Nós, entes humanos, aceitamos a violência e o sofrimento como norma da vida e, já que os aceitamos, tratamos de tirar deles o melhor proveito possível. Rendemos culto ao sofrimento, o idealizamos e com ele vamos vivendo — como se faz no mundo cristão. No mundo oriental o traduzem de outras maneiras, sem tampouco encontrar a solução para ele. Como tenho dito, essa violência, nós a herdamos do animal: nossa agressividade, nosso espírito de domínio, desejo de poder, ânsia de preenchimento. Nossa estrutura cerebral, herdada do animal, é também produto da evolução e tem não só a função de proteger, mas também de ser agressiva, violenta, de dominar, de pensar em termos de posição, prestígio; vocês bem sabem disso.
O sofrimento e a autopiedade, que também faz parte do sofrimento, a solidão, a total inexpressividade da vida, o tédio, a rotina, despojam a vida de toda finalidade e, por isso, tratamos de inventar uma finalidade; os intelectuais criam uma finalidade ideológica, de acordo com a qual procuramos viver. E, na impossibilidade de resolvermos esses problemas, nos revertemos ao passado; voltamos à juventude ou à cultura tradicional, conforme a raça, o país, etc. Quanto mais urgente se torna o problema, tanto mais tratamos de fugir para uma certa explicação ideológica, relativa ao futuro; e nessa armadilha ficamos aprisionados. Tanto no Oriente como no Ocidente, observa-se a fuga para toda espécie de entretenimento — a igreja, o futebol, o cinema, etc. A necessidade de entretenimento assume todas as formas possíveis: visitar museus, conversar interminavelmente sobre música, sobre os últimos livros publicados, ou escrever sobre coisas passadas e mortas e enterradas, sem valor de espécie alguma.
Ao que parece, só há muito pouca gente verdadeiramente séria. Pela palavra "sério" entendo ter a capacidade de examinar o problema até o fim e resolvê-lo. Resolvê-lo, não conforme as inclinações pessoais ou o temperamento de cada um, ou sob a pressão do ambiente, porém deixando tudo isso de lado e investigando até o fim a verdade relativa a uma dada questão. Essa seriedade parecer ser rara. Para que possam ser resolvidos esses dois problemas fundamentais, a violência e o sofrimento, temos de ser sérios e possuir também uma certa capacidade de percebimento, de atenção, porquanto ninguém pode resolvê-los para nós. Evidentemente, nem as velhas religiões, nem organizações bem planejadas e aperfeiçoadas por uma certa autoridade ou sacerdote — nada, nem ninguém dessa categoria pode ajudar-nos; são coisas obviamente sem significação alguma. Pode-se observar em todo o mundo que a chamada nova geração está atirando aos ventos todas essas futilidades — igrejas, deuses, templos, rituais. Para o homem sério as autoridades perderam toda a importância. É claro que não tem sentido dependermos de qualquer espécie de autoridade quando o mundo se acha em tal estado de confusão e de aflição; principalmente da autoridade organizada num plano religioso, com as respectivas sanções.
Não se pode confiar em ninguém, nem em Salvadores, nem em Mestres — em ninguém, inclusive neste orador. E, após termos rejeitado totalmente todos os livros, filosofias, santos, anarquistas, nos vemos frente a frente com nós mesmos, tais como somos. Isto é um tanto assustador e desanimador: o nos vermos tais como realmente somos. Não há filosofia, literatura, dogmas, rituais, capazes de colocar fim à violência e ao sofrimento. Precisamos perceber isso, antes de passarmos adiante. Quanto mais séria a pessoa e quanto mais urgente o problema, essa própria urgência recusa a autoridade que tão facilmente aceitamos.
Outro problema é: como examinar, como observar a violência e o sofrimento, tais como em nós existem. Como dissemos, os entes humanos, individualmente, são o produto da sociedade, da cultura em que vivem, e essa sociedade e cultura foram construídas por cada um de nós. A sociedade é o produto dos entes humanos, e nós fazemos parte desse produto; eis a nossa situação. Estamos aprisionados nessa armadilha de nossas inclinações, tendências e prazeres pessoais, sendo que tudo isso constitui a estrutura social. Temos a tendência de considerar o indivíduo e a sociedade como duas coisas diferentes e, por conseguinte, perguntamos: Que valor tem um ente humano que se transformou, em relação à estrutura total da sociedade? Tal pergunta me parece absurda.
Jiddu Krishnamurti em, A Essência da Maturidade Humana