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sábado, 30 de agosto de 2025

O Observador e a Morte antes da Morte

Há uma morte que salva. E há uma vida que mata. A maioria vive — e morre — sem jamais ter conhecido a primeira.

A sabedoria perene, os grandes mestres e os raros que rasgaram o véu da ilusão repetem isso em diferentes linguagens: "Morra antes de morrer". Porque quem não morre antes da morte, sucumbe inteiro no fim. Nada se salva do que não foi queimado em vida.

Mas o homem comum, hipnotizado pelo seu nome, pela sua história, pelos seus traumas, medos e pequenas glórias, insiste em adiar essa morte essencial. Ele vive defendendo seu personagem. O "eu" que ele acha que é. Agarra-se aos seus gostos, às suas certezas, à sua identidade como um náufrago a uma tábua podre no meio do naufrágio.

Esse é o indivíduo que não morreu antes de morrer. Viveu com medo, morreu no medo. Nunca atravessou o próprio abismo.

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O observador desperto, aquele que morreu em vida, sabe que não há nada a salvar da velha estrutura. Não há o que preservar do personagem, da identidade, da narrativa pessoal. Ele permitiu que tudo fosse queimado, desfeito, desintegrado. Vive em estado de ausência de si — não como fuga, mas como libertação.

Essa morte não é simbólica. Ela é existencial. É uma demolição silenciosa. A quebra do feitiço do “eu”.

Morrer antes de morrer é entregar-se à incineração do falso. É parar de negociar com as defesas psíquicas. É observar sem amortecedores. É renunciar à posição central da mente, que insiste em querer ser autora, vítima, salvadora e estrela da própria farsa.

A morte do indivíduo não é suicídio físico, mas sim psicológico. Não é desistência da vida, mas desistência da ilusão. Quem morre antes da morte biológica experimenta a liberdade radical. Um estado sem centro, sem exigências, sem máscara — onde nada mais precisa se provar ou se justificar.

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Mas quem é o indivíduo que não morreu antes de morrer?

É aquele que vive para sustentar seu papel no teatro social. É aquele que reza para o céu enquanto negocia com seus vícios. É aquele que teme o ridículo, o fracasso, a exclusão. É aquele que vive no modo sobrevivência, mas finge plenitude. É aquele que multiplica metas, títulos, etiquetas, mas nunca se senta no silêncio de si mesmo.

É aquele que exige sentido, mas não suporta o vazio que revela o real. Este indivíduo é uma ficção em manutenção. Um fantasma que se alimenta de distrações, de opiniões alheias, de validação externa. Vive em negação da sua condição de ser impermanente, finito, e fundamentalmente só.

E então, quando a morte real chega — como chegará para todos — ela o encontra despreparado, colado à sua história, carregado de desejos não saciados, pendurado em arrependimentos, com o peito pesado de não-ditos. Ele não se dissolveu antes da dissolução. E por isso, morre sem conhecer a liberdade.

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O observador que morreu em vida é um sobrevivente do fogo interno. Ele não é um asceta, nem um iluminado de vitrine. É apenas alguém que teve a coragem de não se poupar. Alguém que olhou sua própria mentira, suas compulsões, manias, apegos e tendências, sem piedade, sem rodeios, sem fuga.

Esse observador não é mais “alguém” no sentido comum. Ele é um espaço consciente. Um não-eu que observa o mundo com olhos limpos de necessidade. Ele não pertence ao script coletivo. Não se encaixa. Não se vende. Não se repete.

Ele sabe que a única revolução possível é morrer. Morrer para o falso. Morrer para o passado. Morrer para o nome, a história, os desejos, os sonhos herdados.

E dessa morte — paradoxalmente — nasce uma vida nova. Uma vida livre do tempo psicológico. Uma presença viva, espontânea, selvagem. Uma vida sem dono.

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O indivíduo que não morreu antes de morrer busca, medita, ora, lê livros espirituais — mas não se entrega. Ele quer evoluir sem se desfazer. Quer manter o trono e se declarar livre. Quer acordar, mas com garantias. Quer transcender, mas desde que a conta bancária esteja segura, o relacionamento estável, a reputação intacta.

Ele nunca vai acordar. Porque não se acorda com acordos. A verdade não é gentil com quem negocia.

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A morte antes da morte exige uma radicalidade quase insana. É preciso rasgar os contratos invisíveis com a mentira. É preciso desobedecer os comandos internos do condicionamento. É preciso abrir mão da necessidade de ser alguém — mesmo que isso cause medo, solidão, desorientação.

E causa. A morte do falso dói. Ela arranca os alicerces de uma vida inteira. Derruba muros, queima pontes, dissolve ilusões queridas. Deixa o chão nu, o céu exposto, a alma sem escudo.

Mas logo se percebe: tudo o que caiu era prisão. Tudo o que ardeu era carga inútil. E tudo o que resta é o que nunca nasceu — e, por isso, não pode morrer.

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Este é o paradoxo supremo do observador desperto: Ele morreu para o indivíduo — mas vive como presença. Ele não é mais alguém — mas está mais vivo que nunca.
Ele não pertence ao mundo — mas age nele com lucidez, precisão e desinteresse.

Ele não quer mudar ninguém. Não quer convencer. Não quer conduzir. Ele apenas é. E esse “ser” é suficiente para rasgar a malha da inconsciência onde passa.

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O indivíduo que não morreu antes de morrer vive com medo do fim. Mas o fim já chegou. Ele apenas não percebeu. Viveu tanto no amanhã que não viu que a vida já está se despedindo em cada respiração.

Já o observador desperto vive sem futuro. Não espera nada. Não projeta sentido. Não cria esperança. Vive no agora cru, e por isso, é presença pura — e presença é eternidade em forma de instante.

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Essa morte não é uma conquista. É uma rendição. Não é um mérito. É uma desaparição. E não é um prêmio. É o fim da busca.

Por isso tão poucos se aproximam dessa fronteira. Por isso tantos morrem sem ter vivido.

Porque viver — de verdade — só é possível quando o falso morre. E isso exige tudo.

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Morrer antes de morrer não é um evento. É um processo de desmantelamento interior. É um colapso íntimo que só pode ser atravessado no silêncio, no vazio, na entrega total.

Não há técnica. Não há fórmula. Não há método. Há apenas um abandono. Um fim voluntário.

E então, no silêncio depois do fim, surge uma nova presença. Um ser sem nome. Um olhar sem dono. Um amor sem forma.

Este é o observador. Aquele que morreu — e por isso, vive. Aquele que não tem mais nada a perder — e por isso, é livre.

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Quem ainda teme a morte é porque ainda não viveu de verdade. Quem ainda se agarra à sua identidade é porque não descobriu o que há por trás do teatro.

A pergunta final não é "o que farei da minha vida?" Mas sim: "Você já morreu antes de morrer?"

Porque tudo depende disso.


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill