; não
traz esse "real despertar"; não traz! Na questão do livro, acho até
interessante, não é, porque ele e acaba funcionando de um jeito.. dependendo do
que você vai lendo, isso vai, vai trazendo até mais consciência; então vai
ampliando, não tem como não ampliar o tédio e a insatisfação diante do que está
aí estipulado. Essa busca — por esse reencontro consigo mesmo, aí — por essa retomada
da Consciência, ou por esse saltar fora do que está aí que já não tá dando mais
liga, isso vai levando, de fato, pra um estado total de tédio, de vazio, de
solidão; e é uma solidão que acaba sendo física e mental, uma solidão interna
mesmo! Porque como foi hoje colocado...achei muito interessante a fala do
"Semeu" hoje, não é? Realmente você encontra as pessoas cada um num
momento desse paradigma; se isso ocorre aqui dentro da sala, imagina aí fora. Então,
realmente fica muito difícil de você poder se comunicar, ou seja, ter um
"ar comum", visto que a grande maioria nem sonha em olhar pra isso!
Visto que a grande maioria está completamente identificada como sendo o
pensamento, como sendo as emoções, como sendo os sentimentos, tendo como "normal"
e como meta de vida a busca de segurança e a busca de prazer. Como é que você
que já percebeu tudo isso, que já lhe foi revelado a falsidade disso, pode
encontrar conexão, sendo que a maioria cultua isso, de uma forma visceral, vinte
e quatro horas por dia?... Nos sonhos acordados e nos sonhos enquanto estão
dormindo! Percebe?
E aí eu vejo que é muito
interessante que realmente esse tédio, essa solidão, esse vazio, eles são
fundamentais até pra ver a seriedade da sua paixão, não é? Dessa sua busca,
desse seu desejo por algo que não é finito, por algo que não é finito. E é
muito interessante que se você for olhar a história de todos esses caras, todos esses caras, todos, todos... pode ir lá
e não acredita no que eu estou falando, não; vai lá e faz uma pesquisa!... Todos
esses caras que trouxeram alguma coisa, que alimentou essa Consciência Amorosa
Integrativa no ser humano, na humanidade, todos eles vieram se movimentar na
direção disso, através de uma profunda insatisfação, de um profundo o tédio, de
uma profunda experiência de absurdo que fez com que começasse a questionar todos
esses valores estipulados, que começasse a questionar tudo isso que é tido por
normal. E todos esses caras acabaram ficando literalmente sozinhos, no que diz
a compreensão daquilo que chegou, pela ação dessa Graça ou do "Insight
Criativo", seja lá o nome que você preferir dar. E o que a gente vem
percebendo é que realmente não tem como isso se manifestar enquanto você ainda
está apegado a qualquer forma de identificação nessa ideia de segurança e de
prazer.
Está sendo muito interessante
observar essa dinâmica do tédio, da insatisfação e do vazio; como que a mente
adquirida, essa mente que ainda está aqui no "Out" também, como que
ela, quando começa a se manifestar na maior intensidade, o tédio, a
insatisfação e o vazio, ela impede que esse vazio se torne pleno; que seja um
vazio pleno; e pra impedir que esse vazio se torne pleno, ela opta sempre com
uma sugestão desse pretérito imperfeito; ela traz sempre uma lembrança de algo que
lá atrás lhe trouxe prazer e pede pra que você vá até lá, de novo, naquilo, e
tenha um pouco de prazer, afinal de contas, todo mundo fala que é importante
ter prazer: "Você está perdendo a vida se você não tiver prazer"... E
aquele que não perder sua vida... Teve um cara que já passou aí... "Quem quiser perder a vida em nome da Verdade
vá ganhar a sua vida!"... agora, quem quiser, ficar com o prazer vai
perder essa verdade, vai perder! Então é muito interessante perceber como que a
mente sempre puxa pra essas lembranças de prazer e de busca de segurança e como
ela também projeta imediatamente um movimento de você ou encontrar algo
parecido àquele prazer do passado ou buscar por uma nova forma de prazer, por
uma nova forma de segurança... Pra você ficar "segurando"... Olha pra
palavra "segurança": a gente quer ficar preso, não quer ficar livre;
a gente fala que quer liberdade, mas eu quero segurança, eu quero ficar me
segurando em alguma coisa; não é? Eu quero me segurar até numa sala no Paltalk,
que seja! Eu não quero ficar livre, não é?
Está sendo muito interessante,
apesar de ser algo bastante dolorido: ficar com essa questão do tédio, que é
uma coisa que também é muito interessante... Você entra na internet e procura
assim, vê se você acha: "um relato pessoal da vivência do tédio"... "relato
pessoal da vivência da solidão"... Cara, você não acha isso! Você acha mil
receitas de como se iluminar com um mínimo esforço mas você não vê ninguém relatando
essa coisa de ser afrontar, não é? Esse reparar, essa reparação, essa meditação
ali consciente com o tédio, com o movimento do tédio, da insatisfação, e do
vazio. Então, vamos que vamos! Vamos ver o que vai dar disso daí! Um grande
abraço pra vocês, gente!
Valeu!
Outsider
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