Você não é a Ansiedade, muito menos, seus sintomas
Por causa de ações passadas,
carentes de lucidez, para muitos de nós, a mente tornou-se um campo de batalha.
A ansiedade, outrora um instinto vital, transformou-se em um espectro
onipresente, perseguindo cada pensamento, cada sensação, cada projeção para o
futuro. Quando ela surge, não vem sozinha: carrega um cortejo de sintomas —
palpitações, sudorese, falta de ar, medo difuso, dolorosos pensamentos
intrusivos. E, no entanto, é preciso afirmar com clareza: você não é a
ansiedade, muito menos, seus sintomas.
Parece simples, mas não é. Porque
quando a crise de ansiedade chega, ela toma a forma da própria identidade. Você
não diz: “há ansiedade em mim”. Você diz: “eu estou ansioso”, “eu sou ansioso”.
O verbo ser, que deveria expressar a essência, funde-se ao estado temporário,
sempre passante. E, por falta de observação, assim, a experiência torna-se
prisão.
É preciso pela maturidade da
observação passiva não reativa, romper essa nefasta identificação ilusória. Caminhemos
juntos nessa investigação.
Ansiedade não é você — é um processo da mente
Para compreender por que você não
é a ansiedade, é preciso entender a natureza dela. Ansiedade é um movimento
mental em direção ao futuro. É a tentativa desesperada do personagem
de prever, controlar e evitar ameaças — reais ou imaginárias. É uma projeção: a
mente abandona o presente e constrói cenários, hipóteses, riscos. Em essência,
ansiedade é futuro condensado no agora.
Quando isso ocorre, o corpo reage
como se estivesse diante de um perigo real. A adrenalina é liberada, a
frequência cardíaca dispara, a respiração se altera. Mas perceba: nada disso é
“você”. É apenas a resposta biológica a uma narrativa da estrutura
psíquica fundamentada no medo. É o corpo acreditando na ficção
criada pela estrutura.
O problema não é a ansiedade em
si — ela é uma função evolutiva. O problema é a imatura identificação
com ela: é quando você acredita que essa resposta define quem você é.
A armadilha da identidade: “sou ansioso”
As palavras moldam a percepção.
Quando você diz “sou ansioso”, está construindo uma identidade falsa em torno
de um estado que é passante. E tudo aquilo que você nomeia como “eu” ganha
raízes na estrutura psíquica. Passa a fazer parte da autoimagem. Você começa a
esperar que a ansiedade apareça, começa a se perceber sob o filtro dela, começa
a acreditar que há algo de essencialmente errado em você.
Mas a verdade é esta: ansiedade
não é um traço de caráter — é um fenômeno psíquico passageiro. Não
importa há quanto tempo ela habita sua vida. Ela não é a essência. Sua essência
é anterior aos condicionamentos da mente. É o observador silencioso que
identifica os movimentos internos sem se identificar com eles, sem ser arrastado
por eles.
Os sintomas: mensageiros, não inimigos
Quando a ansiedade chega, ela se
anuncia com sintomas físicos. O coração dispara. O ar parece rarefeito. Um frio
percorre o corpo. Talvez você sinta náusea, tontura, tremor, enjoo. Tudo isso é
real. Mas todos esses sinais têm um propósito: alertar o organismo para uma
ameaça — mesmo que essa ameaça não exista.
E é aqui que precisamos inverter
a lógica: os sintomas não são inimigos. São apenas, mensageiros.
Eles estão dizendo: “há algo aqui que você está tentando controlar, algo que
você teme enfrentar, algo que não quer sentir, algo que não quer soltar”.
Quando você os trata como monstros, você os reforça. Quanto mais luta, mais
eles crescem. A resistência é combustível para a fogueira da ansiedade.
Experimente outra postura: observar
sem resistência. Em vez de perguntar “como faço para isso ir embora?”,
pergunte: “o que esses sintomas estão tentando me mostrar?” Essa mudança
dissolve o ciclo da aversão, que é um dos pilares da ansiedade.
O personagem ansioso e sua ilusão de controle
No núcleo da ansiedade está a
obsessão pelo controle. O personagem teme a impermanência do que lhe é
conhecido. Teme o imponderável. Quer garantir que nada de ruim aconteça — mas
como controlar o incontrolável? Como prever a infinitude de variáveis que
compõem a vida?
A ansiedade nasce do conflito
entre essa necessidade de controle e a realidade fluida da existência. Enquanto
você acredita que precisa controlar tudo para estar seguro, estará condenado à
tensão crônica. Porque a vida, por natureza, é incerta. O real nunca
se curva à ficção do controle exercida pelo personagem.
Quando você compreende isso, uma
porta se abre: a porta da rendição lúcida e integrativa. Não
é desistência. É reconhecer que a tentativa de controlar tudo é a própria raiz
do sofrimento. É soltar as rédeas daquilo que nunca esteve sob seu domínio.
Você é o observador, não o observado
Agora chegamos ao ponto
crucial: quem é você no meio desse turbilhão? Quem é
você quando os sintomas gritam, quando os pensamentos correm desordenados,
quando o corpo parece em colapso?
Se você parar para olhar, verá
algo simples e profundo: existe, em você, um espaço que não é afetado pela
ansiedade. Um espaço silencioso que apenas observa passivamente, ou seja, sem
alimentar qualquer reação ou impulso escapista. Quando a mente está agitada,
esse espaço continua ali, imutável. Quando o corpo treme, esse espaço não
treme. Quando os pensamentos dizem “vai dar tudo errado”, esse espaço permanece
em paz.
Esse espaço é a Consciência. É a
sua natureza primal, anterior ao implante dos condicionamentos. Ela não é uma
crença. É algo que você pode constatar diretamente, agora. Experimente: feche
os olhos e perceba os pensamentos que vêm e vão. Perceba as sensações no corpo.
Agora observe: quem está percebendo tudo isso? Essa
percepção é você. Os pensamentos não são você. As sensações não são você. Elas
acontecem em você — mas você é o espaço onde tudo esá acontecendo.
Quando você descobre isso, a
frase “você não é a ansiedade” deixa de ser um apontamento alheio e se torna
uma verdade experiencial.
A dissolução da identificação
Mas atenção: compreender
intelectualmente não basta. A mente é esperta e pode usar até mesmo essa ideia
para criar outra armadilha: “ok, eu não sou a ansiedade, mas preciso me livrar
dela para provar isso”. E, assim, você volta ao ciclo da resistência.
A verdadeira libertação não vem
do esforço para eliminar a ansiedade, mas da quebra da imatura
identificação. É ver, com clareza, que ela surge, permanece por um
tempo e se vai — como uma nuvem no céu. O céu não luta contra as nuvens. Apenas
permanece. Assim é você.
Essa percepção não elimina
automaticamente os sintomas. Mas muda radicalmente a relação com eles. Em vez
de medo, há curiosidade. Em vez de fuga, há presença. E, quando você para de
alimentar a ansiedade com resistência, ela perde força.
Aceitação radical: o antídoto para a ansiedade
Aceitação não é passividade. É
lucidez que produz integridade. É olhar para a ansiedade sem tentar modificá-la
no ato. É dizer: “ok, ansiedade, você está aqui. Pode ficar o tempo que
precisar. Eu não sou você.” Quando você faz isso, algo surpreendente acontece:
a ansiedade deixa de ser um inimigo. Ela se torna um fenômeno natural, que surge
e se vai como qualquer outro.
Essa aceitação radical é
contrária ao instinto condicionado. Nossa cultura ensina a lutar, a controlar, a
buscar pelo desabafo, a eliminar. Mas a mente não se pacifica sob coerção. A
mente se pacifica sob compreensão que surge da silenciosa observação passiva
não reativa.
Conclusão: você é maior que qualquer sintoma
A ansiedade pode ser intensa.
Pode fazer você acreditar que vai enlouquecer, desmaiar, perder o controle. Mas
olhe para trás: quantas crises de ansiedade você já sobreviveu? Quantas vezes
os sintomas vieram e foram? Eles sempre passam. Sempre.
E, no entanto, há algo
que nunca passou: a consciência que testemunhou cada crise. Essa é a sua
verdadeira identidade. Não o medo. Não os pensamentos. Não as sensações. Mas o
espaço silencioso que observa tudo.
Quando essa verdade se enraíza,
você não precisa lutar contra a ansiedade. Não precisa vencê-la. Porque ela
nunca foi você. Ela é apenas uma onda no oceano da consciência — e você é o próprio
oceano.