O quarto encheu-se dessa benção. Agora, o que se seguiu, é quase impossível descrever; palavras são uma coisas tão morta, dotadas de conceitos definidos, e o que ocorreu supera todas as palavras e descrições. Era o centro de toda criação; uma circunspecção purificadora que varria do cérebro todo pensamento e sensação; circunspecção que era como um raio que queima e arrasa; de profundidade imensurável. Estava presente, imóvel, impenetrável, uma solidez que era tão leve como o firmamento. Estava nos olhos, no alento. Estava nos olhos e os olhos podiam ver. Os olhos que viam, que enxergavam, eram olhos totalmente diferentes do órgão da visão e eram, no entanto, os mesmos olhos. Olhos que viam além do tempo e do espaço, apenas viam. Existia uma dignidade impenetrável e uma paz que constituía a essência de todo movimento, de toda ação. Nenhuma virtude a tocava, pois ela se situava além de toda virtude e sansões humanas. Havia amor, que era extremamente perecível e que tinha, também, a delicadeza de todas as coisas novas, vulneráveis, destrutíveis e que, no entanto, estava além de tudo isso. Estava lá, imperecível, inominável — o desconhecido. Nenhum pensamento poderia, jamais, penetrá-lo; nenhum gesto, jamais, alcançá-lo. Era "puro", intocado e tão perecivelmente belo.
Tudo isso parecia afetar o cérebro; ele não era como antes. (O pensamento é uma coisa tão banal, necessária, mas banal). Devido a isso, as relações parecem ter mudado. Como uma tremenda tempestade, um terremoto destruidor, imprimem um novo curso aos rios, transformam a face da terra, abrem crateras no solo, assim nivelou os contornos da mente, alterou a forma do coração.
Krishnamurti - O Diário de Krishnamurti - 20 de julho de 1961