Agora uma pergunta provocadora para o Confrade que escuta este áudio:
Quem é essa entidade psíquica, que
depois de despertar, com o que lhe é espelho, não consegue mais se relacionar?
Essa pergunta é um soco no
estômago da estrutura condicionada que se veste de iluminada. Ela rasga a
máscara que no início do processo de descondicionamento, sem perceber, quase
todos nós acabamos usando, porque faz parte da nossa infância, digamos assim,
espiritual. Quase todo confrade, após um vislumbre da Dimensão Incondicionada
de Ser, passa a rejeitar as anteriores ambientações — como se fosse agora puro
demais para se contaminar com ele.
Quem é essa entidade psíquica,
Que depois de despertar,
Com o que lhe é espelho,
Não consegue se relacionar?
É o velho eu disfarçado de santo,
É a sombra que se traveste de luz,
É o ego que, humilhado pela Verdade,
Se reinventa como “desperto” —
Mas continua incapaz de amar o outro
Como parte de Si.
É o trauma não integrado,
O orgulho espiritual em vestes de simplicidade,
É a arrogância de quem “viu”
Mas não se rendeu por inteiro.
É aquele que confunde discernimento com superioridade,
Silêncio com fuga,
Vazio com desdém.
É o exilado de si mesmo,
Que trocou a prisão da ignorância
Pela cela dourada do “olhar desperto”.
QUEM É ESSA ENTIDADE PSÍQUICA,
Que depois de despertar,
Com o que lhe é espelho,
Não consegue se relacionar?
É a essência que viu o céu por um segundo,
Mas recusou voltar à terra
Para plantar o que recebeu.
Preferiu flutuar na ideia de luz
Do que sujar as mãos com o húmus do encontro.
É o olhar que se disse consciente
Mas não suporta refletir-se no outro.
Chama os espelhos de “densos”,
Chama o caos de “vibração baixa”,
Mas não vê que ainda é a lente do medo
Que desfoca seu olhar.
É a velha estrutura
em sua forma mais insidiosa:
Iluminado, sereno, acima da carne.
Mas basta alguém discordar
E ele treme, reage, se fecha —
Como quem protege uma mentira sagrada.
É aquele que diz:
"Eu despertei, por isso me afasto",
Mas é o trauma que fala por ele.
É a dor de ter visto demais,
Sem ter transbordado o bastante.
É o veneno do orgulho espiritual,
Que prefere isolar-se na caverna medo,
A encarar o fogo da relação.
Pois no olhar do outro,
Sua própria mentira vacila.
Recusar o espelho
É recusar o caminho.
É manter-se inteiro na teoria,
Mas fragmentado na prática.
É falar de Unidade,
E viver como ilha.
É falar em amor incondicional
E travar na primeira crítica.
É dizer somos todos Um
Mas dividir o mundo entre
Os “conscientes” e os “inconscientes”.
Quem é essa entidade
Que não consegue mais se relacionar?
É o medo de amar sem defesas.
É a dor não curada da infância cósmica.
É o Ser que viu a verdade,
Mas teve medo de morrer por completo.
Porque o despertar pleno
Não separa — une.
Não isola — inclui.
Não repele — dissolve.
Não diz: “Sou melhor”
Mas sussurra: “Sou tudo”.
E tudo inclui
O espelho quebrado,
O outro confuso,
O outro condicionado,
O Outro com suas crenças,
O outro com seus
Superficiais passatempos
O Tudo inclui a totalidade
Da sociedade que dorme.
Porque quem de fato despertou,
Vê em cada rosto
Uma chance de se lembrar mais uma vez
De quem verdadeiramente é.
A maior armadilha após o
despertar não é mais o sono — é o orgulho de ter despertado.
Muitos, ao terem um vislumbre da
Realidade Incondicionada, Atemporal, ao experimentarem um rompimento com o
condicionamento, sentem-se, por um tempo, libertos. É uma ruptura legítima,
sim. Mas ainda parcial. A estrutura fundamentada no medo — com sua maestria de
adaptação — rapidamente se apropria da experiência e a transforma em
identidade: “Sou alguém que despertou num ambiente que dorme.”
A partir daí, começa uma nova
prisão: mais sutil, mais insidiosa, mais difícil de detectar. Agora não se
trata mais de escapar da ignorância, mas de desmascarar a ilusão da
lucidez.
E como essa ilusão se manifesta? Na
recusa. Na recusa do mundo como ele é.
Na recusa das pessoas comuns, que ainda vivem sob véus.
Na recusa de se relacionar com quem, aparentemente, não entende “nada de
espiritualidade”. Na recusa dos espelhos — especialmente aqueles que tocam na
ferida que o “desperto” jurava já ter curado.
A dor não resolvida reaparece
como julgamento. O trauma não digerido ressurge como seletividade. A falta de
integração do próprio inferno interior se projeta nos outros — e o discurso
muda: “Não me misturo com vibrações densas.” “Me preservo da inconsciência
alheia porque me encontro em outro estágio.”
Mas isso não é despertar — é
retração. É autodefesa disfarçada de lucidez. É a velha estrutura com seu medo
camuflado em discernimento.
O despertar autêntico exige
radical humildade.
Ele não é uma elevação que
separa. É um esvaziamento que inclui. Quem realmente vê, não se fecha. Quem
realmente vê, não se protege. Quem realmente vê, não vê mais
"outro" — só a si mesmo em formas variadas.
E é por isso que se torna,
paradoxalmente, mais humano — não menos. Mais disponível. Mais presente. Mais
vulnerável até. Porque já não está tentando se proteger de nada. Já não precisa
se afirmar como desperto — porque não há mais ninguém ali para
sustentar esse papel.
E aqui está o ponto que poucos
querem encarar: Enquanto você ainda evita os espelhos desconfortáveis, você
ainda está dormindo.
Pode ter tido um vislumbre. Pode
ter atravessado um portal. Pode ter sentido o Silêncio. Mas se ainda julga,
ainda rejeita, ainda se esconde atrás de uma ideia de elevação — então o que
despertou não foi a Consciência. Foi apenas mais uma versão refinada da
velha estrutura condicionada.
O despertar, quando
verdadeiro, não cria distância — dissolve a fronteira. Não constrói
uma torre de pureza — te devolve à lama, com os pés descalços, o coração aberto
e a disposição de encontrar o Inefável em tudo: no tolo, no rude, no ignorante,
no barulhento, no espelho mais sujo e fragmentado.
E se você não consegue amar ali —
então ainda falta muito pra morrer. Permanece como um exilado de si mesmo, que
trocou a prisão da ignorância
pela cela dourada do “olhar desperto”.