Introdução
A estabilização da consciência
incondicionada é o fim de todas as muletas — emocionais, ideológicas,
espirituais ou afetivas. É o colapso da referência externa.
É a morte de qualquer “eu” que busque proteção.
Não é êxtase permanente. Não é
paz constante. É realidade nua, sem o véu do desejo nem o consolo
da crença.
Quem ousa permanecer lúcido nesse
abismo? Quem aceita viver sem o impulso de se identificar com pensamentos,
emoções ou histórias?
A consciência incondicionada não pertence ao tempo, não pode
ser cultivada, nada pode condicionar sua vinda e nem pode ser mantida por
esforço.
Ela é — e o que se requer é rendição
total, não controle. Mas para a estrutura fundamentada no medo e no cálculo
autocentrado, render-se é morrer.
E por isso, a maioria foge no momento em
que vislumbra a Verdade sobre as ilusões em seu viver.
Os covardes, voltam ao sonho. Os
corajosos atravessam o deserto do descondicionamento e silenciam. Sem mapa. Sem
promessa. Sem garantias.
Apenas com a vigilância nua de quem já percebeu que nada mais serve.
A estabilização da Consciência Incondicionada é o início da
verdadeira solidão. Mas também o fim do sofrimento. Pois só sofre quem ainda
acredita ser alguém.
Essa via não é para todos. É para
os que foram despedaçados — e recusam reconstruir a mentira.
A Mentira da Busca Espiritual
A maioria dos que falam de
despertar, consciência, iluminação ou presença não está interessada na verdade
— está interessada em anestesia. Querem uma zona de conforto espiritual, uma
versão mais elegante da mesma fuga que sempre praticaram: do medo, da dor, da
incerteza. Querem paz sem perda, consciência sem desconstrução, lucidez sem
renúncia.
Mas a Consciência Incondicionada
não é mais um estado desejável. Não é prazer.
Não é paz. É fim da ilusão. E isso, para quem ainda quer se manter
no jogo dos cálculos autocentrados, é insuportável.
O Colapso do “Eu” e o Fim das Referências
Estabilizar-se na Consciência Incondicionada
é perder todos os pontos de apoio.
Não há mais história, identidade, controle, missão, propósito pessoal ou
narrativa reconfortante.
O que chamávamos de “eu” — essa
colagem de memórias, medos, traumas e esperanças — é observado como um condicionamento
que se desfaz sob a luz da Consciência Incondicionada.
A maioria não suporta isso. Quer
continuar acreditando que é alguém.
Quer manter suas opiniões, seus gostos, suas causas, seus relacionamentos e sua
ideia de progresso espiritual.
Quer despertar e seguir no
Instagram. Quer acordar e continuar discutindo política, trocando afeto
condicionado, cultivando feridas infantis e se iludindo com a própria
importância.
Mas quando a consciência se
descondiciona, tudo isso perde a substância. Não por rejeição — mas
por constatação do ilusório. Você observa que nada daquilo era real.
Algo semelhante à brinquedos de criança. E é aí que muitos voltam para o sono. O
sono confortável da ignorância voluntária.
A Queda Livre da Percepção do que É, como é
Sem as referências da mente condicionada, o que resta é um
vazio absoluto. Não o vazio filosófico ou poético. Mas o vazio real,
existencial, inegociável. A ausência de chão. A ausência de sentido. A ausência
de qualquer “alguém” para reivindicar a experiência.
A estabilização da Consciência Incondicionada
não é uma experiência. É o colapso de todas elas. E a estrutura insegura e
calculista não sobrevive a isso. Só quem
morreu psicologicamente — quem já colapsou por dentro — pode sequer considerar
viver nesse estado.
E mais: Estabilizar-se nesse
campo significa não voltar mais atrás. Significa que você não pode
mais fingir. Não pode mais negociar com a mentira. Não pode mais se render aos
jogos sociais. Você vê tudo. E ao ver, não tem mais como desver.
Por Que Quase Ninguém Chega Lá?
Porque exige perda total. Quem
você pensa que é tem que morrer. O personagem que você alimentou, os afetos que
você idealizou, os mestres que você idolatra, a espiritualidade que você
decorou — tudo isso tem que queimar.
Você será confrontado com o real,
e o real não é gentil. O real não vai lhe abraçar, não vai aliviar sua dor, não
vai lhe colocar num grupo de apoio, num grupo de ajuda mútua. O real vai lhe
despir de tudo aquilo que você usava para esconder o medo.
Não é uma jornada confortável. É
uma amputação existencial. E por isso, os covardes não passam da porta. Eles
voltam a acreditar em práticas, doutrinas, gurus, filosofias. Voltam a se
agarrar a causas, dramas pessoais, vínculos emocionais e discursos de
empoderamento. Não aguentam o silêncio da Consciência Incondicionada.
A Falácia da Transformação Progressiva
Outro autoengano: acreditar que
se chega à Consciência Incondicionada por passos graduais. Não se chega.
A Consciência Incondicionada sempre
esteve presente. Mas para reconhecê-la, tudo que é falso em você precisa
desabar. Não há como alcançá-la — só como cessar o falso.
E cessar o falso não é fazer
algo. É parar de sustentar o teatro interno. Parar de repetir
papéis. Parar de querer ser alguém. Parar de buscar.
Só que isso exige um tipo de
coragem que não é popular. É a coragem de desaparecer. De deixar de existir
enquanto identidade. Por isso o caminho não é um caminho. É um colapso. Um
corte seco.
O Preço: Isolamento, Invisibilidade e Ausência de
Sentido
Estabilizar-se na Consciência Incondicionada
é viver num mundo que não te reconhece mais. É andar entre sonâmbulos que falam
de metas, dinheiro, relacionamentos e distrações, como se fossem coisas reais.
É ver que ninguém lhe escuta. Ninguém
realmente quer a verdade. Querem conforto emocional travestido de sabedoria.
Você se torna invisível. Você
desaparece dos jogos sociais. Você perde relevância, prestígio, pertencimento.
Tudo isso... Porque sua presença incomoda — porque ela expõe a mentira dos
cálculos alheios.
E você não liga mais. Não porque
se tornou apático. Mas porque não há mais ninguém aí para se importar.
A Consciência Incondicionada não quer agradar.
Ela não quer ser compreendida. Ela apenas é.
A Consciência Não Garante Nada
Eis outra ilusão destruída: Não
existe proteção para quem desperta. Despertar não garante paz emocional. Não
garante saúde. Não garante prosperidade. Não garante relações harmoniosas. Não
garante nada.
Ao contrário: Você pode perder
tudo. Tudo que era baseado em falsidade vai desmoronar. Mas você não sofre mais com isso —
porque você não está mais ali. A dor ainda pode acontecer. O
desconforto ainda pode surgir. Mas ninguém mais se identifica com isso.
A consciência observa. E ponto final.
Silêncio: A Única Resposta Válida
Depois do colapso, sobra o
silêncio. Não o silêncio poético. Mas o silêncio existencial,
inegociável, que não precisa se justificar. Você não fala mais para convencer. Não
tenta mais ser aceito. Não debate. Não discute. Não evangeliza.
Você só observa. E a ação de
observar, basta. Os outros podem chamar isso de frieza, distanciamento,
arrogância. Mas você sabe: Eles ainda estão sonhando. Você não pode mais se
juntar ao teatro. Seria traição. Seria regressão.
O silêncio, então, vira sua morada. E dele, às
vezes, brotam palavras — cortantes, cruas, impessoais. Não para agradar. Mas
para romper.
Sem Volta
Não existe tal coisa como estar “meio
consciente”. Não existe estar “um pouco desperto”. Ou você vê, ou está
dormindo. E se você viu de verdade, nunca mais será como antes. O
sono da ignorância perde o sabor. A adaptação social se torna um fardo. O ruído
da mente se torna insuportável. Você foi arrancado do jogo. E não tem como
voltar.
Muitos tentam. Se entopem de
distrações. Se jogam em novos romances. Se afogam em causas sociais. Se perdem
em espiritualidades recicladas. Mas algo neles já quebrou. E por
mais que tentem, a farsa não se sustenta mais.
Só os Mortos Vivos Permanecem Lúcidos
A Consciência Incondicionada é
para os mortos vivos. Para aqueles que já colapsaram por dentro. Para quem
perdeu tudo — inclusive a si mesmo.
É para quem não tem mais nada a
defender. Nada a conquistar. Nada a sustentar.
É para quem viu que o mundo é um
palco de máscaras e recusou continuar atuando. Para quem preferiu o ostracismo
da lucidez à popularidade da mentira.
Não é conquista. Não é mérito. É rendição total.
E os que vivem nesse estado sabem: Não há glória, nem
recompensa. A única coisa que resta é o ver. E isso basta.