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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Não se pode compreender o eterno com uma mente produto do tempo

Pergunta: Pode o passado dissolver-se repentinamente, ou é necessário, invariavelmente, um certo tempo?

Krishnamurti: Nós somos o resultado do passado. Nosso pensamento se baseia no dia de ontem e em muitos milhares de dias passados. Somos o resultado do tempo, e todas as nossas reações, todas as nossas atitudes no presente, representam o efeito cumulativo de muitos milhares de momentos, incidentes e experiências. Por consequência, para a maioria de nós, o passado é o presente, e isso se faz um fato inegável. Vocês — seus pensamentos, suas ações, suas reações — são o resultado do passado. Ora bem, o interrogante deseja saber se o passado pode ser apagado imediatamente, isto é, não dentro de certo tempo, porém imediatamente; ou esse passado cumulativo exige algum tempo, até que a mente esteja livre do presente? É importante que se compreenda a pergunta. Isto é, já que cada um de nós é resultado do passado, com um fundo de inumeráveis influências, a variarem e a se modificarem constantemente, é possível apagar-se esse fundo sem se passar pelo processo do tempo? Está claro isso? A pergunta está clara, sem dúvida. 

Pois bem: o que é o passado? O que entendemos por passado? Não nos referimos, naturalmente, ao passado cronológico, ao segundo que precedeu, não nos referimos a isso, que é coisa definidamente acabada. Referimos-nos, é claro, é claro, às experiências acumuladas, às reações, lembranças, tradições e conhecimentos acumulados, ao nosso depósito subconsciente de inumeráveis pensamentos, sentimentos, influências e reações. Com uma tal bagagem não é possível compreender a realidade, porquanto, necessariamente, a realidade não pertence ao tempo: ela é eterna. Por isso, não se pode compreender o eterno com uma mente que é produto do tempo. O interrogante deseja saber se é possível libertar-se a mente, ou se é possível que a mente, que é resultado do tempo, deixe de existir de súbito; ou se é necessário que se proceda a uma longa série de exames e análises para, desse modo, libertar-se a mente de suas acumulações. Vocês percebem a dificuldade da questão.

Ora, a mente é o nosso cabedal de ideias e experiências; a mente é resultado do tempo; a mente é o passado, a mente não é o futuro. Ela pode projetar-se no futuro; e a mente serve-se do presente como uma passagem para futuro; por conseguinte, o que quer que faça, seja qual for a sua atividade — sua atividade futura, sua atividade presente, sua atividade passada — ela está sempre presa na rede do tempo. É possível que a mente deixe de existir de todo, isto é, que o processo do pensamento termine? Ora, é bem claro que há muitas camadas a constituírem a mente; o que chamamos consciência tem muitas camadas, cada uma delas relacionada com a outra, cada uma dependente da outra e atuando reciprocamente uma sobre a outra; e o total de nossa consciência não é apenas o processo de experimentar, mas também o de dar nome, designar, e, ainda, armazenar na memória. Tal é o processo completo da consciência, não é? Ou acham tudo isso difícil demais? 

Quando falamos de consciência, não nos referimos ao processo de experimentar, de dar nome ou designação à experiência e guardá-la, dessa maneira na memória? Tudo isso, certamente, em níveis diferentes, constitui a nossa consciência. E pode a mente, que é resultado do tempo, mediante um processo de análise, chegar, passo a passo, a libertar-se da experiência acumulada? Ou é possível ficar-se inteiramente livre do tempo e contemplar-se diretamente a realidade? Vejamos. Isso lhes interessa? Esta questão, é realmente importante, pois é possível, como logo explicarei, ficarmos livres da experiência acumulada e, assim, renovarmos imediatamente a nossa vida, sem dependermos do tempo, recriar-nos de pronto, independentemente do tempo. Se isso lhes interessa, prosseguirei e verão.

Para ficarmos livres da experiência acumulada, dizem muitos analistas que devemos examinar cada reação, cada complexo, cada empecilho, cada obstáculo, o que necessariamente implica um processo de tempo; e significa, também, que o analista tem de compreender o que está analisando; e que não deve interpretar erroneamente aquilo que está analisando. Porque, se o interpretar falsamente, tal interpretação o levará a conclusões errôneas, com o que se constituirá um novo acervo mental. Percebem? Por consequência, o analista precisa ser capaz de analisar os seus pensamentos, sem o mais leve desvio; e não deve errar só um passo, na sua análise, porquanto, qualquer passo em falso, qualquer conclusão errônea, significa a formação de um novo fundo mental de desordem diferente e em nível diferente. E surge, também, o seguinte problema: Será o analista diferente da coisa analisada? Não representam o analista e a coisa analisada um fenômeno em conjunto? Senhor, não sei se isso lhe interessa, mas, em todo caso, continuarei. 

Indubitavelmente, o indivíduo que experimenta e a sua experiência constituem um fenômeno em conjunto, não são dois processos separados. Vejamos, pois, em primeiro lugar, a dificuldade de analisar. É quase impossível analisar tudo o que se contém em nossa consciência e ficar-se livre, por um tal processo. Porque, afinal de contas, quem é o analista? O analista não é diferente, embora o pense, da coisa analisada. Pode separar-se da coisa analisada, mas sempre faz parte dela. Tenho um pensamento, tenho um sentimento, sinto, por exemplo, cólera. A pessoa que analisa a cólera faz parte, ainda, da cólera; por conseguinte, o analista e a coisa analisada constituem um fenômeno conjunto, e não duas forças ou processos separados. Assim, pois, a dificuldade de nos analisarmos, de nos descerrarmos, de olharmos a nós mesmos, página por página, observando cada reação, cada resposta, é incalculável e exige muito tempo. Não concordam? Portanto, essa não é a maneira indicada para nos libertarmos do complexo de nossos sentimentos. Não é assim? Deve, portanto, haver uma maneira de proceder mais simples e direta; é o que vamos verificar. Mas, para verificarmos, precisamos abrir mão de tudo o que é falso. A análise, pois, não é o processo correto e devemos abandoná-la. Assim como não tomariam um caminho que não leva a parte alguma, assim também cumpre evitarem o processo da análise, que não lhes levará a parte alguma; ele está, por conseguinte, fora do sistema de vocês. 

Que lhes resta, então? Vocês estão habituados somente à análise, não é verdade? O observador que observa — sendo o observador e a coisa observada um fenômeno conjunto — o observador que observa e procura analisar a coisa observada, não conseguirá libertar-se do seu acervo mental. Se assim é — e de fato é — devem abandonar tal processo, não? Não sei se estão compreendendo tudo isso. Ao perceberem que tal método é falso, ao compreenderem, não apenas verbalmente, porém, realmente, que é falso esse processo, o que acontece, então, à análise de vocês? Desistem de analisar, não é verdade? E o que lhe resta então? Atente, senhor, para o que estou dizendo, segui-o, se lhe agrada, e verá com que rapidez um indivíduo pode libertar-se do seu acervo mental. Mas, se a análise não é o método correto, o que lhes resta ainda? Qual é o estado da mente habituada a analisar, pesquisar, perscrutar, dissecar, tirar conclusões, etc.? Se esse processo se detém, qual é o estado da mente de vocês? 

Vocês dizem que a mente fica vazia. Pois bem: continuem a penetrar nessa mente vazia. Por outras palavras, ao deitarem fora, como falso, o que é conhecido, o que acontece com a  mente? Afinal de contas, o que foi que deitaram fora? Deitaram fora o falso processo resultante do acervo de ideias e experiências de vocês. Não é assim? De um só golpe, por assim dizer, lançaram fora tudo isso. Por conseguinte, a mente de vocês, depois de rejeitarem o processo analítico e tudo o que ele implica, e de o reconhecerem como falso, fica liberto do "ontem", sendo assim, capaz de observar diretamente, sem passar pelo processo do tempo, com o que se desfaz, imediatamente, do seu acervo de ideias e experiencias.

Senhor, formulemos diferentemente a questão: o pensamento é resultado do tempo, não é verdade? O pensamento é resultado do ambiente, de influências sociais e religiosas, e tudo isso faz parte do tempo. Pois bem: pode o pensamento ficar livre do tempo? Isto é, o pensamento, que é resultado do tempo, pode parar e ficar livre do processo do tempo? O pensamento pode ser controlado, modelado; mas o controle do pensamento está ainda compreendido nos domínios do tempo, e, por isso, a nossa dificuldade é a seguinte: Como pode uma mente, que é resultado do tempo, de milhares de dias passados, livre, instantaneamente, desse complexo acervo de influências? E a verdade é que vocês podem se libertar de tal acervo, não amanhã, porém, no presente, no agora. Isso só é possível ao perceberem aquilo que é falso; e o falso é, obviamente, o processo analítico, e este é a única coisa que temos. Cessando de todo o processo analítico, não mediante compulsão, porém pela compreensão da inevitável falsidade desse processo, verão então que a mente de vocês ficará completamente dissociada do passado — o que não significa que deixarão de reconhecer o passado, porém, que a mente de vocês não terá mais comunhão direta com o passado. Pode, portanto, a mente libertar-se, imediatamente, do passado, e essa dissociação do passado, essa completa libertação do ontem — psicologicamente e não cronologicamente — é possível, e essa é a única maneira de se compreender a realidade. 

Agora, expressando-o de maneira muito simples; quando desejam compreender uma coisa, qual é o estado da mente de vocês? Quando desejam compreender seu filho, quando desejam compreender alguém, ou alguma coisa, qual é o estado da mente de vocês? Não ficam analisando, criticando, julgando o que o outro está dizendo, ficam apenas escutando, não é verdade? A mente de vocês se acha num estado em que o processo do pensamento está inativo, porém muito atento. É exato isso? E essa atenção não se relaciona com o tempo. O que estão é, simplesmente, alertados, passivamente receptivos, mas ao mesmo tempo plenamente atentos; e é só nesse estado que há compreensão. Naturalmente, quando a mente está agitada, interrogando, afligindo-se, dissecando, analisando, não há compreensão. E quando há o desejo ardente de compreender, a mente está evidentemente tranquila. Isto naturalmente vocês terão que experimentar, e não devem aceitá-lo somente porque estou dizendo. Mas é fácil verificar que quanto mais analisam, tanto menos compreendem. Podem compreender certos fatos, certas experiências; mas não é possível esvaziar a consciência de todo o seu conteúdo, por meio do processo analítico. Só é possível isso ao perceberem a falsidade do método analítico. Ao reconhecerem o falso como falso, começarão a ver o que é verdadeiro; e a verdade é que os libertará das influências do passado. Para receber essa verdade, deve a mente desistir de ser analítica, não deve ficar presa ao processo do pensamento, que, evidentemente, é análise, o que nos conduz a outra questão inteiramente diferente, ou seja: O que é meditação correta? — da qual trataremos noutra ocasião. 

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz? 
23 de janeiro de 1949   

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill