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sábado, 30 de agosto de 2025

O Vislumbre da Consciência Como Trave de Tropeço

 A memória distorcida

Há algo de paradoxal e cruel na experiência do despertar parcial da Consciência Incondicionada: aquele lampejo da realidade última, aquela fresta por onde a lucidez amorosa e integrativa — daquilo que não tem nome — atravessou a mente por um instante — e depois se fechou. Nada mais perigoso para o buscador do que este vislumbre interrompido, pois ele se torna, com o tempo, tanto um chamado quanto um veneno.

Por um lado, o despertar parcial denuncia que existe “algo mais” do que a prisão do medo e do cálculo autocentrado em que vivemos. Por outro, converte-se em memória obsessiva, comparativa, frustrante. O personagem, que foi dissolvido no instante do vislumbre da Consciência Incondicionada, retorna para reclamar posse da experiência. E, ao fazê-lo, corrompe-a. O que era puro agora é um registro distorcido, um simulacro que alimenta desejo, esperança e angústia.

Assim nasce o vislumbre, como trave de tropeço: a lembrança do que foi visto, mas não permanece.


O Fardo de Uma Lucidez Perdida

Quem provou o gosto da lucidez sabe: não é possível retornar completamente à inconsciência. A visão não se apaga, mesmo que a experiência não possa ser sustentada. Esse resíduo, essa marca, é como uma tatuagem no ser profundo. E, paradoxalmente, é também um fardo.

Porque agora a vida ordinária já não satisfaz. Tudo parece demasiadamente pequeno, pobre, falso, superficial, medíocre. Os jogos sociais que antes entretinham tornam-se caricaturas ridículas. As metas que antes justificavam o esforço diário soam como piadas. E o que resta? Uma existência pendurada entre dois mundos: o velho mundo do condicionamento, onde ainda se vive, e o novo mundo da liberdade amorosa, criativa e integrativa, que se conhece, mas não se alcança.

O vislumbre da Consciência Incondicionada foi uma revelação, mas agora é também uma maldição. Ele lateja como uma ferida aberta. Quem já viu a luz não consegue amar a escuridão sem culpa. Mas, ao mesmo tempo, não consegue permanecer na luz — porque ela não é algo que se agarra, não é um estado fixo que se conquista pela vontade. E é nesse hiato que surge a dor mais sutil: a memória torna-se um obstáculo.


Quando a Memória Vicia

No início, há gratidão: “Fui tocado por algo que poucos tocam.” Mas logo depois nasce a ânsia: “Preciso voltar àquele estado.” O personagem, mestre em sequestrar tudo, agora sequestra até mesmo a experiência que o desinflou momentaneamente. Ele a transforma em meta. Cria métodos, programas espirituais como formas de tentar repetir sua bem-aventurada manifestação. Mas nada do que é vivo pode ser repetido.

O vislumbre da Consciência Incondicionada foi espontâneo. Veio quando não havia esforço, quando a vigilância estava limpa, quando o desejo não contaminava. E agora, na ânsia de recuperá-lo, perde-se a inocência que o permitiu. Quanto mais se tenta recriar, mais distante ele fica. Quanto mais se tenta condicionar sua vinda, mais se alimenta a estrutura, agora, com uma forma diferente de condicionamento.

É como tentar prender o vento com as mãos. O gesto em si é a negação daquilo que se quer reter. A memória do vislumbre é o veneno, porque nos faz acreditar que a experiência foi algo que aconteceu no tempo, e não a própria ausência de tempo. Nos faz crer que foi “um estado especial”, e não a dissolução de todos os estados.

E assim, o buscador tropeça naquilo que deveria libertá-lo.


O Orgulho Disfarçado

Há ainda uma armadilha mais sutil: o orgulho espiritual. “Eu vi.” Essa frase, dita ou não, cria um abismo entre quem vislumbrou e quem não vislumbrou. O personagem, ferido mas vivo, se orgulha de ter sido tocado pelo intocável. E, na sombra desse orgulho, a mente começa a se cristalizar novamente.

Já não se busca com inocência, mas com presunção. Já não se caminha com humildade, mas com a vaidade secreta de quem “sabe algo que os outros ignoram”. Isso é veneno puro. Porque onde há comparação, há personagem. Onde há superioridade, a lucidez se apaga.

O vislumbre da Consciência foi verdadeiro, mas agora é usado como moeda. Um capital simbólico que dá ao buscador um senso ilusório de importância. A lembrança — que poderia servir como farol silencioso — converte-se em corrente.


O Deserto Entre Dois Mundos

Quem teve um vislumbre raramente volta a se sentir confortável na sociedade. Mas também não se estabeleceu na liberdade. Fica no deserto. E o deserto é árido. Nele não há certezas, não há mapas. É ali que muitos desistem. Alguns retornam as velhas neuroses, outros, enlouquecem. Outros se refugiam em mestres, em satsang, religiões, grupos espiritualistas, drogas, bebidas enteógenas, militância política, qualquer coisa que devolva um pouco de chão e lhes faça se sentir “alguém”.

O problema é que o deserto do Real, não é um erro, não é uma maldição: ele é necessário. A travessia do deserto é inevitável. Não existe atalho para a Consciência Incondicionada. Mas a lembrança do vislumbre torna a travessia mais dolorosa, porque cria desejo, cria expectativa, cria movimento no tempo psicológico. O buscador vive comparando cada passo com aquele instante. Vive julgando tudo com a régua da experiência passada. E isso gera frustração constante.

No fundo, essa é a prova final: você é capaz de esquecer, até mesmo, a experiência mais sublime? Você é capaz de deixá-la ir, como se nunca tivesse existido? É capaz de abrir mão até da lucidez para que a lucidez seja?


A Sutil Tirania do Desejo Espiritual

O desejo é a raiz de toda prisão. O desejo por poder, por prazer, por reconhecimento — sabemos disso. Mas há um desejo ainda mais traiçoeiro: o desejo pela iluminação. Ele veste-se de pureza, mas é desejo. Ele parece nobre, mas é só mais uma do personagem.

E a lembrança do vislumbre alimenta esse desejo como lenha seca. A mente diz: “Eu já provei, sei que é possível. Então preciso voltar.” Essa compulsão pode transformar a busca num inferno. O buscador medita, jejua, lê, peregrina de mestre em mestre, busca por lugares considerados sagrados, caminha por trilas místicas, busca nos fins de semana, por locais de retiro de meditação, faz todo tipo de sacrifício neurótico. Mas tudo isso nasce da mesma ilusão: a ideia de que a estabilização da Consciência Incondicionada é algo a conquistar, algo que se obtém por cálculo e esforço pessoal.

A verdade é cruel para o personagem: não há “quem” possa estabilizá-la. Não há “eu” que desperte. Só ocorre quando se dá, naturalmente, o colapso do eu. E enquanto houver quem queira repetir, a “segunda vinda” é impossível.


A Única Saída: Morrer Para a Lembrança

A trave de tropeço só desaparece quando a memória deixa de ser âncora. Quando o buscador compreende que até mesmo a lembrança do Incondicionado deve ser sacrificada. É preciso matar o último ídolo — e esse ídolo é a própria experiência.

Não se trata de negar o que aconteceu, mas de não carregar. Não se trata de esquecer intelectualmente, mas de não se apegar psicologicamente. A lucidez que veio não é algo que possa ser guardado. Ela veio porque, por um instante, não havia ninguém tentando guardar nada. Se quiser que volte, não tente.

O silêncio não é conquistado; é permitido. A liberdade não é criada; é revelada quando não há busca. E isso inclui a busca pelo que já se experimentou.

A mente quer repetir. Mas a vida é sempre inédita. A verdade não é lembrança; é presença. Não está no passado nem no futuro — está no agora, mas um agora sem o “personagem” que carrega memórias.


Conclusão: O Último Apego

A lembrança do vislumbre da Consciência Incondicionada é, talvez, o último apego a morrer. Depois dela, resta apenas o deserto absoluto do Incondicionado — um estado em que não há mais nada a segurar, nem mesmo o sublime. É aterrador, mas é também o portal.

Porque só quando não resta nada — nem a lembrança, nem a esperança, nem o desejo — é que o Incondicionado se revela sem véus. Não porque você condicionou sua manifestação, mas porque você — como personagem — desapareceu.

No fim, a trave de tropeço não é a lembrança em si, mas o “personagem” que insiste em fazer dela um troféu. Quando esse “personagem” morre, até mesmo a memória do vislumbre se dissolve na dimensão eterna do agora. E então, aquilo que um dia foi apenas um raio de lucidez torna-se o próprio sol, brilhando sem esforço, sem dono, sem tempo.

Para finalizar, deixamos aqui três perguntas provocativas, para que possamos aprofundar nosso contato, através do espaço dos comentários aqui no nosso canal. São elas:

  1. Você já observou que o apego ao vislumbre é apenas a máscara mais sutil do personagem tentando sobreviver?
  2. Se o vislumbre que você experimentou foi real, por que agora você precisa se esforçar para repeti-lo?
  3. O que é mais difícil: despertar ou abandonar até mesmo a lembrança do despertar?
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill