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domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

Insatisfação criadora


Ninguém deseja se revelar; estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar vocês diretamente no rosto e sorrir.

Já se sentaram em completo silêncio sem se mexer? Tentem, sentem-se com as costas retas e observem o que a mente faz. Não tentem controlá-la, não digam que ela não deve pular de um pensamento para outro,   de um interesse para outro, mas somente conscientizem-se de como a mente vagueia. Não façam nada a respeito, mas observem como se estivessem na margem de um rio olhando a água passar. Nela há muita coisa — peixes, folhas, animais mortos —, mas está sempre viva, em movimento, e a mente é idêntica. É uma inquietação incessante, pulando de um ponto para outro como uma borboleta.

Quando vocês ouvem uma música, como agem? Podem gostar da pessoa que está cantando, ela pode ter um rosto bonito, e vocês podem acompanhar o significado da letra; porém, por trás de tudo isso, quando ouvem a música, estão ouvindo os tons e o silêncio entre eles, não é? Da mesma maneira, sentem-se em silêncio, sem ficar irrequietos, sem mover as mãos ou até mesmo os dedos dos pés, e simplesmente observem a mente. É divertido. Se tentarem como algo divertido, verão que a mente começa a se estabilizar sem que você se esforce para controlá-la. Não existe um censor, juiz ou avaliador, e quando a mente fica assim tranquila por si só, espontaneamente estabilizada, descobriremos o que é ser alegre. Sabem o que é a alegria? É rir, se deliciar com algo ou por algo, provar da satisfação de viver, sorrir, olhar direto no rosto do outro sem qualquer sensação de medo.

Já olharam realmente o rosto de alguém? Já olharam o rosto do professor, dos pais, do superior, do empregado, do pobre trabalhador braçal e viram o que acontece? A  maioria de nós teme olhar diretamente o rosto do outro, e os outros não desejam que os encaremos dessa maneira porque também estão assustados. Ninguém deseja se revelar; estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar vocês diretamente no rosto e sorrir. E é muito importante sorrir, ser feliz, porque sem uma canção no coração, a vida se torna insípida. Pode-se ir de um templo a outro, trocar de marido ou de esposa, ou encontrar um novo professor ou guru, mas se não houver alegria interna a vida terá pouco significado. E descobrir a satisfação interna não é fácil, porque a maioria de nós está apenas superficialmente descontente.

Sabem o que significa estar descontente? É muito difícil compreender o descontentamento porque a maioria de nós canaliza esse sentimento em uma certa direção, ocultando-o. A única preocupação que temos é nos estabelecermos em uma posição segura, com interesses e prestígios bem estabelecidos, para não sermos perturbados. Acontece nos lares e também nas escolas. Os professores não querem ser perturbados e por isso seguem a velha rotina. Porque, no momento que alguém se sentir realmente descontente e começar a inquirir, questionar, haverá distúrbios. E somente por intermédio do verdadeiro descontentamento é que surge a iniciativa.

Sabem o que é iniciativa? Vocês têm iniciativa quando iniciam ou começam algo sem serem acionados. Não é preciso algo muito grande ou extraordinário — isso pode surgir mais tarde; mas existe a centelha da iniciativa quando você planta uma árvore sem ser solicitado, quando é espontaneamente gentil, quando sorri para um homem que está carregando algo pesado, quando tira uma pedra do caminho ou afaga um animal na rua. Esse é um pequeno início de uma tremenda iniciativa que vocês devem ter se desejam conhecer essa coisa maravilhosa chamada criatividade. Ela possui suas raízes na iniciativa que acontece somente quando existe um profundo descontentamento.

Não tenham receio do descontentamento, podem nutri-lo até que a centelha se torne uma chama e vocês permaneçam descontentes com tudo — o emprego, a família, a busca tradicional por dinheiro, posição, poder —, para que realmente comecem a pensar, descobrir. E quando estiverem mais velhos descobrirão que manter o espírito de descontentamento é muito difícil. Terão filhos para cuidar e deverão considerar as exigências em seus empregos, a opinião dos vizinhos, da sociedade fechando-se sobre vocês, e logo começarão a perder a chama do descontentamento. Quando se sentem descontentes, vocês ligam o rádio, vão a um guru, fazem um puja, vão ao clube, bebem, saem em busca de mulheres — qualquer coisa para encobrir a chama. Mas, observem, sem a chama do descontentamento nunca terão iniciativa, que é o início da  criatividade. Para descobrir o que é verdadeiro vocês precisam se revoltar contra a ordem estabelecida, e quanto mais dinheiro seus pais tiverem e mais seguros os professores estiverem em seus empregos, menos eles desejarão se revoltar.

A criatividade não é apenas uma questão de pintar quadros ou escrever poemas — o que também é bom, mas pouca valia. O importante é estar totalmente descontente, pois esse é o início da iniciativa, que se torna criatividade quando amadurece. E esse é o único caminho para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus, porque o estado criativo é Deus.

Por isso é preciso haver o total descontentamento — mas com alegria. Compreenderam? É preciso estar totalmente descontente, mas não para resmungar, e sim agir com alegria, leveza, com amor. A maioria das pessoas que está descontente é terrivelmente aborrecia; está sempre se queixando que algo não está certo, ou desejando estar em uma posição melhor, ou buscando circunstâncias para ser diferente porque seu descontentamento é bem superficial. E aqueles que não estão descontentes já estão mortos.

Se puderem se rebelar ainda jovens, e enquanto amadurecerem mantiverem o descontentamento vivo com a energia da satisfação e do grande afeto, então a chama terá um significado extraordinário, porque ela construirá, criará, montará coisas novas. Para isso é preciso receber a educação correta, que não é do tipo que apenas os prepara para conseguir um emprego, ou subir a ladeira do sucesso, mas a que os ajuda a pensar e ceder o espaço — não o de um quarto maior, ou um telhado mais elevado, mas para a mente crescer e não ficar limitada por qualquer crença ou medo.


Krishnamurti – Pense nisso

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O descontentamento impede o pensar claro?

Pergunta: O descontentamento impede o pensar claro. Como superar este obstáculo?

Krishnamurti: Não parece que você este escutando o que estive dizendo; provavelmente você estava muito interessado em sua pergunta, preocupado sobre como formulá-la. É isto o que todos, diferentemente, estão fazendo. Cada um tem certa preocupação e, se o que digo não é o que você deseja ouvir, você trata de afastá-lo para o lado, porque sua mente está ocupada com seu próprio problema. Se o interrogante tivesse escutado o que eu disse, sentido a íntima natureza do descontentamento, da alegria, do ser criador, não creio que fizesse essa pergunta.

Ora, o descontentamento impede o pensar claro? E o que é “pensar claro”? É possível pensar muito claramente quando com o nosso pensar desejamos obter alguma coisa? Se a mente de vocês está interessada num resultado, podem pensar com clareza? Ou só podem pensar muito claramente quando não visão a nenhum fim, nenhum resultado, quando não estão tentando ganhar alguma coisa?

E podem pensar muito claramente se vocês têm algum preconceito, alguma crença, isto é, se pensam como hinduísta, como comunista, como cristão? Ora, por certo, só podem pensar com bastante clareza quando não estão em busca de nenhum resultado; só podem pensar assim quando não possuem nenhum preconceito. Tudo isso significa, em suma, que só podem pensar clara, simples e diretamente, quando a mente de vocês já não têm interesse em alcançar nenhuma espécie de segurança e, por conseguinte, está livre do medo.

Assim, a um certo respeito, o descontentamento de fato impede o pensar claro. Quando, com o descontentamento, vocês visão a um resultado, ou quando procuram abafar o descontentamento porque a mente de vocês detesta ser perturbada e deseja a todo custo estar sossegada, em paz, então é impossível o pensar claro. Mas, se vocês estão descontentes com tudo — com seus preconceitos, com suas crenças, seus temores, e não andam buscando nenhum resultado, então esse próprio descontentamento lhes foca o pensamento, não em determinado objeto ou determinada direção, mas o seu inteiro processo pensante se torna muito simples, direto e claro.

Jovens ou velhos, quase todos estamos descontentes porque desejamos alguma coisa — mais conhecimento, emprego melhor, um carro mais belo, um ordenado mais alto. Nosso descontentamento está baseado no desejo de mais. E só por desejar algo mais que a maioria de nós está descontente. É o desejo de mais que impede o pensar claro. Mas se, ao contrário, não estamos descontentes porque desejamos alguma coisa, porém descontentes, sem saber o que desejamos; se estamos descontentes com os nossos empregos, com o ganhar dinheiro, com o desejo de posição e de poder, com a tradição, com o que temos e o que poderíamos ter; se estamos insatisfeitos, não com uma dada coisa em particular, mas com tudo, penso que então descobriremos que nosso descontentamento traz clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, porém duvidamos, investigamos, penetramos, há um discernimento do qual provém a criação, a alegria. 

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

Seja permanentemente descontente com tudo

Vocês sabem o que é iniciativa? Vocês têm iniciativa quando iniciam ou começam uma coisa, sem terem sido inspirados por ninguém. Não é necessário que seja coisa muito importante ou extraordinária — isso poderá ficar para mais tarde; mas já existe a centelha da iniciativa quando por própria conta plantam uma árvore, e quando espontaneamente são bondosos, quando dão um sorriso ao homem que transporta pesada carga, quando afastam uma pedra da estrada ou acariciam um anima que encontram no caminho. Este é o modesto começo da extraordinária iniciativa de que necessitam para conhecerem essa coisa maravilhosa que se chama “criação”. A capacidade de criar tem suas raízes na iniciativa, que só pode nascer quando há descontentamento profundo.

Não temam o descontentamento; tratem, antes, de entretê-lo, até que a centelha se converta em chama e vocês sejam permanentemente descontentes com tudo; com seus empregos, suas famílias, com a tradicional ânsia de dinheiro, de posição, de poder. Assim começarão a pensar, a descobrir realmente. Mas, quando forem mais velhos, verão o quanto é difícil manter esse espírito de descontentamento. Terão filhos para sustentar, e as exigências de seus empregos deverão ser levadas em consideração; a opinião de seus vizinhos, da sociedade, influirá cada vez mais na vida de vocês, e, nessas condições, não tardarão a perder a chama ardente do descontentamento. Quando se sentirem descontentes, tratarão de ligar o rádio, de procurar o guru, de praticar ioga, de ir para o clube, de beber, de procurar mulheres; tudo isso farão para sufocar a chama. Mas vejam, sem essa chama do descontentamento, nunca terão iniciativa — que é o começo da criação. Para descobrirem o verdadeiro, devem estar revoltados contra a ordem estabelecida; mas, quanto mais dinheiro tenham os seus pais, quanto mais seguros seus mestres se sintam em seus empregos, tanto menos desejarão que vocês se revoltem.

Criação não é simples questão de pintar quadros ou escrever poesia —  coisas boas, aliás, mas que por si sós muito pouco representam. O importante é estarem totalmente descontentes, porquanto esse descontentamento total é o começo da iniciativa, que, uma vez amadurecida, se torna criadora; e esta é a única maneira de descobrir o que é a Verdade, o que é Deus, porquanto o estado criador é Deus.

Assim, pois, deve cada um ter esse descontentamento total — mas com alegria. Compreendem? Deve cada um estar totalmente descontente, mas sem lamentações: com deleite, com alegria, com amor. Os que se sentem descontentes são em maioria terríveis importunadores: estão sempre se queixando de que isto ou aquilo não está certo, ou desejando um emprego melhor ou que as circunstâncias fossem diferentes — porque o seu descontentamento é muito superficial. E os que não estão absolutamente descontentes, esses já estão mortos.

Se puderem, enquanto jovens, manterem-se num estado de revolta e, à medida que se tornarem mais velhos, conservar vivo o descontentamento de vocês, com a vitalidade da alegria e da afeição intensa, terá então extraordinário significado essa chama do descontentamento: ela construirá, criará, tornará existentes coisas novas. Para isso, vocês necessitam da educação correta, que não é aquela que meramente lhes prepara para obter emprego ou galgar a escada do sucesso, porém, sim, a educação que lhes ajuda a apensar e lhes proporciona espaço; “espaço”, não na forma de um aposento maior ou de um teto mais alto: espaço para a mente de vocês se desenvolver, não tolhida por nenhuma crença, nenhum temor.

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O “homem da paz” repele toda autoridade

Interpelante: Existe em mim um descontentamento profundo, e estou em busca de alívio. Instrutores, como Sankara e Ramana, recomendaram a submissão a Deus. Recomendaram também o cultivo da virtude e o seguimento do exemplo dos nossos Mestres. Pareceis considerar tudo isso inútil. Tereis a bondade de explicar porquê?

KRISHNAMURTI: Porque estamos descontentes, e que há de mau no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dizê-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não o achar bom e luto para melhorar a minha capacidade. Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nomeada igual à deles. Desde meninos, nos dizem sempre que devemos ser tão bons ou melhores do que outro. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida a carga do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Estimulam-nos a ser alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, economicamente, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vós e eu vos digo que é uma coisa completamente fútil, sem significação nenhuma. Seguir, imitar, obedecer a uma autoridade em assuntos religiosos é coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade.

Atualmente, não sois indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Sois o corpo coletivo, não sois indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos sois hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que sois produto da massa. Por conseguinte, não sois indivíduos. Precisais estar totalmente descontentes, para poderdes descobrir. Mas a sociedade não deseja ver-vos descontentes, porque teríeis então vitalidade, começaríeis a inquirir, a investigar, a descobrir e, conseqüentemente, vos tornaríeis perigosos para ela.

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vós está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que vos vedes satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definhais e declinais. Já não observastes como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riais — isto também acontece convosco. Desejais encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que vos asfixiará e destruirá; e esta destruição se chama “busca da verdade”... Isto é, quereis achar-vos satisfeitos permanentemente, para não sofrerdes perturbação, descontentamento, não terdes o desejo de investigar. Foi isso que realmente sucedeu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição gera sempre mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, “inocente”.

Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem “motivo”? Compreendeis? A mente cujo descontentamento tem um “motivo” procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum “motivo”, não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem “motivo”, que não seja produto de uma causa? Não deveis investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empreguemos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem “motivo”. Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem “motivo”, o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência “a outra coisa”. Mas “a outra coisa” não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com “motivo”, e atualmente todo descontentamento nosso tem “motivo”: não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho de tornar-me diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos “descontentamento”.

Ora, se a mente está cônscia de todo esse processo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, vereis então manifestar-se um movimento sem “motivo” algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Nesse movimento há beleza infinita, e ele se pode chamar “amor”; porque, afinal, o amor é sem “motivo”. Se eu vos amo e desejo algo de vós, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há “motivo”. A atividade social ou religiosa baseada em “ motivo”, ainda que a denominemos “serviço”, não é serviço porém, sim, autopreenchimento.

Pode-se descobrir o que é amar sem “motivo”? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserdes: “Como alcançarei esse amor?” — estareis fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um “motivo”. Se empregais um método, para alcançar esse amor, esse método só tornará mais forte o “motivo”, que é “vós”. Vós sois então importante, e não o amor.

Se penetrardes profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrireis um movimento sem “motivo”, um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento de vosso descontentamento, determinado por uma causa. O homem em quem se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto, pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem, cujos esforços são o resultado de um “motivo”, num nível qualquer, — as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos.

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara. Ramana, Buda ou Cristo. Para por nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos do ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez da inveja, do descontentamento que tem “motivo” e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento.

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe “motivo” algum. A própria jornada representa o “motivo”, e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os “beneméritos”, os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Êstes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O “homem da paz” é aquêle que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade — ou como quiserdes chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.

Krishnamurti — 18 de janeiro de 1956 — Da solidão à plenitude humana

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Não apague a chama fecunda do descontentamento

Já se sentaram em completo silêncio sem se mexer? Tentem, sentem-se com as costas retas e observem o que a mente faz. Não tentem controlá-la, não digam que ela não deve pular de um pensamento para outro, de um interesse para outro, mas somente conscientizem-se de como ela vagueia. Não façam nada a respeito, mas observem como se estivessem na margem de um rio olhando a água passar. Nela há muita coisa — peixes, folhas, animais mortos —, mas está sempre viva, em movimento, e a mente é idêntica. É uma inquietação, incessante, pulando de um ponto para outro como uma borboleta.

Quando vocês ouvem uma música, como agem? Podemos gostar da pessoa que está cantando, ela pode ter um rosto bonito, e vocês podem acompanhar o significado da letra; porém, por trás de tudo isso, quando ouvem a música, estão ouvindo os tons e o silêncio entre eles, não é? Da mesma maneira, sentem-se em silêncio sem ficar irrequietos, sem mover as mãos ou até mesmo os dedos dos pés, e simplesmente observem a mente. É divertido. Se tentarem como algo divertido, verão que a mente começa a se estabilizar sem que você se esforce para controlá-la. Não existe um censor, juiz ou avaliador, e quando a mente fica assim tranquila por si só, espontaneamente estabilizada, descobriremos o que é ser alegre. Sabem o que é alegria? É rir, se deliciar com algo ou por algo, provar da satisfação de viver, sorrir, olhar direto no rosto do outro sem qualquer sensação de medo.

Já olharam realmente no rosto de alguém? Olharam o rosto do professor, dos pais, do superior, do empregado, do pobre trabalhador braçal e viram o que acontece? A maioria de nós teme olhar diretamente no rosto do outro, e os outros não desejam que nós os encaremos desta maneira porque também estão assustados. Ninguém deseja se revelar; Estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar você diretamente no rosto e sorrir. E é muito importante sorrir, ser feliz, porque sem uma canção no coração a vida se torna insípida. Pode-se ir de um templo a outro, trocar de marido ou de esposa, ou encontrar um novo professor ou guru, mas se não houver alegria interna a vida terá pouco significado. E descobrir a satisfação interna não é fácil, porque a maioria de nós está apenas superficialmente descontente.

Sabem o que significa estar descontente? É muito difícil compreender esse sentimento porque a maioria de nós canaliza esse sentimento em uma certa direção, ocultando-o. A única preocupação que temos é nos estabelecermos em um posição segura, com interesses e prestígio bem-estabelecidos, para não sermos perturbados. Acontece nos lares e também nas escolas. Os professores não querem ser perturbados e por isso seguem a velha rotina. Porque, no momento que alguém se sentir realmente descontente e começar a inquirir, questionar, haverá distúrbios. E somente por intermédio do verdadeiro descontentamento é que surge a iniciativa.

Sabem o que é iniciativa? Vocês tem iniciativa quando iniciam ou começam algo sem serem acionados. Não é preciso algo muito grande ou extraordinário — isso pode surgir mais tarde; mas existe a centelha da iniciativa quando você planta uma árvore sem ser solicitado, quando é espontaneamente gentil, quando sorri para um homem que está carregando algo pesado, quando tira uma pedra do caminho ou afaga um animal na rua. Esse é um pequeno início de uma tremenda iniciativa que vocês devem ter se desejam conhecer esta cosia maravilhosa chamada criatividade. Ela possuí suas raízes na iniciativa, que acontece somente quando existe um profundo descontentamento.

Não tenham receio do descontentamento, podem nutri-lo até que a centelha se torne uma chaga e vocês permaneçam descontentes com tudo — os empregos, as famílias, a busca tradicional por dinheiro, posição, poder —, para que realmente comecem a pensar, descobrir. E quando estiverem mais velhos descobrirão que manter o espírito de descontentamento é muito difícil. Terão filhos para cuidar e deverão considerar as exigências em seus empregos, a opinião dos vizinhos, da sociedade fechando-se sobre vocês, e logo começarão a perder a chama do descontentamento. Quando se sentem descontentes, vocês ligam o rádio, vão a um guru, fazem rituais, vão ao clube, bebem, saem em busca de mulheres — qualquer coisa para encobrir a chama. Mas, observem, sem a chama do descontentamento, nunca terão iniciativa, que é o início da criatividade. Para descobrir o que é verdadeiro vocês precisam se revoltar contra a ordem estabelecida, e quanto mais dinheiro seus pais tiverem e mais seguros os professores estiverem em seus empregos, menos eles desejarão se revoltar.

A criatividade não é apenas uma questão de pintar quadros ou escrever poemas — o que também é bom, mas de pouca valia. O importante é estar totalmente descontente, pois esse é o início da iniciativa, que se torna criatividade quando amadurece. E esse é o único caminho para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus, porque o estado criativo é Deus.

Por isso é preciso haver o total descontentamento — mas com alegria. Compreenderam? É preciso estar totalmente descontente, mas não para resmungar, e sim agir com alegria, leveza, com amor. A maioria das pessoas que está descontente é terrivelmente aborrecida; estão sempre se queixando que algo não está certo, ou desejando estar numa posição melhor, ou buscando circunstâncias diferentes, porque seu descontentamento é bem superficial. E aqueles que não estão descontentes já estão mortos.

Se puderem se rebelar ainda jovens, e enquanto amadurecerem mantiverem o descontentamento vivo com a energia da satisfação e do grande afeto, então a chama terá um significado extraordinário, porque ela construirá, criará, montará coisas novas. Para isso é preciso receber a educação correta, que não é do tipo que apenas os prepara para conseguir um emprego, ou subir a ladeira do sucesso, mas a que os ajuda a pensar e ceder espaço — não o de um quarto maior, ou um telhado mais elevado, mas para a mente crescer e não ficar limitada por qualquer crença ou medo.

(...) O que acontece quando não fazemos esforço para fugir? Vivemos com essa solidão, esse vazio, e, ao aceitarmos isso, vemos surgir um estado criativo, que não tem nava a ver com luta, com esforço. Existe esforço apenas quando tentamos evitar a solidão interior, mas quando a examinamos, quando aceitamos o que é, sem tentar evitá-lo, alcançamos um estado de ser em que toda a luta cessou. Esse estado de ser é criatividade, e não resulta de esforço.

Quando compreendemos o que é, ou seja, o vazio, a insuficiência interior, e vivemos com essa insuficiência e a compreendemos completamente, encontramos a realidade criativa — a inteligência criativa —, que, por si só, traz felicidade.

Assim, a ação, como a conhecemos na verdade é reação, uma transformação incessante, e isso é negação do que é. Mas quando há uma conscientização do vazio, sem condenação ou justificativa, com a compreensão do que é, então, sim, a ação é criatividade. Você compreenderá isso se estiver cônscio de si mesmo, quando em ação. Observe-se quando estiver agindo, veja a si mesmo não apenas externamente, mas  procure perceber também o movimento de seus pensamentos e sentimentos. Quando perceber esse movimento, verá que o processo do pensamento, que também é de sentimento e ação, baseia-se em uma ideia de transformação. Essa ideia surge apenas quando há um senso de insegurança, e esse senso vem quando se está cônscio do vazio interior. Se você estiver cônscio desse processo de pensamento e sentimento, verá que há uma batalha em constante andamento, um esforço para mudar, para altera o que é. Esse é o esforço de transformação, e transformação é evitar diretamente o que é. Por meio do autoconhecimento, da constante conscientização de si mesmo, você descobrirá que a luta pela transformação leva à dor, ao sofrimento e à ignorância. Só quando estiver cônscio de sua insuficiência interior e viver com ela, sem fugir, aceitando-a integralmente, é que você descobrirá uma maravilhosa tranquilidade, uma tranquilidade que não é fabricada, não construída, mas que vem com a compreensão do que é. E é só nesse estado de tranquilidade que pode haver existência criativa. 

Krishnamurti    

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O descontentamento é o portal do despertamento do Real

As crianças, em geral, são curiosas, querem saber; nós, porém, lhes embotamos o espírito de investigação com nossas asserções pontificais, nossa impaciência superior, e o modo indiferente por que nos livrarmos de sua curiosidade. Não encorajamos as indagações das crianças porque temos certa apreensão relativamente ao que elas possam perguntar; não lhes favorecemos o descontentamento, porque nós mesmos já desistimos de objetar.

A maioria dos pais e mestres teme o descontentamento, porque traz perturbações a todas as formas de segurança; por isso induzem os jovens a sufocá-lo, com empregos seguros, heranças, casamento, e a consolação de dogmas religiosos. Os mais velhos, que infelizmente conhecem muito bem todos os métodos de embotar a mente e o coração, procuram tornar a criança tão embotada quanto eles próprios, inculcando-lhe o respeito às autoridades, às tradições e às crenças que eles próprios aceitaram.

Só estimulando a criança a duvidar do livro, não importa qual seja, a examinar a validade dos vigentes valores sociais, tradições, formas de governo, crenças religiosas, etc., podem, o educador e os pais, ter esperança de despertar e manter vivo, nela, o senso crítico e o discernimento penetrante.

Os jovens verdadeiramente despertos mostram-se cheios de esperança e de descontentamento; assim devem ser, porque do contrário já estão velhos e mortos. E os velhos são os descontentes de outrora que lograram sufocar essa chama e encontrar, de várias maneiras, a segurança e o conforto. Anseiam pela permanência de si próprios e de suas famílias, desejam ardentemente a certeza, nas ideias, nas relações, nas posses; e, no instante em que sentem descontentamento, absorvem-se nas responsabilidades, nas ocupações ou no que quer que seja, para fugir ao incômodo sentimento de insatisfação.

A juventude é a época própria para o descontentamento, não só com nós mesmos mas também com as coisas que nos cercam. Deveríamos aprender a pensar com clareza e sem preconceitos, para não sermos interiormente dependentes e tímidos. A independência não foi feita para aquela seção colorida do mapa a que chamamos nossa pátria, mas para nós mesmos como indivíduos; e embora exteriormente dependamos uns dos outros; essa dependência mútua não se torna nem cruel nem opressiva, se interiormente estamos livres da ânsia de poder, posição, e autoridade.

Devemos compreender o descontentamento, temido pela maioria dentre nós. O descontentamento pode gerar uma confusão aparente; mas, se conduzir, como necessariamente deve conduzir, ao autoconhecimento e à negação do eu, há de criar uma nova ordem social e uma paz duradoura. Com a negação do “eu” vem um jubilo imenso.

O descontentamento é o caminho que leva à liberdade; mas, para podermos investigar seus preceitos, não podemos manifestar efusões emocionais, dessas que muitas vezes se traduzem em comícios políticos, proclamações de “slogans”, busca de “guru” ou instrutor espiritual, e extravagâncias religiosas de toda ordem. Tais efusões embotam a mente e o coração, tornando-os incapazes de discernimento e, por conseguinte facilmente moldáveis pelas circunstâncias e pelo temor. É o desejo ardente de investigar, e não a fácil imitação da turba que trará uma nova compreensão das coisas da vida.

Os jovens deixam-se muito facilmente persuadir, pelo sacerdote, pelo político, pelo rico ou pelo pobre, a pensar de determinada maneira; mas a educação correta deve ajudá-los a estar vigilantes contra essas influências para que não se ponham a repetir “slogans” como papagaios, ou venham cair em armadilhas habilmente dissimuladas da avidez, deles próprios ou de outrem. Não devem permitir que a autoridade lhe fofoque a mente e o coração. Seguir outra pessoa, por maior que seja, aderir a uma ideologia agradável não produzirá jamais um mundo pacífico.  

Quando deixamos a escola ou o colégio, muitos de nós abandonamos os livros, parecendo pensar que nada mais têm para aprender; outros sentem-se estimulados a ir mais longe e continuam a ler e a absorver o que os outros disseram, tornando-se devotos do saber. Enquanto houver devoção ao saber ou à técnica, como meio de sucesso ou de domínio, haverá competição impiedosa, antagonismo e a crescente luta pelo pão.

Enquanto o sucesso for o nosso alvo, não nos livraremos do temor, porque o desejo de sucesso gera inevitavelmente o medo de insucesso. Eis porque não se deve ensinar aos jovens idolatrar o sucesso. A maioria das pessoas procura o sucesso sob uma ou outra forma, seja no campo de tênis, seja no mundo comercial, seja na política. Todos queremos estar por cima e este desejo cria constante conflito dentro de nós mesmos e com o nosso próximo; leva à competição, à inveja, à animosidade e, por último, à guerra.

Como a velha geração, procuram também os jovens o sucesso e a segurança; embora no começo descontentes, não tardam a tornar-se pessoas respeitáveis, que não ousam dizer não à sociedade. As muralhas de seus próprios desejos começa a fechar-se em torno deles, e eles entram em forma e tomam nas mãos as rédeas da autoridade. Seu descontentamento, que é a própria chama da investigação, da busca, da compreensão, vai-se amortecendo, até extinguir-se de todo, e seu lugar é ocupado pelo desejo de um emprego melhor, um casamento rico, uma carreira triunfal — tudo isso expressões da ânsia de maior segurança.

Não há diferença essencial entre os velhos e os moços, porque tanto uns como outros são escravos dos seus próprios desejos e prazeres. A madureza nada tem que ver com a idade; ela vem com a compreensão. O ardente espírito de investigação é talvez mais fácil para os jovens, porque os mais velhos já foram muito fustigados pela vida, os conflitos os cansaram, e a morte, sob diferentes formas, os espreita. Isso não significa que eles sejam incapazes de resoluta investigação, apenas, é mais difícil para eles.

Muitos adultos são imaturos e um pouco infantis; esta é uma das causas que contribuem para a confusão e a miséria reinantes no mundo. São os mais velhos os responsáveis pela atual crise econômica e moral; e, uma das nossas deploráveis fraquezas é desejar que alguém atue por nós e modifique o curso de nossas vidas. Esperamos que outros se revoltem e reconstruam, enquanto permanecemos inativos, até que estejamos certos dos resultados.

É atrás da segurança e do sucesso que andamos, quase todos nós; a mente que busca segurança, que aspira ao sucesso, não é inteligente e, por conseguinte, é incapaz da ação integrada. Só pode haver ação integrada se estamos bem cônscios de nosso próprio condicionamento, de nossos preconceitos raciais, nacionais, políticos e religiosos; isto é, se percebemos que as atividades do “eu” são sempre separativas.

(...) Educar uma criança é ajudá-la a compreender a liberdade e a integração. Para se ter liberdade é preciso ordem, a qual só a virtude pode dar; e a integração só é possível quando há grande simplicidade. Das nossas inumeráveis complexidades devemos amadurecer para a simplicidade — tornar-nos simples, em nossa vida interior e em nossa necessidades exteriores.

A educação atual está toda interessada na eficiência exterior, desprezando inteiramente ou pervertendo, com deliberação, a natureza intrínseca do homem; só cuida de desenvolver uma parte dele, deixando que o resto se arraste como possa. Nossa confusão, antagonismo e temor, interiores, acabam sempre por subverter a estrutura exterior da sociedade, por melhor que ela tenha sido concebida e por mais habilmente que se tenha edificado. Quando não há educação correta, destruímo-nos uns aos outros, e é-nos negada a segurança física. Educar o estudante corretamente é ajudá-lo a compreender a compreender o processo total de si mesmo; porque só quando há integração da mente e do coração, na ação diária, é que pode haver inteligência e transformação interior.

Ao mesmo tempo que ministra conhecimentos e preparo técnico, a educação deve, sobretudo, estimular uma visão integrada da vida; deve ajudar o estudante a reconhecer e quebrar, em si próprio, todas as distinções e preconceitos, e demovê-lo da ávida busca de poder e prestígio. Deve incentivar a correta auto-observação e o experimentar da vida como um todo, quer dizer, não atribuir significação à parte, ao “eu” e ao “meu”, mas, sim, ajudar a mente a transcender a si própria, para descobrir o real... Quando há autoconhecimento, extingue-se a capacidade de criar ilusões e só então é possível manifestar-se a realidade ou Deus.

Krishnamurti — A educação e o significado da vida

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill