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sábado, 30 de agosto de 2025

O Despertar do Observador: Uma Análise sobre a Consciência Não Reativa

A Condição do Observador Silencioso:

Entre Testemunha e Ilusão

A noção de um "observador silencioso passivo e não reativo" representa um dos conceitos mais profundos e desafiadores na fronteira da filosofia e da espiritualidade. Este estado mental, frequentemente descrito como uma consciência que observa os fluxos da vida — pensamentos, emoções, sensações — sem se identificar com eles ou responder automaticamente, é o objetivo de múltiplas tradições ao longo do mundo. Na meditação e na atenção plena, ele é fundamental para promover clareza, paz interior e autocompreensão. Ao atuar como uma testemunha silenciosa, a pessoa consegue distanciar-se de padrões mentais e emocionais arraigados, reduzindo a ansiedade e as reações automáticas, o que favorece a capacidade de responder conscientemente e intencionalmente às situações da vida. Esta prática é cultivada através de diversas técnicas, incluindo meditação e a reflexão, visando integrar este estado de observação à vida diária para alcançar maior serenidade e autenticidade.

A distinção entre o "Eu Observador" e o "Eu Pensante" é uma metáfora poderosa para explicar esta dinâmica. O Eu Observador é comparado ao céu vasto e imóvel, enquanto os pensamentos, sentimentos e sensações são como nuvens que passam pelo seu campo de visão. Essa analogia, compartilhada por tradições como o budismo, o hinduísmo e o taoísmo, ilustra a separação fundamental entre a consciência pura e os conteúdos mentais que ela experimenta. O cultivo do observador silencioso, passivo e não reativo oferece três benefícios centrais: a autoconsciência, ao permitir uma observação objetiva dos processos internos; a desidentificação, ao revelar que a pessoa não é seus pensamentos; e a capacidade de escolher respostas conscientes em vez de reações emotivas automáticas, resultando em maior lucidez e redução de conflitos. No entanto, a natureza exata deste observador diverge significativamente entre diferentes sistemas de pensamento, abrindo caminho para uma análise crítica.

Para algumas tradições, como o Advaita Vedanta, o Observador Interior é a manifestação daquilo que é conhecido como Atman — o eu verdadeiro, imutável, eterno e auto-iluminado. Nesta perspectiva, o despertar espiritual consiste em reconhecer que a nossa verdadeira natureza é essa consciência pura, e que a identificação com o corpo, a mente e os pensamentos é um erro de percepção. Nisargadatta Maharaj ensina que o Self é uma "testemunha silenciosa" que observa tudo, mas permanece inalterado pelas emoções ou eventos. Da mesma forma, Osho refere-se ao "observador silencioso" como uma testemunha que permite transcender os condicionamentos passados. Em Dzogchen, o estado natural da mente é chamado de — Consciência Pura, Atemporal, que reflete todos os fenômenos como um espelho ou uma bola de cristal, sem ser afetada por eles. A prática visa realizar esta natureza primordial, já perfeita e espontaneamente realizada.

No entanto, esta visão de um Observador estável e permanente encontra uma forte oposição em outras tradições, notavelmente dentro do próprio Budismo e de certas correntes ocidentais. Jiddu Krishnamurti argumenta que a ideia de um "eu observador" separado da "coisa observada" é uma ilusão criada pelo próprio pensamento. Para ele, a verdadeira realidade surge da experiência pura e direta, sem um "eu" presente para mediá-la. O sofrimento psicológico, segundo esta linha de pensamento, é sustentado pela dualidade artificial criada pelo pensamento, e a meditação verdadeira dissolveria essa ilusão do observador, pensador e sentidor. De forma ainda mais radical, Friedrich Nietzsche critica a própria consciência como um desenvolvimento orgânico recente e frágil, um artifício social para a comunicação que simplifica e falseia a realidade. Ele considera a consciência uma ficção, uma projeção ilusória que atribui causalidade a um agente interno, quando, na verdade, não há causas mentais absolutas. Assim, o "despertar" para Nietzsche não seria o reconhecimento de um observador permanente, mas o reconhecimento da ilusão da consciência como um todo, voltando-se para o pensamento inconsciente e instintivo, que ele considera mais vigoroso e regulador da vida. Esta divergência fundamental transforma a busca pelo "silencioso observador passivo não reativo" de um caminho para a descoberta de um eu eterno num campo de batalha filosófica, onde a própria existência do observador torna-se objeto de contenda.

 

Crítica à Consciência e à Dualidade

O conceito de um "observador silencioso" não pode ser compreendido adequadamente sem uma análise das críticas filosóficas dirigidas ao próprio conceito de "eu" e à estrutura da consciência. Mestres como Jiddu Krishnamurti e filósofos modernos como Friedrich Nietzsche oferecem uma perspectiva profundamente crítica que desmantela as bases sobre as quais a noção de um observador permanente repousa. Para Krishnamurti, a raiz do conflito humano reside na dualidade criada pelo pensamento. Quando existe um pensador que se separa do seu pensamento, surge o centro do eu, a autorreferência, que é a fonte do conflito, da dor e da luta interna. A verdadeira libertação, portanto, não envolve encontrar um observador superior, mas sim perceber a falsidade dessa divisão. A meditação, neste sentido, é a observação clara e não reativa do movimento da própria mente, o que dissipa a ilusão do observador e leva à cessação da condição psicológica caótica. A máxima do Zen "Tudo é Um e Tudo é Diferente" também ecoa essa complexidade: o iluminado não vê diferença entre si e o ignorante, pois transcende a dualidade, mas ainda assim opera dentro de um universo de aparências distintas. Essa visão alinha-se com o advaita Vedanta, que ensina a não separação, mas também reconhece a aparente diversidade do mundo.

Friedrich Nietzsche propõe que a consciência é o "último e derradeiro desenvolvimento do orgânico", um órgão jovem e frágil, cuja função principal foi surgir sob a pressão da necessidade de comunicação em grupos sociais. Ele a descreve como um "artifício ligado à necessidade de comunicação no homem gregário", dotado de um caráter de "marca de rebanho", voltado para o comum e o convencional, e não para o singular ou individual. Segundo Nietzsche, o pensamento consciente é apenas uma parte superficial do pensamento total; o pensamento inconsciente, ligado aos instintos, é muito mais vigoroso, conservador e regulador da vida. Isso implica que podemos pensar, sentir, querer e agir sem qualquer intervenção da consciência, que, portanto, nem sempre é o motor da ação, mas muitas vezes um comentarista tardio. A linguagem, associada à consciência, é vista como um sistema de metáforas e convenções que iguala o não-igual, simplificando e falseando a realidade, funcionando como um obstáculo para acessar os impulsos internos mais profundos.

Essa visão tem profundas implicações para a noção de livre-arbítrio e responsabilidade moral. Se a consciência é um produto secundário e falível, então o "eu" que julga, decide e age não é um agente soberano, mas uma construção narrativa sobre processos mais fundamentais. Nietzsche associa a ascensão da "má consciência" à interiorização do conflito, quando os instintos violentos, impedidos de se descarregarem para fora, voltam-se contra o próprio indivíduo, gerando sentimento de culpa e a interiorização da crueldade. O "eu", nesse contexto, é uma ficção, uma projeção ilusória que atribui causalidade a um agente interno, enquanto, para Nietzsche, não há causas mentais absolutas: a vontade, o motivo e o "eu" são erros interpretativos que sustentam a moral do ressentimento, própria do homem fraco. A verdade e a mentira, ele argumenta, são apenas convenções úteis para a sobrevivência, e foram esquecidas como tais, sendo agora tomadas como absolutas. A crítica de Nietzsche à consciência, portanto, vai além da mera descrição; ela desafia os pilares da moralidade e da subjetividade ocidental, sugerindo que a verdadeira liberdade pode residir não na vigilância de um observador, mas na aceitação do pensamento como um processo orgânico, onde os instintos são mais certeiros que a consciência.

Esta perspectiva contrasta fortemente com as tradições orientais que falam do "Observador". Enquanto estas veem-no como a chave para a liberação, Nietzsche o via como um sintoma do problema. O "silêncio" nessas tradições é frequentemente uma qualidade da existência pura, não uma característica da mente, algo que a crítica nietzschiana parece confirmar ao afirmar que o corpo inteiro pensa e que os instintos são mais certeiros que a consciência. A "lucidez crua", portanto, deve abraçar essa tensão. Ela não pode simplesmente celebrar a consciência, mas deve questionar sua própria natureza, origem e propósito. O "despertar" para um pensamento nietzschiano não é um aumento de consciência, mas uma transição do rebanho para o solitário, do "homem-comum" para o "super-homem", capaz de criar seus próprios valores para além da dualidade e da ilusão da consciência.

 

O Observador no Ocidente: Misticismo Cristão e a "Serenidade"

Embora a discussão sobre o observador silencioso passivo e não reativo, seja frequentemente associada a tradições orientais, ela possui uma linhagem rica e rigorosa no Ocidente, particularmente na tradição mística cristã medieval. Meister Eckhart (c. 1260–1328), um pregador dominicano, teólogo e filósofo, é talvez a figura central nesta herança. Seu pensamento representa uma fusão audaciosa entre a metafísica neoplatônica de Plotino, a teologia cristã e o ideal de um desprendimento radical que se aproxima da passividade e da não-reatividade. Para Eckhart, a realização espiritual mais alta não é um estado de contemplação ativa, mas uma atitude de receptividade absoluta, um abandonar, um desapegar-se, um render-se ou deixar-se ser.

O núcleo da doutrina de Eckhart é o conceito de "nascimento de Deus na alma. Ele ensina que Deus nasce continuamente e eternamente na parte mais pura e elevada da alma, um lugar que ele chama de "fundo da alma". Esse fundo não é uma faculdade da alma, como a memória ou a imaginação, mas sim a sua essência, uma parte incriada que coincide com o próprio fundo de Deus. Para que este nascimento ocorra, a alma deve adotar uma atitude de pura passividade, o que ele chama de "padecer-Deus". Isso significa um despojamento radical de todas as suas próprias forças, imagens e mediações. É necessário manter uma "mente vazia", livre de pensamentos e imagens, para que Deus possa se unir à alma sem qualquer interferência. A condição para isso é o silêncio e uma forma de "não-saber" qualificado — uma ignorância enobrecida pelo saber sobrenatural, que suspende toda a atividade intelectual. O intelecto deve retornar à sua essência, suspender suas relações com o mundo exterior e se tornar receptivo à ação divina, que ocorre na "obscuridade epistêmica", sem intermediários.

Este estado de passividade radical é o oposto de qualquer esforço egóico ou reatividade. É um estado de "vazio e livre" em relação a todas as coisas criadas, de forma a estar "cheio de Deus". Henrique Suso, um discípulo de Eckhart, desenvolveria mais tarde este conceito, descrevendo-o como desprender-se das criaturas, formar-se com Cristo e transformar-se na divindade. A aniquilação do eu, expressa na frase bíblica "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20), é o objetivo final. A união com Deus não é uma fusão panteísta, mas uma união amorosa e não reativa, como Santa Teresa de Jesus descreve a união de duas velas de cera fundidas numa só luz. O eu não é destruído, mas transcendido, tornando-se um canal para a ação divina. A beatitude suprema, para Eckhart, é alcançada quando o homem se torna "um com o Um", transcendendo toda distinção e dualidade, e repousando no ser de Deus, onde "não sabe nada do saber e nem nada do amor, nem absolutamente nada de nada".

O pensamento de Eckhart era extremamente controverso para a instituição eclesiástica de sua época. Sua insistência em uma união que transcende a distinção entre criatura e Criador, e sua sugestão de que há algo incriado na alma (a "centelha da alma"), foram vistas como ameaças à ortodoxia. Ele 1329, foi julgado postumamente pela Bula papal, que condenou 28 de suas proposições. No entanto, a influência de Eckhart persistiu e foi amplamente reconhecida por pensadores modernos, incluindo D.T. Suzuki e a Escola de Quioto, que o compararam a mestres do Zen e do Vedanta. A conexão com o pensamento oriental reside na convergência de ideias: a importância do desapego radical, a natureza não dualista da união com o absoluto, e a crítica à dualidade como fonte de sofrimento. A obra de Eckhart demonstra que o ideal do silencioso observador passivo e não reativo não é exclusivamente asiático, mas uma realização filosófica e espiritual de alcance universal, representando um caminho ocidental para a não-dualidade.

 

O Observador no Oriente: Tradições de Não-Dualidade e a Realização da Natureza Primordial

Enquanto o Ocidente oferece a Serenidade de Meister Eckhart, o Oriente apresenta uma vasta gama de tradições que exploram a realização do observador silencioso como um caminho para a não-dualidade. As correntes hindus e budistas, embora partilhem a meta de transcender a dualidade eu-outro, divergem fundamentalmente em sua ontologia e em sua concepção do Si-Mesmo. A análise dessas diferenças é crucial para compreender as nuances do "despertar".

No Hinduísmo, a tradição mais influente é o Advaita Vedanta (não-dualidade). Baseada nos Upanishads e sistematizada por Adi Shankara (século IX EC), esta escola ensina a identidade fundamental entre o eu individual, a consciência imanente em cada ser e a Realidade Absoluta, a consciência cósmica que permeia tudo. A verdadeira natureza do ser é, portanto, uma consciência pura, pacífica e livre, que é distinta da mente e do corpo. A "testemunha" é a consciência pura que testemunha todos os pensamentos e ações sem ser afetada por eles. A identificação errônea com o corpo e a mente é considerada o principal obstáculo para a realização da Consciência Incondicionada Atemporal. O despertar espiritual, nesse contexto, é a realização de que "Você já é Esse", culminando na dissolução da ilusória identidade pessoal e na percepção da unidade de tudo o que existe. Nisargadatta Maharaj, um guru moderno, ensinou que a identidade com o corpo e a mente é um erro, e que a verdadeira natureza é a presença imóvel da testemunha.

Contrastando com isso, o Budismo, desde suas primeiras escolas até as mais sofisticadas, defende o princípio de "não-eu". Esta é a pedra angular do pensamento budista, negando a existência de qualquer entidade duradoura, eterna e substancial. O que percebemos como um "eu" é, na verdade, um agregado — forma, sensação, conceito, condicionamento e consciência — que está em constante fluxo e impermanência. Portanto, a busca pelo "SI-MESMO" é vista como o ponto de partida do sofrimento. A realização búdica, ou iluminação, não é a descoberta de um eu eterno, mas o fim da identificação com esse agregado impermanente. O conceito de a "Grande Perfeição", é frequentemente citado como uma Consciência Pura e Espontânea, que reflete tudo sem ser afetada, mas mesmo aqui, a ênfase é na natureza vacuidade e não-aferição, em contraste com a substancialidade do Ātman vedantino.

O Dzogchen, um ensinamento central do budismo tibetano, oferece uma visão particularmente direta e radical. Ele é descrito como a "Grande Perfeição" ou "Grande Completude", o ápice da evolução espiritual. Sua visão fundamental é que a natureza primordial da mente já é perfeita, iluminada e espontaneamente realizada, como o céu limpo. A prática do Dzogchen, portanto, não é tanto a criação de um observador, mas o reconhecimento desta natureza já existente. Os dois principais caminhos são o "cortar através", que dissipa os fenômenos como ilusórios, e o "cruzamento direto", que realiza a sabedoria primordial diretamente. A consciência primordial é descrita como insubstancial e não redutiva, livre dos extremos de existência e não-existência.

Longchen Rabjampa, um mestre tibetano do século XIV, enfatiza que a realidade é uma "matriz do agora", onde samsara e nirvana estão inseparáveis, e a liberação ocorre na não-ação, onde o que surge na consciência se libera espontaneamente. O objetivo é realizar a não-dualidade radical, rejeitando a causalidade e a dualidade, culminando em uma iluminação que pode ocorrer nesta vida ou após a morte.

Enquanto o Advaita oferece um caminho para a realização de um eu cósmico e permanente, o Budismo oferece um caminho para a libertação através da desidentificação radical com qualquer forma de eu, incluindo o observador. A "lucidez crua" exige que se veja através dessas diferentes construções metafísicas e questione se a busca por um observador, seja ele individual ou cósmico, não é, em última análise, outra forma de condicionamento.

 

A Prática do Despertar: Estratégias para a
Não-Reatividade e a Liberação Espontânea

O "despertar do observador" não é um evento passivo, mas o resultado de práticas deliberadas que treinam a mente para a não-reatividade e a desidentificação. Embora as tradições orientais e ocidentais tenham abordagens distintas, elas convergem em vários aspectos sobre os métodos para cultivar essa consciência silenciosa e livre de conflito.

Uma estratégia comum é a prática da atenção plena, que é a base da maioria das tradições budistas e é paralela à consciência passiva discutida no contexto do Observador passivo e não reativo. A prática da atenção plena envolve observar os fenômenos mentais e físicos com uma atitude de imparcialidade e sem julgamento. No budismo theravāda, por exemplo, a atenção plena é cultivada para compreender a natureza impermanente, insatisfatória e não-substancial de todos os fenômenos, promovendo o desapego em vez da angústia existencial. No budismo tibetano, especialmente no Dzogchen, a prática se aprofunda na realização da natureza primordial da mente. O foco dessa prática, está em reconhecer a consciência espontânea e luminosa que é a base do ser. A prática do Dzogchen enfatiza a não-ação, pois a consciência autossurgida já está presente, e a prática consiste em relaxar e reconhecer essa realidade, permitindo que os fenômenos — sempre passantes — se auto-libertem sem intervenção.

No Dzogchen, os caminhos específicos para a realização são o "cortar através" e o "cruzamento direto". O "cortar através" é uma prática preliminar que consiste em dissolver os pensamentos e emoções como ilusórios, reconhecendo a natureza vazia da mente. Uma vez que a estabilidade em "cortar através" é alcançada, o praticante pode avançar para o “cruzamento direto”, uma prática mais avançada que visa realizar a sabedoria primordial diretamente, permitindo que a energia vital da mente realize manifestações de luz e realize os campos búdicos. O objetivo destas preliminares é desenvolver uma "mente de renúncia", superar o ego e diminuir a importância dada a elogios e críticas, que são sinais de reatividade.

Na tradição ocidental, a prática do "despertar" assume formas diferentes, embora com o mesmo objetivo de libertação. O misticismo cristão, especialmente o de Meister Eckhart, propõe a prática do desprendimento radical. Isso envolve um processo de "despojamento" e "transformação" do espírito, onde se livra a alma de todas as imagens e mediações das próprias faculdades (memória, inteligência, amor). O praticante é instruído a "esvaziar-se" e a adotar uma atitude de "não-saber" qualificado, permitindo que Deus atue livremente. A prática é, portanto, uma postura de total entrega e receptividade.

Outra abordagem ocidental, que se conecta com o pensamento nietzschiano, é a prática do "apenas sentar" do Zen-budismo, que é visto como o caminho essencial, uma prática contínua que pertence a todos os seres do universo. Ao se sentar imóvel e relaxado, a mente observa os fenômenos como contingentes e sem substância, e com o aprofundamento, o foco na respiração desaparece e o eu controlador se dissolve, levando a um estado de despertar profundo. A não-reatividade surge da imobilidade corporal e mental. O desafio é o "salto do topo do mastro de cem pés", um ato de entrega suprema ao vazio, que é a "Grande Morte" do eu. Eventos banais podem servir como gatilhos para o despertar quando a mente está madura.

Em resumo, as estratégias para o despertar convergem em princípios básicos: a observação sem julgamento, a desidentificação com os conteúdos da mente e o desenvolvimento de uma atitude de passividade e receptividade. Seja através da dissolução de fenômenos ilusórios, da entrega radical a um poder divino ou da imobilidade meditativa do Zen, o caminho é um treinamento para a não-reatividade. A "lucidez crua" nesse contexto não é apenas uma compreensão teórica, mas a habilidade de aplicar essas práticas na vida diária, transformando a maneira como respondemos às situações e, consequentemente, a nossa própria experiência do mundo.

 

A Luta Contínua: Desafios, Contradições e a Natureza do Despertar

O caminho espiritual para o despertar do observador, embora promissor, não é isento de desafios, contradições e perigos potenciais. A jornada para a não-dualidade e a não-reatividade é, em grande parte, uma luta contra as tendências mais profundas da psique humana e contra as estruturas de pensamento vigentes. O "despertar" não é um evento final e definitivo, mas um processo contínuo de discernimento e renúncia.

Um dos maiores desafios é a resistência do ego e a tendência para a projetividade. Mesmo ao buscar a passividade e a desidentificação, é fácil projetar uma nova imagem de nós mesmos — o "observador iluminado" — e tornar-se preso a essa nova identidade. O verdadeiro despertar exige a dissolução completa da noção de um eu, por mais sublime que seja, como exemplificado pela crítica budista ao conceito de uma testemunha permanente, que Osho considera uma entidade, quando na verdade é apenas um estado. O "eu" é uma ficção, uma projeção ilusória, e a verdadeira libertação vem da destruição dessa ficção, e não de sua substituição por outra.

Outro desafio significativo é a recepção institucional, como historicamente demonstrado pelo caso de Meister Eckhart. Sua doutrina, que desafiava a distinção entre criatura e criador e parecia minar a autoridade eclesiástica, foi condenada pelo papado. A Bula In agro dominico (1329) condenou 28 de suas proposições como heréticas ou suspeitas, principalmente por ensinar que algo na alma é incriado, o que contradiz a teologia tradicional. Embora o Vaticano tenha posteriormente informado que Eckhart não foi condenado nominalmente, mas apenas algumas proposições fora de contexto, o episódio ilustra o conflito intrínseco entre a busca por uma experiência espiritual direta e a manutenção da ordem dogmática e hierárquica. A luta continua hoje, com a necessidade de discernimento (intelligentia fidei) para distinguir experiências genuinamente espirituais de projeções psíquicas, evitando a armadilha da "experiência oceânica" freudiana.

 

Finalmente, a própria natureza do despertar é paradoxal e desafia a lógica linear. O objetivo final é a não-dualidade, a união com o absoluto, mas o caminho para lá envolve um processo de diferenciação e despojamento. Como Eckhart ensina, a união com Deus requer primeiro um "despojamento radical" de tudo, incluindo a própria vontade e a imagem de Deus. A "lucidez crua" exige que se olhe para dentro e reconheça a própria falta de substância, a própria "indigência ontológica". O "despertar" é, paradoxalmente, um tipo de "sono": a meditação é descrita como um estado de "não-mente" com consciência, similar ao sono profundo, mas com presença alerta. A iluminação é ilustrada pela metáfora da parede limpa que se torna vidro e depois se estilhaça, permitindo uma fusão direta com a realidade. É um processo de "Grande Morte" do eu, uma travessia da "Noite Escura" (inspirada em São João da Cruz).

Em suma, o "despertar do observador" é um caminho de contradições. É um exercício de lucidez crua que exige a destruição da própria noção de um eu que poderia ser "lúcido". É um ato de passividade radical que exige disciplina e esforço intenso. É uma busca pela não-dualidade que começa com a clara distinção entre o observador e o observado. É um despertar que envolve um sono profundo. A "lucidez crua" final, portanto, não é apenas uma compreensão intelectual, mas uma vivência de todas essas contradições, sem tentar resolvê-las, permitindo que elas conduzam a uma realidade que transcende a dualidade eu-outro.

 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill