A verdade não é uma coisa que se possa experimentar. A verdade não pode ser buscada e achada. Está fora do tempo. E o pensamento, que é tempo, nenhuma possibilidade tem de busca-la e "pega-la". Portanto, é necessário compreender profundamente essa questão do desejo de experiência. Vejam, por favor, quanto isso é importante. Qualquer forma de esforço, de desejo, de busca da verdade, de exigência de experiência, é o observador a querer algo transcendental e a esforçar-se por alcançá-lo; a mente de vocês, por conseguinte, não é lúcida, incorrompida, não-mecânica. Quando a mente está buscando por uma experiência, por mais maravilhosa que seja, isso significa que o "eu" a esta buscando — o "eu", que é o passado, com todas as suas frustrações, aflições, esperanças.
Observem, por si mesmos, como o cérebro funciona. Ele é o depósito da memória, do passado. Essa memória está sempre reagindo, "gostando" e "não gostando", justificando, condenando, etc.; reagindo de acordo com seu condicionamento, de acordo com a cultura, a religião, a educação, nela armazenadas. Esse depósito, de onde surge o pensamento, guia a maior parte de nossa vida. Está dirigindo e moldando nossa vida, a cada minuto do dia, consciente ou inconscientemente; está gerando pensamento, gerando o "eu", que é a essência mesma do pensamento e das palavras. Pode o cérebro, com seu conteúdo — o "velho" — tornar-se completamente quieto — só despertando quando necessário operar, funcionar, falar, agir, porém, a maior parte do tempo, completamente estéril?
Meditação é descobrir se o cérebro, com todas as suas experiências, pode tornar-se absolutamente quieto. Não forçado a isso, porque, no momento em que o forçamos, torna a surgir a dualidade, a entidade que diz "Eu gostaria de ter experiências maravilhosas e, portanto, tenho de obrigar o meu cérebro a quietar-se". Nunca o conseguirá! Mas, se vocês começarem a investigar, a olhar, a observar, a "escutar" todos os movimentos do pensamento, seu condicionamento, seus alvos, seus temores e prazeres; observar como o cérebro funciona — vocês verão então que ele se tornará sobremodo quieto; essa quietação não é um estado de sono, pois o cérebro se acha então sumamente ativo e, portanto, em silêncio. Um dínamo grande, em perfeito estado de funcionamento, quase não faz barulho; só quando há atrito, há barulho.
Cumpre-nos descobrir se nosso corpo é capaz de ficar sentado ou deitado, em completa quietação, sem nenhum movimento, sem estar sendo forçado. Podem o corpo e o cérebro — pois estão psicossomaticamente relacionados — tornar-se quietos? Há vários exercícios para colocar o corpo quieto, mas tais exercícios implicam coerção; o corpo quer erguer-se e andar, mas lhe impomos que fique quieto, e começa a batalha: querer sair à rua e querer ficar sentado e quieto.
A palavra "ioga" significa "ajuntar". O próprio termo "ajuntar" é impróprio, porque implica dualidade. Provavelmente a ioga, como uma determinada série de exercícios e movimentos respiratórios, foi inventada na Índia há milhares de anos. Sua finalidade é manter as glândulas, os nervos e todo o organismo funcionando saudavelmente, sem remédios, e sobremodo sensível. O corpo precisa ser sensível, porque de outro modo não se pode ter um cérebro claro. É fácil ver este simples fato que precisamos ter um corpo perfeitamente são, sensível, alerta, e um cérebro a funcionar muito claramente, não emocionalmente, não pessoalmente; o cérebro é então capaz de colocar-se absolutamente quieto. Mas, como conseguir isso? Como pode o cérebro, que anda sempre tão ativo — não apenas durante o dia, mas também quando dormimos — ficar em completo repouso, inteiramente quieto? Decerto, nenhum método produzirá esse efeito, já que todo método implica repetição mecânica, que entorpece e embota o cérebro; e, nesse estado de embotamento, vocês pensam ter experiências maravilhosas!
Como pode o cérebro, que anda sempre a monologar ou a palrar, sempre julgando, avaliando, "gostando" e "não gostando", constantemente variando, quietar-se de todo?[...] Pode o cérebro imobilizar-se sem a ingerência de nenhum fator externo? Não descobrindo nenhuma maneira de aquietá-lo, certas pessoas esperam pela graça de Deus, rezam, têm fé, absorvem-se em Jesus, nisto ou naquilo. É bem evidente que essa absorção numa coisa externa só pode verificar-se numa mente embotada, entorpecida. O cérebro está em contínua atividade, do despertar ao adormecer — e mesmo então a atividade cerebral prossegue. Essa atividade, na forma de sonhos, é o mesmo movimento do dia, continuando durante o sono. O cérebro nunca tem um momento de repouso, nunca diz "Acabei". Leva para as horas de sono os problemas que acumulou durante o dia, e, ao despertarem, os mesmos problemas continuam, ininterruptamente: um círculo vicioso. O cérebro, para que possa aquietar-se, não deve ter sonhos. Quando o cérebro está quieto durante o sono, introduz-se na mente uma capacidade inteiramente nova. Como pode o cérebro, sempre tão intensa e ardorosamente ativo, imobilizar-se, natural e simplesmente, sem nenhum esforço ou coerção? Eu vou lhes mostrar.
Como dissemos, durante o dia o cérebro está incessantemente ativo. Se ao despertarem e olharem pela janela, exclamam "Oh, que chuva!" ou "Que dia maravilhoso, mas quente demais" — já colocaram o cérebro em movimento! Assim, no momento de olharem pela janela, não digam para si mesmos uma só palavra. Isso não significa reprimir as palavras, porém, apenas, compreender que no momento em que dizem "Que linda manhã!" ou "Que tempo horrível!" — o cérebro se coloca em movimento. Mas se, olhando pela janela, observam as coisas sem pronunciarem uma única palavra (e isso não é reprimir a palavra), se ficam apenas observando, sem a imediata intromissão da atividade cerebral, vocês têm então a solução, a chave do problema (de colocar o cérebro quieto). Quando o velho cérebro não reage,, começa a despontar o novo cérebro. Podem observar as montanhas, os rios, os vales, as sombras, as árvores formosas, as maravilhosas nuvens, totalmente iluminadas, além das montanhas — sem pronunciar uma palavra, sem comparar.
Mas isso se torna bem mais difícil quando se observa outra pessoa, porque, aí, já possuem imagens estabelecidas. Observai, ainda assim! Observando assim, com claro percebimento, verão que a ação assume uma extraordinária vitalidade: é a ação completa, que nunca é levada para o próximo minuto. Compreendem?
[...] Tomemos um problema: alguém me insulta, chama-me de "idiota". Instantaneamente, o velho cérebro reage, dizendo "Idiota é você!" Se, antes de o cérebro reagir, me torno perfeitamente cônscio do que foi dito — uma coisa desagradável — abro um intervalo, de modo que o cérebro não pode logo precipitar-se para a arena. Assim, se durante o dia observarem, em seus atos, o movimento do pensamento, perceberão que ele está criando problemas, e que problemas são coisas incompletas e, por conseguinte, têm de ser levados para diante. Mas, se observarem com o cérebro realmente quieto, verão que a ação é completa, instantânea; não se leva para diante o problema, não se leva para diante o insulto, o elogio: é coisa acabada. E, depois, durante o sono, o cérebro já não levará consigo as "velhas" atividades do dia, estará em completo repouso. E, estando o cérebro quieto durante o sono, verifica-se um rejuvenescimento de toda a sua estrutura — desponta a inocência. A mente "inocente" é capaz de ver o verdadeiro — não a complicada mentalidade do filósofo ou do sacerdote.
A mente inocente abrange aquele todo em que está contido o corpo, o coração, o cérebro, e a mente propriamente dita. A mente inocente, jamais atingida pelo pensamento, pode ver o verdadeiro, o real. Isso é meditação. Para alcançar-se aquela maravilhosa beleza da verdade e seu êxtase, é necessária lançar a base adequada. Essa base é a compreensão do pensamento, que gera medo e nutre prazer; é a compreensão da ordem e, portanto, virtude. Fica-se, assim, livre de todo conflito, de toda agressividade, brutalidade e violência. Lançada essa base da liberdade, desponta uma sensibilidade que é a culminância da inteligência, e a vida do homem se torna, em todos os seus aspectos, inteiramente diferente.
Krishnamurti — A questão do impossível
Krishnamurti — A questão do impossível