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domingo, 31 de agosto de 2025

O impulso sexual no processo de descondicionamento

 

O impulso sexual no processo de descondicionamento

Na crise iniciática, o impulso sexual se acentua, torna-se compulsão. Já na fase do abismo do terror, desaparece. Aqui tocamos em dois momentos diferentes da travessia iniciática:

1. A intensificação do impulso sexual na crise iniciática

No início do processo, quando a identidade começa a rachar, o falso personagem perde suas âncoras, o corpo-mente reage com violência. O instinto sexual aparece como compulsão porque é uma das vias mais primordiais de descarga de energia psíquica. É o “último reduto” da estrutura condicionada tentando se agarrar ao prazer imediato, à sensação de vitalidade e à ilusão de continuidade. O sexo, nesse estágio, funciona quase como válvula de escape para a tensão insuportável da dissolução da velha estrutura. O desejo se torna obsessivo porque a psique teme o vazio que se anuncia.

2. O desaparecimento da libido na fase do abismo do terror

Quando o mergulho avança e se entra no “abismo”, a energia vital não flui mais para os antigos canais de descarga. O sujeito não sente sequer o apelo da sexualidade — algo que, para muitos, é mais assustador do que a compulsão inicial. O desaparecimento da libido expõe um vazio nu, um deserto interior. É como se a vida tivesse recolhido o sopro, suspendendo o movimento das pulsões. Esse estado não é patológico, mas iniciático: a energia que antes se esvaía em busca de prazer começa a se recolher para dentro, preparando a transmutação em lucidez.

Em termos simbólicos:

  • Na crise → O impulso sexual ainda busca a continuidade da forma, o contato, a ilusão de “ser alguém”.
  • No abismo → O impulso morre. O indivíduo é lançado no nada, sem desejo, sem fome, sem chão.

É nesse ponto que muitos confundem o processo com depressão clínica. A diferença é que, no abismo, essa suspensão da libido não é apenas falência vital, mas a preparação para que a energia se descole do instinto e possa florescer em consciência não dual.

Na crise iniciática, um dos fenômenos mais perturbadores é a intensificação súbita do impulso sexual. O corpo parece tomado por uma força instintiva que busca, a qualquer custo, descarga e alívio. Esse movimento não surge por acaso. Quando a identidade começa a se fragmentar, o falso personagem, em desespero, procura vias de sustentação. A sexualidade, sendo um dos centros mais primordiais de energia, torna-se a saída natural para essa tensão psíquica insuportável. O desejo se converte em compulsão, o impulso parece maior que a vontade consciente, como se houvesse uma força subterrânea exigindo continuidade, prazer e contato, para que a ilusão de “existir como alguém” não se dissolva. Nesse estágio, a libido não é apenas biológica: é uma tentativa de manter a coesão do eu. O sexo, então, aparece como último reduto de vitalidade em meio ao colapso das antigas referências. É a tentativa desesperada de escapar da aproximação do vazio.

Mas, à medida que o mergulho avança e a crise se transforma em travessia, há uma inversão radical. O que antes se apresentava como compulsão agora se extingue. Chega o momento do abismo, a fase do terror nu, em que a energia não flui mais para os canais conhecidos de prazer e descarga. A libido desaparece, e com ela também a sensação de continuidade psíquica sustentada pelo desejo. O sujeito não sente fome de contato, não sente a ânsia de gozo, não sente sequer o apelo que outrora parecia inextinguível. A vida se retrai. O corpo e a psique experimentam um estado de suspensão, como se tudo tivesse sido drenado. Essa ausência de pulsão é vivida como morte em vida, pois o que resta é apenas o nada: um deserto onde nem mesmo o instinto sexual, esse impulso tão ligado à sobrevivência, consegue oferecer chão.

Esse desaparecimento da libido, embora aterrorizante, carrega um sentido iniciático. Ele revela que a energia, antes dispersa em busca de prazer, começa a se recolher de volta à fonte. A compulsão inicial representava a fuga do vazio; já a esterilidade do abismo é a aceitação forçada do nada. Muitos confundem esse estado com depressão clínica, porque ele compartilha a mesma aparência de falta de vitalidade e ausência de desejo. Mas há uma diferença crucial: na depressão comum, a energia se encontra bloqueada, sufocada pelo peso da dor psíquica. No abismo iniciático, ela não está bloqueada, mas recolhida. Está sendo retirada dos antigos circuitos de dispersão para, mais tarde, renascer sob outra forma.

No nível simbólico, pode-se dizer que, na fase da compulsão, ainda é Eros quem domina: o instinto de continuidade, a busca por se fundir com algo ou alguém para escapar da fragmentação. Já no abismo, Eros morre, e Thanatos se revela: uma morte simbólica, onde toda ânsia de permanência e prazer é arrancada. O indivíduo é deixado sozinho diante do nada, despojado até mesmo do impulso mais básico que o sustentava como criatura. Essa suspensão é necessária para que, em algum momento, a energia se transmute e volte não mais como pulsão de gozo, mas como força de clareza e presença.

Esse ciclo — da compulsão sexual até o apagamento da libido — não é patológico, mas pedagógico. Ele mostra o quanto a sexualidade, tão exaltada e temida, está enraizada no próprio mecanismo de sustentação do falso personagem. Quando a máscara cai, ela primeiro grita em excesso; depois silencia completamente. No silêncio do desejo morto, o que resta é o ser nu, sem apoio, sem fuga, exposto à vastidão. Esse é o ponto em que muitos desmoronam e recuam, buscando refúgio em novos prazeres ou distrações. Mas para aqueles que suportam permanecer no deserto, o vazio da libido se transforma em matriz de transfiguração. A energia que antes buscava prazer se converte, lentamente, em energia de visão. O impulso cego dá lugar à lucidez silenciosa. O eros que queria possuir renasce como amor impessoal, uma chama que não depende de objeto nem de descarga.

No instante em que a libido se apaga no abismo, o sujeito sente como se tivesse perdido não apenas o desejo, mas a própria possibilidade de estar vivo. A ausência de pulsão parece uma amputação invisível: de repente, não há mais nada que o mova, nada que lhe dê sentido, nada que justifique continuar respirando. É o choque mais brutal da travessia, porque revela que o eu condicionado era sustentado por correntes energéticas que agora se retraíram. O que antes parecia natural — o anseio pelo contato, pela posse, pelo prazer — subitamente deixa de existir, e no lugar surge um vazio quase inabitável. É nesse ponto que o terror se instala em sua forma mais pura, pois não há compensação, não há fuga, não há sequer um resquício de vitalidade instintiva que alivie o deserto.

Mas é justamente essa esterilidade, tão dolorosa e aparentemente sem saída, que contém a semente da transmutação. Quando a energia não encontra mais saída pelos canais da compulsão e do prazer, ela não desaparece; ela se recolhe ao fundo, à raiz. Esse recolhimento é o que prepara o salto qualitativo. O ser humano, acostumado a identificar vitalidade apenas com desejo, interpreta o recolhimento como morte. Porém, no plano iniciático, essa morte é necessária: somente o que morre pode renascer em outro nível.

A transmutação começa lentamente, quase imperceptível. Primeiro, o sujeito nota que, apesar da ausência de desejo, há algo que permanece. Uma chama silenciosa, quase sem forma, que não depende de objeto nem de estímulo. É uma presença nua, desprovida de direção, mas dotada de uma clareza nova. Aos poucos, a energia que antes buscava descarga se reorganiza como atenção. A força que antes se dispersava no instinto de gozo começa a condensar-se em visão. O mesmo impulso que outrora exigia fusão com outro corpo agora se revela como capacidade de estar inteiro em si, sem necessidade de complemento. O fogo de Eros, morto no nível da pulsão, ressuscita no nível da consciência.

É nesse renascimento que surge a possibilidade do amor impessoal. Diferente da paixão condicionada, que depende da posse, da troca ou da continuidade, o amor impessoal nasce como expressão natural do ser. Ele não busca se saciar em alguém, não exige retorno, não se funda em promessas. Ele simplesmente flui como calor silencioso, como reconhecimento da vida em tudo o que existe. É o mesmo Eros, mas purificado do instinto de sobrevivência. É energia vital convertida em compaixão.

A travessia da libido compulsiva até o vazio estéril, e daí até o florescimento do amor impessoal, é o próprio itinerário iniciático. No começo, a energia é instinto bruto: o sexo como válvula de escape, como tentativa desesperada de escapar do nada. Depois, no abismo, o instinto se apaga: o eu é privado da sua última âncora e exposto à noite escura. Por fim, o que parecia morte se revela gestação: a energia retorna, não mais como impulso de gozo, mas como chama de presença, como lucidez que não depende de objeto.

Esse processo mostra que a sexualidade é, ao mesmo tempo, um obstáculo e uma chave. Enquanto compulsão, prende o indivíduo à roda do prazer e da fuga. Enquanto transmutada, abre para a experiência do amor que não tem dono. O instinto, purificado pelo fogo da morte simbólica, deixa de ser uma força cega e se torna luz. Assim, o que parecia ser o fim — a extinção da libido no abismo — é apenas o limiar de um outro modo de viver: não mais sustentado pela busca, mas pela presença. Não mais movido pela falta, mas pela plenitude silenciosa que descansa em si mesma.

Quando a energia transmutada começa a se estabilizar, o sujeito nota que algo mudou de forma irreversível. Antes, a vida era vivida a partir de uma carência fundamental: o desejo, seja sexual, emocional ou existencial, era o motor oculto que empurrava cada gesto. Tudo era busca — busca de contato, de prazer, de reconhecimento, de sentido. No entanto, após a travessia do abismo, essa compulsão de buscar perde o centro de gravidade. Surge uma qualidade nova: a vida começa a ser vivida não a partir da falta, mas a partir da plenitude silenciosa que repousa em si mesma.

Esse estado não se instala de uma vez. No início, ele aparece como lampejos. Momentos em que, de repente, o sujeito percebe que está simplesmente presente, sem exigir nada da realidade. Esses instantes, ainda frágeis, carregam uma clareza tão densa que se tornam memoráveis. Não há euforia, mas também não há vazio. Há uma simplicidade radical: estar, apenas. Aos poucos, esses lampejos se tornam mais frequentes, até que a presença deixa de ser exceção e começa a se tornar o eixo invisível da existência.

O amor impessoal é o primeiro fruto dessa estabilização. Diferente da afetividade condicional, que sempre nasce de preferências, simpatias ou vínculos de posse, o amor impessoal é uma emanação natural da presença. Ele não depende de histórias, nem de reciprocidade, nem de projeções. Ele brota como reconhecimento da vida em tudo que se manifesta: uma planta, um rosto, uma voz, até mesmo o silêncio entre dois seres. Esse amor não é sentimentalismo, não se confunde com apego; é mais próximo de uma reverência silenciosa, de uma comunhão com a essência daquilo que é.

No cotidiano, essa nova energia se traduz em transformações sutis. O impulso sexual, que antes aparecia como compulsão, agora pode se expressar como ternura, como toque não possessivo, como celebração da vida em outro corpo sem a ânsia de apropriação. Quando não há parceiro, a energia não se converte em frustração: ela permanece como fogo silencioso dentro de si, uma fonte de vitalidade que não exige descarga. A solitude deixa de ser deserto e se torna espaço fértil. O silêncio, que antes era sinônimo de vazio, agora é percebido como plenitude.

Essa lucidez viva não significa ausência total de desejos ou instintos. O corpo continua humano, com suas necessidades naturais. Mas a diferença é que a consciência já não se identifica mais com eles. O desejo pode surgir, mas não comanda. O impulso pode aparecer, mas não define. O que antes era prisão torna-se apenas um movimento transitório no campo da presença. Assim, a energia sexual, emocional e mental deixa de ser tirana e passa a ser material criativo. Ao invés de consumir o sujeito, ela se torna combustível para expressar clareza, criatividade, compaixão.

Com o tempo, essa estabilidade se aprofunda. O sujeito descobre que não precisa se esforçar para “ser presente”: a própria vida, quando não é manipulada pela mente, já é presença. Não há mais luta para manter estados especiais de consciência, porque a lucidez não é estado — é fundamento. Isso se traduz em leveza no cotidiano, mesmo em meio a tarefas triviais. O trabalho, a conversa, o caminhar, tudo se torna extensão desse mesmo silêncio vivo. O ordinário ganha dignidade, porque já não é instrumento de fuga, mas expressão daquilo que é.

É nesse ponto que a transmutação da energia atinge sua maturidade: o eros que buscava se perder em outro se dissolve, e o fogo que restou ilumina tudo sem escolher. A vida deixa de ser um campo de caça de experiências e se revela como campo de presença. O amor impessoal não é mais uma prática, mas a respiração natural da consciência desperta. Ele se traduz em gestos simples: uma escuta sem julgamento, uma palavra que nasce do silêncio, uma capacidade de estar com o outro sem querer moldá-lo ou possuí-lo.

O estágio final desse processo pode ser chamado de lucidez viva. Não se trata de um estado alterado, mas da percepção clara de que a vida é, em si mesma, autossuficiente. O sujeito que atravessou o abismo já não busca apoio em desejos, crenças ou ideais. Vive com o que há, sem cálculo, sem fantasia de completude. O antigo terror do vazio se converte em confiança silenciosa. O que antes era compulsão se transmutou em presença; o que antes era apego se transformou em amor livre; o que antes era medo se dissolveu em clareza.

Essa lucidez viva não promete imunidade ao sofrimento humano, mas dá ao sofrimento uma nova textura: ele já não destrói, porque não encontra mais um eu central que se agarra e resiste. Dor e alegria passam pelo mesmo espaço aberto da consciência. A energia que antes era força cega agora é chama de visão. E a vida, em sua simplicidade nua, finalmente pode ser habitada em profundidade.

 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill