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terça-feira, 18 de junho de 2013

Os verdadeiros revolucionários

Precisamos, sociologicamente, de uma revolução radical e fundamental. Precisamos de uma transformação total. Ora, uma técnica, que representa um método, uma maneira, operará a transformação? Ou é necessário que haja indivíduos — você e eu — que compreendam o problema e estejam, em si mesmos, num estado de revolução? Em tais condições, é revolucionária a influência desses indivíduos na sociedade, porquanto não estão meramente aprendendo uma técnica de revolução, mas eles próprios, revolucionados. Estou sendo claro?

(...) Não é mais importante, mais essencial, que você esteja revolucionado, em vez de apenas procurar uma técnica revolucionária? Mas, por que você não está revolucionado? Por que não há em você o novo processo da vida? Por que não há em você uma nova maneira de considerar a vida, uma chama, um tremendo descontentamento? Por que? Um homem que está completamente insatisfeito, não só com certas coisas, mas inerentemente insatisfeito, não necessita de técnica alguma para ser revolucionário. Ele mesmo é uma revolução, uma ameaça à sociedade, e o chamamos revolucionário. Mas, por que você não é um homem assim? Para mim, o que importa não é a técnica, mas, sim, fazer de você um revolucionário, ajudá-lo a despertar, para perceber a importância da completa transformação. E quando você estiver transformado, poderá então agir, porque haverá aquele constante fluir de seiva nova, que é, afinal de contas, revolução.

Consequentemente, para mim, a importância da revolução interior, da transformação psicológica, é muito maior do que a da revolução exterior. A revolução exterior é mera modificação, que significa continuidade modificada, mas a revolução interior não tem pouso de descanso, não tem parada, está em constante renovação. E é disto que necessitamos no momento atual: um povo completamente descontente e capaz, portanto, de discernir a verdade das coisas. O homem complacente, o homem que se satisfaz com dinheiro, com posições, com uma ideia, é incapaz de perceber a verdade. Só o homem que está descontente, o homem que investiga, que pergunta, que duvida, que observa, só esse homem descobre a verdade; ele é uma revolução em si mesmo e, portanto, nas suas relações. E, consequentemente, aquilo que constitui o seu mundo — ou seja as suas relações com o outro — ele começa a transformar. E influencia, desse modo, o mundo compreendido na esfera de suas relações. Assim sendo, se você meramente procura uma técnica, ou indaga qual é a minha técnica para a nova revolução, isso me parece fora de propósito, ou melhor, parece indicar que você não percebe a importância de estar revolucionado em si mesmo; e, para você ser uma revolução em si mesmo, é necessário que desperte para o ambiente, para o meio em que vive.

Senhores, toda sociedade nova, toda civilização nova, deve ser começada por você. Como foi que começou o cristianismo, o budismo, e todo movimento significativo? Pela iniciativa de uns verdadeiramente inflamados pela ideia e pelo sentimento. Tinham eles os corações abertos a uma vida nova. Constituíam um núcleo, não tinham crença numa determinada coisa, mas tinham em si próprios a experiência da realidade — a realidade daquilo que viam. E o que nos cabe fazer, a você e a mim, é, se posso sugeri-lo, vermos as coisas por nós mesmos e não através de uma técnica. Senhor, você pode ler um poema de amor, mas se você não houver sentido, como experiência, o que é o amor, por mais que você tenha lido, por melhor que tenha aprendido a técnica , não conhecerá o perfume do amor. E como não possuímos esse amor, andamos em busca da técnica. Estamos exaustos e famintos, e estamos, por isso, superficialmente, à procura de uma técnica. Um homem faminto não procura técnica alguma. O que lhe interessa é o alimento e ele não fica à porta do restaurante a aspirar o cheiro da comida. Assim, pois, a quando você pede uma técnica, denota isso que você não tem fome. " "como" não é importante, mas a razão por que  você pede esse "como" é muito importante.

Nessas condições, só pode haver revolução, só pode haver a contínua renovação interior, quando você compreender a si mesmo. Você só pode se compreender na vida de relação, e não no isolamento. Visto que nada pode existir no isolamento, a compreensão de si mesmo, o conhecimento de si mesmo, em qualquer nível que seja, só pode ser aprendido na vida de relação. E como a vida de relação é dolorosa e está em movimento constante, desejamos dela fugir e encontrar a realidade fora das relações. Não existe realidade alguma fora da vida de relação. Quando compreendo a vida a vida de relação, esta mesma compreensão é realidade. Por conseguinte, é necessário nos mantermos extraordinariamente vigilantes, despertos, vigilantes a todo momento, abertos a todo desafio e a toda sugestão ou alusão. Mas tal coisa existe um certo alertamento da mente e do coração, mas nós, em geral, vivemos a dormir, vivemos desiludidos e, embora jovens, já temos um pé no túmulo. Por que só pensamos com propósitos de sucesso, com propósitos de ganho, nunca vivemos verdadeiramente; só nos preocupa o fim a que visamos; e porque só andamos a demandar um fim, somos gente sem vida. Por isso, nunca somos revolucionários. Se você estiver interessado diretamente na vida e no vier, e não na ideia relativa ao viver, não poderá então deixar de ser uma revolução em si mesmo.  Você mesmo será uma revolução, porque estará enfrentando a vida diretamente, e não por detrás de cortinas de palavras, de preconceitos, intenções e fins. E o homem que enfrenta a vida diretamente é aquele que se acha num estado de descontentamento; e você precisa estar nesse estado de descontentamento, para encontrar a realidade. E a realidade é que liberta, que nos faz livres; é a realidade que liberta a mente de suas ilusões e criações. Mas achar a realidade, estar aberto, significa estar descontente. Você não pode procurar a realidade, ela tem de vir até você; mas, só pode vir quando a sua mente estiver de todo insatisfeita e pronta para recebê-la. Mas, em geral, temos medo de ficar descontentes, pois sabe Deus onde esse descontentamento nos levaria. Por essa razão nosso descontentamento é circundado de segurança, de proteção, de ações sempre cuidadosamente planejadas. E um tal estado mental é incapaz de compreender a verdade. A verdade não é estática, porquanto a verdade está fora do tempo, e a mente não pode acompanhar a verdade, porque a mente é produto do tempo; e aquilo que depende do tempo não pode conhecer, como experiência, o que é o eterno. A verdade se manifesta ao homem que se acha naquele estado de descontentamento, mas não anda em busca de um fim; porquanto, todo aquele que busca um fim está em busca de satisfação; e satisfação, aprazimento, não é a verdade.

Krishnamurti — 16 de janeiro de 1949 — O que te fará feliz? 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Deixe de ser escravo da sociedade e do ambiente

A sociedade não pode ser transformada pelo exemplo. A sociedade poderá transformar-se, operar certas mudanças pela revolução política ou econômica, mas só o homem religioso pode operar uma transformação fundamental na sociedade; e o homem religioso não é aquele que se submete à fome como um exemplo para transformar a sociedade. O homem religioso não está interessado, em absoluto, na sociedade, porque a sociedade está baseada na aquisição, na inveja, na ganância, na ambição, no medo. Isto é, uma mera reforma do padrão da sociedade só pode alterar a superfície, produzir uma forma mais respeitável de ambição. Mas o homem verdadeiramente religioso está totalmente fora da sociedade, porque não é ambicioso, não tem inveja, não está seguindo nenhum ritual, dogma ou crença; só esse homem pode transformar fundamentalmente a sociedade, e não o reformador. O home que quer arvorar-se em exemplo cria conflitos, torna mais forte o medo e faz nascer várias formas de tirania.

É muito estranha essa nossa adoração dos exemplos, modelos, dos ídolos. Não queremos o que é puro, verdadeiro em si mesmo; queremos intérpretes, exemplos, mestres, gurus, para, por seu intermédio, alcançarmos alguma coisa — e tudo isso é puro absurdo, um meio de explorar os outros. Se cada um de nós fosse capaz de pensar claramente desde o começo, ou de reeducar-se para pensar claramente, todos esses exemplos, mestres, gurus, sistemas, se tornariam completamente desnecessários, como realmente são.

Vejam, senhores, o mundo, infelizmente, é exigente demais para a maioria de nós;  as circunstâncias nos são pesadas demais, nossas famílias, nossa nação, nossos guias, nossos empregos prendem-nos firmemente, mantêm-nos escravizados — e vagamente esperamos, de alguma maneira, encontrar a felicidade. Mas esta felicidade não vem vagamente, não vem se estais escravizados pela sociedade, se sois escravos do ambiente. Ela só vem, quando a mente está em liberdade — isso não significa liberdade de pensamento. O pensamento nunca é livre.

(…) A mente não pode ser tornada esclarecida, pura, “inocente”, por nenhum método, nenhuma disciplina, nem pela prática de qualquer virtude. A virtude é essencial, mas a virtude cultivada não é virtude. O sofrimento, naturalmente, tem de ser compreendido. Enquanto existir o “eu”, o “ego”, tem de haver sofrimento. O homem evita esse sofrimento, mas nesse próprio evitar do sofrimento, ele fortalece o “ego”, e todas as suas atividades sociais, suas reformas, só podem criar mais malefícios, mais aflições. Isto também se vos tornará óbvio, se refletirdes um pouco.

Assim, há necessidade de ação completamente dissociada da sociedade, uma maneira de pensar não contaminada pela sociedade, porque só então se tornará possível a verdadeira revolução — que não é revolução superficial, num nível único, econômico, social ou de outra ordem. A revolução total tem de realizar-se no próprio homem e só então a mente pode resolver os crescentes problemas da sociedade.

Agora, tendes escutado tudo isso, concordando ou discordando; mas, como já disse, não há nada com que concordar ou de que discordar. Tudo isso são fatos e, conhecedores desses fatos, que ides fazer? Por certo, é muito importante averiguar isso. retornareis à sociedade de que sois prisioneiros, ou escutastes com completa atenção? Se escutastes com toda atenção, esta atenção produzirá sua ação própria e nada tereis que fazer. Isso é como o amor. Amai, e agireis.  Mas, sem amor, não importa o que façais — praticando, disciplinando, reformando — o coração nunca se esclarecerá. E é isto o que está acontecendo no mundo. temos exemplos, disciplinas, técnicas maravilhosas e, no entanto, os nossos corações estão vazios, porque repletos de coisas da mente. E quando vazios os nossos corações, as nossas soluções para tantos problemas são também vazias. Só a mente capaz de atenção completa sabe amar, porque esta atenção é ausência do “eu”.

Krishnamurti – 15 de janeiro de 1958

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Uma Radical Revolução

Pergunta : Falais da necessidade de uma radical revolução na vida do indivíduo. Se ele não desejar revolucionar o seu ambiente pessoal externo, por causa do sofrimento que acarretaria para a família e os amigos, poderá uma revolução interna conduzi-lo à libertação de qualquer conflito?

Krishnamurti: Primeiramente, senhores, não achais também necessária uma revolução radical na vida do indivíduo? Ou estais satisfeitos com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vossos desejos de realizações, vossos anseios é vossos prazeres precários?  No momento em que começardes a pensar realmente, a sentir realmente, sereis empolgados desse ardente desejo de modificação profunda, revolução radical, completa reorientação do pensar. Pois bem. Se sentirdes necessária tal coisa, então, nem família, nem amigos constituirão empecilhos Porque, nesse caso, não haverá revolução externa nem revolução interna; haverá, simplesmente, revolução, modificação. Mas, se começais a estabelecer restrições, dizendo: "não devo magoar minha família, meus amigos, meu pároco, meu explorador capitalista ou meu explorador político" - não vedes então a necessidade de mudança radical e apeteceis apenas mudança de ambiente. Isso é evidente letargia, a qual criará outro ambiente falso, fazendo continuar o conflito.
Parece-me um tanto falaz o pretexto de não devermos magoar nossas famílias e amigos. Por certo, quando desejais fazer algo de capital importância, vós o fazeis, sem considerações de família nem de amigos, não é verdade? Não receais, então, prejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sentis tão intensamente, pensais tão completamente, que sois transportados para fora das limitações dos círculos de família, das obrigações de qualquer classe. Mas só começais a levar em conta a família, os amigos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida - só começais a tomá-los em consideração quando ainda vos apegais a uma determinada segurança, quando vos falta aquela riqueza interior de que vos falei há pouco, e, em lugar dela, existe apenas a dependência de estímulos exteriores. Assim, pois, se existe plena consciência do sofrimento, despertada pelo conflito, não estais, então, tolhidos pelos vínculos de qualquer ortodoxia, amigos ou família: quereis achar a causa do sofrimento, quereis descobrir o significado do ambiente que recria esse conflito; apagou-se a personalidade, desapareceu a idéia limitada do "eu". É somente quando vos apegais a essa idéia limitada do "eu", que sois obrigados a considerar até onde vos podeis transportar e até onde não deveis ir.
Certo, não se pode encontrar a verdade, ou essa faculdade divina da compreensão, enquanto estivermos apegados à família, à tradição, ou ao hábito. Ela só poderá encontrar-se quando estiverdes em plena nudez, despidos de vossos desejos, esperanças e cautelas. Nessa simplicidade direta está a riqueza da vida.

Pergunta: Como posso agir livremente e sem auto-repressão, quando sei que minha ação deverá magoar os que amo? Num caso desses, de que maneira podemos reconhecer a ação justa?

Krishnamurti: Creio haver respondido a essa pergunta, há dias, mas como é possível que não estivesse presente o seu autor, responderei de novo a ela. O característico da ação justa é a espontaneidade, mas proceder espontaneamente é revelar profunda inteligência. A maioria dos indivíduos têm somente reações, desvirtuadas, desfiguradas, sufocadas, pela falta de inteligência. Quando opera a inteligência, é espontânea a ação.
Deseja também saber o interrogante como poderá proceder livremente e sem refreamento, quando saiba que sua ação deverá magoar os que ama. Ora, amar é ser livre. No amor, são livres ambas as partes. Se existe a possibilidade de sofrimento, não se trata então de amor, mas, sim, puramente, de uma forma sutil do instinto de posse, do instinto de aquisição. Se amais, se realmente amais alguém, não há possibilidade de lhe causardes dor, fazendo algo que julgueis justo. É somente quando queremos levar a pessoa amada a fazer o que desejamos, ou esta nos quer levar a fazer o que ela deseja, é somente então que existe dor. Isto é, amais a posse. Com ela vos sentis abrigados, seguros, confortáveis. Embora saibais transitório esse conforto, buscais abrigo nele, na sua transitoriedade.  Toda luta em busca de conforto, incitamento, denuncia falta de riqueza interior, e, por conseguinte, cada ação incompatível com um dos amantes cria-lhe na mente perturbação, dor e sofrimento.  Assim, um dos amantes tem de reprimir o que realmente sente, a fim de ajustar-se ao outro. Em suma, essa constante repressão, ocasionada por isso que chamam amor, destrói os dois indivíduos. Em tal amor não existe liberdade; ele é apenas uma forma sutil de escravidão. Quando sentis ardentemente a necessidade de fazer alguma coisa, vós a fazeis, às vezes com astúcia e sutileza, mas a fazeis de qualquer maneira. Existe sempre esse impulso a operar, a agir independentemente.

Krishnamurti – Ojai, Califórnia, 1938

domingo, 23 de setembro de 2012

É possível produzir uma mutação radical em nossa consciência?


A crise não está no mundo econômico, nem no mundo político; a crise está na consciência. Acho que muitos poucos de nós percebem isto. A crise está na nossa mente e em nosso coração; isto é, a crise está em nossa consciência. A nossa consciência é a nossa existência em sua totalidade. Com as nossas crenças, com as nossas conclusões, com o nacionalismo, com todos os medos que temos; são os nossos prazeres, os problemas aparentemente insolúveis e aquilo que chamamos amor, compaixão; ela inclui o problema da morte — o imaginar se existe alguma coisa após a morte, alguma coisa além do tempo, além do pensamento, alguma coisa eterna: este é o conteúdo da nossa consciência.

este é o conteúdo da consciência de todo ser humano, em qualquer parte do mundo em que viva. O conteúdo da nossa consciência é o terreno comum de toda a humanidade. Acho que temos que deixar isto bem claro desde o início. Um ser humano de qualquer parte do mundo sofre, não apenas fisicamente, mas também interiormente. Ele está incerto, amedrontado, confuso, ansioso, provado de qualquer sentido de profunda segurança. Assim, a nossa consciência é comum a toda a humanidade... A consciência de vocês, o que vocês pensam, o que vocês sentem, as suas reações, as suas ansiedades, a sua solidão, os seus pesares, a sua dor, a sua procura de alguma coisa que não seja apenas física, mas que ultrapasse todo o pensamento, é igual à de uma pessoa que viva na Índia, na Rússia ou na América. Todos eles passam pelos mesmos problemas que vocês, os mesmos problemas de relacionamento uns com os outros, homem, mulher. Assim, todos estão no mesmo terreno da consciência. A consciência é comum a todos nós e, portanto, não somos indivíduos... Nós fomos treinados, educados, tanto religiosa quanto academicamente, para pensar que somos indivíduos, almas separadas, em luta por nós mesmos; mas isso é uma ilusão, porque a nossa consciência é comum a toda a humanidade. Não somos indivíduos em separado batalhando por nós mesmos. Isto é lógico, é racional, sensato. Não somos entidades separadas, com conteúdo psicológico separado, lutando por nós mesmos, mas somos, cada um de nós, na realidade, o resto da humanidade.

Talvez vocês aceitem intelectualmente a lógica disto, mas se vocês sentirem profundamente, então toda a atividade de vocês sofrerá uma mudança radical. Essa é a primeira questão que temos que pensar juntos: que a nossa consciência, o modo como pensamos, o modo como vivemos, alguns talvez mais confortavelmente, com mais fartura, com maior facilidade de viajar do que os outros, é, interiormente, psicologicamente, exatamente igual à dos que vivem milhares e milhares de milhas distantes.

Tudo é relação; a nossa própria existência é relação. Observem o que fazemos com as nossas relações uns com os outros, sejam elas íntimas ou não. Em toda relação há um tremendo conflito, luta — por quê? Por que os seres humanos, que vivem há mais de milhões de anos, não resolveram esse problema da relação?... Toda a sociedade está baseada no relacionamento. Não há sociedade se não houver relacionamento; a sociedade torna-se, então, uma abstração.

Observamos que existe conflito entre o homem e a mulher. O homem tem seus próprios ideais, as suas próprias buscas, as suas próprias ambições, está procurando o sucesso, ser alguém no mundo. E a mulher também está lutando, também está querendo ser alguém, querendo realizar-se, transformar-se. Cada um está buscando sua própria direção. Assim, homem e mulher são como duas ferrovias que correm paralelas, nunca se encontram, a não ser, na cama, mas de outro modo — se vocês observarem profundamente — nunca na realidade se encontram psicologicamente, interiormente. Por quê? Essa é a questão. Quando perguntamos por que, estamos sempre perguntando pela causa; pensamos em termos de causação, na esperança de que, se pudermos entender a causa, então, talvez, possamos mudar o efeito.

Assim, estamos fazendo uma pergunta muito simples e muito complexa: por que nós, seres humanos, não fomos capazes de resolver este problema do relacionamento, embora vivamos sobre esta terra há milhões de anos? Será porque cada um tem a sua imagem particular e especial, formada pelo pensamento, e que o nosso relacionamento se baseia em duas imagens, a imagem que o homem cria dela, da mulher, e a imagem que a mulher cria dele? Assim, neste relacionamento, somos como duas imagens que vivem juntas. Isto é um fato. Se vocês observarem por vocês mesmos, com muito cuidado, se é possível fazer esta observação, vocês terão criado uma imagem dela e ela criou um quadro, uma estrutura verbal de você, o homem. Assim, o relacionamento é feito entre estas duas imagens. Essa imagens foram formadas pelo pensamento. E o pensamento não é amor. Todas as lembranças desse relacionamento, de um com o outro, os quadros, as conclusões de um a respeito do outro, se observarmos cuidadosamente, sem qualquer preconceito, são produtos do pensamento; são o resultado de muitas lembranças, experiências, irritações e solidões e, assim, o nosso relacionamento de um com o outro não é amor, mas a imagem que o pensamento formou. Assim, se devemos entender a realidade das relações, temos que entender todo o movimento do pensamento, porque vivemos pelo pensamento; todas as nossas ações se baseiam no pensamento, todos os grandes edifícios, as catedrais, igrejas, templos e mesquitas do mundo são resultado do pensamento. E tudo dentro destes edifícios religiosos — as figuras, os símbolos, as imagens — tudo é invenção do pensamento. Não há como refutar isso. O pensamento criou não apenas os mais maravilhosos edifícios, mas também criou os instrumentos de guerra, a bomba sob todas as suas formas. O pensamento também produziu o cirurgião e os seus maravilhosos instrumentos, tão delicados na cirurgia. E o pensamento também produziu o carpinteiro, o seu estudo da madeira e os instrumentos que ele usa. O conteúdo de uma igreja, a habilidade de um cirurgião, a perícia do engenheiro que constrói uma bela ponte, tudo é resultado do pensamento — não há como refutar isso.  Assim, temos que examinar o que é o pensamento e por que os seres humanos vivem do pensamento e por que o pensamento produziu esse caos no mundo — a guerra e a falta de relacionamento de uns com os outros — examinar a grande capacidade do pensamento, com a sua extraordinária energia.  Também devemos perceber como o pensamento trouxe, durante milhões de anos, esse pesar da humanidade.

(...) O pensamento é uma resposta da lembrança de coisas passadas; ele também se projeta como esperança para o futuro. A memória é conhecimento; o conhecimento é a memória da experiência. Isto é: há a experiência, da experiência se faz o conhecimento como memória e pela memória vocês agem. Com essa ação vocês aprendem, o que quer dizer mais conhecimento. Assim, vivemos neste ciclo — experiência, memória, conhecimento, pensamento e daí ação — sempre vivendo dentro do campo do conhecimento.

(...) Podemos ter avançado tecnologicamente, ter melhores meios de comunicação, melhor transporte, higiene, e assim por diante, mas, internamente, somos mais ou menos os mesmos — infelizes, inseguros, solitários, carregando o pesar interminavelmente. E qualquer homem sério, quando se defronta com este desafio, deve responder a ele, não pode aceitá-lo casualmente, dar as costas. É por isso que essas reuniões são muito sérias, mas muito sérias mesmo, porque temos que aplicar as nossas mentes e os nossos corações para descobrirmos se é possível produzir uma mutação radical em nossa consciência e, portanto, em nosso comportamento.

O pensamento nasce da experiência e do conhecimento, e não há nada de absolutamente sagrado a respeito do pensamento. Pensar é um ato materialista, é um processo da matéria. E nós confiamos no pensamento para resolver os nossos problemas na política, nas religiões e nas nossas relações. O nosso cérebro, a nossa mente, são condicionados, educados para resolver os problemas. O pensamento criou os problemas e, depois, o nosso cérebro, a nossa mente, são treinados para resolvê-los com mais pensamento. Todos os problemas são criados, psicologicamente, interiormente, pelo pensamento... O pensamento cria o problema, psicologicamente; a mente é treinada para resolver os problemas com mais pensamento; assim o pensamento, ao criar o problema, tenta, depois, resolvê-lo. Assim, ele é preso num processo contínuo, numa rotina. Os problemas estão se tornando cada vez mais complexos, mais insolúveis; por isso, devemos descobrir se é possível abordarmos a vida de um modo diferente, não através do pensamento, porque o pensamento não resolve os nossos problemas; pelo contrário, o pensamento produziu uma complexidade maior. Devemos descobrir se é possível ou não, se há uma dimensão diferente, uma abordagem totalmente diferente da vida. Por isso, é importante entender a natureza do pensamento. O nosso pensamento se baseia na lembrança das coisas passadas — pensar no que aconteceu uma semana atrás, pensar nisso modificado no presente e projetá-lo no futuro. Este é realmente o movimento de nossa vida. Assim, o conhecimento tornou-se muito importante para nós, mas o conhecimento nunca se completa. Portanto, o conhecimento sempre vive dentro da sombra da ignorância. Esse é um fato...

O amor não é lembrança. O amor não é conhecimento. Amor não é desejo ou prazer. Lembrança, conhecimento, desejo e prazer são baseados no pensamento. O nosso relacionamento de uns com os outros, embora próximo, se for olhado com cuidado, baseia-se na lembrança, que é pensamento. Assim, essa relação — embora vocês possam dizer que amam suas esposas ou seus maridos ou as suas namoradas — está, na realidade, baseada na lembrança, que é pensamento. E nisso não há amor. Vocês percebem realmente esse fato? Ou vocês dizem: “Que coisa mais terrível de se dizer. Eu realmente amo minha esposa”. Mas será mesmo? Pode haver amor quando há ciúme, posse, ligação, quando cada um está perseguindo sua própria e particular ambição, cobiça e inveja, como duas linhas paralelas que nunca se encontram? Isso é amor?

(...) O amor não tem nenhum problema e, para entender a natureza do amor e da compaixão com a sua própria inteligência, devemos entender juntos o que é o desejo. O desejo possui uma extraordinária vitalidade, uma extraordinária persuasão, impulso, alcance; todo o processo do vir a ser, do sucesso, está baseado no desejo — desejo que faz com que nos comparemos uns com os outros, imitemos, nos conformemos. É muito importante, ao entendermos a nossa natureza, entender o que é o desejo; não suprimi-lo, não fugir dele, não transcende-lo,, mas entende-lo, perceber todo o seu ímpeto. (...)

Entender o desejo exige atenção, seriedade. É um problema muito complexo entender por que os seres humanos viveram desta extraordinária energia do desejo, assim como da energia do pensamento. Qual é a relação entre pensamento e desejo? Qual é a relação entre o desejo e a vontade? Vivemos muito pela vontade. Assim, qual é o movimento, a fonte, a origem do desejo? Se nos observarmos, veremos a origem do desejo; ele começa com as respostas sensoriais; depois, o pensamento cria a imagem e, neste momento, começa o desejo. Vemos algo na vitrina, um vestido uma camisa, um carro, seja lá o que for — nós vemos isso — sensação —, e então o tocamos, e então o pensamento diz: “se eu vestir esta camisa ou vestido, como vai ficar bem” — isso cria as imagens e, então, começa o desejo. Assim, a relação entre o desejo e o pensamento é muito próxima. Se não houvesse o pensamento, haveria apenas a sensação. O desejo é a quintessência da vontade. O pensamento domina a sensação e cria o estímulo, o desejo, a vontade de possuir. Quando o pensamento opera no relacionamento — que é lembrança, que é a imagem que um cria do outro pelo pensamento — não pode haver amor. O desejo, o desejo sexual ou outras formas de desejo, impede o amor, porque o desejo faz parte do pensamento.

Krishnamurti – A rede do pensamento 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Compreendendo a anatomia da fundamental transformação interior

Para a maioria de nós, se já temos refletido nestes assuntos, a idéia de transformação deve ser um tanto confusa; porque já vimos que as chamadas revoluções, embora tenham produzido certos efeitos externos, talvez benéficos, se tornaram, afinal, profundamente prejudiciais ao homem. É bem de ver que a transformação fundamental deve ser algo mais do que simples mudança de uma estreita esfera de pensamento para outra. Com as coisas correndo como estão, no mundo, pode-se perceber a necessidade de mudança radical de alguma espécie, não só nos níveis econômico e social, mas também profundamente, no íntimo de cada um de nós; e para os que pensam verdadeiramente, a sério nestas questões, o problema deve ser o de como produzir a transformação. A transformação operada mediante compulsão, em qualquer forma, não é, obviamente, transformação nenhuma. Se sou forçado ou influenciado a transformar-me, isso não é uma verdadeira transformação, porquanto estou apenas me ajustando a um padrão que me foi imposto de fora ou que eu próprio estabeleci. Tampouco a transformação consiste em adaptar-se a pessoa a um certo ambiente, pois isso é apenas ajustar-se a um modelo que se julga será benéfico ou um melhor método de vida.

Ora, se se percebe que o ajustamento, o conformismo, ou qualquer espécie de mudança operada pela compulsão o por determinada influência não é mudança nenhuma, como então promover a mudança? A transformação fundamental é evidentemente essencial, não só neste país mas no mundo inteiro; e como pode iniciar-se essa transformação não resultante de compulsão, conformismo ou ajustamento?

Pensamos em geral que o ajustamento, a adaptação, ou o sermos obrigados a agir num certo sentido, é um processo de transformação, e nunca tivemos dúvidas sobre se isso é realmente uma transformação revolucionária. Eu não acho que seja; porque, se observardes a vós mesmos quando vos estais adaptando, ajustando, quando vos deixais influenciar ou compelir, vereis que apenas vos encaixais num padrão de pensamento, antigo ou moderno, e que vossa essência íntima em nada mudou.

Portanto, o problema é: como podemos mudar radicalmente, essencialmente? Não sei se já tendes pensado bem nisso, pois em geral permitimos de bom grado que nos ajustem a um padrão; pensamos ser suficiente produzir uma transformação parcial no mundo, e com isso nos satisfazemos. Mas, se examinardes a questão com profundeza, tereis então de interrogar-vos como será possível transformar a totalidade de nosso ser, de nossa consciência, como se poderá operar uma revolução completa no pensar e na apreciação dos valores. Porque, evidentemente, só essa transformação revolucionária, profunda, interior, no âmago de nosso ser, pode efetivamente libertar a força criadora da realidade e criar um mundo de todo diferente. Se não houver essa fundamental transformação interior, o mero ajustamento externo, a aquisição de mais alguns conhecimentos, o estabelecimento de mais algumas reformas, etc., é realmente uma coisa muito superficial. É como vestir uma capa nova, enquanto por baixo continuam existentes as mesmas condições antigas. Assim, se a questão deveras vos interessa, como pode uma pessoa mudar inteiramente?

Permiti-me sugerir-vos escutardes o que estou dizendo sem emitir julgamento, sem dizer que é impossível. Por favor, não traduzais o que se está dizendo nos termos dos vossos próprios conhecimentos, nem o escuteis em atitude defensiva, comparando-o com o que outros vos disseram ou com o que lestes nos livros sagrados — que não são mais sagrados do que outro livro qualquer. Escutar é uma tarefa bem difícil; em geral, nunca prestamos ouvidos senão à voz de nosso próprio pensar, de modo que, na realidade, nada nos é comunicado. Escutar com julgamento, comparando o que se ouve com o que já se sabe ou leu, é uma forma de distração. Mas, se sois capaz de escutar sem comparação, com atenção natural, então o próprio ato de escutar é um ato de meditação que, indubitavelmente, gera profunda transformação. Tentai de quando em quando observar-vos, para ver se escutais realmente alguma coisa, o que vossos amigos dizem, o que diz vosso marido ou esposa, o que diz vosso patrão — e vereis que vossa mente está sempre totalmente ausente. Simulais estar escutando, mas só escutais pela metade; ou tendes medo, ou estais enfadado, ou simplesmente não desejais escutar e, portanto, não há comunicação direta. Como disse, o escutar, por si só, opera um extraordinário milagre. O próprio ato de escutar produz uma compreensão imensa, sem esforço algum de vossa parte; e, uma vez que vos achais aqui e eu vos estou falando, desejo sugerir, se permitis, que escuteis para descobrir o que estou tentando transmitir-vos.

A meu ver, uma transformação fundamental — não um "ressurgimento religioso" mas uma revolução religiosa —precisa ser efetuada, porquanto, sem ela, os nossos problemas se multiplicarão; embora tenhamos geladeiras e outras coisas mais, ir-nos-emos tornando cada vez mais superficiais e teremos tribulações maiores ainda. E para se operar essa transformação profunda, no íntimo de nosso ser, não há dúvida de que temos de investigar o problema da consciência e compreender a anatomia da transformação.   A maioria de nós procura transforma-se mediante esforço, não é verdade? Isto é, vemos que somos cruéis e dizemos: "Preciso transformar-me"; e, assim, empenhamo-nos em nos transformar, tentamos forçar-nos, pela disciplina, a não ser cruéis. Ora, examinemos o impulso que nos leva a desejar modificar-nos, porque, se não compreendemos esse impulso, se não compreendemos totalmente esse processo de consciência que diz: "Preciso modificar-me", não é possível nenhuma transformação básica, ainda que haja ajustamentos superficiais.

Por favor, não escuteis o que estou dizendo comparando-o com o que lestes acerca da consciência no Bagavagita ou noutro livro qualquer, porque o que estamos tentando fazer não é comunicar idéias, porém, antes, experimentar diretamente o que estamos escutando. A menos que experimentemos o que estamos escutando, estas palestras nenhum valor terão; serão apenas mais um conjunto de idéias, um processo de "mentalização", o qual, por mais interessante que pareça, nenhuma significação terá. Mas se, ao contrário, vós e eu estivermos realmente escutando o que se está dizendo — vós aí sentados e eu aqui a falar-vos —, se, através da descrição verbal, cada um de nós está observando o funcionamento de sua própria mente, então acho que estas palestras serão realmente úteis.

Estamos, pois, tentando descobrir como poderemos transformar-nos, não apenas superficialmente, mas no âmago de nosso ser, e isto significa que temos de investigar a questão da consciência. Quando pergunto a mim mesmo o que é a consciência, existe um interrogante separado da pergunta, não é verdade? Existe a entidade que fez a pergunta e está aguardando a resposta; e esse "processo" é o começo da consciência, não é? O interrogante diz: "Preciso saber como funciona a consciência" — e começa então a investigar; e tanto a investigação como a resposta dependem de como ele fez a pergunta.

Por outras palavras: Eu desejo saber o que é a consciência, e não se trata de uma pergunta vã ou simplesmente curiosa. Pergunto a mim mesmo o que é a consciência, porque vejo que preciso transformar-me fundamentalmente, que a totalidade de meu ser precisa passar por uma transformação completa. Ora, essa transformação revolucionária se efetua por meio de uma série de esforços por parte daquele que diz: "Preciso transformar-me"? Deve ele desenvolver a necessária qualidade de vontade, e transformar-se de acordo com essa vontade? Compreendeis?
Estou-me interrogando e espero estejais também perguntando a vós mesmos o que é esta consciência, este "eu" que diz "Preciso transformar-me". Qual a impulsão, a ação, a força do inquiridor que tenta modificar-se? Esse processo acha-se na esfera da consciência, na esfera do pensar, não é verdade? Estais seguindo? Isso não é muito complexo, porém, bem simples.

Quando desejo modificar-me, já tenho o modelo ou a idéia segundo a qual devo modificar-me. Isto é verdade, não? Ora, isso é realmente transformação ou é tão só um movimento do "conhecido" para outro "conhecido"? Compreendeis? Porque sou cruel, digo que devo ser bondoso. O "processo" de esforçar-me para ser bondoso é um movimento no sentido de uma coisa já conhecida; e isso é realmente transformação? Há transformação se me movimento para algo que conheço? Ora, por certo, só há transformação se a mente se move para o desconhecido. Quando ela persegue aquilo que já experimentou, seu movimento é meramente uma continuação do conhecido em forma modificada e, por conseguinte, não é transformação nenhuma.

Suponhamos que, sendo violento, tenho o ideal de "não-violência". O ideal já é conhecido. Imaginei o que não é ser violento e, portanto, o ideal nasceu de meu atual estado de violência, e quando me modifico no sentido desse ideal, estou-me movendo dentro da esfera do conhecido; por coseguinte, isso não é transformação. Esse é o "processo" inteiro da consciência, não? Senhores, não concordeis comigo, pois tendes de pensar nisso de maneira completa, senti-lo integralmente.

Forcejo para transformar-me em conformidade com o que chamo o ideal e que é o oposto daquilo que experimentei como "violência"; consequentemente, criei um conflito entre o que é  e o que deveria ser, e considero esse conflito necessário para se produzir a modificação. Tudo isso é "processo" da consciência, não? Quer consciente, quer inconsciente, esse "processo" é a consciência. Se vós mesmos o virdes claramente, descobrireis algo extraordinário.

Estou, pois, perguntando a mim próprio se há transformação ao esforçar-me para transformar-me. Quando me esforço para transformar-me, há transformação ou apenas o ajustamento a um padrão estabelecido por mim mesmo ou por algum agente externo? Isto é, qualquer espécie de transformação baseada na tradição ou na autoridade não é transformação nenhuma, porque então nos estamos apenas ajustando a uma idéia, e todas as idéias fazem parte do "conhecido", resultam do fundo (background) que as "projeta". Assim, qualquer mudança operada por meio do esforço em direção àquilo que chamamos "ideal" — que é o "conhecido" — não é transformação nenhuma. Quando se persegue o ideal da "não violência", por exemplo, deseja-se alcançar um certo estado por meio de compulsão, ajustamento a padrão — e isso é outra forma de violência.

A consciência é esse movimento do conhecido para o desconhecido, movimento de compulsão, de esforço. Ao dizer o comunista: "Eu tenho o correto padrão da existência", esse padrão origina-se daquilo que ele já conhece. Ele cria uma utopia consoante com seu conhecimento e interpretação da história e, se é um homem importante, leva a cabo o seu plano, enquanto nós, a massa do povo, nos submetemos. É isso o que tem acontecido, numa ou noutra forma, em todas as partes do mundo. Os Shankaras, os líderes, os instrutores têm idéias, nós as lemos e a elas nos ajustamos e pensamos que nos estamos transformando. Poderá ocorrer um ajustamento superficial, mas não há transformação nenhuma, no sentido a que me refiro, isto é, a transformação total do nosso ser, de forma que nossa maneira de pensar seja totalmente nova.

O que é novo não pode produzir-se mediante esforço, mediante movimentação do conhecido para o conhecido, ou seja, a perseguição do ideal. E, no entanto, é isso que estais fazendo em vossa vida de cada dia, não é verdade? Percebeis que sois ambicioso, ou cruel, ou invejoso, e dizeis: "Preciso transformar-me", e começais a ajustar-vos ao padrão de um ideal que vós ou outros estabeleceram, e pensais que essa é uma importantíssima transformação. Mas, se realmente o examinardes, se penetrardes todo o processo psicológico do pensar, vereis que enquanto a mente está pensando em termos de uma dualidade, tal seja a "violência" e "não violência", enquanto se empenha em ajustar-se ao oposto daquilo que ela é — o qual é meramente a projeção do conhecido e, portanto, uma continuação da mesma coisa em forma modificada — não pode haver transformação básica.

O importante, pois, é compreender, perceber ou experimentar realmente a falsidade de vosso esforço para vos transformardes. Os gurus, os mahatmans, os mestres e todos os livros religiosos vos mandam forcejar, controlar-vos, disciplinar-vos, e ao perceber que esse esforço é realmente falso significa que deveis ser capaz de olhá-lo sem a autoridade do líder, político ou religioso, inclusive eu próprio. Para "experimentardes" a verdade ou a falsidade do que vedes, não podeis interpretá-lo de acordo com outra pessoa, não importa quem seja ela. Se penetrardes essa questão a perceberdes claramente, por vós mesmo, que não pode haver transformação enquanto há ajustamento, isto é, enquanto vos estais obrigando a adaptar-vos a um padrão estabelecido por vós ou por outro — se perceberdes realmente a verdade ou a falsidade disso, vereis então que vossa mente se despojou de toda e qualquer autoridade; e não é esse o verdadeiro começo  de uma revolução fundamental?

parece-me haver necessidade — principalmente no tempo presente — de pessoas vivamente interessadas nessas coisas — mas não me refiro às que se dedicam seriamente ao Gita, ao comunismo, ou a outro padrão qualquer, porquanto elas são simplesmente "conformistas". Refiro-me às pessoas que séria e ardentemente desejam descobrir como efetuar em si mesmas uma revolução total. Apresenta-se, assim, a questão: Pode a mente libertar-se do conhecido? — pois só então há transformação fundamental.

Notai, por favor, senhores, que isto requer muita penetração, investigação. Não concordeis comigo, mas examinai, meditai, dissecai vossa mente, para descobrirdes a verdade ou a falsidade de tudo isso. Saber o que é o "conhecido" pode produzir transformação? Preciso ter conhecimentos para construir uma ponte; mas há necessidade de minha mente sabem em que vai transformar-se? Certo, se sei qual será o estado de minha mente depois de transformar-me, então já não há transformação. Esse conhecimento é prejudicial à transformação, porquanto se torna um meio de satisfação e, enquanto existir um centro em busca de satisfação, recompensa ou segurança, não há transformação nenhuma. E todos os nossos esforços baseiam-se nesse centro constituído pela idéia de recompensa, punição, êxito, ganho, não é verdade? Eis o que interessa à maioria de nós, e se ele nos ajuda a obter o que desejamos, mudaremos; mas essa mudança não é, de modo nenhum, a verdadeira transformação. Assim, a mente que deseja achar-se, fundamentalmente, profundamente, num estado de transformação, num estado de revolução, deve livrar-se do "conhecido". Ela então se torna sobremodo tranquila, e só nesse estado poderá experimentar a transformação radical indispensável.

Krishnamurti - O Homem Livre - Ed. Cultrix - pág. 29 à 34 
Nova Deli - 21 de outubro de 1956

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A verdadeira revolução

VERIFIQUEMOS qual é a situação do indivíduo na sociedade, se o indivíduo pode contribuir para uma transformação radical da sociedade; se a entidade transformada, o ser humano inteligente que logrou transformar-se fundamentalmente, tem alguma influência, se pode atuar de alguma maneira na corrente dos acontecimentos; ou se o indivíduo de que falo, a entidade transformada, nada pode fazer, ele próprio, mas pode, pela mera circunstância de sua existência, injetar alguma espécie de ordem na sociedade, na corrente do caos e da confusão. Vemos como no mundo inteiro a ação em massa obviamente produz resultados. Percebendo isso, vem-nos o sentimento de que a ação individual é muito insignificante, que vós e eu, ainda que transformemos a nós mesmos, muito pouca influência podemos ter; e, assim, perguntamo-nos o que valemos nós, uma vez que somos impotentes para influir na corrente.
Ora, por que pensamos com referência à massa? As revoluções fundamentais são produzidas pela, massa, ou são elas iniciadas por uns poucos indivíduos de visão que, pelo seu verbo e sua energia, influenciam grande número de pessoas? É assim que nascem as revoluções. Não é um erro julgar que nós, como indivíduos, nada podemos fazer?  Não é um engano supor que todas as revoluções fundamentais são produzidas pela massa? Por que pensamos que os indivíduos não têm importância como indivíduos? Como tal atitude mental, nunca pensaremos por nós mesmos, e reagiremos sempre automaticamente. A ação é sempre da massa? Ela não brota, essencialmente do indivíduo, comunicando-se, depois, de indivíduo a indivíduo? Não existe realmente essa coisa chamada massa. Afinal de contas, a massa é uma entidade constituída de pessoas que estão enredadas, hipnotizadas por palavras, por certas idéias. Quando não estamos hipnotizados por palavras, estamos à margem da corrente - coisa de que nenhum político haveria de gostar. Não deveríamos manter-nos à margem da corrente e tirar dela outros indivíduos, em número crescente, para, dessa maneira, influir na corrente? Não importaria muito que se realizasse uma transformação fundamental no indivíduo, em primeiro lugar, que antes de tudo vós e eu nos transformemos radicalmente, em vez de esperarmos que todo o mundo se transforme? Não é um ponto de vista "escapista", uma forma de indolência, uma maneira de fugir ao problema, pensar que vós e eu somos incapazes de influir, por pouco que seja, na sociedade como um todo?
Quando vemos tanto sofrimento, não apenas em nossas vidas, mas também na sociedade que nos cerca, que é que nos impede de nos transformarmos, de nos modificarmos fundamentalmente?  Será simples hábito, letargia, qualidade da mente, que está satisfeita com o padrão em que se acha encerrada e não deseja quebrá-lo? De certo, não é apenas isso, porque circunstâncias econômicas quebram aquele padrão; entretanto, persiste o padrão interior, o padrão psicológico. Por que persiste ele?  Para nos transformarmos fundamentalmente, radicalmente, teremos necessidade de alguma influência ou força exterior - como o sofrimento, a revolução econômica ou social, ou um guru - isto é, teremos necessidade de compulsão? Uma força exterior implica conformismo, dependência, compulsão, temor. Modificamo-nos fundamentalmente pela dependência? Não é um estorvo o dependermos, para nossa transformação, de forças exteriores, comoções econômicas, etc.? Essa dependência de uma força exterior impede a revolução radical, porque a revolução radical só pode vir, quando compreendermos o processo total de nós mesmos. Se, para a transformação, dependemos de uma força exterior de qualquer espécie, introduzimos o temor e outros fatores que impedem a transformação. Um homem que deseja deveras a transformação, não depende de nenhuma força exterior, não há luta em seu interior; ele percebe a necessidade e se transforma.
Será de fato difícil a transformação do indivíduo? É difícil ser bondoso, compassivo, amar alguém? Afinal de contas, é esta a essência de uma transformação radical. A dificuldade é que temo uma natureza dualista, na qual existe ódio, aversão, varias formas de antagonismo, etc., que nos afastam do problema central. Estamos de tal maneira entranhados nos impulsos que incitam ao ódio, à antipatia, que perdemos a chama pura, ficou-nos só fumo; e o problema fica sendo o de como nos livrarmos do fumo. Não possuímos mais, em absoluto, a chama da criação; tomamos o fumo pela chama. Não é necessário investigarmos o que é a chama, isto é, ver a s coisas de maneira nova, sem, nos subordinarmos a um padrão; olhar as coisas como são, sem, lhes darmos nomes? Será realmente difícil isso? A dificuldade é que os mais de nós estamos cheios de compromissos, assumimos inumeráveis responsabilidades, deveres, etc., e dizemos que deles não nos podemos eximir.  Positivamente, essa não é uma dificuldade real. Quando sentimos uma coisa profundamente, nós fazemos o que queremos, sem considerações de família, da sociedade, e tudo o mais. Assim, a única dificuldade resulta de não sentirmos suficientemente a importância da transformação radical do indivíduo. É imperioso que se opere essa transformação. A transformação se realizará quando vivermos sem "verbalização", quando virmos as coisas como são realmente e aceitarmos a verdade tal como é. Isso deve começar em nós, como indivíduos. Se não começa, isso se deve, simplesmente, a que não prestamos atenção suficiente, não nos entregamos, com todo o nosso ser, à compreensão dessa coisa; vemos tanto sofrimento ao redor de nós, e há tanta confusão dentro em nós, e todavia não nos dispomos a pôr cobro a essa situação.
Agora, que acontece quando tenho um problema e procuro resolvê-lo? Na solução do problema, surgem-me vários outros problemas; resolvendo um problema, multiplico-o. Por isso, desejo encontrar a solução do problema sem aumentar o problema, desejo viver feliz, desejo estar livre da aflição psicológica, sem arranjar um substituto para ela. É possível descobrir se podemos realmente dissolver a aflição, se podemos investigara sem contar com a autoridade de ninguém, examiná-la em nós mesmos, observando-nos a todas as horas e em toda espécie de relações? Não será esta a única solução do problema: observar-nos constantemente, o que pensamos, o que sentimos, o que, fazemos, conservar-nos nesse estado de vigilância em que tudo se nos revela?
Cumpre-vos experimentá-lo e não, simplesmente, dizer que não é possível, nem aceitar a minha autoridade e repeti-la, apenas. Suponhamos que sejais feliz, e eu não; e desejo ser feliz, não desejo narcotizar-me com crenças, etc., mas, sim, levar inteiramente a cabo o meu propósito.  Nessas condições, procuro-vos, investigo, e examino a questão mais e mais profundamente. - Que vos impede agora de assim proceder? Por que não tendes o sentimento da felicidade, da criação, de ver as coisas como são? Por que não operais nesse sentido profundo? Por que dizeis que o sofrimento leva à felicidade, que o sofrimento é um meio de alcançar a felicidade, aceitastes o sofrimento, ou outro substituto qualquer. Fizemo-nos de tal maneira embotados, que não percebemos a necessidade de nos modificarmos, e aí é que está a dificuldade.
Dizeis porventura, que desejais modificar-vos, mas alguma coisa há que impede a transformação. Explicações não alteram coisa alguma. Dizer que o "ego" é um obstáculo, é simples explicação, mera descrição. Desejais que eu descreva a maneira de vencer os obstáculos; mas precisamos achar um meio de saltar a barreira, se possível, precisamos lançar-nos à corrente, ousadamente, aventurosamente, em vez de ficarmos sentados na margem a especular. Que nos está impedindo de dar o salto? O que no-lo impede é a tradição, que é memória, que e experiência, - não é verdade? Tanto nos satisfazemos com palavras, com explicações, que não damos o salto, mesmo percebendo a necessidade de saltar.  Alvitra-se que não ousamos lançar-nos à corrente porque temos medo do desconhecido. Mas, é-me possível saber o que acontecerá, é-me possível conhecer o desconhecido?  Se eu o conhecesse, não haveria então temor algum - e não seria o desconhecido.  Nunca me será dado conhecer o desconhecido, se não me aventuro.
Será o temor que nos está impedindo de lançar nos à aventura? Que é temor? Só pode haver temor em relação com alguma coisa, ele não existe em isolamento. Como posso temer a morte, como posso temer uma coisa que desconheço? Só posso temer o que conheço. Quando digo que temo a morte, estarei mesmo com medo do desconhecido, ou estou com medo de perder o que me é conhecido? Meu medo não é da morte, mas sim de perder a minha associação com coisas que me pertencem. Meu temor está sempre em relação com o conhecido, e não com o desconhecido.
Assim, o que agora me cabe inquirir é como ficar livre do temor inspirado pelo conhecido, que é o temor de perder minha família, minha reputação, meu caráter, meu depósito no banco meus apetites, etc. Direis que o temor surge da consciência; mas vossa consciência é formada pelo vosso condicionamento, pode ser insensata ou sensata; a consciência, pois, também, é resultado do conhecido. Que sei eu? Saber é ter idéias, ter opiniões a respeito de coisas, ter um sentimento da continuidade do conhecido, e nada mais do que isso. Idéias são lembranças, resultados de experiências, que são reações a estímulos. Tenho medo ao conhecido, o que significa que tenho medo de perder pessoas, coisas ou idéias, tenho medo de descobrir o que sou, medo de me ver em embaraços, medo da dor que, poderia resultar de perder, ou de não ganhar, ou de não ter mais prazeres.
Há o medo á dor. A dor física é reação nervosa; a dor psicológica se manifesta quando estou apegado a coisas que me proporcionam satisfação, porque, em tal caso tenho medo de qualquer pessoa ou coisa que me proporcionam satisfação, porque em tal caso tenho medo de qualquer pessoa ou coisa que possa arrebatar. As acumulações psicológicas impedem a dor psicológica, enquanto não são perturbadas; isto é, sou um feixe de acumulações, experiências, que impedem qualquer perturbação séria - pois não desejo ser perturbado. Por isso, temo qualquer um que venha perturbá-las. Meu temor, portanto, é inspirado pelo conhecido; tenho medo, por causa das acumulações, físicas ou psicológicas, que constitui para defender-me da dor ou evitar a aflição.  Mas a aflição está presente no próprio processo de acumular para proteger-nos do sofrimento.  Também o conhecimento ajuda-nos a evitar a dor. Assim como o conhecimento da medicina nos ajuda a evitar a dor física, assim também as crenças nos ajudam a evitar a dor psicológica, e esta é a razão por que tenho medo de perder as minhas crenças, embora eu não possua um conhecimento perfeito, nem prova concreta da realidade de tais crenças. Posso rejeitar alguma das crenças tradicionais que me foram inculcadas, porque minha experiência própria me dá força, confiança, compreensão; mas tais crenças e o conhecimento que adquiri são basicamente idênticos, isto é, constituem um meio de proteção contra a dor.
Existe temor enquanto há acumulação do conhecido, que gera o medo de perder. Por conseguinte, o temor do desconhecido é, na realidade, o medo de perder o conhecido, por nós acumulado. A acumulação, invariavelmente, importa em temor, o qual por sua vez importa em sofrimento; e no minuto em que digo "não devo perder" há temor. Embora, quando acumulo, a minha intenção seja a de resguardar-me da dor, a dor é inerente ao processo de acumulação. As próprias coisas que possuo criam o temor, que é dor.
A semente da defesa encera também o ataque. Desejo segurança física; por isso crio um governo soberano, e este necessita de forças armadas, que acarretam a guerra, a qual destrói a segurança. Sempre que há o desejo de autoproteção, existe o temor. Quando percebo a falácia do desejo de segurança, desisto de acumular. Se dizeis que o reconheceis, mas não podeis deixar de acumular, é que de fato, não percebeis que na acumulação está me inerentemente, a dor.
Existe temor no processo de acumulação, e a crença em alguma coisa é parte do processo acumulativo. Morre o meu filho, e eu creio na reencarnação para, psicologicamente, preservar-me de mais sofrimento; mas no próprio "processo" do crer existe a dúvida. Exteriormente, acumulo coisas, e provoco a guerra; interiormente, acumulo crenças, e provoco a dor. Enquanto desejo estar seguro, ter depósitos nos bancos, ter prazeres, etc., enquanto desejo tornar-me alguma coisa, fisiológica ou psicologicamente haverá dor, necessariamente. As mesmas coisas que estou fazendo para proteger-me da dor, geram o temor e a dor.
Nasce o temor quando desejo permanecer num determinado padrão. Viver sem temor significa viver sem padrão algum. Quando desejo determinada maneira de viver, esse desejo, em si, é uma fonte de temor. A dificuldade está no meu desejo de viver segundo um certo molde. Não posso quebrar o molde? Só posso quebrá-lo ao perceber esta verdade: que o molde está causando temor, e que o temor está reforçando o molde. Se digo que preciso quebrar o molde, porque desejo ficar livre do temor estou seguindo outro padrão, o qual será a causa de outros temores. Toda ação de minha parte, baseada no desejo de quebrar o molde, há de sempre criar outro padrão, e, portanto, temor. Como posso quebrar o padrão sem causar temor, isto é, sem nenhuma ação, consciente ou inconsciente, de minha parte; em relação a ele? Significa isso que não devo agir, não devo fazer movimento algum para quebrar o molde. Que me acontece, então, quando fico apenas observando o padrão sem nada fazer em relação a ele? Percebo que a mente é, ela própria, o molde, o padrão; ela vive no padrão habitual, que criou para si. Por conseguinte, a mente é, ela própria, temor. Tudo o que a mente faz é no sentido ou de reforçar um velho padrão ou de por em vigor o um padrão novo.  Significa isso que tudo o que a mente faça para livrar-se do temor, há de gerar temor. Ao percebermos a verdade disso, ao percebermos o "processo" respectivo, que acontece? A mente se torna sensível, tranqüila.
Ora, por que não está a mente sempre tranqüila? Toda vez que o padrão se cristaliza, por que não percebe a mente a verdade a esse respeito? Porque a mente deseja permanência, estabilidade, um refúgio de onde lhe seja possível operar. A mente quer estar segura. Dá-se a quebra de um determinado padrão, e poucos minutos depois observa-se uma nova cristalização; e, em vez de examinar essa nova cristalização e compreendê-la por completo, a mente volve à antiga experiência e diz “percebi a verdade, e isso deve continuar”. Na busca de continuação, a mente cria um novo padrão e a ele se apega. Toda vez que ocorre cristalização, esta deve ser observada e compreendida; e a repetição ocorre por causa da deficiência da compreensão.
A verdade é não-continuidade. A verdade de ontem não é a verdade de hoje. A verdade não é do tempo e, portanto, não é da memória; não é algo que se possa experimentar, lembrar, ganhar, perder, ou realizar. Perseguimos a verdade, porque desejamos ganhá-la e dar-lhe continuidade; e logo que percebemos isso, realmente o padrão se quebrará, pois a mente, então, já cortou todas as amarras.
 Krishnamurti – Madrasta, 29 de janeiro de 1950


* * * 

Em todas as nossas relações - com pessoas, com a natureza, com idéias, com coisas - parece que criamos cada vez mais problemas. Se tentamos resolver um problema - econômico, político, social, coletivo ou individual - fazemos surgir grande número de novos problemas. De algum modo, parece que criamos cada vez mais conflito, e estamos cada vez mais necessitados de reforma. É bem evidente que toda reforma torna necessárias novas reformas, sendo, por conseguinte, um verdadeiro retrocesso. Enquanto a revolução, seja da esquerda, seja da direita, for apenas a continuidade do que foi, em referência ao que será, ela também é retrocesso. Só pode haver uma revolução fundamental, uma constante transformação interior, quando nós, como indivíduos, compreendermos nossas relações com a coletividade. A revolução deve começar em cada um de nós, e não nas influências exteriores, nas influências ambientes. Nós, afinal, somos a, coletividade; tanto o nosso consciente, como o inconsciente são o resíduo de todas as influências políticas, sociais e culturais do homem.  Por conseguinte, para se realizar, exteriormente, uma revolução fundamental, torna-se necessária uma transformação radical em nosso interior, uma transformação independente de qualquer modificação do ambiente. A revolução deve começar em vós e em mim. Todas as grandes coisas começam em escala pequena, todos os grandes movimentos começam em vós e em mim como indivíduos; e se esperamos pela ação coletiva, essa ação coletiva, se vem a realizar-se, é destrutiva e conducente a mais sofrimentos.
Vemos, pois, que a revolução deve começar, em vós e em mim. Essa revolução, essa transformação individual, só pode realizar-se quando compreendemos as nossas relações, que constituem o "processo" do autoconhecimento. Sem conhecer integralmente o "processo" das minhas relações, nos seus diferentes níveis, o que penso e o que faço nenhum valor têm. Que base tenho eu para pensar, se não conheço a mim, mesmo? Temos tanto desejo de agir, tanto empenho em fazer, alguma coisa, em realizar alguma espécie de revolução, alguma espécie de melhoria, alguma modificação no mundo; mas sem conhecermos o nosso próprio funcionamento (processo), tanto na periferia como no interior falta-nos toda base para a ação e o que fazemos não pode deixar de criar mais sofrimento e mais luta. A compreensão de nós mesmos não se consegue pelo processo de nos retirarmos da sociedade, ou de nos recolhermos a uma torre de marfim. Se vós e eu nos dedicarmos a estudar o assunto com toda a atenção e de maneira inteligente, veremos que só podemos compreender a nós mesmos em relação e não no isolamento. Ninguém pode viver no isolamento. Viver é estar em relação. É só no espelho das relações que compreendo a mim mesmo - o que significa que devo estar sempre sobremodo atento, em todos os meus pensamentos, sentimentos e ações, na vida de relação. Não constitui isso um processo difícil nem empresa sobre-humana; e, como acontece com todos os rios, se bem que a nascente seja quase imperceptível, as águas vão ganhando ímpeto, no seu curso, à medida que se vão aprofundando. Se, neste mundo louco e caótico, vos empenhardes naquele processo, avisadamente, com atenção, e com paciência, sem condenar, vereis como ele começa a ganhar ímpeto, independentemente da questão de tempo.
A verdade existe minuto por minuto, na vida de relação, e temos de vê-la em cada ato, cada pensamento e cada sentimento que surge, em nossas relações. A verdade não é coisa que se possa acumular, armazenar; temos de achá-la de novo, no pensamento e no sentimento, a cada instante - o que não representa um processo acumulativo e, por conseguinte, não depende do tempo. Quando dizeis que, com o tempo, compreendereis, graças à experiência ou ao saber, estais justamente impedindo a compreensão, porque esta não resulta de acumulação alguma. Podeis acumular saber, mas isso não é compreensão. A compreensão surge quando a mente está livre do conhecimento.  Quando a mente não exige a satisfação de desejos, quando não procura experiência, há tranqüilidade; e quando a mente está tranqüila, só então haverá compreensão. Só quando vós e eu estamos verdadeiramente dispostos a ver claramente as coisas tais como são, é que se nos oferece a possibilidade de compreensão. A compreensão vem, não por meio de disciplinamento, não por meio da compulsão, de coerção, mas, sim, quando a mente está tranqüila e disposta a ver as coisas com lucidez. A serenidade da mente nunca se pode conseguir por meio da compulsão, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente; tem de ser espontânea. A liberdade não está no fim, mas no começo; porque o fim e o começo não são diferentes, o meio e o fim são idênticos. O começo da sabedoria é a compreensão do processo total de nós mesmos, e esse autoconhecimento, essa compreensão, é meditação.
 Krishnamurti – Madrasta, 5 de fevereiro de 1950

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Só na revolução total está o fim do sofrimento

Conforme tenho salientado, idéias, conceitos, conclusões não podem alterar na essência a mente humana. Embora política, econômica, social e comercialmente as coisas estejam mudando rapidamente, a rapidez dessas mudanças é mais significativa do que as próprias mudanças. O que nós necessitamos é de uma tremenda revolução psicológica; entretanto, aparentemente, não podemos acompanhar, psicologicamente, as aceleradas modificações exteriores. Individualmente, continuamos envolvidos em conflito, como já o estamos há séculos. 
Para se descobrir o que é verdadeiro, devem ser postas de parte todas as conclusões, todas as formas de comparações e condenação; e isso é dificílimo para a maioria de nós, porque somos educados, condicionados para condenar, justificar. Quando temos um problema, tentamos achar uma solução em vez de tratarmos de compreender o próprio problema; pois a solução está contida no problema, e não fora dele. Para a maioria de nós, mudança consiste apenas em troca de padrão; e se vocês considerarem isso, verão que troca de padrão não é uma verdadeira transformação. Toda mudança operada na esfera do tempo é o mesmo movimento, modificado, continuado. 
Ora, eu não estou falando a respeito de mudança de padrão, porém a respeito de uma profunda revolução psicológica — e isso significa libertar-se completamente da estrutura psicológica da sociedade. Mudança que se opera dentro do padrão da sociedade é um movimento do "conhecido" para o "conhecido", vocês não acham? Sou isto e quero tornar-me aquilo, que é meu ideal, e, assim, luto para mudar. Mas o ideal é uma "projeção" do conhecido, e o cultivo do ideal continua a não ser mudança nenhuma. 
A revolução implica, por certo, um  percebimento total de toda estrutura psicológica do "eu", consciente e inconsciente, e que se esteja totalmente livre dessa estrutura sem pensar em "tornar-se outra coisa". Quer estejamos conscientes dela, quer não, a maioria de nós estabeleceu um padrão de pensamento e atividade, um modo de vida padronizado. No esforço para operarmos uma mudança em nossa vida, aceitamos consciente ou inconscientemente um certo padrão, e pensamos ter mudado; mas, na realidade, não houve mudança nenhuma.
Como estive dizendo outro dia, se não há compreensão do inconsciente, toda "mudança" psicológica é simples ajustamento a um padrão estabelecido pelo inconsciente. E a crise atual — não apenas a crise externa, mas também a crise existente na consciência — exige uma revolução. Não me refiro à revolução social ou econômica, porém a revolução no inconsciente — à completa libertação da estrutura psicológica da sociedade, total abandono da ambição, da inveja, da avidez, do desejo de poder, posição, prestígio, etc. Esta é a única revolução, porquanto, sem ela, nada de novo pode existir; sem ela, ficamos apenas acalentando idéias, conceitos e, por conseguinte, há sempre sofrimento. Só tem fim o sofrimento quando há revolução total.
A questão, pois, é: Como operar essa mudança interior, essa revolução total? Se fazemos um esforço deliberado, consciente, para modificar-nos, geramos conflito, luta; e a mudança nascida do conflito, luta, só pode produzir mais sofrimento. 
Ora, é possível promover uma revolução na psique, sem esforço consciente? Tenho explicado cuidadosamente que o inconsciente é o depósito do passado. No inconsciente estão armazenadas não só as experiências do indivíduo, mas também as da raça. Ele é o repositório de toda a luta do homem através das idades: sua busca de Deus, sua rejeição de Deus, sua adoração do estado, sua identificação com a nação, com uma idéia, etc. A totalidade de tudo isso é o passado, é o fundo inconsciente de cada um de nós, em conformidade com o qual reagimos. Podemos tentar compreender o inconsciente por meio de exame e análise, mas isso obviamente não produzirá revolução.Vocês podem modificar, reformar; mas a reforma de vocês tornará necessária nova reforma; não é revolução, não é completa libertação do passado. Necessita-se de uma mente jovem, nova, "inocente", e essa mente só pode existir quando nos libertamos psicologicamente do passado. 
Mas como poderá operar-se essa revolução, sem esforço, sem se procurar fazer algo a esse respeito? Todo esforço ou luta que visa transformação envolve contradição, e a contradição acentua o conflito já existente; portanto, não há transformação. Só se pode perceber o que é novo num estado de "inocência", isto é, quando o passado deixou de ter qualquer significação psicológica. 
A inocência, como vocês devem saber, é uma das exigências da sociedade moderna, mas essa exigência é ainda muito superficial. Para as pessoas que tem passado por muitos sofrimentos, que se vêem oprimidas pelo sentimento de culpa, pela ansiedade, pelo medo — para essas pessoas a "inocência" é uma coisa muito importante. Mas a "inocência" de que falam é o oposto da complexidade, o oposto do sofrimento, da angústia, da luta, da confusão. A verdadeira "inocência", como o amor, não é um oposto. O amor não é o oposto do ódio. Só nasce o amor quando o ódio, em todas as suas formas, desapareceu. Do mesmo modo, a mente deve ser "inocente", embora tenha passado por todas as formas de experiência. Para que a mente realize esse estado de "inocência" devem terminar as acumulações de experiência — as quais são ainda o passado, ainda fazem parte do fundo inconsciente. 
Ora, como será isso possível? Dizem as pessoas religiosas que devemos recorrer a Deus, pormo-nos num estado de receptividade para a Graça de Deus. E há práticas religiosas (quase ia dizendo "truques") de toda espécie, que servem para persuadir, influenciar ou controlar a mente humana, a fim de torná-la capaz de alcançar, de uma ou de outra maneira, aquela "inocência". Há também os que, com o uso de drogas diversas, procuram "experimentar" um estado exaltado de sensibilidade perceptiva, um maravilhoso estado de bem-aventurança. Mas a inocência não pode ser "produzida" com o uso de nenhuma droga, nem de nenhum método de ioga, nenhuma crença ou rejeição de crença, ou pelo aguardar a Graça de Deus. Tudo isso implica esforço, busca, ânsia de fugir ao fato — ao que é. E a inocência só pode vir à existência com a total libertação do "conhecido" — isto é, com o morrer para o "conhecido", morrer para o passado, as lembranças agradáveis, para todas as coisas que temos acalentado, formado "ajuntado" e que constituem nosso caráter. 
Infelizmente, a maioria de nós não deseja morrer para nada, principalmente para aquilo que nos dá prazer, as lembranças de coisas que temos experimentado e a que ficamos apegados. Preferimos encontrar um refúgio, viver numa ilusão. Mas, precisamos morrer para o "conhecido", a fim de que se torne existente a "inocência". Isto não é uma mera declaração verbal ou conclusão. É necessário morrermos realmente para o "conhecido", para o passado. Mas não podemos morrer para o conhecido, se temos um motivo para morrer; pois todo motivo está enraizado no tempo, no pensamento; e o pensamento é a reação do fundo (background) da consciência, o qual é o "conhecido". 
Todos estamos condicionados — como ingleses, russos, hinduístas, cristãos, budistas, o que quer que seja. Somos moldados pela sociedade, pelo ambiente; nós somos o ambiente. A maioria de vocês, sem dúvida, crê em Deus, em Jesus, porque nesta crença vocês foram educados; ao passo que na Rússia as pessoas foram condicionadas para não aceitarem nada disso. A totalidade do condicionamento da mente é o "conhecido", e esse condicionamento pode ser quebrado, mas não por meio da análise. Só pode ser quebrado quando considerado de maneira negativa, e essa maneira negativa não é o oposto da positiva. Assim como o amor não é o oposto do ódio, assim também esse "negativo" não é o oposto do "positivo", que é exame, análise, esforço para alterar o padrão existente ou para ajustar-se à um padrão diferente. Tudo isso consideramos "positivo"; e o "negativo" de que falamos não é o oposto disso. Não é, tampouco, uma síntese. Síntese implica reunião dos opostos, mas isso produz novo conjunto de opostos. O "negativo" de que falamos é a total rejeição dos opostos. Quando rejeitamos totalmente o método (que faz parte do condicionamento) pelo qual se procura modificar a psique por meio do esforço, de análise, então o nosso método é negativo; e só nesse estado de negação a mente pode ser "inocente". Essa é a mente verdadeiramente religiosa. A mente religiosa não é aquela que crê, que vai à igreja todos os dias ou uma vez por semana; não é a mente que têm um credo, que está escravizada a dogmas e superstições. A mente religiosa é, deveras, uma mente científica; científica, no sentido de que é capaz de observar os fatos sem desfigurá-los, de ver a si própria tal como é. O libertar-se do condicionamento requer, não uma mente crédula, uma mente disposta a aceitar, porém uma mente capaz de observar racionalmente, com sanidade, e de perceber que, a menos que seja despedaçada a estrutura psicológica da sociedade, ou seja o "eu", não pode haver "inocência"; e que, sem "inocência" a mente nunca poderá ser religiosa. 
A mente religiosa não é fragmentária, não divide a vida em compartimentos. Ela abarca a totalidade da vida — a vida de prazeres e dores, a vida de alegrias e satisfações passageiras. Uma vez que está totalmente livre da estrutura psicológica da ambição, da avidez, da inveja, da competição, de toda exigência de mais, acha-se a mente religiosa num estado de "inocência"; e só assim a mente pode transcender a si própria, e não quando crê, meramente, num além ou nutre uma certa hipótese relativa a Deus. 
A palavra "deus" não é Deus; o conceito que vocês têm de Deus não é Deus. Para se descobrir se existe isso que se pode chamar "Deus", devem desaparecer totalmente todos os conceitos verbais e formulações, todas as idéias, todo pensamento que seja reação da memória. Só então existe aquele estado de "inocência" em que não há automistificação, nem o querer ou desejar resultado; e então vocês poderão descobrir por vocês mesmos o que é verdadeiro. 
Assim, a mente já não está em busca de experiência. A mente que busca por experiência é imatura. A mente "inocente" já não se interessa pela experiência. está livre da palavra, ou seja, da capacidade de reconhecer, com seu fundo de conhecimento (background). O reconhecimento implica associação, que pode ser verbal ou empírica, e sem essa associação nada se pode reconhecer. A mente religiosa, ou "inocente", está livre da palavra, livre de conceitos, padrões, formulações, e só assim pode uma mente descobrir por si própria se há, ou não, o Imensurável.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Só pela seriedade é possível o conhecimento da natureza real que somos

Parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishad e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém, nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreende-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução. Temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.
Dirão vocês: "Que feito ou valor pode ter uma transformação individual? Como poderá isso alterar o curso da existência humana? Que pode um só indivíduo fazer?" — Esta me parece uma pergunta errônea, porque não existe tal coisa — consciência individual; só há consciência, da qual somos uma parte. Um indivíduo pode segregar-se, cercar-se dentro de um determinado espaço chamado "eu". Mas esse Eu está relacionado com o todo, esse Eu, não é separado. E, com a transformação dessa seção especial, dessa determinada parte, podemos influir na totalidade da consciência. Considero muito importante compreender que não estamos falando de salvação individual ou reforma individual, porém, sim, da necessidade de estarmos conscientes da parte em relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo. (...) Devemos descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo, promover uma profunda compreensão religiosa da vida.
Para mim, o importante não é apenas a imediata "resposta" aos diferentes "desafios" — resposta que deve ser adequada — mas também resposta que seja produto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por "vida religiosa", não uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão, porém, a vida religiosa resultante da compreensão. Porque, sem o conhecimento de nós mesmos — o que realmente somos — por mais desonestos, falsos, astutos, hipócritas e ignóbeis que sejamos, não temos base para nenhuma ação ou pensamento religioso.
(...) Se não há autoconhecimento, se não há compreensão do Eu — não do "Eu superior", do Eu com "E" maiúsculo — porém do "eu" ordinário, do homem que frequenta diariamente o escritório, que é apaixonado, irascível, violento, cruel, hipócrita, acomodado — se não há essa compreensão total, completa, de todo nosso ser, nesse caso, toda ação, todo pensamento, toda idéia, só conduzirá a mais confusão e mais angústia.
E parece-me que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige seriedade. Por esta palavra, entendo a capacidade de prosseguir até o fim na busca da Verdade ou numa pesquisa qualquer. Por não sermos verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade. E isso requer energia; ninguém pode ser sério se não tem energia. Não deve essa energia ser esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato tal como é, e capaz de seguir esse fato até o fim — uma energia espantosa, tanto mental, como corporal.
E, para se ter energia, não deve haver conflito, já que o conflito é o principal fator de deterioração. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito. Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós — com o próximo, com nós mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração.
Ora, a meu ver, a compreensão desse conflito, compreensão não parcial porém total, é a mais importante tarefa da mente humana. Porque, só com a completa terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade, no investigar se algo existe além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor e de descobrir o estado mental criador, porque tudo o mais, em qualquer forma que seja, é pura especulação. A mente religiosa não especula; move-se, tão somente, de fato para fato. E não é possível observar o fato quando há conflito ou tensão de qualquer espécie.
Assim, creio que o nosso problema principal resulta de termos perdido completamente a religião, o espírito religioso. Vocês podem ter templos, frequentar o templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero; mas não são pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto o religioso.
A vida verdadeiramente religiosa é aquela que vivemos na compreensão do conflito e libertados do conflito.
Nosso principal interesse, por conseguinte, é este: a compreensão do conflito interior e exterior. Esses dois ("interior" e "exterior") não são coisas separadas. O mundo não está separado de vocês e de mim; vocês são o mundo e o mundo é vocês. Isto não é uma teoria; se observarem bem, verão que é um fato real. Vocês estão condicionados pela sociedade em que vivem... Vocês são considerados como um indivíduo nascido neste país, educado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo em Deus. Vocês são moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Suas crenças, suas conduta, suas maneira de pensar, tudo é resultado do condicionamento de vocês pela sociedade em que vivem. Este é um fato óbvio, irrefutável. Mas, separamos o mundo como uma coisa diferente de nós, porque o mundo é forte demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de nós mesmos, refugiando-nos em nossas crenças, nossas esperanças, temores, conceitos especulativos. Por isso há separação entre nós e o mundo. Mas, se observarem, verão que o mundo não difere de nós — é como a maré, que flui e reflui. Se não compreenderem o mundo exterior, não compreenderam o interior. E, para compreende-lo, devem observá-lo — não de um dado ponto de vista, porém, da mesma maneira como um cientista observa. O cientista só observa em seu laboratório, mas nós, entes humanos, devemos observar o mundo de cada dia, em nossas relações, em nossas atividades. E, como disse, para compreendermos toda esta existência complexa, tormentosa, desesperante — existência sem amor e sem beleza — temos de compreender o conflito.
Surge o conflito, decerto, quando há contradição — contradição de diferentes desejos, diferentes exigências, tanto consciente como inconscientes. Mas, em geral, estamos conscientes desses conflitos. E, se estamos conscientes, não temos solução para eles; por isso, tratamos de distanciar-nos deles, buscando refúgio na religião, no trabalho social ou em entretenimentos vários, tais como ir ao templo, ir ao cinema, ou beber. E só há possibilidade de se resolverem os conflitos, quando a mente é capaz de compreender a si própria.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill