DEUS
Pupul Jayakar: Krishnaji;
em um nível, seu ensinamento é muito materialista, porque se nega a aceitar
nada que não tenha um ponto de referência. Está baseado em “o que é”. Você
inclusive tem ido tão longe como para dizer que a consciência são as células
cerebrais, e que não há outra coisa. E que o pensamento é matéria, e nada mais.
Bem, agora,
nestes termos, qual é a sua atitude em relação a Deus?
Krishnamurti:
Eu não sei o que você entende por
materialista, e o que entende por Deus.
Pupul Jayakar:
Você tem dito que o pensamento é matéria, que as próprias células cerebrais são
a consciência. Pois bem, estas são coisas materiais, mensuráveis, e nesse
sentido, sua suposição seria parte da posição materialista, na tradição dos “Lokaiatas”. Que lugar ocupa
Deus nos termos de seus ensinamentos? Deus é matéria?
Krishnamurti: Você entende claramente a palavra “material”?
Pupul Jayakar: Material é aquilo que se pode medir.
Fritz Wilhelm: Não
há tal coisa como o material, Pupul.
Pupul Jayakar: O
cérebro é matéria.
Fritz Wilhelm: Não,
é energia. Tudo é energia, mas essa energia não é observável. Você somente pode
ver os efeitos dessa energia, aos quais chama de “matéria”. Os efeitos da energia
aparecem como matéria.
Deshpande: Quando
ela disse matéria, provavelmente, quer dizer energia. Energia e matéria são
convertíveis entre si, mas seguem sendo mensuráveis.
Krishnamurti:
Isso é, você disse que a matéria é
energia e que a energia é matéria. Não se pode separá-las para dizer, isto é
energia pura e isto é matéria pura.
Deshpande: O
material é a expressão ou aparência da energia.
Fritz Wilhelm: O
que chamamos de matéria não é senão energia. Nada mais é que energia apreendida
pelos sentidos da percepção. Não há tal coisa como a matéria. É só um modo de
falar.
Pupul Jayakar: Você
vê, Krishnaji, se investigamos qualquer aspecto de seu ensinamento, ele está
baseado no observável. Os instrumentos para ouvir, para ver, estão dentro do
campo da capacitação sensorial. Ainda quando você possa falar de não nomear, o
que é observável, o é através dos instrumentos do ver, do escutar. Os
instrumentos dos sentidos são os únicos que temos para observar.
Krishnamurti:
Nós conhecemos o ver sensorial, o
ouvir, o tocar sensorial, e o intelecto que é parte de toda a estrutura. Qual é
agora a pergunta?
Pupul Jayakar: Nesse
sentido, o ensinamento é materialista em oposição ao metafísico. Sua posição é
uma posição materialista.
Fritz Wilhelm: Se
se quer ater-se aos fatos, o único instrumento que temos é o cérebro. Bem,
agora, é o cérebro todo, ou é um instrumento nas mãos de alguma outra coisa? Se
você diz que só existe o cérebro, essa seria uma posição materialista. Se diz
que o instrumento é material, então o ensinamento não é materialista.
Pupul Jayakar: A
posição tântrica e d antiga alquimia são em um sentido, similares ao
posicionamento de Krishnaji. Tudo tem que ser observado. Nada deve ser aceito,
que não se tenha visto com os olhos do observador. Vendo isto, agora pergunto:
qual é a sua visão de Deus? Eu sinto que esta é uma pergunta muito legitima.
Fritz Wilhelm: Você
pode explicar o que é Deus?
Krishnamurti:
O que você entende por Deus? Temos
explicado a energia e a matéria, e agora você pergunta o que entendemos por
Deus. Eu jamais emprego a palavra “Deus” para indicar algo que não seja Deus. O
que o pensamento tem inventado não é Deus. Se ele foi inventado pelo
pensamento, continua dentro do campo do tempo, dentro do campo do material.
Pupul Jayakar: O
pensamento diz que eu não posso ir mais longe.
Krishnamurti: Mas ele pode inventar a Deus devido a não poder ir
mais longe. O pensamento conhece suas limitações, por isso trata de inventar o
ilimitado ao que chama Deus. Essa é a situação.
Pupul Jayakar: Quando
o pensamento vê suas limitações, ele ainda está consciente de uma experiência
que está mais além dele mesmo.
Krishnamurti: Ele inventou o pensamento. É possível ir mais além somente quando o
pensamento toca a seu fim.
Pupul Jayakar: Ver
as limitações do pensamento não é conhecer o pensamento.
Krishnamurti:
Portanto, devemos investigar o
pensamento e não a Deus.
Deshpande: Quando
o pensamento vê sua própria limitação, praticamente a desmascara.
Krishnamurti:
O pensamento se dá conta de que é
limitado, ou é o pensador quem se dá conta de que o pensamento é limitado? Veja
o ponto. É o pensador — que é produto do pensamento — quem se dá conta disso?
Pupul Jayakar: Por
que você traz a distinção?
Krishnamurti: O pensamento criou o pensador. Se o pensamento não
existisse, não haveria um pensador. É o pensador o que observando as limitações
diz: “eu sou limitado”, ou o pensamento mesmo se dá conta de suas limitações, a
qual implica em duas posições diferentes? Sejamos claros em tudo isto. Estamos
explorando. Há os dois, o pensamento e o pensador; o pensador, observando o
pensamento, vê mediante o raciocínio — que é o material, que é energia — que a
energia é limitada. O pensador pensa isto no reino do pensamento.
Deshpande: Quando
o pensador diz que o pensamento é limitado, ambos — pensamento e pensador — se
tornam sinais de interrogação.
Krishnamurti:
Não, ainda não. O pensamento é
memória, é a resposta do conhecimento. O pensamento tem produzido esta coisa
chamada o pensador. O pensador se separa então do pensamento; ao menos, pensa
que está separado do pensamento. O pensador, observando o intelecto, à
capacidade de raciocínio, vê que esta é muito limitada. Portanto, o pensador
condena a razão; o pensador diz que o pensamento é muito limitado, o que é
condenar. Então diz que deve haver algo mais que o pensamento, algo fora deste
limitado campo. É isso o que fazemos. Agora tomamos as coisas tais como são. É
o pensador quem pensa que o pensamento é limitado, ou o pensamento mesmo se dá
conta de que é limitado? Não sei se você vê a diferença.
Fritz Wilhelm: O
pensamento é anterior ao pensador.
Pupul Jayakar: O
pensamento pode terminar, mas, como pode o pensamento sentir que é limitado?
Krishnamurti: Esse é o ponto. O pensador vê que é limitado, ou é o
pensamento quem diz: “é impossível ir mais além”? Vê o problema?
Fritz Wilhelm: Por
que você separa o pensador do pensamento? Há muitos pensamentos, entre os quais
o pensador é também outro pensamento. O pensador é o que guia, o que ajuda, o
que censura; ele é a coisa que mais domina.
Krishnamurti: O pensamento tem passado por tudo isto, e tem
estabelecido um centro a partir do qual opera o observador; e o observador,
observando o pensamento, diz que o pensamento é limitado.
Deshpande: De
fato, ele só pode dizer: “não sei”.
Krishnamurti:
Ele não diz isso. Você está
introduzindo um fato não observável. Em primeiro lugar, o pensamento, que é a
resposta do conhecimento, ainda não se deu conta de que é muito limitado. O que
tem feito com o fim de ter segurança, é reunir vários pensamentos que tem se
convertido no observador, o pensador, o experimentador. Então formulamos a
pergunta: o pensador se dá conta de que é limitado, ou é o próprio pensamento o
que se dá conta disso? Ambas as coisas são completamente diferentes.
Fritz Wilhelm: Nós
só conhecemos um estado onde o pensador pensa pensamentos.
Krishnamurti: Isso é tudo o que conhecemos. Portanto, o pensador
diz invariavelmente que devemos ir mais além do pensamento, e é assim que
pergunta: “pode-se anular a mente? Deus existe?”
Fritz Wilhelm: Você
está concedendo existência ao pensador em lugar do pensamento.
Krishnamurti: O pensador está modificando, adicionando. O pensador
não é uma entidade permanente, como tampouco o pensamento o é. Mas o pensador
acomoda, modifica a todo tempo; isso é importante, eu posso estar equivocado. É
importante descobrir se o pensador vê que é limitado ou se é o pensamento como
ideia — sendo a ideia, pensamento organizado — o tal que pensa que é limitado.
Bem, quem é o que o diz? Se o pensador diz que é
limitado, então o pensador diz que deve fazer algo mais; diz que deve haver
Deus, que deve haver algo mais além do pensar, correto? Se o próprio pensamento
se dá conta de que não pode ir mais além de sua amarra, mais além de suas
arraigadas células cerebrais — as células cerebrais como o material, como a
raiz do pensar — se o pensamento se dá conta disso, então, o que ocorre?
Pupul Jayakar: Você
vê, senhor, essa é toda a questão. Se em seu ensinamento você não passasse
desse ponto, eu o compreenderia. Se você deixasse as coisas aí; no ponto em que
o próprio pensamento vê isto, em que as próprias células cerebrais o veem, e
ficam nesse ponto, então haveria uma total coerência e lógica; mas você sempre
está se movendo, vai mais além disto e aí não é possível usar palavra alguma.
Portanto, chame-o como queira, mas se introduziu o sentimento de Deus.
Krishnamurti:
Não aceitarei a palavra “Deus”.
Pupul Jayakar: Por
meio da razão, da lógica, você nos conduz até um ponto. Mas não deixa isso aí.
Krishnamurti: Certamente que não.
Pupul Jayakar: Esse
é o verdadeiro paradoxo.
Krishnamurti: Recuso-me a aceitá-lo como um paradoxo.
Fritz Wilhelm: A
matéria de algo e seu significado não são intercambiáveis. Pupul está
misturando ambas as coisas.
Krishnamurti: O que ela disse é bastante simples. “O pensador e o
pensamento; nós podemos ver toda a lógica disso — do que você disse — mas você
não o deixa aí. Segue adiante”.
Pupul Jayakar:
Penetra numa abstração. Eu digo que o pensamento e o pensador são
essencialmente uma mesma coisa, mas que o homem os tem separado para sua
própria proteção, permanência, segurança. Nós perguntamos: o pensador que pensa
pensamentos é limitado e, por isso, postula algo que está mais além, por que
deve ter segurança? Ou é o próprio pensamento o que diz que qualquer que seja o
movimento, por sutil, óbvio ou racional que seja, o pensamento segue sendo
limitado? Mas Krishnaji vai mais além que isso e penetra em abstrações.
Krishnamurti:
Eu dou-me conta de que o pensador e o
pensamento são muito, muito limitados, e não me detenho aí. De fazer isso, isso
seria uma filosofia claramente materialista. A isso é que têm chego muitos
intelectuais no Oriente e Ocidente. Mas eles estão sempre amarrados, e estando
amarrados se estendem, mas permanecem amarrados a um poste por suas
experiências, suas crenças.
Bem, agora, o que ocorre se posso responder a pergunta
a respeito de se o próprio pensamento se dá conta de suas limitações? O
pensamento sabendo que ele é energia, que é memória, sofrimento... percebe
então que qualquer movimento do pensar é consciência, que é o conteúdo da
consciência e que sem o conteúdo não há consciência. O que ocorre então? O
pensamento se cala completamente — este é um fato observável, comprovável. O
silêncio que advém não é resultante de disciplina. O que ocorre, então?
Pupul Jayakar: Senhor,
deixe-me fazer uma pergunta. Nesse estado continua o registro de todos os
ruídos. O que é a máquina que registra?
Krishnamurti: O cérebro.
Pupul Jayakar: O
cérebro é o material. Portanto, este registro continua.
Krishnamurti:
Continua a todo tempo, tanto se se é
consciente como se não se é consciente disso.
Pupul Jayakar: Você
pode nomeá-lo, mas o sentido da existência prossegue.
Krishnamurti: Não. Você emprega a palavra “existência”, mas é o
registro o que prossegue. Quero aqui estabelecer a diferença.
Pupul Jayakar: Não
nos afastemos. Não é que toda a existência se apagará, como ocorrerá se o
pensamento terminar.
Krishnamurti: Ao contrário.
Pupul Jayakar: Existência: o sentido da existência, “é”.
Krishnamurti: A vida prossegue mais sem o “eu” como observador. A
vida continua, o registro continua, a memória continua, mas o “eu” criado pelo
pensamento, o “eu” que é o conteúdo da consciência, esse “eu” desaparece;
obviamente, porque esse “eu” é o limitado. Portanto, o pensamento — como o “eu”
— diz: “eu sou limitado”. Isso não significa que o corpo não continue, mas o
centro que é a atividade do “si mesmo” como “eu”, isso não continua. E
novamente isso é lógico, porque o pensamento diz: “sou limitado, não criarei o
“eu” que é uma limitação adicional”. O pensamento percebe isso, e isso
desaparece.
Pupul Jayakar: Se
tem dito que o pensamento criando ao “eu”, é a limitação...
Krishnamurti: O pensamento cria ao “eu” e o “eu” se dá conta de que
é limitado; assim, o “eu” deixa de ser.
Fritz Wilhelm: Quando
isto ocorre, por que nomeá-lo como “pensamento”?
Krishnamurti: Eu não estou nomeando nada. Dou-me conta de que o
pensamento é a resposta do passado. O “eu” está constituído pela soma de
diferentes pensamentos: estes têm criado o “eu” que é o passado; o “eu” é o
passado, e o “eu” projeta o futuro.
Agora todo o fenômeno é um assunto insignificante. Isso
é tudo. Qual é então a seguinte pergunta?
Fritz Wilhelm: O
que esse estado de desesperança tem que ver com Deus?
Krishnamurti:
Não é um estado de desesperança. Ao
contrário, você introduziu a qualidade de desesperança porque seu pensamento
tem dito que não pode ir mais além de si mesmo e, portanto, está desesperado. O
pensamento se dá conta de que qualquer movimento que faça, segue estando dentro
do campo do tempo, seja que o chame de desespero, realização, prazer, medo.
Pupul Jayakar: O
dar-se conta das limitações é então, um estado de desesperança.
Krishnamurti: Não. Você introduz a desesperança. Eu só digo que a
desesperança é parte do pensamento. A esperança é parte do pensamento, e esse
pensamento diz que qualquer que seja o movimento que faça, seja desesperança,
prazer, medo, apego ou desapego, é um movimento do pensar. Quando o pensamento
se dá conta de que tudo isto é um movimento dele mesmo, em diferentes modos,
quando se dá conta disso, se detém. Agora, sigamos em frente.
Pupul Jayakar:
Quero perguntar-lhe algo. Você disse que a existência continua sem o “eu”. Quem
é que segue adiante?
Krishnamurti:
Afastamos-nos da palavra “Deus”.
Pupul Jayakar: Se
falo uso da palavra “Deus”, está no campo do pensamento, então, descarto-a.
Portanto, digo que se o pensamento — como “eu” — tenha cessado, qual é o
instrumento de investigação?
Krishnamurti:
Chegamos num ponto em que não há
movimento do pensar. Ao investigar dentro de si mesmo tão profundamente como o
estamos fazendo agora, tão completamente, tão logicamente, o pensamento se
deteve. Agora pergunto: Qual é o novo fator que surgiu e que irá investigar? Ou
melhor, qual é o novo instrumento da investigação? Já não é o velho
instrumento, estão de acordo? O intelecto, sua agudeza de pensamento, a própria
qualidade do pensamento, a objetividade, o pensamento que tem criado tremenda
confusão, tudo isso tem sido negado.
Pupul Jayakar: O
pensamento é a palavra e o significado. Se na consciência há um movimento em
que não existe a palavra e o significado, há alguma outra coisa que está
operando. O que é esta coisa?
Krishnamurti: Temos dito que o pensamento é o passado, o pensamento
é a palavra, o pensamento é o significado, o pensamento é o resultado do
sofrimento. E o pensamento diz que eu tenho tratado de investigar e que minha
investigação, tem me levado a ver minhas próprias limitações. Qual é agora a
seguinte pergunta?O que então a investigação? Se você vê claramente as
limitações, o que é que está ocorrendo?
Pupul Jayakar:
Só existe o ver.
Krishnamurti:
Não. O ver é visual, e o ver
sensorial depende da palavra, do significado.
Pupul Jayakar: Depois
do que temos dito, só está operando o ver.
Krishnamurti: Quero ser claro. Você disse que aí está o ver com sua
percepção sensorial. Temo ido mais além disso.
Pupul Jayakar: Quando
você usa a palavra “ver”, esse é um estado em que estão funcionando todos os
instrumentos?
Krishnamurti: Sim, categoricamente.
Pupul Jayakar: Portanto,
se só funciona um instrumento por vez, então, este se acha preso ao pensamento.
Quando há um ver e não um escutar, esse ver está preso ao pensamento. Mas
quando todos os instrumentos sensoriais estão funcionando, então nada há
suscetível de achar-se preso. Essa é a única coisa que se pode conhecer. Essa é
a existência. De outro modo, a morte é o que haveria.
Krishnamurti: Estamos de acordo. Qual é então a pergunta seguinte?
O que é então a percepção? Que lugar ocupa a investigação? O que há que
investigar aí, o que há para explorar? Correto? O que você tem a dizer? Ficaram
todos em silêncio?
Pupul Jayakar: Quando
o pensamento cessa, não há nada mais que investigar.
Krishnamurti: Quando o pensamento cessa, o que mais há para
investigar então? Quem é então o investigador? Ou melhor, quem ou o que é o
instrumento que investiga?
Pupul Jayakar: Sempre
se tem considerado a investigação como um movimento para um ponto.
Krishnamurti: É um movimento para frente?
Pupul Jayakar: Estamos
tratando de investigar a Deus, a verdade, mas como o pensamento cessou, não existe
um ponto para o qual possa haver um movimento.
Krishnamurti:
Vá devagar, não afirme
categoricamente. Tudo quanto você pode dizer é que não há movimento, não há
movimento para frente. O movimento para frente implica pensamento e tempo. Isso
é tudo quanto estou tratando de averiguar. Quando você realmente nega isso,
quando nega o movimento externo ou interno, o que é que ocorre?
Agora começa uma investigação de um tipo completamente
diferente. Em primeiro lugar, o cérebro, se dá conta de que necessita de ordem,
segurança, que necessita estar a salvo para funcionar sadiamente, felizmente,
facilmente. Essa é a sua máxima exigência; agora o cérebro se dá conta de que
qualquer movimento que venha dele mesmo está no campo do tempo e, portanto, no
campo do pensamento. Então, há movimento em absoluto? Ou existe um tipo
completamente diferente de movimento, qualitativamente diferente, que não tem
relação com o tempo, com o processo, com o movimento para frente ou para trás?
Agora nossa pergunta é: existe algum outro tipo de movimento? Há algo que não
esteja relacionado com o tempo?
Qualquer movimento, até onde o cérebro esteja
envolvido, se acha no campo do tempo — seja esse movimento externo ou interno.
Veja isso. O cérebro se dá conta de que ainda quando possa pensar que se
estende infinitamente, segue sendo muito pequeno.
Bem, existe u movimento que não esteja relacionado com
o pensar? Esta pergunta é feita pelo cérebro, não por alguma entidade superior.
O cérebro se dá conta de que qualquer movimento no tempo é dor. Portanto,
naturalmente se abstém de todo movimento. Então se pergunta se há algum outro
movimento que ele realmente não conheça, que ele nunca tenha experimentado.
Isso significa que se deve retroceder à questão da
energia. Há energia humana e energia cósmica. Tem-se estado sempre considerando
a energia humana como separada, limitada, incompleta, dentro de seu campo
limitado. Agora a batalha chegou ao fim, entende o que quero dizer? Percebe?
Você tem considerado sempre que o movimento da energia estava dentro do campo
limitado, e a separava da energia cósmica, universal. Agora o pensamento se deu
conta de sua limitação e em consequência, a energia humana se converteu em algo
completamente diferente. A divisão — o cósmico e o humano — é criada pelo
pensamento. A divisão cessa e outro fator entra em jogo. Para uma mente que não
se acha centrada em si mesma, a divisão não existe. O que há que investigar
então? Ou, qual é o instrumento da investigação? Há uma investigação, mas não é
a investigação a qual estou acostumado: o exercício do intelecto, o raciocínio
e tudo isso. E esta investigação não é intuição. Agora o cérebro se dá conta de
que nele não há divisão alguma. Portanto, não está dividido como algo cósmico,
humano, sexual, cientifico. A energia não tem divisões.
O que ocorre então? Começamos perguntando se o
pensamento é materialista. O pensamento é material porque o cérebro é material.
Evidentemente, o é. São poucos os que têm ido mais além.
Fritz Wilhelm: A
residência tem um significado porque Pupul mora nela.
Krishnamurti: Vive nela com seus móveis, seus medos, esperanças,
disputas.
Fritz Wilhelm:
Você disse que a consciência é o conteúdo, mas eu pergunto mais. Qual é o
significado, não a descrição?
Krishnamurti: Fritz quer dizer o significado de minha existência.
Nenhum, em absoluto...
Fritz Wilhelm:
Não é questão de que se queira ter um significado? Qual é o significado de
Krishnamurti? Pode-se negar o ser? Então, se está aniquilado. Dentro está o
indivíduo, o censor, a existência, a consciência, o corpo; e há muito mais — a
alma abstrata; finalmente, uma alma ao redor da qual tudo tropeça. Pode-se
negar isso?
Krishnamurti: A alma é o “eu”.
Pupul Jayakar: É
aí onde mora a dificuldade. A pergunta de Fritz é válida porque a consciência
de si mesmo é a cosia mais difícil de ser negada. Se se tenta negar o “ego” e o
“si mesmo”, nunca poderá fazê-lo. Mas se procede como acabamos de fazê-lo, isso
é tudo quanto se necessita.
Fritz Wilhelm:
Qual é o significado de tudo isto? Por que o “eu” deve terminar? O significado
dos átomos é o organismo, o significado do organismo é a consciência, por que
isso deve se deter aí?
Krishnamurti: Não se detém aí. Detém-se aí somente quando o
pensamento se da conta de suas limitações. Voltemos. Que instrumento é que vai
investigar? — instrumento no qual não há separação, no qual não existe o
investigador e o investigado. Eu vejo que o pensamento realmente não tem
sentido. Só o tem dentro de seu limitado campo. Agora ele pergunta — não como
descobridor que descobre algo —, o que é que há para ser descoberto.
Que movimento é esse que não é nem interno e nem
externo? Por acaso é a morte? É a completa negação de tudo? O que ocorre então?
O que é a investigação? Quando termina o pensamento, nesse fato incluímos a
tudo; incluímos o significado, a consciência, o conteúdo da consciência, o
sucesso, o fracasso. Tudo está dentro desse campo. Quando isso termina, o que
ocorre então? O cérebro existe, existe o ato de registrar — a parte que está
registrando. O registro continua. Tem que continuar; de outro modo, o cérebro
enlouqueceria. Mas está a totalidade, que se acha completamente quieta. Já não
está envolvido o pensamento. O pensamento não penetra para nada nesse campo. O
pensamento interfere em um campo muito pequeno do cérebro.
Pupul Jayakar: É
um fato o de que usamos uma ínfima parte de nosso cérebro.
Krishnamurti: Há a outra parte.
Fritz Wilhelm: Não
há razão alguma para supor que o remanescente do cérebro que usamos, possa
chegar a ser algo mais que outra parte da consciência.
Krishnamurti:
Não, observe bem isso.
Fritz Wilhelm:
Ainda a partir do ponto de vista biológico, você não está certo. A dimensão do
cérebro que se pode usar determina a extensão da consciência. Se você a usa
mais, a consciência será maior.
Krishnamurti: O velho cérebro é muito limitado. O cérebro inteiro é
o novo que não havia sido usado. A qualidade total do cérebro é nova; o
pensamento, que é limitado, funciona em um campo limitado. O velho cérebro não
está ativo porque o limitado deixou de ser.
Pupul Jayakar: Então,
você diz que se uma pequena parte do cérebro é vista como limitada, acaba-se a
limitação, é assim?
Krishnamurti: Não, a limitação continua.
Pupul Jayakar: Mas
devido a que ela não abarca a totalidade do cérebro nem coloca limites a si
mesma, o resto não utilizado do cérebro se torna operável. Então, esta é outra
vez uma posição totalmente materialista.
Krishnamurti: Concordo. Continue, avance mais.
Pupul Jayakar: Isso
é tudo. Não há mais o que dizer.
Fritz Wilhelm:
Eu tenho uma objeção a fazer. Ainda que o cérebro inteiro seja usado em
plenitude, ele seguirá sendo a consciência, uma consciência tremendamente
ampliada.
Krishnamurti:
Depende se existe um centro.
Deshpande: Se há
um centro, então você não está usando o outro.
Fritz Wilhelm:
Nós temos estado operando somente dentro do limitado. Agora, se você se move no
outro, como sabe que essa consciência não tem uma direção localizada em um
centro?
Krishnamurti: A localização tem lugar quando o pensamento opera
como dor, desespero, sucesso, quando o pensamento funciona como “eu”. Quando o
“eu” se acha em silêncio, onde está a consciência?
Fritz Wilhelm: Depois
disso, tudo se torna conjecturas. Você presume que o único fator que pode
projetar o centro é uma desilusão, uma ferida. O pensamento é limitado.
Portanto, se projeta a si mesmo. Por que deve a localização depender da
limitação?
Krishnamurti: A localização em um centro tem lugar quando o
pensamento está funcionando.
Pupul Jayakar: Se
o pensamento cessa com sua palavra e seu significado, qualquer coisa que esteja
operando então, não é reconhecível como palavra e significado.
Fritz Wilhelm:
Você estreita o campo. Eu ainda questiono legitimamente que a frustração seja o
único ponto de localização.
Krishnamurti: Eu inclui tudo, não só a frustração senão tudo quanto
se encontra no campo do tempo. Agora vejo que as células cerebrais tem operado
em um campo muito pequeno, e que esse pequeno campo com sua energia limitada
tem criado toda adulteração. O velho cérebro se aquieta. O que temos chamado
quietude, é a limitação que se aquieta. O ruído disso se acabou e esse é o
silêncio da limitação. Quando o pensamento se dá conta disso, então o próprio
cérebro, todo o cérebro, se aquieta.
Pupul Jayakar: Sem
dúvida, registra.
Krishnamurti: Certamente. O ruído prossegue.
Pupul Jayakar: A
existência continua.
Krishnamurti: A existência sem nenhuma continuidade. O que ocorre,
então? Todo o cérebro se aquieta, não a parte limitada.
Fritz Wilhelm:
Para nós é a mesma coisa.
Pupul Jayakar: Se
não se conhece o outro e o outro não é manipulável, o que para nós se aquieta é
só a limitação.
Krishnamurti: Portanto, essa quietude não é quietude.
Pupul Jayakar:
Você está introduzindo algo novo...
Deshpande: O que
lhe faz dizer que nós não empregamos todo o cérebro?
Fritz Wilhelm: Eu
digo que todo meu cérebro está funcionando, mas que não sou consciente dele
porque fecho a mim mesmo dentro do campo limitado.
Krishnamurti: Por favor, primeiro detenha o movimento do pensar,
depois veja o que ocorre.
Deshpande:
Quando o pensamento se detém, as coisas ocorrem por si mesmas; é necessário
então pesquisar no que ocorre?
Pupul Jayakar:
Quero fazer aqui uma pergunta. Você tem dito que o cessar da limitação do “eu”
como pensamento não é o silêncio.
Krishnamurti: Essa é a beleza disso.
Pupul Jayakar:
Deixe-me pegar o sentimento disso. Tenha a bondade de repeti-lo.
Krishnamurti: Disse que quando o pensamento com suas limitações diz
que está em silêncio, não está em silêncio. O silêncio tem lugar quando toda a
condição do cérebro está silenciosa; a coisa total, não só uma parte dela.
Fritz Wilhelm:
Por que todo o cérebro deve cair em silêncio?
Krishnamurti: O cérebro total sempre tem estado silencioso. O que
eu chamo de silêncio é o cessar do “eu”, do pensamento que tagarela
constantemente. O constante tagarelar é o pensamento. Esse tagarelar se deteve
completamente. Quando o tagarelar chega a seu fim, há uma sensação de silêncio,
mas isso não é silêncio. O silêncio tem lugar quando a mente total, o cérebro —
ainda que registrando — está completamente quieto, porque a energia está
quieta. Ela pode emergir explosivamente, mas a base da energia é quietude.
Bem, agora, a paixão existe somente quando não há
movimento da dor. Você compreende o que eu disse? A dor é energia. Quando há
dor, existe o movimento de fuga através de compreender essa dor, de suprimi-la.
Mas quando não há movimento algum na dor, se produz uma explosão na paixão. A
mesma cosia ocorre quando não há movimento — externo ou interno —, quando não
há movimento do silêncio que o “eu” tenha criado por si mesmo com sua
limitação, para conquistar algo mais. Quando há absoluto silêncio, silêncio
total e, portanto, não há movimento de nenhum tipo, quando tudo está
completamente quieto, há um tipo completamente diferente de explosão que é...
Pupul Jayakar: ...Deus.
Krishnamurti:
Nego-me a usar a palavra “Deus”, mas
este estado não é uma invenção. Não é uma coisa produzida pelo pensamento astuto,
porque o pensamento se acha completamente imóvel. Por isso é importante explorar
o pensamento, e não “o outro”.
Bombaim, 9 de
fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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