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sábado, 7 de abril de 2018

A percepção libertária está fora do tempo


A percepção libertária 
está fora do tempo

Acho importante compreender que a liberdade está no começo e não no fim. Pensamos que a liberdade é uma coisa que se precisa alcançar, que a libertação é um estado ideal da mente, alcançável pouco a pouco, através do tempo, por meio de várias práticas; mas tal maneira de ver, para mim, é completamente errônea. A liberdade não é uma coisa que se precisa alcançar; a libertação não é uma coisa que se deve ganhar. Liberdade ou libertação é o estado mental indispensável para o descobrimento de qualquer verdade, qualquer realidade e, portanto, não pode ser um ideal; ela tem de existir exatamente no começo. Não havendo liberdade no começo, não pode haver momentos de compreensão direta, porque, em tal caso, todo o pensar está limitado, condicionado. Se vossa mente está presa a qualquer conclusão, qualquer experiência, qualquer forma de conhecimento ou crença, ela não é livre e não pode, em tais condições, perceber o que é a verdade.

Isto é uma coisa que tem de ser sentida e percebida imediatamente e que não se presta a discussões intermináveis, — porque é um fato. Como pode uma mente mutilada, senhoreada por uma crença, um dogma, ou por seus próprios conhecimentos e experiências, ter capacidade para explorar e descobrir? A liberdade, pois, é essencial para se descobrir o que é a Verdade; e só aquele indivíduo que não é mero resultado do "coletivo", pode ser livre. Para que a mente possa habilitar-se à liberdade, há, evidentemente, necessidade de aplicação — a aplicação que acompanha a atenção; e é sobre isso que desejo falar nesta tarde. É essencial, acho eu, descobrir a maneira correta de escutar, porque, no próprio ato de escutar há esclarecimento. O esclarecimento é imediato, e não resulta de argumentação ou conhecimento comparativo, quando se escuta de maneira completa. É muito difícil escutar de maneira completa, quando não aplicamos toda a nossa atenção; mas é só quando escutamos completamente uma coisa, que há compreensão imediata.

Agora, se observardes a vossa própria mente, enquanto estais aqui sentados, notareis que estais ouvindo através de várias cortinas — a cortina do que sabeis, do que ouvistes dizer ou lestes, a cortina das vossas próprias experiências; e estas cortinas, com efeito, impedem o escutar. Nunca escutais realmente, estais sempre interpretando o que ouvis, de acordo com vosso "fundo" próprio (background), vossos preconceitos, de acordo com as conclusões a que chegastes. Por isso, não há escuta. E só é possível a transformação imediata quando se escuta completamente, o que significa não permitir interferência das coisas anteriormente aprendidas. Escutar completamente significa: não julgar, não avaliar - de modo que todo o nosso ser esteja atento. E quando se escuta por essa maneira, verifica-se imediato esclarecimento. Esse esclarecimento é liberdade, libertação imediata, fora do tempo.

Parece-me necessário diferençar entre "aprender" e "ser instruído”. Quase todos viestes aqui com o fim de escutar uma pessoa que pensais irá ensinar-vos alguma coisa; e, assim, vossa atitude perante este orador é a de quem espera ser instruído por um instrutor. Mas eu acho que não há possibilidade de ensinar; o que se pode é só aprender, e é muito importante compreender isto. Quando um indivíduo que escuta um orador, o considera como uma pessoa que lhe está ensinando alguma coisa, esta atitude cria e mantém a separação entre discípulo e mestre, entre o que sabe e o que não sabe. Mas só há possibilidade de aprender; e acho importante compreender isso desde o começo, para que se estabeleça a correta relação entre nós. O homem que diz que sabe não sabe. O homem que diz ter alcançado a libertação, não a "realizou". Se pensais que ides aprender de mim uma coisa que eu sei e vós não sabeis, tornar-vos-eis meu seguidor; e aquele que segue, nunca descobrirá a Verdade. Eis porque tanto importa compreender isso.

Um homem só pode ter conhecimento de coisas já experimentadas, não pode ter conhecimento do desconhecido. O desconhecido se torna existente de momento a momento; não se pode juntar nem acumular; sendo atemporal, não pode ser guardado, para uso. O guru, o chamado instrutor que afirma que sabe, só pode saber as coisas que já experimentou; e o que ele experimentou é coisa condicionada, do tempo e, portanto, não é verdadeira. É essencial, pois, para que possamos compreender-nos mutuamente, estabelecer-se a relação correta entre nós, desde o começo. Não me estais escutando, para serdes instruído por mim; estais escutando para aprender. A vida é um "processo" de aprender; mas não se pode aprender, acumulando. Como se pode aprender, se nossa mente só se interessa em acumular e em servir-se de cada aquisição nova para aumentar sua acumulação?

Prestai atenção, senhores: Quando dizemos "Preciso aprender", isto significa que, no processo de aprender, queremos armazenar as coisas aprendidas, com o fim de sabermos mais, não é exato? Este modo de aprender é essencial na aquisição de conhecimentos técnicos. Se quereis aprender a construir uma ponte, precisais acumular os conhecimentos necessários, se sois cientista, precisais conhecer os experimentos e descobertas dos outros cientistas. Esta espécie de conhecimento é essencial ao bem-estar físico do homem. Mas não falo de conhecimento neste sentido. Mesmo na ciência, não adorais nem seguis uma certa pessoa; seguis os fatos, e não os indivíduos. O próprio processo de experimentação, nas ciências, produz os descobrimentos correspondentes. Se sois um grande cientista não tendes ninguém para guiar-vos ao descobrimento, na experimentação; estais constantemente examinando, eliminando, explorando, investigando, com o fim de descobrir. Mas nunca procedemos assim, em relação à nossa vida interior, nossa vida religiosa. E isso é muito mais importante do que o mero descobrimento de fatos científicos; porque os fatos psicológicos podem ser alterados, para seus próprios fins, pela mente egocêntrica, a mente que só se interessa por si mesma e seu próprio progresso.

O que aqui nos interessa é compreender o que é a verdade, o que é a vida religiosa, a vida rica. Se apenas sois instruído por uma pessoa que diz que sabe ou que considerais ter alcançado alguma excelência, estais criando uma separação entre vós e essa pessoa; e fica havendo, sempre, o mestre e o discípulo — o mestre a subir cada vez mais alto, e o discípulo a segui-lo. Prevalece, então, um estado de desigualdade. E a desigualdade, no terreno espiritual, é antiespiritual, imoral, porque com vos tornardes seguidor destruís a vós mesmo.

Compreendei esta verdade muito simples: enquanto estais seguindo outra pessoa, não importa quem seja ela, nunca descobrireis o que é eterno, "o outro estado" existente além dos limites da mente. Necessita-se, pois, de liberdade, exatamente no começo — não liberdade para escolherdes os vossos vários gurus, pois isto não é liberdade, — porém, liberdade para investigar, o que significa que não se deve seguir ninguém. Por conseguinte, não deve haver guru, nem mestre, nem livro sagrado. Para ser capaz de descobrir o que é verdade, a mente deve ser livre; e a mente não está livre quando pejada de conhecimentos acumulados e de experiências dela própria. "Aprender" é um constante processo de eliminação do que se está acumulando, eliminação, a fim de se continuar descobrindo.

A mente que se deixou prender ao Gita, ao Alcorão, à Bíblia, ou a certa crença, nunca será capaz de aprender; só é capaz de seguir; e ela segue, porque deseja segurança. Enquanto a mente está desejando um permanente estado de segurança, de não perturbação, enquanto está buscando sua própria perpetuação, por meio de uma crença, ela é, obviamente, incapaz de descobrir o que é Deus, o que é a Verdade.

A mente só pode aprender quando é capaz de renunciar, isto é, de despojar-se constantemente do que está aprendendo. Se aprender é apenas uma operação de adição, então não há aprender. Percebei este fato. Enquanto a mente está acumulando, amontoando, como pode aprender, visto que tudo o que aprender será sempre traduzido de acordo com o que já acumulou? Quando há acumulação, não pode haver o movimento do aprender. Porque só quando está livre para explorar, a mente é capaz de aprender. Se a mente percebe, realmente, este fato, não de maneira argumentativa, de maneira verbal ou, como se diz, intelectualmente, porém profunda e verdadeiramente, nesse caso ela é capaz de encontrar aquilo que se pode chamar bem-aventurança, verdade, Deus, ou como quiserdes.

Assim sendo, parece-me muito importante compreender, exatamente no começo destas palestras, que não vos estou ensinando coisa alguma, porque, se assim não for, estaremos andando em direções diferentes. A bem dizer — afora umas certas coisas — guiar um carro, escrever cartas, etc. — eu nada sei. Por conseguinte, achando-se num estado de não conhecimento, a mente está capacitada para a perfeita investigação. A mente que sabe, não pode investigar; só a mente que está livre do "conhecido", pode encontrar-se com o "desconhecido".

Estas palestras não têm o fim de guiar-vos, dizer-vos o que deveis fazer, porém, antes, a sua intenção é de libertar a mente, para que possa descobrir por si mesma o que lhe cumpre fazer, sem seguir pessoa alguma. Isto significa a quebra da tradição, o completo abandono da ideia de venerar uma certa pessoa, com o fim de achar Deus. Somos criados com a ideia de que o guru é essencial, porque é um homem que sabe e irá dizer-nos o que devemos fazer; estamos completamente imbuídos desta tradição e cumpre cortar-lhe imediatamente a raiz, para que sejamos capazes de compreender as questões que vamos examinar. Vede, senhores, temos medo de ficar privados dos nossos guias, porque nos achamos sumamente confusos; e quando agimos, em meio à nossa confusão, aumenta-se a confusão. Mas a confusão só pode ser dissipada por cada um de nós, sendo esta a razão por que tanto importa o indivíduo compreender a si mesmo. Com a compreensão vem uma ação que não é confusa nem causadora de confusão. O autoconhecimento, portanto, é essencial, mas não o autoconhecimento que se ensina nos livros, porque isso não e autoconhecimento, de modo nenhum, e sim, meramente, vã repetição. O que tem valor é não se supor coisa alguma — que sois Atman, Paramatman, etc. — porém descobrir, nas vossas relações, dia a dia, o que sois realmente, — e isto é aprender a conhecer a si mesmo. Mas não podeis aprender a conhecer a vós mesmo, se guardastes o que ontem aprendestes, porque então comparais ontem com hoje, e esta comparação destrói os novos descobrimentos. O autoconhecimento é uma coisa viva, e não um monte de trastes inúteis, trazidos de ontem.

Quando se percebe isso realmente, como é simples o que se nos mostra! E a mente tem de ser simples, "inocente" — o que significa não trazer as acumulações feitas ontem. Só essa mente pode descobrir o significado de todo este processo do viver, que atualmente é tão caótico, infeliz, violento. Eis porque é necessário compreender, desde o começo, que a vida não é uma escola onde há professor e aluno. A significação da vida deve ser encontrada no processo de viver; pois, desde que começais a acumular, estais morto, como um poço de água estagnada. Torna-se, pois, essencial que a mente seja como as águas correntes do rio, sempre a fluir, o que significa que se necessita de liberdade desde o começo.

Antes de considerarmos juntos algumas das perguntas que aqui tenho, convém esclarecer-nos quanto à nossa intenção. Eu não vou responder a estas perguntas, porque não há resposta para nada. Compreendei isto, por favor, pois do contrário estareis perdendo tempo, ouvindo-me falar. Não há resposta, porém, sim, só o desdobramento do problema e, consequentemente, a beleza do descobrimento da Verdade dentro do próprio problema, A mente que busca solução, nunca investigará o problema, porque está ocupada em obter a solução e seu maior desejo é satisfazer-se. Os mais de nós queremos uma solução agradável e fácil para os nossos problemas. Mas, aqui, não estamos dando solução, estamos desdobrando o problema, descobrindo todas as suas facetas e sutilezas, discernindo o fato extraordinário que se esconde atrás do problema. Afinal, a mente é nosso único instrumento de percepção, e, se se ocupa com uma resposta, ela barra a si própria o caminho da percepção. A mente que só se preocupa com o resultado, a conclusão, obsta a sua própria ação, seu próprio viver; fica fechada entre as paredes de seus próprios argumentos, seus esforços determinados. Assim, tende presente no espírito, que não vou responder a estas perguntas. Estamos tentando, juntos, descobrir a verdade contida no problema, e não estamos procurando solução. Porque a mente, no seu desejo de satisfazer-se, quer uma solução conveniente e agradável e tal solução, tal resposta, não é a verdade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana


sexta-feira, 6 de abril de 2018

A percepção libertária não é produto do tempo


A percepção libertária
não é produto do tempo

SERIA interessante considerarmos o significado de "aprender" e "ensinar" — pois esta questão me parece importante. Porque, afinal de contas, vos reunistes aqui a fim de aprender alguma coisa, não é verdade? Quando ides assistir a uma conferencia, em geral o fazeis com o intuito de vos instruirdes, aprender alguma coisa de que porventura não tendes ainda conhecimento. Assim sendo, acho importante investigarmos o que estamos aprendendo e o que é que se está ensinando aqui, e espero que, no final deste breve preâmbulo, possamos entrar juntos neste assunto, de modo que se torne claro a cada um de nós o que pretendemos, quando vimos assistir a uma reunião desta natureza.

Estais aqui com o fim de aprender alguma coisa deste orador? Podeis ter vindo com a ideia de aprender algo que se vai ensinar; mas se, de modo nenhum, não é esta a intenção do orador, neste caso não se estabelecerá uma comunicação direta entre ele e os seus ouvintes e, por conseguinte, vos ireis daqui sentindo-vos um tanto desapontados e a perguntar-vos o que ganhastes com vossa vinda.

A fim de evitar completamente que isso aconteça, devemos apreciar esta questão de "aprender" e "ensinar", e espero estejais dispostos a fazê-lo junto comigo. É importante esclarecer bem esta ideia de que temos de aprender alguma coisa, porquanto este conceito, penso eu, traz no seu bojo muito malefício.

Pela aquisição de conhecimentos, pode alguém perceber diretamente algo verdadeiro, real, algo diferente das formulações da mente? Estais entendendo o que quero dizer? Existe percebimento direto pela instrução, pelo saber, ou só percebemos diretamente, quando não existe a barreira do saber?

Que se entende por "aprender"? Desejais encontrar a felicidade, a realidade, a serenidade, a liberdade; é isto que em geral estais a buscar, tateando no escuro. Vendo-vos descontentes, insatisfeitos com as coisas, as relações, as ideias, estais em busca de algo transcendental, e procurais um swami, um guru, ou X, que julgais possuir a qualidade que estais a buscar. Desejais aprender como alcançar essa extraordinária integração da totalidade da consciência humana e, assim, vindes aqui com a mesma intenção com que vos aproximais de qualquer instrutor religioso, ou seja a intenção de aprender. Afinal de contas, é esta a intenção da maioria das pessoas aqui presentes, e se tiverdes a bondade de prestar atenção ao que se está dizendo, estou bem certo de que não perdereis em vão o vosso tempo.

Ora, pode-se vos ensinar a ter percebimento direto? Pode realizar-se essa totalidade de integração, essa claridade de percebimento, mediante o saber, a instrução, ou por meio de algum método? O aprender uma técnica ou a observância de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de nós, aprender é adquirir uma nova técnica, substituir o velho pelo novo. Espero me esteja fazendo claro a este respeito.

Existem vários métodos, que bem conheceis, e um ou outro dos quais estais praticando, na esperança de perceberdes diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde não existe "vir a ser", porém apenas Ser. Por essa mesma razão viestes ter aqui: com o propósito de aprender, não é verdade? Desejais saber qual é o método que este orador vos oferecerá para a revelação daquele estado extraordinário. Desejais saber como atingir esse estado, passo por passo, pela prática de certas formas de meditação, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum método ode produzir o claro percebimento; pelo contrário.  

Todo método implica tempo, não é exato? Quando praticais um método, precisais do tempo, como ponte sobre o intervalo entre o que é e o que deveria ser. O tempo é necessário, para se percorrer a distância criada pela mente entre o fato e a dissolução do fato, ou seja, o fim que se quer alcançar. Toda ideologia se baseia nessa ideia de consecução de um fim, através do tempo; e, assim, começamos a adquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vai ajudar-nos a chegar lá.

Pois bem. O percebimento ou experiência direta daquela realidade depende do tempo? Existe um intervalo que é necessário transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso o conhecimento assume extraordinária importância. Então, quanto mais a pessoa souber, quanto mais se exercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior será a sua capacidade de construir a ponte para a realidade. Admitimos que o tempo é necessário. Isto é, se sou violento, digo que é necessário tempo para eu chegar a um estado de não-violência; preciso de tempo para praticar a "não-violência", para controlar, disciplinar a mente. Aceitamos esta ideia; porém ela pode ser uma ilusão, pode ser totalmente falsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele não depende do tempo — se posso empregar a expressão "penso", sem o intuito de transmitir uma opinião, mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou não percebe. Não há nenhum processo gradual de "aprender a perceber". É a ausência de experiência — baseada, esta, sempre no conhecimento — que dá o percebimento.

Isto está parecendo muito difícil ou abstrato demais? Deixai-me enunciar o problema de modo diferente.

Nossas atividades, nossas buscas, são todas egocêntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultado do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo? Compreendeis o problema, senhores?

Tende paciência, debateremos este assunto, mas preciso ainda dizer umas poucas palavras, se o permitis. Porque, afinal, nós estamos aqui para "experimentar", e não para aprender; e eu desejo diferençar entre "aprender" e "experimentar". Pode-se "experimentar" o que se aprende, mas nesse caso a experiência é condicionada pelo que se aprendeu. Uma pessoa pode aprender uma coisa e depois "experimentá-la" — isto é bem óbvio. Posso ler a vida do Cristo e emocionar-me muito, sentir-me vibrar a respeito dela e, posteriormente, "experimentar" aquilo que li. Posso ler o Gita, evocar toda sorte de ideias, e "experimentá-las". Tanto a leitura consciente como a instrução inconsciente, produzem certas formas de experiência. Podeis não ter lido um único livro, mas, sendo hinduísta, podeis estar condicionado por séculos de hinduísmo; consciente ou inconscientemente, a mente se tornou o repositório de certas tradições e crenças produtivas de "experiências" a que atribuís extraordinária importância. Mas, na realidade, se examinardes essas experiências, vereis que são, unicamente, a reação de uma mente condicionada.

Agora, o que estamos tentando averiguar nesta palestra, e bem assim nas próximas palestras que se realizarão aqui, é se pode haver experiência direta, destituída de todo e qualquer conhecimento, toda instrução, de modo que essa experiência seja verdadeira e não mera reação de nosso condicionamento como hinduísta, como budista, como cristão, ou membro de qualquer seita disparatada. O percebimento não pode ser verdadeiro, quando baseado em algum método, porque, é bem de ver, o método produz a sua peculiar experiência. Se creio no cristianismo ou noutra religião qualquer, e observo um método que me conduzirá à verdade, de acordo com o cristianismo, por certo a experiência que esse método produz não tem validade alguma. É uma experiência baseada em minha própria convicção, minha própria limitação, minha mente condicionada. O que se experimenta é puramente um produto daquele método particular, ao passo que isso de que estou falando é coisa de todo diferente.

Se percebemos que todo método é falso, ilusório, produto do tempo, e que o tempo não pode levar à experiência direta, então, esse próprio percebimento nos liberta do tempo. Nossa relação é então toda diferente. Percebeis, senhores? Não estamos aqui para aprender nenhum método ou técnica nova, nenhum "novo acesso à vida", e outras coisas que tais. Aqui estamos para libertarmos a mente de todas as ilusões e percebermos diretamente — e isso exige extraordinária atenção ao que se está dizendo, e não uma acidental comunicação entre nós, como se estivésseis apenas assistindo a mais uma conferência. O importante é que se liberte a mente do conhecimento e do método, das práticas baseadas naquele conhecimento, que só nos podem levar à coisa que ansiosamente desejamos. Eis por que é de grande importância compreender o que estou dizendo, perceber a ilusão que a mente criou, ou seja, o tempo necessário para adquirir, aprender, chegar, alcançar.

Não digais logo que aquela realidade, Deus, o Atman se acha em nosso interior, e outras coisas de igual natureza. Isto não é verdadeiro; é ideia vossa, superstição, pensar condicionado. Dizeis que Deus se acha dentro de nós mesmos, e o comunista, criado diferentemente, de pequenino, diz que não existe Deus nenhum, e que é absurdo o que dizeis. Estais condicionado para crer de uma certa maneira, e ele para crer de outra maneira; portanto, todos dois sois iguais. Mas, tudo o que nos interessa aqui, nesta nossa palestra, é descobrir se a mente pode, de pronto, despojar-se desta crença, deste condicionamento, a fim de que surja o percebimento direto. Podemos viver mil vidas, praticando a autodisciplina, sacrificando, subjugando, meditando, mas por este meio nunca seremos levados ao percebimento direto, o qual só é realizável em plena liberdade, e não por meio de controle, de subjugação, de disciplinas; e só pode aparecer a liberdade, quando a mente se torna apercebida, prontamente, de seu condicionamento, pois então se verifica a cessação desse condicionamento. Pois bem, vamos apreciar esta questão?

Krishnamurti, Primeira Conferência em Benares, 11 de dezembro de 1955

terça-feira, 3 de abril de 2018

Pode a mente libertar-se a si mesma?


Pode a mente libertar-se a si mesma?

O saber escutar é algo muito importante; mas, em geral, temos inúmeras opiniões, ideias, experiências e conclusões antecipadas, através das quais filtramos tudo o que ouvimos, e por essa razão nunca ouvimos nada de maneira nova; traduzimos sempre o que vimos de acordo com uma determinada tendência. Assim, é de real importância saber ouvir sem interpretar; porém, isto é, sem dúvida, um problema dificílimo. Em geral, não gostamos de ouvir coisa alguma de maneira completa, com plena atenção, porque nessa operação descobrimos às vezes o que realmente somos; por isso, costumamos estender cortinas de proteção entre nós e o que nos dizem. É óbvio, pois, que seria muito bom se fôssemos capazes de ouvir simplesmente, visto termos inúmeros problemas — não só pessoais, como também sociais, políticos, econômicos — para os quais precisamos encontrar a solução correta; e não haverá possibilidade de encontrá-la, se, para tanto, dependermos de alguma opinião, de conhecimentos adquiridos em livros, ou de conferências, inclusive as minhas. Ora, sem dúvida, para acharmos a solução, devemos saber como ouvir o fato, o próprio problema; mas não é isso o que fazemos, quando interpretamos o problema de acordo com as nossas idiossincrasias ou opiniões pessoais. Há de haver uma solução correta para todos os problemas; mas essa solução não se acha pela análise, pelo julgamento, pela comparação, nem por meio do saber, por mais vasto que seja. Só pode surgir a solução correta quando a mente “escuta” tranquila, quase indiferente, sendo assim capaz de considerar o problema sem qualquer móvel ou intenção especial, sem ter um fim em vista — o que, com efeito, é dificílimo, porque em geral queremos um determinado resultado, uma solução satisfatória. Para alcançar a solução correta dos problemas humanos, necessitamos de muita paciência, principalmente se já nos habituamos a viver num mundo mecânico, em que é possível descobrir com muita presteza a solução de tantos problemas técnicos. Quando temos um problema, desejamos solução imediata; recorremos então a um livro, a um médico, um analista, um especialista; ou ficamos batalhando dentro em nós mesmos para achar a solução. Somos impacientes, queremos resultados imediatos e vivemos por isso em constante conflito.

Nessas condições, ainda que já tenhamos ouvido tudo o que se vai dizer nas presentes conferências, será sem dúvida proveitoso ouvi-las com muita paciência. O que importa, naturalmente, é que cada um de nós possa achar um estado perene de libertação de todos os conflitos e das inúmeras reações que tanto caos produzem na mente; e então, talvez, com essa liberdade, venhamos a descobrir algo existente além da nossa mente; mas antes que possamos ser livres, temos, por certo, de compreender o que é o “eu’'.

Será possível a vós e a mim libertarmo-nos de todos os nossos problemas, dos nossos sofrimentos, de nossas incontáveis necessidades ? Ser livre implica solidão completa, — o que significa a libertação do medo. É só então que somos indivíduos, não é verdade ? Só somos indivíduos quando cessa completamente o temor: o temor da morte, da opinião alheia, o temor que resulta de nossos próprios desejos e ambições, o temor da frustração, o temor do não-ser. O estar só é, sem dúvida, inteiramente diferente do estar em isolamento. É o próprio isolamento que cria o temor; e como medida defensiva temos um grande número de barreiras, um grande número de ideias, abrigos, garantias. Em geral, não somos verdadeiros indivíduos, não é exato? Somos o resultado de numerosas influências sociais, das impressões acumuladas, dos problemas interiores que nos oprimem a mente e o coração. Não somos indivíduos, porque não estamos livres do temor; e a mim me parece que, se não estamos livres do temor, nunca encontraremos uma solução verdadeira para qualquer dos problemas humanos.

Pois bem. É-nos possível libertar-nos completamente do temor? E de que temos medo? De estarmos sem segurança, de não termos todas as coisas de que fisicamente necessitamos, das consequências de não nos subordinarmos a determinado sistema político ou religioso, etc. O desejo de segurança implica temor, em nossas relações. Para sermos capazes de expressar a verdade que vemos, independentemente das ameaças que nos rodeiam, requer-se uma grande revolução em nosso pensar, não achais? Pode cada um de nós tornar-se completamente livre do desejo de segurança, que gera temor? Se pudermos compreender profundamente esta questão, acredito, muitos dos nossos problemas serão resolvidos. Estar liberto do temor é, sem dúvida, a única revolução, porquanto, uma vez livres do temor, já não somos hindus ou americanos, não pertencemos a nenhuma religião organizada, não há mais ambição, desejo de sucesso, de realização, e, por conseguinte, já não estamos empregando a nossa força contra outro.

A isenção de temor não é uma ideia, nem tão pouco um ideal que devemos lutar para alcançar; entretanto, quando nos fazemos esta pergunta: “Pode-se ser livre de temor?” — qual é a nossa interior reação? O temor é um empecilho básico, um obstáculo fundamental em todas as nossas relações e em nossa busca da realidade; e podemos nós — vós e eu — sem sucessivos esforços, sem análise, libertar-nos desse contágio gerador de tantos problemas? Pode-se ser totalmente isento de temor? Esta é uma pergunta difícil de respondermos a nós mesmos, não achais? Ser livre de temor significa, com efeito, estar isento de todo desejo de segurança econômica ou social, ou do desejo de encontrar segurança em nossa experiência pessoal. Esta questão, sem dúvida, é importantíssima, uma vez que toda a nossa perspectiva das coisas é prejudicada pelo temor; nossa educação, religião, estrutura social, nossos esforços em todas as esferas de ação, estão baseados no temor. E pode alguém ficar livre do temor por meio de algum exercício, de alguma espécie de disciplina, pelo auto-esquecimento, pela imolação de si mesmo, pelo cultivo de qualquer crença ou dogma, ou pela identificação com uma nação qualquer? É claro que nenhuma dessas coisas nos pode dar a libertação do temor, visto o próprio “processo” de imitação, de submissão, de autossacrifício, radica-se no temor; e ao reconhecermos a inutilidade de tudo isso e percebermos como a mente está sempre ocupada em “projetar” defesas, abrigar-se em crenças e conhecimentos — e em todas essas coisas está sempre emboscado o temor — que devemos fazer ? Como pode, então, uma pessoa libertar-se desse estado a que chamamos temor? Se temos disposições sérias, não acreditais ser esta uma das perguntas fundamentais que devemos fazer a nós mesmos? Desde crianças fomos educados para pensar sempre sob a inspiração do temor; todas as nossas defesas, tanto psicológicas como físicas, se baseiam no temor; e como pode a mente assim educada, condicionada, libertar-se do temor? Pode a mente libertar-se do temor? Pode qualquer atividade da mente dar liberdade a ela própria? A própria mente, o próprio pensamento, não representa o autêntico processo do temor? E pode o pensamento anular o temor?

Senhores, este não ó um problema fácil de resolver; o que cada um de nós pode fazer, porém, é tornar-se bem cônscio do temor, sem lutar contra ele, sem analisá-lo, e, portanto, sem levantar defesas; e quando a mente se acha de fato muito tranquila, passivamente percebida de todas as formas de temor que surgem, e sem empreender nenhuma ação contra vias, nessa quietude, existe a possibilidade de se dissolver o temor, sendo esta a única revolução real, fundamental; e, então, há individualidade. Enquanto há temor, não há singularidade, individualidade. Atualmente, nós, em geral, somos apenas o resultado de influências várias: sociais, econômicas, políticas, climáticas, etc.; não somos genuínos indivíduos e, por conseguinte, não somos criadores. A ação criadora não representa a expressão de um talento, de um dom; só se manifesta quando não existe temor, isto é, quando o indivíduo é completamente independente.

Sem dúvida, esta questão de como ser livre é um dos nossos principais problemas, não achais? Talvez, mesmo, seja o nosso único problema; pois é o temor que, dissimulado nos mais íntimos recessos de nossa mente e de nosso coração, nos tolhe o pensar, o ser, o viver. Parece-me, portanto, que o que se necessita agora não é de mais filosofia, de sistemas melhores, de mais saber e ilustração, mas, sim, de verdadeiros indivíduos, inteiram ente livres de temor. Porque só quando não existe temor, pode existir amor.

Ora, podemos nós — vós e eu — empreender a nossa libertação do temor? Podemos rejeitar todas as opiniões, todos os dogmas e crenças, que são meras expressões do temor, e atingir a fonte, o problema fundamental, que é o próprio temor? Ora, como já disse, a ação criadora não representa um mero talento, um dom, uma capacidade; ela excede em muito tudo isso. Só pode haver ação criadora quando a mente se acha totalmente tranquila, sem os embargos do temor, do julgamento, da comparação, sem a carga do saber e da ilustração. A maioria de nós, porém, anda sempre com a mente agitada, cheia de problemas, num a eterna busca de segurança; e como pode a mente, em tais condições, ser independente, livre de influências e temores? Como pode ela compreender aquela força criadora, aquela realidade — qualquer que ela seja — ou descobrir se ela existe ou não existe? Só quando a mente está inteiramente livre de temor há a possibilidade de realizar-se uma revolução fundamental — a qual nada tem em comum com a revolução econômica ou política; e para se ser livre de temor não se requer presteza de raciocínio, mas vigilância constante, e um considerável percebimento, paciente, persistente, do inteiro mecanismo do pensamento, o qual pode ser observado apenas nas relações, em nossas atividades de cada dia. O autodescobrimento se realiza pela compreensão do que é, e o que é é o processo real do pensamento em qualquer momento que passa. Isso, positivamente, é meditação, e requer uma tranquilidade de espírito em que não haja exigência alguma. Somente quando começamos, vós e eu, a conhecer a nós mesmos, a mente pode estar livre de temores, e só então há a possibilidade, não apenas de paz interior, mas de felicidade exterior para o homem.

Krishnamurti em, Percepção Criadora, 
20 de junho de 1953
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quinta-feira, 29 de março de 2018

Na percepção plena, o fim do sofrimento


Na percepção plena, o fim do sofrimento

O amor é desejo?

O ardor, a excitação, é um sinal de amor?

O amor pode existir quando há ambição, agressividade?

Pode haver amor quando um ser humano é ferido desde a infância, quando há sofrimento?

Ou por acaso, esse aroma, isso ao qual temos chamado de amor, existe apenas quando tudo isso acaba?

Tudo isso pode acabar?

Não intelectualmente, nos contentando com explicações adequadas ou com redução do sofrimento e o medo de uma questão científica de substâncias e comportamento químicos.

Como podemos matar outro, seja na guerra ou em uma explosão de violência, se houver amor?

Aparentemente, nós humanos somos prisioneiros na terrível tragédia do hábito, da tradição, da atividade de um cérebro atrofiado por causa de seu funcionamento mecânico.

Tanto nas igrejas do Ocidente como no mundo oriental nos apegamos às crenças, à fé, à constante repetição de infinitos e absurdos rituais, que são o produto do pensamento. E o pensamento é um processo material, como já explicamos e como alguns cientistas começam a aceitar.

A pergunta é: o sofrimento pode terminar? Não só o sofrimento pessoa, mas sim o a humanidade inteira.

Pois o sofrimento não é seu ou meu; é o sofrimento que cinco mil anos de guerra criaram;
o sofrimento pelo qual o ser humano continua se armando para a guerra; o sofrimento da divisão eterna entre os seres humanos: entre católicos e protestantes, hindus, budistas e muçulmanos; entre árabes e judeus, americanos e russos...

Esta divisão permanente é a causa de um terrível conflito mundial. No entanto, parece que não somos conscientes dele, que não nos percebemos do terrível perigo diante do qual nos encontramos; nos valemos de qualquer conhecimento, explicação ou diversão para evitá-lo.

Podemos, em vez de fugir, perceber com sensibilidade da sociedade que o ser humano tem
criado, ver que somos parte disso e que somos, portanto, absolutamente e totalmente responsáveis por tudo o que acontece no mundo?
Queremos descobrir se esse sofrimento que distorce o pensar pode terminar.

Por favor, tenham a bondade de levantar esta pergunta; não porque quem lhes fala, peça que o façam, mas porque é seu sofrimento, o sofrimento da humanidade e não há palavra, explicação nem fuga capaz de acabar com ele: é preciso enfrentá-lo. Ou se o olha de lado, superficialmente, com impaciência, tentando transcendê-lo, isto é, não encara diretamente, ou se está completamente com o que é, sem que nenhum pensamento interfira e distorça a realidade do sofrimento.

O Sofrimento é por um lado autopiedade, tortura autoimposta, abnegação e, por outro lado, as várias atividades do "eu", que tenta satisfazer seus desejos, e o consegue ou fracassa.

Tudo isso, e mais, faz parte do sofrimento.

Você pode olhar diretamente, estar em contato completo com isso?

Esse contato total só é possível se não houver divisão entre você e isso ao que chama de sofrimento.

Você não está separado do sofrimento; sem dúvida, como observador você acredita que está, e para remediar esse sofrimento, tenta escapar, reprimindo-o, analisando-o, ignorando-o, transcendendo-o, pondo-lhe um fim, o que acentua a divisão.

Assim nós temos vivido tradicionalmente; mas o fato é que você está sofrendo, não que você está separado dele: quando você fica com raiva, a raiva não é diferente de você; Quando é violento, você não é diferente da violência.

As figuras religiosas e símbolos que você tem criado fazem parte de você; embora os adore
como se estivessem separados, é o ser humano quem os criou com a mão ou com a mente.

E como essa divisão só gera conflito, deve-se observá-la; observar em primeiro lugar que essa divisão existe, que essa é a tradição.

De acordo com isso, fomos ensinados que o "eu" é separado do sofrimento, da dor, da ansiedade, de medo e até do prazer; nós fomos condicionados a pensar assim de meninos e para quebrar esse condicionamento e, assim, acabar com o conflito, tem que se observar, tem que se estar em contato com esse sofrimento, com esse medo e com esses desejos, eliminando completamente a sensação de que há observador que olha para dentro a partir de fora.

Como em todas as relações entre os seres humanos, o pensamento tem criado uma divisão.

Se você observar seu relacionamento com outro, por mais íntimo que seja, você verá que há uma separação óbvia entre vocês e esta separação, seja nos relacionamentos íntimos, nacionais ou internacionais, necessariamente gerará conflito; essa é a lei.

É por isso que, onde estamos há conflito em todos os nossos relacionamentos.

Então, existe a possibilidade de ser um com o sofrimento, sem qualquer divisão, sem a menor tentativa de superá-lo ou explicá-lo?

Pois nesse contato completo com o sofrimento, a atenção é total, toda a energia é colocada nisso, e é essa energia que age e põe fim ao sofrimento.

Ojai, sexta palestra pública,
17 de maio de 1981
A Atenção e a Liberdade Interior
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Não há liberdade na escolha


Não há liberdade na escolha

K: Existe alguma necessidade de escolher? A decisão implica escolha.

A: Sim.

K: E a escolha implica que a mente está confusa e se debate entre isso e aquilo.

A: Creio que etimologicamente significa fazer um corte radical, uma vala.

K: Sim, mas a mente que vê claramente não tem uma escolha. Não decide. Atua.

A: Certo. Isso não nos traz de volta a negação do fazer?

K: Nós acreditamos que somos livres porque escolhemos. Podemos escolher, não?

A: Sim.

K: É livre a mente que tem a capacidade de escolher?

Por acaso a mente que escolhe não é uma mente livre?

Porque a escolha, como é óbvio, implica estar entre isto e aquilo, o que significa que a
mente não vê claramente e é por isso que ela escolhe.

A escolha existe quando há confusão.

Uma mente que vê claramente não escolhe: está agindo.

A: Isso mesmo.

K: Eu acho que essa é a grande armadilha que nos temos feito: o pensamento de que somos livres para escolher, que a escolha é um sinal de liberdade. Eu, ao contrário, digo que a escolha é um sinal de uma mente confusa e que, portanto, não é livre.

Quarta conversa com Allan W. Anderson,
San Diego, 1974
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O esforço impede o desabrochar da percepção


O esforço impede o desabrochar da percepção

Quando você de verdade tem a percepção, quando é intensamente consciente, não fica nenhum remendo de movimento inconsciente oculto ”.

 Falamos de perceber de verdade, não sobre dizer: "Bem, eu percebo, mas eu não gosto dessa camisa; é de um azul muito brilhante. "(Risos)

Isso é o que alguém me disse esta manhã! (Risos)

Então, o que realmente percebemos, sem escolher?

Porque se alguém percebe sem nenhuma escolha, está atento, compreendem?

Perceber sem escolher é a atenção; não uma atenção cultivada, um "devo atender", mas o começo para perceber as árvores, os pássaros, os balões que se elevam acima das montanhas, a luz que banha as nuvens, o pôr do sol, o brilho da lua...

É observar e observar; perceber tudo isso e da sua reação a isso, sem responder, sem escolher, “Eu gosto disso; aquilo não; isto é meu; isto é seu”, compreende?

Simplesmente perceba.

E a partir desta percepção, sem qualquer escolha, nasce a atenção: assistir com os olhos, com os ouvidos, os nervos, com a totalidade do ser.

Assim, atenção e desatenção são qualitativamente diferentes.

Quando há desatenção, há escolha, não há percepção, não se está atento e o processo de gravação se inicia; o velho hábito é estabelecido. Ao invés disso, quando há atenção, o hábito se quebra.

Compreende? O que você fará?

O prazer está, não em ouvir muitas palavras, mas sim em... Você já sabe, mais que fazer, é descobrir a verdade disso.

O que é estar consciente, perceber?

Normalmente, quando falamos de nos perceber, nos referimos a ver o que acontece ao nosso redor, os eventos ou as meras coisas tais como são e nessa percepção, há um certo senso de escolha: "gosto, não gosto"; "gosto dos carvalhos, gosto das palmeira "; "eu gostaria que fosse diferente".
Bem, agora perguntamos se existe uma percepção que seja parte da consciência em que não há nenhuma escolha.

Quem lhes fala faz essa pergunta e em representação de você, responde: "Na minha percepção, sempre há uma escolha, escolha que se traduz em "eu gosto, eu não gosto disso; gostaria que fosse diferente".

E vemos que onde há escolha há conflito, não é assim?

Isso está claro?

Quando escolho entre isso e aquilo, essa divisão gera conflito.

Portanto, é possível perceber, ser consciente, sem nenhuma escolha, simplesmente observar?

Estão de acordo?

E vocês responderiam:

"Bem, vou tentar."

Para o qual o orador responderia:

"Não tente; tentar significa fazer um esforço e, quando você se esforça, você não compreende nada. Não se esforce, simplesmente veja, perceba a realidade"

Vocês entendem?

Saanen, 1984, primeira sessão de perguntas e respostas
A Atenção e a Liberdade Interior
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Percepção é observar em silêncio e sem escolha


Percepção é observar em silêncio e sem escolha

“Percepção é observar em silêncio e sem escolha “o que é”. Nessa percepção, o problema se desdobra e se compreende então em sua totalidade”.

 K: Isso mesmo, senhor. Você me diz: "Perceba", e eu, que estou cego, acredito que diante de mim há um elefante.

Como eu posso...?

Compreende?

Estou cego e quero ver a luz; você me diz: "Perceba sua cegueira", e eu respondo: "Sim, mas o que significa perceber?"

R: Perceber, consciência, atenção: que é a diferença?

K: Na percepção a qual me refiro, não há escolha; há simplesmente uma percepção.

No momento em que a escolha aparece, a percepção deixa de ser.

R: Compreendo.

K: A escolha é medida, é divisão e, portanto, não tem lugar na percepção.

Nessa simples percepção, o dizer que este quarto me agrada ou não me agrada, se acaba.

R: Sim.

K: Na atenção, no atender, não há divisão.

R: O que significa que não há escolha.

K: Deixe isso por um momento. Atenção significa que não há divisão, que não há um "eu" que atende. Não há divisão e, portanto, não há medida nem limites.

K: Eu vejo como você vê, e digo: "Eu gosto" ou "Eu não gosto", mas o perceber-me disso põe fim à escolha; percebe-se isso, isso é tudo. Agora, na atenção não há alguém que atende, então não há divisão.

R: Mas o ensinamento do Buda é que, na prática desta meditação, não há discriminação alguma, não há nenhum julgamento de valor, preferência ou rejeição, mas simplesmente se vê.

K: Se se atende com todo o seu ser, com os ouvidos, os olhos, o corpo, os nervos, com a totalidade da mente e o coração, isto é, com afeto, com amor, com compaixão, nessa atenção total, o que acontece?

R: O que acontece então, claro, é uma revolução interna absoluta e completa.

K: Não, eu pergunto qual é o estado dessa mente cuja atenção é total.

Olhe, essa mente não tem qualidade, não tem centro e ao não ter um centro, não tem fronteiras. Isto é uma realidade, não adianta imaginá-lo.

Brockwood, 1979, segunda palestra com budistas
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Percebendo com total clareza o pleno alcance da mente


Percebendo com total clareza
o pleno alcance da mente

K: Normalmente pensamos que o medo é algo externo, separado de nós, o que levanta a questão do observador e do observado.

É possível olhar para o medo sem o observador para que este esteja em contato total com ele o tempo todo, para perceber o medo sem escolha?

Porque a escolha implica que há um observador quem escolhe:

"Não gosto disso".

Mas quando o observador está ausente, a escolha não intervém e há uma simples consciência do medo.

HS: Eu entendo.

K: Bem, portanto, a palavra impede o contato direto com o medo.

HS: Sim, as palavras podem agir como um véu.

K: Exatamente, vamos parar por aqui.

HS: Ok.

K: Como vemos, é importante que a palavra não interfira.

HS: Certo, nós temos que ir além disso.

K: Mais além da palavra. Bem, agora, podemos fazer isso, estar mais além da palavra?

Em teoria, sim, dizemos isso, mas somos escravos das palavras.

HS: E até que ponto!

K: É claro que somos.

HS: Sim.

K: Então a mente deve perceber sua escravidão e de que a palavra nunca é a coisa.

HS: Efetivamente.

K: Só então ele estará livre e será capaz de observar. Tudo isso é implícito.

O medo que opera no nível consciente se pode entender com relativa facilidade; mas há
camadas disso ao que chamamos de medo muito mais profundas, nas partes recônditas da mente.

Podemos perceber isso?

HS: Pergunta se podemos perceber com total clareza do pleno alcance da mente?

K: Sim, de todo o seu conteúdo e alcance, que é tanto o nível consciente como as camadas mais ocultas; da totalidade da consciência.

HS: Entendo. E pergunta se podemos nos perceber explicitamente de tudo isso. Não estou seguro.

K: Eu lhe digo que é possível.

Isto é, só é possível quando durante ao longo do dia percebe-se o que se diz, as palavras que usa, de seus gestos, seu modo de falar, de caminhar, dos pensamentos que tem; quando se percebe total e completamente de tudo isso.

HS: Você acha que nessa plena percepção plena tudo isso aparece diante dos olhos?

K: claro; quando não há condenação ou justificação; quando se está em contato direto
com isso; quando ao longo do dia você se percebe de seus pensamentos, sentimentos e motivos, o que exige uma mente extremamente sensível.

HS: Você quer dizer que a chave está em dar uma virada radical ao nosso ponto de vista?, como se fôssemos prisioneiros lutando com as grades, nos perguntando como escapar para aquela luz que vislumbramos fora, quando na realidade a porta da cela está aberta às nossas costas e seria o suficiente que nos virássemos para que pudéssemos sair para a liberdade.

K: Indubitavelmente, senhor, que na base de tudo há a batalha, o interminável conflito do ser humano que, aprisionado em seu condicionamento, se esforça, luta, dá cabeçadas por ser livre.

Com a ajuda, também desta vez? das religiões e de várias organizações, aceitamos que o esforço é necessário, que faz parte da vida.

Creio que é uma indicação de sua cegueira absoluta e a maior limitação imposta ao ser humano, ter-nos inculcado que a vida tem que ser um esforço sem fim.

HS: você acha que podemos viver sem esforço?

K: Senhor, isso não tem nada a ver com pensar. O pensamento é o mais ...

HS: Bem, vamos eliminar essa palavra...

K: Mas viver sem esforço exige a mais sublime sensibilidade, a mais alta forma de inteligência. Não se trata de dizer "não vou esforçar-me", e a partir de então viver como uma vaca, inconsciente de tudo.

HS: Eu entendo.

K: É preciso entender como surge o conflito, a dualidade que existe em nós.

Conversação com Huston Smith,
Claremont, Califórnia, 1968
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quarta-feira, 28 de março de 2018

Deus


DEUS

Pupul Jayakar: Krishnaji; em um nível, seu ensinamento é muito materialista, porque se nega a aceitar nada que não tenha um ponto de referência. Está baseado em “o que é”. Você inclusive tem ido tão longe como para dizer que a consciência são as células cerebrais, e que não há outra coisa. E que o pensamento é matéria, e nada mais.

Bem, agora, nestes termos, qual é a sua atitude em relação a Deus?

Krishnamurti: Eu não sei o que você entende por materialista, e o que entende por Deus.

Pupul Jayakar: Você tem dito que o pensamento é matéria, que as próprias células cerebrais são a consciência. Pois bem, estas são coisas materiais, mensuráveis, e nesse sentido, sua suposição seria parte da posição materialista, na tradição dos “Lokaiatas”. Que lugar ocupa Deus nos termos de seus ensinamentos? Deus é matéria?

Krishnamurti: Você entende claramente a palavra “material”?

Pupul Jayakar: Material é aquilo que se pode medir.

Fritz Wilhelm: Não há tal coisa como o material, Pupul.

Pupul Jayakar: O cérebro é matéria.

Fritz Wilhelm: Não, é energia. Tudo é energia, mas essa energia não é observável. Você somente pode ver os efeitos dessa energia, aos quais chama de “matéria”. Os efeitos da energia aparecem como matéria.

Deshpande: Quando ela disse matéria, provavelmente, quer dizer energia. Energia e matéria são convertíveis entre si, mas seguem sendo mensuráveis.

Krishnamurti: Isso é, você disse que a matéria é energia e que a energia é matéria. Não se pode separá-las para dizer, isto é energia pura e isto é matéria pura.

Deshpande: O material é a expressão ou aparência da energia.

Fritz Wilhelm: O que chamamos de matéria não é senão energia. Nada mais é que energia apreendida pelos sentidos da percepção. Não há tal coisa como a matéria. É só um modo de falar.

Pupul Jayakar: Você vê, Krishnaji, se investigamos qualquer aspecto de seu ensinamento, ele está baseado no observável. Os instrumentos para ouvir, para ver, estão dentro do campo da capacitação sensorial. Ainda quando você possa falar de não nomear, o que é observável, o é através dos instrumentos do ver, do escutar. Os instrumentos dos sentidos são os únicos que temos para observar.

Krishnamurti: Nós conhecemos o ver sensorial, o ouvir, o tocar sensorial, e o intelecto que é parte de toda a estrutura. Qual é agora a pergunta?

Pupul Jayakar: Nesse sentido, o ensinamento é materialista em oposição ao metafísico. Sua posição é uma posição materialista.

Fritz Wilhelm: Se se quer ater-se aos fatos, o único instrumento que temos é o cérebro. Bem, agora, é o cérebro todo, ou é um instrumento nas mãos de alguma outra coisa? Se você diz que só existe o cérebro, essa seria uma posição materialista. Se diz que o instrumento é material, então o ensinamento não é materialista.

Pupul Jayakar: A posição tântrica e d antiga alquimia são em um sentido, similares ao posicionamento de Krishnaji. Tudo tem que ser observado. Nada deve ser aceito, que não se tenha visto com os olhos do observador. Vendo isto, agora pergunto: qual é a sua visão de Deus? Eu sinto que esta é uma pergunta muito legitima.

Fritz Wilhelm: Você pode explicar o que é Deus?

Krishnamurti: O que você entende por Deus? Temos explicado a energia e a matéria, e agora você pergunta o que entendemos por Deus. Eu jamais emprego a palavra “Deus” para indicar algo que não seja Deus. O que o pensamento tem inventado não é Deus. Se ele foi inventado pelo pensamento, continua dentro do campo do tempo, dentro do campo do material.

Pupul Jayakar: O pensamento diz que eu não posso ir mais longe.

Krishnamurti: Mas ele pode inventar a Deus devido a não poder ir mais longe. O pensamento conhece suas limitações, por isso trata de inventar o ilimitado ao que chama Deus. Essa é a situação.

Pupul Jayakar: Quando o pensamento vê suas limitações, ele ainda está consciente de uma experiência que está mais além dele mesmo.

Krishnamurti: Ele inventou o pensamento. É possível ir mais além somente quando o pensamento toca a seu fim.

Pupul Jayakar: Ver as limitações do pensamento não é conhecer o pensamento.

Krishnamurti: Portanto, devemos investigar o pensamento e não a Deus.

Deshpande: Quando o pensamento vê sua própria limitação, praticamente a desmascara.

Krishnamurti: O pensamento se dá conta de que é limitado, ou é o pensador quem se dá conta de que o pensamento é limitado? Veja o ponto. É o pensador — que é produto do pensamento — quem se dá conta disso?

Pupul Jayakar: Por que você traz a distinção?

Krishnamurti: O pensamento criou o pensador. Se o pensamento não existisse, não haveria um pensador. É o pensador o que observando as limitações diz: “eu sou limitado”, ou o pensamento mesmo se dá conta de suas limitações, a qual implica em duas posições diferentes? Sejamos claros em tudo isto. Estamos explorando. Há os dois, o pensamento e o pensador; o pensador, observando o pensamento, vê mediante o raciocínio — que é o material, que é energia — que a energia é limitada. O pensador pensa isto no reino do pensamento.

Deshpande: Quando o pensador diz que o pensamento é limitado, ambos — pensamento e pensador — se tornam sinais de interrogação.

Krishnamurti: Não, ainda não. O pensamento é memória, é a resposta do conhecimento. O pensamento tem produzido esta coisa chamada o pensador. O pensador se separa então do pensamento; ao menos, pensa que está separado do pensamento. O pensador, observando o intelecto, à capacidade de raciocínio, vê que esta é muito limitada. Portanto, o pensador condena a razão; o pensador diz que o pensamento é muito limitado, o que é condenar. Então diz que deve haver algo mais que o pensamento, algo fora deste limitado campo. É isso o que fazemos. Agora tomamos as coisas tais como são. É o pensador quem pensa que o pensamento é limitado, ou o pensamento mesmo se dá conta de que é limitado? Não sei se você vê a diferença.

Fritz Wilhelm: O pensamento é anterior ao pensador.

Pupul Jayakar: O pensamento pode terminar, mas, como pode o pensamento sentir que é limitado?

Krishnamurti: Esse é o ponto. O pensador vê que é limitado, ou é o pensamento quem diz: “é impossível ir mais além”? Vê o problema?

Fritz Wilhelm: Por que você separa o pensador do pensamento? Há muitos pensamentos, entre os quais o pensador é também outro pensamento. O pensador é o que guia, o que ajuda, o que censura; ele é a coisa que mais domina.

Krishnamurti: O pensamento tem passado por tudo isto, e tem estabelecido um centro a partir do qual opera o observador; e o observador, observando o pensamento, diz que o pensamento é limitado.

Deshpande: De fato, ele só pode dizer: “não sei”.

Krishnamurti: Ele não diz isso. Você está introduzindo um fato não observável. Em primeiro lugar, o pensamento, que é a resposta do conhecimento, ainda não se deu conta de que é muito limitado. O que tem feito com o fim de ter segurança, é reunir vários pensamentos que tem se convertido no observador, o pensador, o experimentador. Então formulamos a pergunta: o pensador se dá conta de que é limitado, ou é o próprio pensamento o que se dá conta disso? Ambas as coisas são completamente diferentes.

Fritz Wilhelm: Nós só conhecemos um estado onde o pensador pensa pensamentos.

Krishnamurti: Isso é tudo o que conhecemos. Portanto, o pensador diz invariavelmente que devemos ir mais além do pensamento, e é assim que pergunta: “pode-se anular a mente? Deus existe?”

Fritz Wilhelm: Você está concedendo existência ao pensador em lugar do pensamento.

Krishnamurti: O pensador está modificando, adicionando. O pensador não é uma entidade permanente, como tampouco o pensamento o é. Mas o pensador acomoda, modifica a todo tempo; isso é importante, eu posso estar equivocado. É importante descobrir se o pensador vê que é limitado ou se é o pensamento como ideia — sendo a ideia, pensamento organizado — o tal que pensa que é limitado.

Bem, quem é o que o diz? Se o pensador diz que é limitado, então o pensador diz que deve fazer algo mais; diz que deve haver Deus, que deve haver algo mais além do pensar, correto? Se o próprio pensamento se dá conta de que não pode ir mais além de sua amarra, mais além de suas arraigadas células cerebrais — as células cerebrais como o material, como a raiz do pensar — se o pensamento se dá conta disso, então, o que ocorre?

Pupul Jayakar: Você vê, senhor, essa é toda a questão. Se em seu ensinamento você não passasse desse ponto, eu o compreenderia. Se você deixasse as coisas aí; no ponto em que o próprio pensamento vê isto, em que as próprias células cerebrais o veem, e ficam nesse ponto, então haveria uma total coerência e lógica; mas você sempre está se movendo, vai mais além disto e aí não é possível usar palavra alguma. Portanto, chame-o como queira, mas se introduziu o sentimento de Deus.

Krishnamurti: Não aceitarei a palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Por meio da razão, da lógica, você nos conduz até um ponto. Mas não deixa isso aí.

Krishnamurti: Certamente que não.

Pupul Jayakar: Esse é o verdadeiro paradoxo.

Krishnamurti: Recuso-me a aceitá-lo como um paradoxo.

Fritz Wilhelm: A matéria de algo e seu significado não são intercambiáveis. Pupul está misturando ambas as coisas.

Krishnamurti: O que ela disse é bastante simples. “O pensador e o pensamento; nós podemos ver toda a lógica disso — do que você disse — mas você não o deixa aí. Segue adiante”.

Pupul Jayakar: Penetra numa abstração. Eu digo que o pensamento e o pensador são essencialmente uma mesma coisa, mas que o homem os tem separado para sua própria proteção, permanência, segurança. Nós perguntamos: o pensador que pensa pensamentos é limitado e, por isso, postula algo que está mais além, por que deve ter segurança? Ou é o próprio pensamento o que diz que qualquer que seja o movimento, por sutil, óbvio ou racional que seja, o pensamento segue sendo limitado? Mas Krishnaji vai mais além que isso e penetra em abstrações.

Krishnamurti: Eu dou-me conta de que o pensador e o pensamento são muito, muito limitados, e não me detenho aí. De fazer isso, isso seria uma filosofia claramente materialista. A isso é que têm chego muitos intelectuais no Oriente e Ocidente. Mas eles estão sempre amarrados, e estando amarrados se estendem, mas permanecem amarrados a um poste por suas experiências, suas crenças.

Bem, agora, o que ocorre se posso responder a pergunta a respeito de se o próprio pensamento se dá conta de suas limitações? O pensamento sabendo que ele é energia, que é memória, sofrimento... percebe então que qualquer movimento do pensar é consciência, que é o conteúdo da consciência e que sem o conteúdo não há consciência. O que ocorre então? O pensamento se cala completamente — este é um fato observável, comprovável. O silêncio que advém não é resultante de disciplina. O que ocorre, então?

Pupul Jayakar: Senhor, deixe-me fazer uma pergunta. Nesse estado continua o registro de todos os ruídos. O que é a máquina que registra?

Krishnamurti: O cérebro.

Pupul Jayakar: O cérebro é o material. Portanto, este registro continua.

Krishnamurti: Continua a todo tempo, tanto se se é consciente como se não se é consciente disso.

Pupul Jayakar: Você pode nomeá-lo, mas o sentido da existência prossegue.

Krishnamurti: Não. Você emprega a palavra “existência”, mas é o registro o que prossegue. Quero aqui estabelecer a diferença.

Pupul Jayakar: Não nos afastemos. Não é que toda a existência se apagará, como ocorrerá se o pensamento terminar.

Krishnamurti: Ao contrário.

Pupul Jayakar:  Existência: o sentido da existência, “é”.

Krishnamurti: A vida prossegue mais sem o “eu” como observador. A vida continua, o registro continua, a memória continua, mas o “eu” criado pelo pensamento, o “eu” que é o conteúdo da consciência, esse “eu” desaparece; obviamente, porque esse “eu” é o limitado. Portanto, o pensamento — como o “eu” — diz: “eu sou limitado”. Isso não significa que o corpo não continue, mas o centro que é a atividade do “si mesmo” como “eu”, isso não continua. E novamente isso é lógico, porque o pensamento diz: “sou limitado, não criarei o “eu” que é uma limitação adicional”. O pensamento percebe isso, e isso desaparece.

Pupul Jayakar: Se tem dito que o pensamento criando ao “eu”, é a limitação...

Krishnamurti: O pensamento cria ao “eu” e o “eu” se dá conta de que é limitado; assim, o “eu” deixa de ser.

Fritz Wilhelm: Quando isto ocorre, por que nomeá-lo como “pensamento”?

Krishnamurti: Eu não estou nomeando nada. Dou-me conta de que o pensamento é a resposta do passado. O “eu” está constituído pela soma de diferentes pensamentos: estes têm criado o “eu” que é o passado; o “eu” é o passado, e o “eu” projeta o futuro.

Agora todo o fenômeno é um assunto insignificante. Isso é tudo. Qual é então a seguinte pergunta?

Fritz Wilhelm: O que esse estado de desesperança tem que ver com Deus?

Krishnamurti: Não é um estado de desesperança. Ao contrário, você introduziu a qualidade de desesperança porque seu pensamento tem dito que não pode ir mais além de si mesmo e, portanto, está desesperado. O pensamento se dá conta de que qualquer movimento que faça, segue estando dentro do campo do tempo, seja que o chame de desespero, realização, prazer, medo.

Pupul Jayakar: O dar-se conta das limitações é então, um estado de desesperança.

Krishnamurti: Não. Você introduz a desesperança. Eu só digo que a desesperança é parte do pensamento. A esperança é parte do pensamento, e esse pensamento diz que qualquer que seja o movimento que faça, seja desesperança, prazer, medo, apego ou desapego, é um movimento do pensar. Quando o pensamento se dá conta de que tudo isto é um movimento dele mesmo, em diferentes modos, quando se dá conta disso, se detém. Agora, sigamos em frente.

Pupul Jayakar: Quero perguntar-lhe algo. Você disse que a existência continua sem o “eu”. Quem é que segue adiante?

Krishnamurti: Afastamos-nos da palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Se falo uso da palavra “Deus”, está no campo do pensamento, então, descarto-a. Portanto, digo que se o pensamento — como “eu” — tenha cessado, qual é o instrumento de investigação?

Krishnamurti: Chegamos num ponto em que não há movimento do pensar. Ao investigar dentro de si mesmo tão profundamente como o estamos fazendo agora, tão completamente, tão logicamente, o pensamento se deteve. Agora pergunto: Qual é o novo fator que surgiu e que irá investigar? Ou melhor, qual é o novo instrumento da investigação? Já não é o velho instrumento, estão de acordo? O intelecto, sua agudeza de pensamento, a própria qualidade do pensamento, a objetividade, o pensamento que tem criado tremenda confusão, tudo isso tem sido negado.

Pupul Jayakar: O pensamento é a palavra e o significado. Se na consciência há um movimento em que não existe a palavra e o significado, há alguma outra coisa que está operando. O que é esta coisa?

Krishnamurti: Temos dito que o pensamento é o passado, o pensamento é a palavra, o pensamento é o significado, o pensamento é o resultado do sofrimento. E o pensamento diz que eu tenho tratado de investigar e que minha investigação, tem me levado a ver minhas próprias limitações. Qual é agora a seguinte pergunta?O que então a investigação? Se você vê claramente as limitações, o que é que está ocorrendo?

Pupul Jayakar: Só existe o ver.

Krishnamurti: Não. O ver é visual, e o ver sensorial depende da palavra, do significado.

Pupul Jayakar: Depois do que temos dito, só está operando o ver.

Krishnamurti: Quero ser claro. Você disse que aí está o ver com sua percepção sensorial. Temo ido mais além disso.

Pupul Jayakar: Quando você usa a palavra “ver”, esse é um estado em que estão funcionando todos os instrumentos?

Krishnamurti: Sim, categoricamente.

Pupul Jayakar: Portanto, se só funciona um instrumento por vez, então, este se acha preso ao pensamento. Quando há um ver e não um escutar, esse ver está preso ao pensamento. Mas quando todos os instrumentos sensoriais estão funcionando, então nada há suscetível de achar-se preso. Essa é a única coisa que se pode conhecer. Essa é a existência. De outro modo, a morte é o que haveria.

Krishnamurti: Estamos de acordo. Qual é então a pergunta seguinte? O que é então a percepção? Que lugar ocupa a investigação? O que há que investigar aí, o que há para explorar? Correto? O que você tem a dizer? Ficaram todos em silêncio?

Pupul Jayakar: Quando o pensamento cessa, não há nada mais que investigar.

Krishnamurti: Quando o pensamento cessa, o que mais há para investigar então? Quem é então o investigador? Ou melhor, quem ou o que é o instrumento que investiga?

Pupul Jayakar: Sempre se tem considerado a investigação como um movimento para um ponto.

Krishnamurti: É um movimento para frente?

Pupul Jayakar: Estamos tratando de investigar a Deus, a verdade, mas como o pensamento cessou, não existe um ponto para o qual possa haver um movimento.

Krishnamurti: Vá devagar, não afirme categoricamente. Tudo quanto você pode dizer é que não há movimento, não há movimento para frente. O movimento para frente implica pensamento e tempo. Isso é tudo quanto estou tratando de averiguar. Quando você realmente nega isso, quando nega o movimento externo ou interno, o que é que ocorre?

Agora começa uma investigação de um tipo completamente diferente. Em primeiro lugar, o cérebro, se dá conta de que necessita de ordem, segurança, que necessita estar a salvo para funcionar sadiamente, felizmente, facilmente. Essa é a sua máxima exigência; agora o cérebro se dá conta de que qualquer movimento que venha dele mesmo está no campo do tempo e, portanto, no campo do pensamento. Então, há movimento em absoluto? Ou existe um tipo completamente diferente de movimento, qualitativamente diferente, que não tem relação com o tempo, com o processo, com o movimento para frente ou para trás? Agora nossa pergunta é: existe algum outro tipo de movimento? Há algo que não esteja relacionado com o tempo?

Qualquer movimento, até onde o cérebro esteja envolvido, se acha no campo do tempo — seja esse movimento externo ou interno. Veja isso. O cérebro se dá conta de que ainda quando possa pensar que se estende infinitamente, segue sendo muito pequeno.

Bem, existe u movimento que não esteja relacionado com o pensar? Esta pergunta é feita pelo cérebro, não por alguma entidade superior. O cérebro se dá conta de que qualquer movimento no tempo é dor. Portanto, naturalmente se abstém de todo movimento. Então se pergunta se há algum outro movimento que ele realmente não conheça, que ele nunca tenha experimentado.

Isso significa que se deve retroceder à questão da energia. Há energia humana e energia cósmica. Tem-se estado sempre considerando a energia humana como separada, limitada, incompleta, dentro de seu campo limitado. Agora a batalha chegou ao fim, entende o que quero dizer? Percebe? Você tem considerado sempre que o movimento da energia estava dentro do campo limitado, e a separava da energia cósmica, universal. Agora o pensamento se deu conta de sua limitação e em consequência, a energia humana se converteu em algo completamente diferente. A divisão — o cósmico e o humano — é criada pelo pensamento. A divisão cessa e outro fator entra em jogo. Para uma mente que não se acha centrada em si mesma, a divisão não existe. O que há que investigar então? Ou, qual é o instrumento da investigação? Há uma investigação, mas não é a investigação a qual estou acostumado: o exercício do intelecto, o raciocínio e tudo isso. E esta investigação não é intuição. Agora o cérebro se dá conta de que nele não há divisão alguma. Portanto, não está dividido como algo cósmico, humano, sexual, cientifico. A energia não tem divisões.

O que ocorre então? Começamos perguntando se o pensamento é materialista. O pensamento é material porque o cérebro é material. Evidentemente, o é. São poucos os que têm ido mais além.

Fritz Wilhelm: A residência tem um significado porque Pupul mora nela.

Krishnamurti: Vive nela com seus móveis, seus medos, esperanças, disputas.

Fritz Wilhelm: Você disse que a consciência é o conteúdo, mas eu pergunto mais. Qual é o significado, não a descrição?

Krishnamurti: Fritz quer dizer o significado de minha existência. Nenhum, em absoluto...

Fritz Wilhelm: Não é questão de que se queira ter um significado? Qual é o significado de Krishnamurti? Pode-se negar o ser? Então, se está aniquilado. Dentro está o indivíduo, o censor, a existência, a consciência, o corpo; e há muito mais — a alma abstrata; finalmente, uma alma ao redor da qual tudo tropeça. Pode-se negar isso?

Krishnamurti: A alma é o “eu”.

Pupul Jayakar: É aí onde mora a dificuldade. A pergunta de Fritz é válida porque a consciência de si mesmo é a cosia mais difícil de ser negada. Se se tenta negar o “ego” e o “si mesmo”, nunca poderá fazê-lo. Mas se procede como acabamos de fazê-lo, isso é tudo quanto se necessita.

Fritz Wilhelm: Qual é o significado de tudo isto? Por que o “eu” deve terminar? O significado dos átomos é o organismo, o significado do organismo é a consciência, por que isso deve se deter aí?

Krishnamurti: Não se detém aí. Detém-se aí somente quando o pensamento se da conta de suas limitações. Voltemos. Que instrumento é que vai investigar? — instrumento no qual não há separação, no qual não existe o investigador e o investigado. Eu vejo que o pensamento realmente não tem sentido. Só o tem dentro de seu limitado campo. Agora ele pergunta — não como descobridor que descobre algo —, o que é que há para ser descoberto.

Que movimento é esse que não é nem interno e nem externo? Por acaso é a morte? É a completa negação de tudo? O que ocorre então? O que é a investigação? Quando termina o pensamento, nesse fato incluímos a tudo; incluímos o significado, a consciência, o conteúdo da consciência, o sucesso, o fracasso. Tudo está dentro desse campo. Quando isso termina, o que ocorre então? O cérebro existe, existe o ato de registrar — a parte que está registrando. O registro continua. Tem que continuar; de outro modo, o cérebro enlouqueceria. Mas está a totalidade, que se acha completamente quieta. Já não está envolvido o pensamento. O pensamento não penetra para nada nesse campo. O pensamento interfere em um campo muito pequeno do cérebro.

Pupul Jayakar: É um fato o de que usamos uma ínfima parte de nosso cérebro.

Krishnamurti: Há a outra parte.

Fritz Wilhelm: Não há razão alguma para supor que o remanescente do cérebro que usamos, possa chegar a ser algo mais que outra parte da consciência.

Krishnamurti: Não, observe bem isso.

Fritz Wilhelm: Ainda a partir do ponto de vista biológico, você não está certo. A dimensão do cérebro que se pode usar determina a extensão da consciência. Se você a usa mais, a consciência será maior.

Krishnamurti: O velho cérebro é muito limitado. O cérebro inteiro é o novo que não havia sido usado. A qualidade total do cérebro é nova; o pensamento, que é limitado, funciona em um campo limitado. O velho cérebro não está ativo porque o limitado deixou de ser.

Pupul Jayakar: Então, você diz que se uma pequena parte do cérebro é vista como limitada, acaba-se a limitação, é assim?

Krishnamurti: Não, a limitação continua.

Pupul Jayakar: Mas devido a que ela não abarca a totalidade do cérebro nem coloca limites a si mesma, o resto não utilizado do cérebro se torna operável. Então, esta é outra vez uma posição totalmente materialista.

Krishnamurti: Concordo. Continue, avance mais.

Pupul Jayakar: Isso é tudo. Não há mais o que dizer.

Fritz Wilhelm: Eu tenho uma objeção a fazer. Ainda que o cérebro inteiro seja usado em plenitude, ele seguirá sendo a consciência, uma consciência tremendamente ampliada.

Krishnamurti: Depende se existe um centro.

Deshpande: Se há um centro, então você não está usando o outro.

Fritz Wilhelm: Nós temos estado operando somente dentro do limitado. Agora, se você se move no outro, como sabe que essa consciência não tem uma direção localizada em um centro?

Krishnamurti: A localização tem lugar quando o pensamento opera como dor, desespero, sucesso, quando o pensamento funciona como “eu”. Quando o “eu” se acha em silêncio, onde está a consciência?

Fritz Wilhelm: Depois disso, tudo se torna conjecturas. Você presume que o único fator que pode projetar o centro é uma desilusão, uma ferida. O pensamento é limitado. Portanto, se projeta a si mesmo. Por que deve a localização depender da limitação?

Krishnamurti: A localização em um centro tem lugar quando o pensamento está funcionando.

Pupul Jayakar: Se o pensamento cessa com sua palavra e seu significado, qualquer coisa que esteja operando então, não é reconhecível como palavra e significado.

Fritz Wilhelm: Você estreita o campo. Eu ainda questiono legitimamente que a frustração seja o único ponto de localização.

Krishnamurti: Eu inclui tudo, não só a frustração senão tudo quanto se encontra no campo do tempo. Agora vejo que as células cerebrais tem operado em um campo muito pequeno, e que esse pequeno campo com sua energia limitada tem criado toda adulteração. O velho cérebro se aquieta. O que temos chamado quietude, é a limitação que se aquieta. O ruído disso se acabou e esse é o silêncio da limitação. Quando o pensamento se dá conta disso, então o próprio cérebro, todo o cérebro, se aquieta.

Pupul Jayakar: Sem dúvida, registra.

Krishnamurti: Certamente. O ruído prossegue.

Pupul Jayakar: A existência continua.

Krishnamurti: A existência sem nenhuma continuidade. O que ocorre, então? Todo o cérebro se aquieta, não a parte limitada.

Fritz Wilhelm: Para nós é a mesma coisa.

Pupul Jayakar: Se não se conhece o outro e o outro não é manipulável, o que para nós se aquieta é só a limitação.

Krishnamurti: Portanto, essa quietude não é quietude.

Pupul Jayakar: Você está introduzindo algo novo...

Deshpande: O que lhe faz dizer que nós não empregamos todo o cérebro?

Fritz Wilhelm: Eu digo que todo meu cérebro está funcionando, mas que não sou consciente dele porque fecho a mim mesmo dentro do campo limitado.

Krishnamurti: Por favor, primeiro detenha o movimento do pensar, depois veja o que ocorre.

Deshpande: Quando o pensamento se detém, as coisas ocorrem por si mesmas; é necessário então pesquisar no que ocorre?

Pupul Jayakar: Quero fazer aqui uma pergunta. Você tem dito que o cessar da limitação do “eu” como pensamento não é o silêncio.

Krishnamurti: Essa é a beleza disso.

Pupul Jayakar: Deixe-me pegar o sentimento disso. Tenha a bondade de repeti-lo.

Krishnamurti: Disse que quando o pensamento com suas limitações diz que está em silêncio, não está em silêncio. O silêncio tem lugar quando toda a condição do cérebro está silenciosa; a coisa total, não só uma parte dela.

Fritz Wilhelm: Por que todo o cérebro deve cair em silêncio?

Krishnamurti: O cérebro total sempre tem estado silencioso. O que eu chamo de silêncio é o cessar do “eu”, do pensamento que tagarela constantemente. O constante tagarelar é o pensamento. Esse tagarelar se deteve completamente. Quando o tagarelar chega a seu fim, há uma sensação de silêncio, mas isso não é silêncio. O silêncio tem lugar quando a mente total, o cérebro — ainda que registrando — está completamente quieto, porque a energia está quieta. Ela pode emergir explosivamente, mas a base da energia é quietude.

Bem, agora, a paixão existe somente quando não há movimento da dor. Você compreende o que eu disse? A dor é energia. Quando há dor, existe o movimento de fuga através de compreender essa dor, de suprimi-la. Mas quando não há movimento algum na dor, se produz uma explosão na paixão. A mesma cosia ocorre quando não há movimento — externo ou interno —, quando não há movimento do silêncio que o “eu” tenha criado por si mesmo com sua limitação, para conquistar algo mais. Quando há absoluto silêncio, silêncio total e, portanto, não há movimento de nenhum tipo, quando tudo está completamente quieto, há um tipo completamente diferente de explosão que é...

Pupul Jayakar: ...Deus.

Krishnamurti: Nego-me a usar a palavra “Deus”, mas este estado não é uma invenção. Não é uma coisa produzida pelo pensamento astuto, porque o pensamento se acha completamente imóvel. Por isso é importante explorar o pensamento, e não “o outro”.

Bombaim, 9 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill