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sábado, 30 de agosto de 2025

Não existem atalhos para o descondicionamento pleno

 A dura verdade

 Vivemos em uma era de respostas rápidas, métodos prontos, cortes mentais e “atalhos para a iluminação”. Nunca houve tanta oferta de fórmulas espirituais, gurus com vestimentas exóticas, sistemas e programações que prometem uma libertação imediata — em cinco módulos, em doze passos, três chaves, um mantra. Essa urgência é o reflexo do mesmo condicionamento que nos escraviza: a busca incessante por gratificação imediata. Queremos despertar sem atravessar a noite escura do descondicionamento, compreender sem despir as ilusões, encontrar a lucidez sem encarar a própria sombra apegada.

Mas a verdade é dura, quase cruel para a mente habituada ao conforto: não existem atalhos para o descondicionamento pleno.


O peso de séculos sobre um corpo frágil

 Cada ser humano carrega, inscrito na mente, um acúmulo de séculos de condicionamento. Herdamos crenças, tradições, moralidades, códigos de conduta, padrões de comportamento — tudo transmitido como um vírus silencioso, repetido por pais, mestres, líderes, celebridades, sociedades. Desde o nascimento, somos moldados para caber no molde coletivo. A educação é uma programação sofisticada. A cultura é um software invisível. A religião é um molde sagrado que dita quem devemos ser.

Tudo isso cria uma prisão psíquica com muros altos, tão altos que a maioria nem imagina que está dentro de um cativeiro. Essa é a primeira tragédia: a prisão é invisível, e acreditamos ser livres.

Quando alguém, em um momento de lucidez, percebe as grades — o choque é brutal. Descobre-se que cada pensamento é condicionado, cada desejo é fruto de influências, cada opinião é eco de uma propaganda que já não lembramos de onde veio. Essa percepção é rara e dolorosa, e muitos fogem dela como quem foge do abismo.


Por que não existem atalhos?

 O condicionamento não é uma camada superficial que pode ser removida com um mantra, uma técnica respiratória, uma droga psicodélica ou com uma bebida enteógena. Ele é estrutural. É a própria base psíquica da identidade que você acredita ser. Por isso, o descondicionamento pleno é comparável à morte: não a morte do corpo, mas a morte da imagem que você carrega de si mesmo.

A desconstrução dessa estrutura psíquica — insegura e calculista — não ocorre em um fim de semana de vivência retirada, nem na repetição automática de frases melosas de homens sentados de pernas cruzadas, que se autoproclamam como “mestre”. Ela exige atenção contínua, vigilância interior, uma investigação sem concessões. Não é um processo linear. É um desmanchar paciente, um observar que dissolve, não um fazer que acumula.

A mente condicionada busca sempre uma receita porque tem horror ao silêncio, ao vazio, ao não-saber. Mas o descondicionamento exige exatamente isso: entrar no não-saber, caminhar sem garantias, suportar o colapso das certezas. Não é um caminho que a massa quer trilhar, porque não promete glória, não garante status espiritual, não oferece a embriaguez das experiências místicas fáceis.


A indústria dos atalhos

 Olhe ao redor: vivemos a febre dos cursos de “cura quântica”, das “ferramentas de desbloqueio energético”, dos “protocolos de iluminação”, dos “Encontros com sua exata natureza”. A guruzada, fazendo uso do marketing espiritual aprendeu a explorar a mesma fraqueza que o marketing mundano: a pressa, o medo, a aversão à dor. Vende-se a ilusão de que é possível acessar a liberdade sem atravessar a renúncia, sem enfrentar a angústia da desidentificação.

Mas toda técnica que promete um atalho é, na verdade, um novo condicionamento. Você troca uma gaiola por outra mais sofisticada, mas colorida, mais bem decorada. Muda as palavras, os rituais, os símbolos, as roupas, as músicas, os aromas, a alimentação, mas continua prisioneiro. Por isso, o verdadeiro descondicionamento não começa com técnicas. Começa com o colapso da fé imatura em todas as técnicas.

Esse é um ponto que quase ninguém quer tocar, porque é o fim da indústria espiritual, é o fim da exploração do Incondicionado, é o fim das agências de turismo espiritual. Quando se compreende que não há método que possa condicionar a estabilização do que é incondicionado, todo comércio do despertar se revela uma fraude sutil.


O preço do real despertar

 O preço é alto: solidão existencial, porque a massa vive adormecida e hostiliza quem desperta. Silêncio interior, porque não há mais certezas para ostentar. Risco de loucura, porque a mente colapsa quando perde suas referências habituais.

Essa travessia não pode ser terceirizada. Nenhum mestre pode fazê-la por você. No máximo, um mestre verdadeiro te apontará o óbvio: não confie nem mesmo em mim. Se ele é honesto, dirá: queime meus livros, esqueça minhas palavras, olhe por si mesmo.

Esse processo é tão brutal que muitos desistem e voltam para a hipnose coletiva. Retornam ao conforto da rotina, às crenças reconfortantes, aos dogmas que dão um sentido fictício. É mais fácil continuar no sonho do que suportar a vertigem no deserto da lucidez.


A ilusão da experiência mística

Muitos acreditam que experiências místicas, visões, êxtases, são sinais de libertação. Engano. Essas experiências são estados da mente, e tudo que é um estado passa. Podem acontecer, mas não significam descondicionamento. Pelo contrário, podem criar um apego, uma nova busca.

O que não passa é a lucidez silenciosa, aquela que não é fruto de esforço nem de método. Ela não pode ser buscada porque já está aqui, mas está encoberta pelos escombros do condicionamento. E remover esses escombros exige observar, observar e observar — infinitamente.



A dificuldade de sustentar a observação

A mente é preguiçosa e ansiosa. Ela busca atalhos porque observar sem julgamento, sem interferência, sem expectativa, é árduo. Não há glamour na observação. Não há diploma, não há certificado, não há medalha espiritual. Há apenas a nudez da observação.

Mas essa observação contínua é dinamite. Ela destrói ilusões milenares, desmancha estruturas e apegos que pareciam inabaláveis. Quando você observa sem se apegar, sem tentar controlar, quando identifica sem se identificar com o identificado, algo começa a morrer. Esse algo é o falso. E quando o falso morre, não sobra nada para se segurar. Esse nada é o que a mente teme — e é justamente esse nada que é liberdade.


Por que isso não pode ser acelerado?

Porque cada camada de condicionamento é um nó psíquico, emocional e energético. Não se trata de teoria, mas de estruturas vivas que sustentam o “personagem”. Romper isso de forma abrupta pode levar à psicose, ao colapso mental. É por isso que o real descondicionamento é gradual no tempo, mas atemporal no insight: cada observação dissolve uma parte do falso, e essa observação não pode ser forçada.

A impaciência é o maior inimigo. Quem busca pressa não busca liberdade, busca alívio. E alívio é anestesia, não lucidez.


O paradoxo final 

Não existem atalhos porque não existe “caminho” no sentido tradicional. Todo caminho implica tempo, esforço, etapas — e isso pertence à mente condicionada. O descondicionamento pleno não é algo que você alcança: é algo que emerge quando tudo que é falso cai. Não é um fazer, é um desfazer. Não é conquista, é abandono.

Esse abandono é o que ninguém quer, porque o personagem sobrevive de acumular: acumular experiências, acumular conhecimentos, acumular técnicas. Quando você observa que tudo isso é peso morto, o jogo acaba. E nesse fim começa algo sem nome — algo que não pode ser ensinado nem vendido.


Quem quer atalhos não quer liberdade, quer conforto.

O descondicionamento não é confortável. Ele é o fim do personagem que busca. Por isso, quase ninguém vai até o fim. Mas para quem ousa, não há método, não há grupos e programações, não há mestre, não há caminho — apenas o silêncio nu daquilo que é.


Agora, caro confrade, seguem três provocações afetuosas:

  1. Será que a lembrança do despertar é luz ou a armadilha mais sutil do personagem?
  2. Você já percebeu que o desejo de repetir o vislumbre é a negação do próprio silêncio?
  3. Quem quer reviver a experiência: a consciência ou o velho “personagem” disfarçado de buscador?

Ficamos por aqui, deixando aquele fraterabraço, um chute nas canelas e o desejo da companhia contínua de uma lucidez crua e cortante em seu processo de descondicionamento.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill