Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador revolução. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador revolução. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Observando a exata natureza de nossas relações

Antes de alterar a sociedade, temos de compreender toda a nossa estrutura, a maneira do nosso pensar, a maneira da nossa ação, a natureza das nossas relações com pessoas, ideias e coisas. A revolução na sociedade deve começar com a revolução no nosso próprio pensar e agir. A compreensão de nós mesmos é de importância precípua, se desejamos realizar uma transformação radical na sociedade; e a compreensão de nós mesmos é autoconhecimento. Ora, temos feito do autoconhecimento uma coisa extremamente difícil e remota. As religiões tornaram o autoconhecimento muito místico, abstrato e distante; mas se examinarmos com cuidado, veremos que o autoconhecimento é muito simples e requer, apenas, atenção às relações; e ele é essencial, se desejamos uma revolução fundamental na estrutura da sociedade. Se você, o indivíduo, não compreende as tendências do seu próprio pensamento, e das suas atividades, a mera realização de uma revolução superficial na estrutura exterior da sociedade só criará mais confusão e sofrimento. Se não conhece a si mesmo, se segue outra pessoa, sem conhecer todo o processo do seu próprio pensar e sentir, você será, obviamente, levado a mais confusão e mais desastres. Afinal de contas, a vida é relação, e sem relações não há possibilidade de vida. Não há vida no isolamento, porque o viver é um processo de relações; e as relações não se efetuam com abstrações, mas sim com a propriedade, com pessoas, com ideias. Em suas relações, você vê a si mesmo, tal como é, não importa como seja, se feio ou belo, se sensível ou grosseiro; no espelho das relações você vê com precisão todo problema novo, toda estrutura de si mesmo, tal como é. Porque você julga impossível alterar fundamentalmente as suas relações, procura fugir, intelectual ou misticamente, e essa fuga só criará novos problemas, mais confusão e mais desastres. Mas se, ao invés de fugir, você examinar a sua vida de relação e compreender toda a estrutura dessas relações, terá a possibilidade de ultrapassar aquilo que está muito próximo. Por certo, para ir longe precisamos começar com o que está muito próximo; mas esse começo com o que está próximo é dificílimo para a maioria de nós, porquanto desejamos fugir do que é, do fato do que somos. Sem compreendermos a nós mesmos não podemos ir longe; e nós estamos em relação contínua, visto que não há existência sem relações. A vida de relação, pois, é o imediato, e para ultrapassarmos o imediato precisamos compreender as relações. Mas preferimos examinar o que está muito distante, o que chamamos Deus ou a Verdade, do que promover uma revolução fundamental em nossas relações; e essa fuga para Deus ou para a Verdade é de toda fictícia, irreal. As relações são a única coisa que temos, e sem compreendermos essas relações nunca descobriremos o que é a realidade ou Deus. Assim, para que se realize uma modificação completa da estrutura social, da sociedade, precisa o indivíduo purificar as suas relações, e essa purificação das relações é o começo da sua própria transformação.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?  



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A vida é agir e relacionar-se

No mundo à nossa volta, vemos confusão, miséria e desejos conflitantes e, compreendendo este caos mundial, as pessoas mais coerentes e sérias — não as que estão fingindo, mas as que de fato se preocupam — naturalmente verão a importância de refletir sobre o problema da ação. Há a ação coletiva e a ação individual; a ação de massa tornou-se uma abstração, um meio de fuga conveniente para escapar da ação individual. Ao imaginar que este caos, esta miséria, este desastre que está constantemente aumentando possa ser de alguma forma transformado ou organizado pela ação das massas, o indivíduo torna-se um irresponsável. A massa é por certo uma entidade fictícia, a massa são vocês e sou eu. Só quando vocês e eu não entendemos a relação da verdadeira ação é que nos voltamos para a abstração chamada a massa e, por isso, nos tornamos irresponsáveis em nossa ação. Para a ação da reforma, procuramos um líder ou nos voltamos para a ação coletiva, organizada, que novamente é ação da massa. Quando procuramos um líder para dirigir a ação, invariavelmente escolhemos uma pessoa que achamos que nos ajudará a transcender os nossos problemas, a nossa miséria. Contudo, pelo fato de escolhermos um líder a partir de nossa confusão, o próprio líder está confuso. Não escolhemos um líder diferente de nós mesmos. Não podemos fazer isso. Só podemos escolher um líder que, como nós mesmos, está confuso; portanto, esses líderes, esses guias e os assim chamados gurus espirituais invariavelmente nos levam a maior confusão, a mais miséria. Visto que os escolhemos a partir de nossa própria confusão, quando seguimos um líder estamos unicamente seguindo a nossa própria e confusa projeção de nós mesmos. Assim sendo, essa ação, embora possa produzir um resultado imediato, invariavelmente leva a outro desastre.

Portanto, vimos que a ação da massa — embora seja valiosa em certos casos — está destinada a levar ao desastre, à confusão, e a acarretar irresponsabilidade da parte do indivíduo, e vimos que seguir um líder significa também aumentar a confusão. No entanto, temos de viver. Viver é agir; viver é relacionar-se. Não há ação sem relacionamento, e não podemos viver isolados. Não existe o isolamento. A vida é agir e relacionar-se. Portanto, para entender a ação que não crie mais infelicidade, mais confusão, temos de entender a nós mesmos, com todas as nossas contradições, nossos traços contraditórios, nossas muitas facetas que estão constantemente em luta umas contra as outras. Enquanto não entendermos a nós mesmos, a ação deverá inevitavelmente levar a mais conflito, a mais infelicidade.

Assim sendo, nosso problema é agir com entendimento, e esse entendimento só vem com o autoconhecimento. Afinal, o mundo é uma projeção de mim mesmo. O mundo é o que eu sou. O mundo não é diferente de mim, o mundo não está contra mim. O mundo e eu não somos entidades separadas. A sociedade sou eu; não há dois processos diferentes. O mundo é uma extensão de mim mesmo, e, para entender o mundo, tenho de entender a mim mesmo. O indivíduo não está em oposição à massa, à sociedade, porque a sociedade é o indivíduo. Sociedade é relacionamento entre vocês, eu e o outro. Só há oposição entre indivíduo e sociedade quando o indivíduo se torna irresponsável. Portanto, temos um problema a considerar. Há uma crise extraordinária que atinge todos os países, pessoas e grupos. Qual o relacionamento que há entre nós, vocês e eu, e essa crise, e como devemos agir? Por onde devemos começar para provocar uma transformação? Como eu disse, se considerarmos a massa não há saída, visto que a massa implica um líder, e a massa sempre é explorada pelos políticos, pelo sacerdote e pelos espertos. E uma vez que vocês e eu fazemos parte da massa, temos de assumir a responsabilidade pela nossa ação, ou seja, temos de entender a nossa própria natureza, temos de entender a nós mesmos. Entender a nós mesmos não significa nos isolarmos do mundo, porque isolar-se do mundo significa afastar-se e não podemos viver afastados. Assim sendo, temos de entender a ação no relacionamento, e esse entendimento depende da percepção de nossa natureza conflitiva e contraditória. Acho que é uma tolice conceber um estado em que haja paz e para o qual possamos olhar. Só pode haver paz e tranquilidade quando entendemos a nossa natureza e quando não pressupomos um estado que não conhecemos. Pode haver um estado de paz, mas a simples especulação sobre esse estado é inútil.

Para agir corretamente, deve haver pensamento correto; para pensar corretamente, deve haver autoconhecimento, e o autoconhecimento só pode existir por meio do relacionamento, não do isolamento. O pensamento correto só ocorre quando entendemos a nós mesmos, e desse conhecimento surge a ação correta. A ação correta é a que surge do entendimento de nós mesmos, não de uma parte de nós mesmos, mas de todos os aspectos de nós mesmos, da nossa natureza contraditória, de tudo o que somos. À medida que entendemos a nós mesmos, há ação correta, e dessa ação surge a felicidade. Além do mais, queremos felicidade. Felicidade é o que a maioria de nós está procurando por meio de várias formas, por meio de várias fugas — fugas através da atividade social, do mundo burocrático, da diversão, do culto e da repetição de frases, do sexo, e de inumeráveis outras fugas. Vemos que essas fugas não trazem a felicidade duradoura; elas apenas dão um alívio temporário; fundamentalmente, não há nada de verdadeiro nelas, nenhum deleite duradouro. Penso que só encontraremos esse prazer, esse êxtase, a verdadeira alegria de sermos criativos, quando entendermos a nós mesmos. Não é fácil entender a nós mesmos; esse entendimento requer certa vivacidade, certa percepção. Essa vivacidade, essa percepção só podem surgir quando não nos condenamos, não nos justificamos; porque, no momento em que há uma condenação ou uma justificação, o processo do entendimento se encerra. Quando condenamos alguém, deixamos de entender essa pessoa, e quando nos identificamos com ela, novamente deixamos de entendê-la. Dá-se o mesmo conosco. É difícil observar, ficar passivamente consciente de quem são vocês; mas dessa consciência advém um entendimento, uma transformação do que existe, e só nessa transformação é que se abrem as portas para a realidade.

Então, nosso problema é a ação, o entendimento e a felicidade. Não há base para o verdadeiro raciocínio a não ser que conheçamos a nós mesmos. Sem o autoconhecimento não tenho base para o pensamento — apenas posso viver num estado de contradição, como faz a maioria de nós. Para provocar uma transformação no mundo, que é o mundo do relacionamento, tenho de começar por mim mesmo. Vocês podem argumentar que “provocar uma transformação do mundo desse modo exigirá um tempo infinitamente longo”. Se estivermos buscando resultados imediatos, naturalmente acharemos que a demora será muito grande. Os resultados imediatos são prometidos pelos políticos; mas receio que para um homem que está em busca da verdade não há resultados imediatos. É a verdade que transforma, não a ação imediata; só quando cada um descobrir a verdade haverá felicidade e paz no mundo. O nosso problema é viver no mundo sem pertencer a ele, e trata-se de um problema de uma busca das mais sérias, porque não podemos nos recolher, não podemos renunciar, porém temos de ter a consciência de nós mesmos. Compreender a si mesmo é o começo da sabedoria. Ter consciência de nós mesmos é entender o nosso relacionamento com as coisas, pessoas e ideias. Enquanto não compreendermos a importância e o significado do nosso relacionamento com as coisas, pessoas e ideias, a ação que implica o relacionamento inevitavelmente provocará conflitos e lutas. Assim, um homem verdadeiramente sério tem de começar por si mesmo; ele tem de ficar passivamente consciente de todos os seus pensamentos, sentimentos e ações. Novamente, não se trata de uma questão de tempo. Não há fim para o autoconhecimento. Este só existe de momento a momento e, portanto, há uma felicidade criativa a cada novo momento.

Jiddu Krishnamurti — Nova Delhi, 14 de novembro de 1948


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O pensamento nunca pode produzir uma revolução vital

Um estado de relações baseado no pensamento, que é costume, que é hábito, produz, infalivelmente, uma sociedade estática, e a ação do reformador, que deseja modificar essa sociedade, é sempre ação de morte, de escuridão, ou a reação de uma mente estática. Se você observar, poderá verificar que o que nos faz cediços, na vida de relação, é o pensar, pensar, pensar... o calcular, julgar, pesar , o ajustar-nos; e a única coisa que pode nos libertar disso é o amor, que não é um processo de pensamento. Não se pode pensar no amor. Podemos pensar na pessoa que amamos, mas não podemos pensar no amor. 

Assim, pois, o homem que ama é o verdadeiro revolucionário e é a pessoa verdadeiramente religiosa; pois, o que é realmente religião, não está baseado no pensamento, ou na crença, ou nos dogmas. Uma pessoa que é como um saco de crença e dogmas não é uma pessoa religiosa, é uma pessoa estúpida; ao passo que o homem que realmente ama é o verdadeiro revolucionário, e nele há transformação. 

Assim, pois, o amor não é um processo de pensamento; não podemos pensar no amor; Você pode, talvez, imaginar o que ele seja, mas isso representa meramente um processo de pensamento, e não é amor; e o homem que ama é o homem verdadeiramente religioso, quer ame um só, quer ame a todos. O amor não é nem pessoal em impessoal; é amor — ele não conhece fronteiras, não conhece classes nem raças. O homem que ama é revolucionário; só ele é revolucionário. O amor não é produto do pensamento, porquanto o pensamento é resultado da memória, resultado de condicionamento, e só pode produzir morte e decomposição. 

Vemos, pois, que só pode haver uma verdadeira revolução, uma transformação fundamental, quando existe o amor, e essa é a religião mais sublime. Esse estado se manifesta quando cessa o processo do pensamento, quando renunciamos a esse processo. Só podemos renunciar a uma coisa depois de a compreendermos, e não rejeitando-a. Uma comunidade, uma sociedade, um grupo pode ser verdadeiramente revolucionário e transformar-se continuamente, apenas num tal estado e não em conformidade com uma fórmula; porque toda fórmula é mero produto de um processo de pensamento e, portanto, intrinsecamente, a causa de um estado estático. Pode-se ver também que o ódio não pode produzir uma revolução radical, porquanto, inevitavelmente, tudo aquilo que resulta de conflito, antagonismo, confusão, não pode ser real, não pode ser criadoramente revolucionário. O ódio é o resultado desse processo de pensamento; o ódio é pensamento; e aquela transformação que o amor traz só pode realizar-se ao cessar o processo do pensamento; por consequência, o pensamento não pode, nunca, produzir uma revolução vital. 

Jiddu Krishnamurti — 6 de fevereiro de 1949

domingo, 21 de julho de 2013

Sobre a revolução total

Por certo, toda mudança exige ordem. Vemo-nos atualmente num estado de desordem, e para se sair da desordem necessita-se de ordem: ordem social, ordem interior, e ordem em nossos valores, nossa perspectiva das coisas. Desse modo, MUDAR, no sentido em que estamos empregando a palavra, significa estar livre para estabelecer ordem. Mas a sociedade não deseja essa liberdade, porque acha que liberdade supõe desordem. Por isso existe a condição, por ela imposta ao indivíduo humano, de não fugir da estrutura psicológica da sociedade. A sociedade teme que a liberdade acarrete desordem, porque está satisfeita em viver nessa desordem a que chama “ordem”; por conseguinte, é incapaz dessa experiência, dessa REVOLUÇÃO TOTAL. Só o indivíduo humano é capaz de experimentar e realizar, POR SEUS PRÓPRIOS MEIOS, a revolução total, que é ordem.

Krishnamurti – O descobrimento do amor

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Revolta dentro da sociedade não é revolta

Pergunta: Você diz que devemos nos revoltar contra a sociedade, e ao mesmo tempo diz que devemos ser sem ambição. Mas, não é ambição o desejo de melhorar a sociedade?

Krishnamurti: Já expliquei muito cuidadosamente o que entendo por revolta, mas vou empregar duas palavras diferentes, para maior clareza. O revoltar-se dentro da sociedade, a fim de melhorá-la um pouco, de colocar em execução certas reformas, isso é como uma revolta de presos que querem melhorar de vida entre os muros da prisão; e uma revolta desta natureza não é revolta, porém, simples motim. Você percebe a diferença? A revolta dentro da sociedade é como um motim de presos que querem melhor comida, melhor tratamento, dentro da prisão; mas a revolta que nasce da compreensão é aquela do indivíduo que se liberta da sociedade; e esta é a revolução criadora.

Ora, se você como indivíduo se liberta da sociedade, tal ação é motivada pela ambição? Se o é, isso significa que você não se libertou, absolutamente; continua dentro da prisão, porque a base mesma da sociedade é a ambição, a ganância, a avidez. Mas se, compreendendo tudo isso, você promove uma revolução em sua mente e seu coração, então você já não é ambicioso, já não está sendo impelido pela inveja, a avidez, a ânsia de aquisição e, por conseguinte, você está completamente fora de uma sociedade cuja base são estas coisas. Você é, então, um indivíduo criador e, em sua ação, estará o germe de uma “cultura” diferente.

Há, portanto, uma vasta diferença entre a ação da revolução criadora, e a ação da revolta ou motim dentro da sociedade. Enquanto você só se preocupar com meras reformas, com o simples decorar das grades e paredes da prisão, não será criador. Toda reforma torna necessária outra reforma, e só produz mais misérias e mais destruição. Mas, ao contrário, a mente que compreende toda essa estrutura de aquisição, de avidez, de ambição, e dela se liberta — essa mente se acha em revolução constante. É uma mente que se expande, que cria; por conseguinte, como a pedra lançada numa lagoa tranquila, sua ação produz ondas e essas ondas formarão uma sociedade completamente diferente.

(...)

Pergunta: Ainda que possamos criar uma nova sociedade, revoltando-nos contra a atual, esta criação de uma nova sociedade não constitui também uma forma de ambição?

Krishnamurti: Parece que você não escutou o que estive dizendo. Quando a mente se revolta contra o padrão da sociedade, essa revolta se assemelha a um motim dentro de uma prisão, e é apenas uma outra forma de ambição. Mas, quando a mente compreende, em sua inteireza, esse destrutivo "processo" da atual sociedade, e dele sai, sua ação não é então ambiciosa. Essa ação poderá criar uma nova civilização, uma ordem social melhor, um mundo diferente, mas a mente não está preocupada em criá-la. Seu único interesse é descobrir o que é verdadeiro; o movimento da verdade é que criará um novo mundo, e não a mente que se acha em revolta contra a sociedade.

Krishnamurti – A cultura e o problema humano

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sua mente é parte integrante da sociedade

Alguma vez você já esteve sentado, muito quieto, de olhos fechados, observando o movimento do seu pensar? Já observou a sua mente funcionando, ou melhor, sua mente já observou a si própria em funcionamento, para ver quais são seus pensamentos, seus sentimentos, como você olha para as árvores, para as flores, para as aves, as pessoas, como você “responde” a uma sugestão ou como reage a uma nova ideia? Você já fez isso alguma vez? Se não o fez, está perdendo muita coisa. Se você não sabe como a sua mente reage, se sua mente não está consciente de suas próprias atividades, você nunca descobrirá o que é a sociedade. Você pode ler livros de sociologia, estudar ciências sociais, mas se não sabe como funciona sua mente, não compreenderá o que é a sociedade, pois sua mente é parte integrante da sociedade; ela é a sociedade. Suas reações, suas crenças, suas idas ao templo, as roupas que usa, as coisas que faz ou que não faz, o que você pensa — a sociedade constitui-se de tudo isso, é a replica de tudo o que se passa em sua mente. Sua mente, pois, não está separada da sociedade, não é distinta de sua cultura, de sua religião, de suas divisões de classe, das ambições e conflitos da humanidade em geral. Tudo isso é a sociedade, da qual você é parte integrante. Não existe “você” separado da sociedade.

Pois bem; a sociedade está sempre procurando controlar, formar, moldar o modo de pensar dos jovens. Dede o momento em que você nasce e começa a receber impressões, seu pai e sua mãe ficam dizendo o que você deve e não deve fazer, o que deve acreditar e o que não deve acreditar; dizem que existe Deus ou que Deus não existe, porém somente o Estado, cujo profeta é certo ditador. Desde a infância, tais coisas lhe são continuamente inculcadas e, por conseguinte, sua mente — ainda muito nova, impressionável, indagadora, curiosa, desejosa de descobrir — vai sendo gradualmente enclausurada, condicionada, moldada, para que você se ajuste ao padrão de determinada sociedade e nunca seja um revolucionário. Uma vez firmado o hábito de pensar segundo um padrão, mesmo quando você se “revolta”, isso acontece dentro do padrão. É uma revolta semelhante à revolta de presos que reclamam por melhor comida e mais comodidade — mas sempre entre os muros da prisão. Quando você busca Deus ou investiga o que é um governo justo, sempre o faz dentro do padrão da sociedade, que preceitua que “isto é verdadeiro e aquilo é falso; que isto é bom e aquilo é mau; que este é o verdadeiro líder e estes são os santos”. Sua revolta, pois, tal como a chamada revolução promovida por homens ambiciosos ou muito hábeis, está sempre limitada pelo passado. Não é revolta, não é revolução, porém, tão só uma atividade mais intensa dentro do padrão. A revolta real, a revolução verdadeira é aquela que quebra as cadeias do padrão, para investigar fora dele.

Você deve saber que todos os reformadores — não importa quem sejam eles — só se interessam em melhorar condições internas da prisão. Nunca dizem para que você não se ajuste, nunca dizem: “Rompa as muralhas da tradição e da autoridade, sacuda o condicionamento que lhe aprisiona a mente”. E a verdadeira educação é, não apenas exigir que você passe nos exames, para os quais você se prepara apressadamente, ou escreve escreva sobre algo que decorou, porém, sim, lhe ajudar a perceber os muros da prisão em que sua mente está prisioneira. A sociedade influencia todos nós, molda nosso pensar, e essa pressão externa da sociedade se traduz gradualmente em “estado interior”; mas, por mais profundamente que penetre, ela será sempre externa e não haverá coisa que possa se chamar “estado interior” enquanto não for rompido esse condicionamento. Você deve saber o que está pensando e se está pensando como hinduísta, como muçulmano ou como cristão, isto é, conforme a religião a que por acaso você pertença. Você deve estar consciente do que acredita e do que não acredita. Tudo isso constitui o padrão da sociedade e, a não ser que você esteja consciente do padrão e dele se liberte, continuará prisioneiro, embora pense ser livre.

Mas, veja, o que interessa a quase todos nós é a revolta dentro da prisão; queremos melhor comida, um pouco mais de luz, uma janela mais larga, para podermos ver um pedaço maior do céu. Muito nos importa saber se o “outcaste”¹ pode ou não pode entrar no templo; desejamos eliminar determinada casta e, no próprio ato de eliminá-la criamos outra, uma casta “superior”; e, assim, continuamos prisioneiros, nunca há libertação da prisão. A liberdade está fora dos muros, fora do padrão da sociedade; mas, para você ficar livre desse padrão, tem de compreender todo o seu conteúdo, ou seja, compreender sua própria mente. Foi a mente que criou a atual civilização, essa cultura ou sociedade vinculada à tradição; e, se você não compreende sua própria mente e apenas se revolta como comunista, socialista, etc., isso pouco significa. Por essa razão, é muito importante que você tenha autoconhecimento, estar consciente de todas as suas atividades, de seus pensamentos e sentimentos; isso é educação, não? Porque, quando você está plenamente consciente de si mesmo, sua mente se torna muito sensível, muito vigilante.

Experimente isso — não num certo dia longínquo do futuro, porém amanhã ou nesta tarde mesmo. Se há muita gente em sua casa, trate de sair sozinho, para se sentar debaixo de uma árvore ou à beira de um rio e observar sossegadamente como funciona a sua mente. Não a corrija, dizendo: “isto é certo, aquilo é errado”; apenas a observe, como quem assiste um filme; os atores e atrizes estão desempenhando os seus papéis, e você apenas vendo. Pela mesma maneira observe a sua mente. Isso é verdadeiramente interessante, muito mais interessante do que qualquer filme, pois a sua mente é resíduo de todo o mundo e contém tudo o que os entes humanos têm experimentado. Compreende? Sua mente é a humanidade, e quando você perceber isso terá uma imensa compaixão. Dessa compreensão nasce um grande amor; e, então, ao ver coisas belas, saberá o que é a beleza.   

Krishnamurti — A cultura e o problema humano
___________

(¹ ) outcaste: Na Índia, aquele que foi expulso de sua casta, por violação de suas regras ou costumes. Os outcastes são destituídos de todos os direitos civis comuns. (Dicionário “Webster Collegiate) 

A importância do espírito de revolta

Pergunta: Os ricos estarão dispostos, alguma vez, a renunciar a uma boa parte do que têm em benefício dos pobres?

Krishnamurti: Não estamos falando sobre o que o rico deverá abandonar em favor dos pobres. Qualquer que seja a parte a que renunciem, não satisfará ao pobre. Mas não é este o problema. Vocês, que são abastados e que, por conseguinte, possuem a possibilidade de cultivar a inteligência, não podem, mediante revolta, criar uma nova sociedade? Isso depende de vocês, e de mais ninguém; depende de cada um de nós, e não dos ricos ou dos pobres ou dos comunistas. Mas, em geral, não possuímos esse espírito de revolta, esse ímpeto de libertação e de descobrimento. Esse espírito é que é importante. 

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano


terça-feira, 9 de julho de 2013

Se revoltar, aprender e amar

Pergunta: Se revoltar, aprender, amarsão três processos separados ou simultâneos?

Krishnamurti: Naturalmente, não são três processos separados; é um processo unitário. Vejam, é muito importante verificar o que significa uma pergunta. Esta pergunta está baseada em teoria, e não na experiência; é puramente verbal, intelectual e, por consequência, sem validade. O homem destemido, que está realmente revoltado, lutando para descobrir o que significa aprender, amar — esse homem não pergunta se isso é um só processo ou três processos. Somos muito sutis com palavras, e pensamos que, apresentando explicações, temos resolvido o problema.


Sabem o que significa aprender? Quando estão realmente aprendendo, aprendem durante toda a vida e não têm nenhum mestre especial, de quem aprender. Então, todas as coisas lhes ensinam: uma folha, uma ave que voa, um perfume, uma lágrima, o rico e o pobre, os que choram, um sorriso de mulher, o orgulho de um homem. Aprendem de todas as coisas e, por conseguinte, não necessitam de nenhum guia, nenhum filósofo, nenhum guru. A própria vida é a mestra de vocês, e vocês se acham num estado de constante aprender. 

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A importância da revolução do inconsciente

Não falo para convencer a qualquer um de vocês a respeito de uma dada teoria ou de um dado modo de conduta, nem com o fim de inculcar em vocês certas ideias, visto que minha intenção não é, de modo nenhum, propagandística. Propaganda significa “condicionar” certas mentes, para certas atitudes. Tal não é absolutamente a minha intenção. Se vocês têm ideias, a respeito das quais desejam se convencer; se desejam adquirir certas ideias, para acalentá-las e segui-las; se vocês desejam adotar uma determinada linha de pensamento, conducente a certos resultados; ou, ainda, se possuem a vontade de produzir certa revolução nas ideias — creio que vocês ficarão muito desapontados. Porque, o que me parece de fundamental importância é a revolução do inconsciente, e não a revolução consciente; e a respeito dela me estenderei mais adiante, no decorrer desta palestra.

Mas, antes disso, é necessário que nos conheçamos mutuamente, não só no nível verbal: também mais profundamente, se possível. Pois, se conhecermos as nossas mútuas intenções, haverá então a possibilidade de nos juntarmos para conversar a respeito dos nossos problemas. Porém, se vocês têm, certas ideias já firmadas, e eu, ideias contrárias, é óbvio, não há ponto de contato entre nós. Por isso, considero muito importante, estabelecermos desde já a relação correta entre nós. Eu não sou guru de vocês, nem tão pouco um líder; portanto, vocês não precisam me venerar. Não creio que o nosso problema, ou a crise em que nos achamos atualmente possa, de algum modo, se dissolver, se seguimos um líder político ou religioso, ou um guru. Como disse, faz-se necessária uma revolução fundamental, e não meramente uma substituição de ideias, no nível superficial.

Por conseguinte, não deve ser muito importante compreender-se claramente o que vou dizer e o que já disse? Porque não vou convencer vocês a respeito de coisa alguma. Não estou fazendo propaganda. É com toda franqueza que o digo: não estou aqui para convencer vocês de nenhuma ideia, em especial. Convicção supõe o “processo” de rejeição e aceitação, confirmação ou negação; e tal não é meu intento, em absoluto. O que estamos tentando fazer é descobrir a verdadeira solução, a solução correta de todos os nossos problemas. Apenas se pode encontrar a solução correta quando não estamos “projetando” nenhuma ideia determinada, quando não estamos meramente aceitando certa tese e renunciando ao nosso próprio pensar. Quer dizer, se não pensamos corretamente, todas as nossas ações nos levarão, por força, a uma maior confusão. O que nos interessa, pois, não é a projeção ou aceitação de ideias, mas como pensarmos corretamente, todos juntos (isto é, em relação uns com os outros), como descobrirmos juntos a maneira de atender corretamente aos problemas com os quais nos deparamos. Não estou empregando o termo “corretamente” como oposto. Só há uma maneira de pensar; não “a maneira correta” ou “incorreta”. Verificaremos se é de algum modo possível seguir um pensamento e descobrir a Verdade que ele encerra, a verdade contida no respectivo problema.

Vocês não acham importante diferenciar entre “ouvir” e “escutar”? (...) Vocês não acham que há diferença entre “ouvir” e “escutar”? No escutar não há aceitação nem rejeição; escutamos para compreender. Escutamos a outra pessoa para compreender o que ela deseja nos transmitir, compreende-lo não apenas no nível verbal, mas em níveis mais profundos do entendimento. Porém, estamos nos negando a escutar, quando só queremos fazer objeções ou interpor nossas próprias ideias, em vez de procurarmos realmente compreender o que nos é dito. Afinal, temos nossas opiniões, e achamos desnecessário escutá-lo; mas, se soubermos escutar sem interpretação e sem tradução, se soubermos realmente escutar, talvez haja então possibilidade daquela radical revolução no nível inconsciente, única revolução verdadeiramente desejável.

Temos incontáveis problemas; e quanto mais pensamos neles, conscientemente, tentando resolvê-los, tanto mais crescem as complicações e se multiplicam os problemas. Uma vez que estamos tratando de problemas não originados na mente superficial, mas resultantes de lutas, conflitos, ambições, agitações que se processam nas profundezas inconscientes, sem que ocorra uma transformação radical e fundamental naquele nível profundo, pouquíssimo valor terá qualquer reforma de remendos que se fizer no nível superficial — no terreno econômico, social, político, etc. Pode-se ver que as revoluções não nos alteram fundamentalmente o processo do viver. A transformação que se opera no nível consciente não passa de uma simples continuidade modificada, pois nesse nível a mente opera de modo superficial, calculando, julgando, pensando; mas esse “processo” de calcular, pesar e julgar é a continuidade de uma coisa condicionada; por conseguinte, por esse meio não se resolve o problema de modo nenhum; o que se faz é apenas modifica-lo, alterar a sua direção; todavia, a nova direção é confusa, do mesmo modo.

Enquanto quisermos resolver os nossos problemas no nível superficial, com ideia contra ideia, argumento contra argumento, lógica contra lógica — tudo isso reações da mente superficial — é bem óbvio que os resultados que a mente obterá serão produto de pensamento condicionado. Nesse “processo”, por conseguinte, não há revolução psicológica, profunda, fundamental. Creio que o mais importante atualmente não é a revolução do nível superficial, mas a revolução do inconsciente, profundo, porque vivemos muito mais nesse nível, e nosso ser está lá mais do que no nível superficial.
Assim sendo, vocês não acham importante que escutemos de maneira que o inconsciente absorva — se posso assim me expressar — o que nos é transmitido, e a revolução, por conseguinte, não seja uma revolução consciente? Considero muito importante que se escute de maneira tal que a transformação seja inconsciente, e que tenhamos uma nova perspectiva da vida não fundada na ação consciente deliberada, mas na revolução não produzida pelo “processo” deliberado do pensamento.

Afinal, nós temos tantos problemas, em diversos níveis — problemas econômicos, sociais, religiosos; o problema do amor, da morte, o problema das relações, da miséria, o que é Deus, se há continuidade, o que é imortalidade, o que é aquele estado de “atemporalidade”, o que é criação, etc., etc. temos problemas inumeráveis e sempre nos aplicamos a eles com a intensão de resolvê-los com nossa mente consciente, nossa mente comum, a mente que tem pensamentos, a mente que é resultado do tempo, resultado da tradição, da chamada educação (que é o processo de “nos condicionar” numa determinada ideia, atividade ou padrão — comunista, socialista, capitalista, católico, etc.) e com esse condicionamento queremos resolver os nossos inúmeros problemas; mas, é bem óbvio, uma mente condicionada não pode resolver tais problemas.

Necessitamos de uma solução inteiramente diferente, de uma revolução diferente — de natureza psicológica, interior, fundamental. Isso, parece-me, só será possível quando vocês souberem escutar não só a mim, mas a todas as coisas: a conversação que se trava próximo de vocês, o diálogo que vocês têm com suas esposas, seus maridos, seus filhos, seus patrões, as conversas de trem, de ônibus, as falas do mendigo, a melodia de uma canção, o canto dos pássaros, o som das ondas. Se souberem escutar sem interpretação, sem tradução, haverá então a possibilidade de se realizar a revolução inconsciente.

Acho que nos sias atuais, o mais necessário que se faz é esta revolução — e não uma série de líderes, não um determinado sistema político. Porque todos os líderes falharam completamente; porque os sistemas que eles advogavam, ou que criaram, são o produto da mente condicionada e seus resultados serão sempre condicionados — de modo que nunca mais sairemos da rede de problemas em que nos vemos embaraçados. Esse caminho não conduz à felicidade humana, à ação humana criadora, ao descobrimento do que é verdadeiro.

O descobrimento do que é verdadeiro não se efetua por meio de esforço consciente. Se compreendermos isso verdadeiramente, chegaremos ao estado em que a mente reconhecerá a sua incapacidade de atender aos nossos problemas. Então talvez se apresente a nós a possibilidade de descobrirmos uma nova fonte de ação, uma fonte diferente, cujo descobrimento nos habilitará a encontrar uma nova maneira de pensar, de sentir, de existir.

Nossos problemas não são individuais — porque não existe a entidade “indivíduo”. O indivíduo — vocês — pode ter nome diferente, corpo diferente, viver em casa separada; mas o conteúdo da mente de vocês é o mesmo conteúdo da minha mente. O que vocês pensam eu penso; vocês são ambiciosos, e eu também; o que vocês são, eu sou, e também é o vizinho de vocês. Temos um problema coletivo e não individual. Vocês, como indivíduo “condicionado” dentro de certo sistema de ideias, não podem resolver este problema da existência; ele só será resolvido quando vocês e eu o estudarmos juntos, e não separadamente. A ação coletiva só poderá fazer efeito, só poder se realizar quando houver pensamento que não seja coletivo.  Mas, como já sabemos, a ação coletiva implica atualmente pensamento coletivo; pensamento coletivo é pensamento condicionado; e é isso o que nos interessa em virtude de toda espécie de propaganda, da educação, da compulsão... Fazem vocês pensarem coletivamente, tradicionalmente — quer seja uma nova tradição, quer velha; fazem que vocês se ajustem, pensem segundo uma norma coletiva, esperando que desse modo vocês produzam ação coletiva; mas não é possível ação coletiva, visto que pensamento coletivo é sempre pensamento condicionado.

(...) Entretanto, deve haver uma maneira de agir que não seja a de vocês ou a minha, que não seja a do comunista, do socialista, do católico, do cristão, do hinduísta, do budista; tal é a maneira de agir que resulta do descobrimento da Verdade. O descobrimento da Verdade não depende de vocês e de mim, da mente condicionada de vocês ou da minha mente condicionada. O descobrimento da Verdade ocorrerá apenas quando vocês e eu reconhecermos a nossa mente condicionada, o nosso estado condicionado.

Se vocês e eu pudermos descobrir o que é a Verdade, desse descobrimento virá a ação coletiva. Mas o pensar coletivo não conduz à ação coletiva, e sim, somente ao sofrimento em escala maior, como de fato está ocorrendo atualmente.  

Krishnamurti - Autoconhecimento — Base da sabedoria

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Necessitamos de uma revolução não econômica

As relações econômicas de vocês não estão baseadas noutras nações, em conexão com elas? Não há, pois, solução para o problema econômico, independentemente, separadamente das outras nações.

A primeira ilusão, pois, é desejar-se independência econômica, querer-se uma solução econômica para o povo que habita este país, em separado de outras nações. O problema é um tanto complexo e muito mais profundo do que a solução econômica ou a reconstrução deste país. É um problema que abrange conjuntamente todos os entes humanos da Terra... Necessitamos de uma revolução; não uma revolução econômica, não uma nova ordem social, não uma revolução de ideias ou de substituição de um sistema por outro: precisamos de uma revolução fundamental no nosso pensar. (...)

Cada um de nós é ambicioso. Você deseja ser alguém neste mundo. Se você é escriturário quer ser Gerente, Chefe, Diretor; se é advogado, quer ser juiz. Quer subir, subir sempre. Nessas condições, enquanto houver ambição, enquanto houver o desejo de ser alguém neste mundo, destruirá, fatalmente, todo e qualquer plano econômico para a segurança da humanidade. Por conseguinte, enquanto houver esse impulso para se ser alguém, não se criará nenhuma possibilidade de atender à necessidade primária que é a alimentação. Senhores, isto está sendo provado repetidamente, não é invenção de minha parte. Quando observarem este fato, não atribuirão  toda a importância à alimentação, como necessidade primária, mas reconhecerão a urgência de uma revolução fundamental no nosso pensar, para que se possa ocorrer aquela necessidade. Vocês devem acabar com suas divisões comunais, suas castas, e intolerantismo. Não deve haver nacionalidade e nenhuma distinção artificial; só então se terá a possibilidade de satisfazer a necessidade primária do ente humano.

Por esta razão, a revolução destinada a promover o bem-estar econômico, deve ser interior e não exterior. Estão de acordo? Sim? Vocês dizem, porém, não poder realizar uma revolução fundamental interior, porque lhes falta o necessário vigor, a confiança em vocês mesmos; porque se sentem esgotados; porque já fizeram tantas coisas absurdas na vida, já seguiram tantos líderes e mentores; porque acham que mentalmente estão completamente esgotados. Essa revolução interior, na qual a mente não busca preenchimento de suas ambições, essa revolução interior requer uma grande soma de investigação interior, de compreensão interior. Isso significa o abandono de toda ambição, para que se descubra e resolva este importantíssimo problema: o de que cada um tenha, nesta Terra, alimento, roupa e moradia. Só será possível tal coisa, quando houver o sentimento de que esta é a nossa Terra, de que somos responsáveis pela totalidade da humanidade; quando cada um de nós não esteja mais lutando, a realizar algo para se tornar alguém. Senhores, é esta a revolução fundamental, que produzirá a nova ordem social de vocês.

 Krishnamurti — 24 de janeiro de 1953

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Uma revolução fora dos padrões sociais - Parte II

As revoluções fundamentais são produzidas pela massa, ou são elas iniciadas por uns poucos indivíduos de visão que, pelo seu verbo e sua energia, influenciam grande número de pessoas? É assim que nascem as revoluções. Não é um erro julgar que nós, como indivíduos, nada podemos fazer? Não é um engano supor que todas as revoluções fundamentais são produzidas pela massa? Porque supomos que os indivíduos não têm importância como indivíduos? Com esse modo de ver, nunca pensaremos por nós mesmos, e reagiremos sempre automaticamente. A ação é sempre da massa? Ela não brota essencialmente do indivíduo, comunicando-se, depois, de indivíduo a indivíduo? Não existe realmente essa coisa chamada massa. Afinal de contas, a massa é uma entidade constituída de pessoas que estão enredadas, hipnotizadas por palavras, por certas idéias. Quando não estamos hipnotizados por palavras, estamos à margem da corrente — coisa de que nenhum político haveria de gostar. Não deveríamos manter-nos à margem da corrente e tirar dela outros indivíduos, em número crescente, para, dessa maneira, influir na corrente? Não importaria muito que, em primeiro lugar, se realizasse uma transformação fundamental no indivíduo, que antes de tudo vós e eu nos transformássemos radicalmente, em vez de esperarmos que todo o mundo se transforme? Não é uma concepção "escapista", uma forma de indolência, uma maneira de fugir ao problema, supor que vós e eu somos incapazes de influir, por pouco que seja, na sociedade como um todo? (1)

Parece-me de grande importância compreender o "processo" total da individualidade. Porque, só quando o indivíduo se transforma radicalmente, pode haver uma revolução fundamental na sociedade. É sempre o indivíduo e nunca a coletividade, que pode produzir uma mudança radical no mundo — e isto é um fato histórico.(2)

Ao que parece, achamos que podemos fazer muito pouco neste mundo, e que só os grandes políticos, os escritores famosos, os grandes líderes religiosos são capazes de ação extraordinária. Na verdade, você e eu somos infinitamente mais capazes de produzir uma transformação radical do que os políticos e economistas profissionais. Se estivermos preocupados com a nossa vida, se compreendermos o nosso relacionamento com os outros, teremos criado uma nova sociedade; de outra forma, estaremos apenas perpetuando a atual confusão e emaranhado caótico.(3)

Uma mudança na sociedade é de importância secundária; ela virá, natural e inevitavelmente, quando, como ente humano, tiverdes operado a mudança em vós mesmo.(4)

Existe uma única revolução fundamental. E essa revolução só se materializa quando cessa a necessidade de usar o outro. Essa transformação não é uma abstração mas uma realidade que pode ser vivenciada à medida que começamos a compreender o mecanismo do nosso relacionamento. A essa revolução fundamental pode se dar o nome de amor; esse é o único fator criativo capaz de produzir mudanças em nós mesmos e na sociedade.(5)

A neurose oferece uma extraordinária impressão de segurança. O homem que crê é neurótico, e neurótico é também o que adora uma imagem. Nestas neuroses encontra-se muita segurança. E a segurança não faz operar-se uma radical revolução em nós mesmos. Para realizá-la, cumpre observar sem escolha, sem nenhuma deformação causada pelo desejo, pelo prazer ou pelo medo. Temos de observar o que realmente somos, sem nenhuma espécie de fuga. E não dê nome ao que vê: Observe-o, apenas! Você terá então a paixão, a energia necessária ao observar, e nesse observar verifica-se uma extraordinária transformação.(6)

O homem ambicioso é um homem político, e o mundo político jamais resolverá o problema da existência humana. Nenhum parlamento, nenhum líder político é capaz de compreensão e de produzir uma revolução interior, no mundo.(7)

Estamos todos à beira de um precipício. Toda esta civilização em que o homem tinha tanta fé, está ameaçada de destruição; as coisas que temos criado e cultivado com tanto carinho, todas estão em jogo atualmente. Para que o homem se salve do precipício, torna-se necessária uma verdadeira revolução – não uma revolução sangrenta, mas uma revolução de regeneração interior. Não é possível regeneração sem autoconhecimento. Sem você conhecer a si mesmo, nada pode fazer. Temos que pensar em cada problema profundamente e de maneira nova; e para o fazer, precisamos libertar-nos do passado, o que significa que o “processo” de pensamento deve findar. Nosso problema consiste em compreender o presente, na sua enormidade, com suas inevitáveis catástrofes e desgraças – precisamos encarar tudo isso de maneira nova. Não pode haver nada novo se transportamos sempre conosco o passado, se analisamos o presente por meio do “processo” do pensamento. Eis porque, para se compreender um problema, necessita-se o findar do pensamento. Quando a mente está tranqüila, quieta, serena, só então está resolvido o problema. Por conseguinte, é importante a compreensão de si mesmo. Você e eu temos que ser o sal da terra, professando um novo pensamento, uma nova felicidade.(8)

É absoluta e urgentemente necessário alterar todo o curso do pensamento humano, da existência humana que está ficando, cada vez mais, mecanizada. E não vejo como pode ocorrer essa revolução total a não ser no indivíduo. O coletivo não pode ser revolucionário; o coletivo só pode seguir, ajustar-se, imitar, submeter-se. Só o indivíduo, essa entidade, só ele pode ir adiante, destruir todos esses condicionamentos e ser criativo. É essa crise na consciência que exige essa mente, essa mente nova. E, aparentemente, do ponto de vista do qual observamos, nunca se pensa nessa direção; pensamos sempre que é o aperfeiçoamento técnico e mecânico que, de algum modo milagroso, dará origem à mente criativa, à mente livre do medo.(9) 

A crise atual é a maior de nossa vida, apesar das enormes mudanças que se estão verificando no mundo da ciência, da matemática, etc. Tecnicamente observa-se uma extraordinária mudança, ao passo que na psique do ente humano tem havido muito pouca alteração. A crise não é conseqüência do progresso técnico, porém, antes, de nossa maneira de pensar, de viver, de sentir. Aí que é se faz necessária a revolução. Essa revolução não pode realizar-se de acordo com um dado padrão, porque, psicologicamente, nenhuma revolução é possível pela mera imitação de uma dada ideologia. Para mim, todas as ideologias são absurdas sem nenhuma significação. O que tem significação é o que é, e não o que deveria ser.(10)

O homem está sendo moldado, condicionado para pensar segundo um certo padrão, dentro de uma certa esfera e, consequentemente, evitando a revolução religiosa. E pode-se ver que é necessária uma revolução dessa natureza, revolução não baseada em convulsão econômica ou social, porém revolução total, revolução verdadeiramente religiosa. Não me refiro à religião do hinduísta, do budista ou do cristão. Isto não é religião, em absoluto, porém mero dogma, sistema de crenças oriundas do medo, do desejo de segurança, de sentar-se "à direita de Deus-Pai", o que quer que seja. Religião é uma coisa bem diversa, e para se achar a vida religiosa necessita-se de revolução total de nosso pensar. Para criar um mundo diferente, uma civilização inteiramente nova, deve cada um de nós começar da base correta, e essa base correta se lança com o autoconhecimento. Você deve começar a conhecer a si mesmo, e não simplesmente a parte superficial de sua consciência.(11)

Necessitamos de uma revolução completa, uma completa mutação - não mediante idéias, ou uma fórmula, ainda que muito inteligente, muito engenhosa, muito erudita. Necessitamos de uma revolução completa, completa transformação, mutação da mente. Só assim pode a mente deter a desintegração, dar novo sentido ao viver e possibilitar a criação.(12) 

Os reformadores políticos, sociais, e religiosos, só causarão mais sofrimentos para homem a menos que ele compreenda os mecanismos da sua própria mente. Na compreensão do processo total da mente, acontece uma revolução radical interior, e surge a ação da verdadeira cooperação, que não é a cooperação de acordo com um padrão, com uma autoridade, com alguém que "sabe". Você sabe como cooperar quando existe esta revolução interior, então você também saberá quando não-cooperar, que é realmente muito importante, talvez mais importante ainda. Nós agora cooperamos com qualquer pessoa que oferece uma reforma, uma mudança, o que só perpetua o conflito e o miséria, mas se podemos conhecer o que é ter o espírito de cooperação que vem com a compreensão do processo total da mente onde existe liberdade do “eu”, então há uma possibilidade de se criar uma nova civilização, um mundo totalmente diferente no qual não existe nenhuma possessividade, nenhuma inveja, nenhuma comparação. Isto não é uma utopia teórica, mas o estado real da mente que constantemente perguntando e procurando que é verdadeiro e bendito.(13)

Por estarmos, na maioria, condicionados por influências sociais, econômicas, religiosas, etc., somos copistas, imitadores, e por isso não ligamos importância ao que é novo, chamamo-lo revolucionário (…) Mas se pudermos examiná-lo, se o observarmos com inteira isenção de preconceitos, de limitações, então talvez seja possível compreender-nos mutuamente e comungar uns com os outros. Só há comunhão quando não existe barreira alguma; (14) 

Qual é então, o meio de vida correto? Essa pergunta só poderá ser respondida quando houver completa revolução na atual estrutura social, não uma revolução segundo a fórmula da direita ou da esquerda, mas completa revolução de valores não baseados nos sentidos. (15)

Temos crescente desemprego, exércitos cada vez maiores, os grandes negócios (…) formando vastas empresas. (…) Dada essa situação (…) como você irá encontrar um meio de vida correto? (…) Ou você tem de retirar-se para formar com uns poucos uma comunidade autárquica, cooperativa, ou você sucumbe (…) Mas, como sabe, a maioria de nós não tem verdadeiro empenho em encontrar o meio de vida correto, cada um está interessado em obter um emprego e nele se manter (…)Assim, o meio de vida justo, em vasta escala, deve começar com aqueles que compreendem o que é falso. Quando você batalha contra o falso, está criando o meio de vida justo. Quando batalha contra toda a estrutura da dissenção, da exploração por parte da esquerda ou da direita, ou contra a autoridade da religião (…) — essa é a profissão correta, no momento atual. Porque os que assim procedem criarão uma nova sociedade, uma nova civilização. (16)

A ocupação justa não se inspira na tradição, nem na ganância, nem na ambição. Quando cada um estiver verdadeiramente interessado em estabelecer a verdadeira vida de relação, não só com um, mas com todos, achar-se-á, então, a ocupação justa. Esta resulta da regeneração, da transformação do coração, e não apenas da determinação intelectual de encontrá-la.(17)

É muito importante que cada um de nós descubra qual é a sua relação com a sociedade, se ela está baseada na ganância — que significa auto-expansão, preenchimento do “eu”, que supõe poder, posição, autoridade — ou se simplesmente aceitamos da sociedade as coisas essenciais, tais como alimento, roupa e moradia.(18)

Você me pergunta qual a profissão que lhe aconselho (…) O que está acontecendo neste mundo? Há possibilidade de se escolher profissão? Cada um segura aquilo que pode. Já nos consideramos felizes se achamos trabalho. Assim é em todas as partes do mundo. Porque temos um único alvo: ganhar dinheiro, seja como for, para viver. O pensar correto gera a profissão correta e a ação correta. Você não pode pensar corretamente, sem autoconhecimento. (…) É extremamente difícil escolher uma profissão num mundo civilizado desta espécie, em que toda ação conduz à destruição e à exploração.(19)

A maioria das pessoas são forçadas a entregar-se a trabalhos, atividades, profissões, para as quais de forma alguma estão talhadas. Passam o resto da existência batalhando contra essas circunstâncias, disparando assim todas as energias em lutas, dores, sofrimentos (…) Outros homens rompem as limitações do ambiente, depois de compreenderem o seu verdadeiro significado, passando a viver inteligentemente, em atividades criadoras, seja no mundo da arte, da ciência, seja nas profissões.(20)

Eis porque é importantíssimo achar a vocação justa. Sabeis o que significa “vocação”? É a ocupação que desempenhamos com agrado, com naturalidade. Afinal, tal é a função da educação (…) de uma escola como esta, a saber, ajudar-vos a crescer com independência, para que não sejais ambiciosos e possais achar a vossa verdadeira vocação. (21)

(…) Pois bem, a maioria de nós se embota nisso que se chama trabalho, emprego, rotina, (…) Tão identificado (…) que não pode vê-lo objetivamente; (…) Vive numa gaiola (…) isolado (…) O seu trabalho, por conseguinte, é uma forma de fuga da vida: da sua esposa, de seus deveres sociais.(22) 

(1) Krishnamurti - O que estamos buscando?
(2) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana
(3) Krishnamurti - Sobre Relacionamentos 
(4) Krishnamurti - Fora da Violência
(5) Krishnamurti - Sobre Relacionamentos
(6) Krishnamurti - Fora da Violência
(7) Krishnamurti - Fora da Violência
(8) Krishnamurti - A arte da libertação
(9) Krishnamurti - Sobre A Liberdade
(10) Krishnamurti - A importância da Transformação
(11) Krishnamurti - O Homem Livre 
(12) Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir
(13) Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir 
(14) Krishnamurti - Que Estamos Buscando?
(15) Krishnamurti - Novo Acesso à Vida
(16) Krishnamurti - Novo Acesso à Vida
(17) Krishnamurti - O Egoísmo e o Problema da Paz
(18) Krishnamurti - A Arte da Libertação
(19) Krishnamurti - Uma nova maneira de viver
(20) Krishnamurti - A Luta do Homem
(21) Krishnamurti - Novos Roteiros em Educação(22) Krishnamurti - Novo Acesso à Vida

Uma revolução fora dos padrões sociais

Vendo-se o que está se passando no mundo, e principalmente neste país, parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total de consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução: temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.(1) 

Há necessidade de indivíduos revoltados, não parcialmente, porém totalmente revoltados contra o "velho", pois só tais indivíduos poderão criar um novo mundo, um mundo não baseado na aquisição, no poder e no prestígio.(2) 

Uma revolução sangrenta não produz paz perdurável nem felicidade para todos. Em lugar de meramente desejarem paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerem como vocês, individualmente, podem ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vocês devem como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.(3) 

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo - e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade - ou como quiserem chamá-lo - não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.(4) 

Veja você, existe uma revolução dentro do padrão da sociedade, ou uma completa revolução fora da sociedade. A completa revolução fora da sociedade é o que eu chamo revolução religiosa. Qualquer revolução que não é religiosa está dentro da sociedade e não é absolutamente, portanto nenhuma revolução, mas só uma continuidade modificada do padrão velho. O que acontece por todo o mundo, acredito eu, é a revolução dentro da sociedade, e esta revolução freqüentemente toma aquela forma chamada de delito. Existe certamente este tipo de revolta uma vez que nossa educação só está preocupada com juventude para encaixá-la na sociedade, isto é, prepará-la para a obtenção de emprego, ganhar dinheiro, ter cobiça, ter mais, e se adaptar. Isso é o que a nossa – tão chamada educação faz em toda parte – ensina o jovem a se adaptar, religiosa, moral, economicamente, assim naturalmente sua revolta não tem nenhum significado, a não ser que deve ser reprimida, reformada, ou controlada. Tal revolução ainda está dentro da estrutura da sociedade, e, portanto não é criadora em absoluto. Mas pela educação correta poderíamos chegar a uma compreensão diferente, talvez ajudando a livrar a mente de todo o condicionamento – isto é, incentivando os jovens a estar ciente das muitas influências que condicionam a mente para torná-la conformada.(5) 

Se você tem que criar um mundo novo, uma civilização nova, uma arte nova, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo medo, por ambições, se você tem que criar algo anônimo que é seu e meu, uma sociedade nova, juntos, na qual não há você e eu mas "nós", não será necessário uma mente que é completamente anônima, portanto só? Isto implica que deve haver uma revolta contra a conformidade, não implica? Uma revolta contra a respeitabilidade, porque o homem respeitável é o homem medíocre que quer algo, ele depende de influências para a sua felicidade, do que o vizinho pensa, do que o guru dele pensa, naquilo que o Bhagavad-Gita ou o Upanishads ou a Bíblia ou o Cristo diz. A mente dele nunca está só. Ele nunca caminha só, ele anda sempre acompanhado, em companhia dos seus ideais. Não é importante descobrir, ver, o significado total da interferência, da influência, da instituição do "eu", o qual é o contrário de ser anônimo? Vendo a totalidade disto, não surge imediatamente a pergunta: "É possível criar imediatamente este estado mental que é livre de influência, que não possa ser influenciado pela própria experiência ou pela experiência de outros, uma mente que seja incorruptível, que seja só? Somente então existe a possibilidade de se criar um mundo diferente, uma cultura diferente, uma diferente sociedade na qual a felicidade é possível.(6) 

Só quando a mente é capaz de se livrar de todas as influências, todas interferências, de estar completamente só,... existe criatividade. No mundo, cada vez mais a técnica está sendo desenvolvida – técnica de como influenciar as pessoas pela propaganda, por compulsão, pela imitação, por exemplos, pela idolatria, pela adoração do herói. Há livros inúmeros sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar máquinas, e de forma que gradualmente perdemos a iniciativa, a iniciativa de pensar de forma original algo por nós mesmos. Em nossa educação, em nosso relacionamento com governo, por vários meios, somos influenciados ao conformismo e a imitação. E quando permitimos a influência que nos convença a uma atitude particular ou ação, naturalmente nós criamos resistência com outras influências. E neste processo de criar uma resistência à outra influência, nós não cedemos a isso negativamente? A mente não deve estar permanentemente em revolta a fim de entender as influências que estão sempre colidindo, interferindo, controlando, amoldando? Não é isso uma das causas da mente medíocre que é sempre medrosa e, está num estado de confusão, quer ordem, quer coerência, quer uma fórmula, uma forma que possa ser guiada, possa ser controlada, e, mas estas fórmulas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, cria confusão no indivíduo. Qualquer escolha entre as influências é seguramente ainda um estado de mediocridade. ... Não deve ter a mente à capacidade, não de imitar, não de acomodar-se e ser sem medo? Tal mente não deve estar só e, portanto ser criativa? Essa criatividade não é sua nem minha, é anônima!(7)

A mente individual é uma mente revoltada e, por conseguinte, não busca segurança. Mente revolucionária não é o mesmo que mente revoltada. A mente revolucionária visa alterar as coisas de acordo com um certo padrão, e essa mente não é uma mente revoltada, não é uma mente que esteja insatisfeita consigo mesma.

Não sei se vocês já observaram que coisa extraordinária é a insatisfação. Vocês conhecem muitos jovens insatisfeitos. Eles não sabem o que fazer; sentem-se miseráveis, infelizes, revoltados, buscando isto, tentando aquilo, fazendo perguntas intermináveis. Mas quando crescem, arrumam um emprego, casam e esse é o fim de tudo. Sua insatisfação fundamental é canalizada e, depois, a infelicidade assume o comando. Quando jovens, seus pais, seus mestres, a sociedade, todos lhe dizem que não se sintam insatisfeitos, que descubram o que querem fazer e o façam — tudo, porém, dentro dos padrões. Esse tipo de mente não é revoltada e você precisa de uma mente realmente revoltada para encontrar a verdade — não de uma mente conformada. Revolta significa paixão.(8)

Os rapazes quando crescem, tem de ganhar a vida, então arranjam empregos e exige-se-lhes que se conformem, que sigam uma profissão, quer gostem quer não; tendo-se casado e tendo filhos, são arrastados pela vida afora por suas responsabilidades e devem, portanto, fazer aquilo que lhes dizem que façam. Nessas condições, o espírito de revolta, o espírito de inquirição, o espírito da busca interior chega a seu fim; todas as suas idéias revolucionárias de criar um mundo novo são esmagadas, porque a vida é demais para eles. Eles precisam ir para o escritório, tem lá um chefe para o qual precisam fazer isto ou aquilo e, aos poucos, o senso de inquirir, o sentimento de revolta, a ânsia de criar um modo de viver completamente diferente de tudo, é destruída por completo. Por isso, é muito importante ter esse espírito de revolta desde o princípio da vida.(9)

Percebo a necessidade de descobrimento, porquanto se tornou bem óbvio que temos de criar uma cultura de espécie completamente diferente, uma cultura não baseada na autoridade, mas só no descobrimento individual daquilo que é verdadeiro; e esse descobrimento requer liberdade completa. Se a mente está presa, por mais longa que seja a corda, só poderá operar dentro de um determinado raio e, conseguinte, não está livre. O importante, pois, é descobrir o nível mais alto, onde deverá efetuar-se a revolução, e isso exige muita clareza de pensamento, exige uma mente em bom estado - não uma mente falsificada, repetitiva, porém uma mente capaz de pensar intensamente, de raciocinar as coisas até o fim, clara, lógica, sãmente. Precisamos de uma mente assim, porque só então é possível irmos mais longe.(10)

A revolução só pode realizar-se no nível mais elevado, o qual cumpre descobrir; e esse nível só pode ser descoberto por meio do autoconhecimento e não de conhecimentos colhidos nos vossos velhos livros ou nos livros dos modernos analistas. Tendes de o descobrir nas relações - descobri-lo, e não meramente repetir o que lestes ou ouvistes dizer. Vereis então que vossa mente se tornará sobremaneira lúcida. Afinal, a mente é o único instrumento de que dispomos. Se ela se acha peada, se é vulgar, temerosa, como o é a mente de quase todos nós, nenhuma significação tem sua crença em Deus, suas devoções, sua busca da verdade. Só a mente que é capaz de percebimento claro e por essa razão está perfeitamente tranqüila, só ela pode descobrir se existe ou não a Verdade, só ela é capaz de realizar a revolução no mais alto nível. Só a mente religiosa é verdadeiramente revolucionária; e a mente religiosa não é aquela que repete, que freqüenta a igreja ou o templo, pratica puja todas as manhãs, que se deixa guiar por alguma espécie de guru ou adora um ídolo. Esta não é uma mente religiosa; é em verdade estúpida, limitada e, por conseguinte, nunca será capaz de corresponder livremente a um desafio.(11) 

(1) Krishnamurti - O Despertar da Sensibilidade - ICK
(2) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(3) Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936
(4) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(5) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(6) Krishnamurti - O Livro da Vida
(7) Krishnamurti - O Livro da Vida
(8) Krishnamurti - Sobre Deus - Cultrix
(9) Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix
(10) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(11) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
Se agirdes como reformador, estareis remendando a sociedade, sempre em degenerescência, e, portanto, sustentando um sistema que sempre produziu guerras, divisões, separações. (…) Tendes de estar “de fora” de todas as comunidades, (…) religiões e da moralidade social, senão vos vereis aprisionado no mesmo padrão velho, um pouco modificado, talvez.

Mas só podereis “estar de fora” ao deixardes de ser invejoso e violento, (…) de adorar o sucesso ou o poder que ele confere. Só podereis “estar de fora”, psicologicamente, quando vos compreenderdes como parte do ambiente, (…) da estrutura social que vós mesmos construístes (1) 

(…) Estou fora da sociedade e, por conseqüência, apto a ajudar a sociedade. Devemos desembaraçar-nos, libertar-nos da sociedade, a fim de que surja um novo grupo humano e, por conseguinte, possa ser formada uma nova estrutura social. Não se pode reformar a velha sociedade; isso é retrocesso. (2)

Sendo, pois, resultado do tempo, a mente só pode pensar em termos de expansão, realização; e pode a mente libertar-se do mais? Isso, com efeito, significa dissociar-se completamente da sociedade. (…) Nossa ânsia de aquisição não se restringe às coisas materiais, mas se estende também aos domínios da chamada espiritualidade, onde desejamos possuir mais virtude, estar mais próximo do mestre, do guru. Toda a estrutura, pois, do nosso pensar se baseia no mais; (…) e só o indivíduo que se dissociou de todo da sociedade, pode influir na sociedade. (3) 

Só a mente que investiga a fundo a questão do autoconhecimento, afastando de si toda autoridade, todas as igrejas, todos os salvadores, todos os guias - só essa mente é capaz de descobrir a Realidade. Porque o rejeitarmos todas as coisas que nos foram impostas, equivale a rejeitarmos a sociedade, opormo-nos à sociedade (…) Aquele que está fora da sociedade, que já não está na sujeição da sociedade - só esse é capaz de descobrir o que é Deus, a Verdade. (4) 

Krishnamurti em:
(1) A Outra Margem do Caminho, pág. 112
(2) O Descobrimento do Amor, pág. 101
(3) Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 54-55
(4) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 89

terça-feira, 18 de junho de 2013

Só uma mente nova produz a verdadeira revolução

Interiormente, psicologicamente, somos em geral muito vulgares, limitados, sob o peso de nosso conjunto de conhecimentos e saber. E temos tantos problemas — problemas de relação, problemas que surgem em nossa vida diária — o que se deve fazer e o que não se deve fazer, o que se deve crer e o que não se deve crer — interminável busca de conforto, segurança e de um meio de fuga ao sofrimento — temos tantos problemas que, se os víssemos todos, em conjunto, poderíamos perder as esperanças. Assim, evidentemente, o que se torna necessário, o desejável e essencial é uma mente nova; porque, em verdade, tudo o que tocamos faz surgir um novo problema.

Assim, é necessária uma mente religiosa. E, sem dúvida, a mente religiosa é aquela que se depurou de todas as crenças e de todos os dogmas; esta mente é capaz de um percebimento, uma compreensão interior que dá certa tranquilidade, serenidade. E, quando a mente está interiormente tranquila, há intenso percebimento de tudo o que se passa fora dela. Isto porque, compreendendo todos os conflitos, frustrações, perturbações, agitações e sofrimentos interiores, ela está serena e, por conseguinte, exteriormente ela se torna intensamente ativa, com todos os sentidos bem despertos, capaz, portanto, de observar sem desfigurar, de seguir cada fato de maneira não tendenciosa.

A mente religiosa, pois, não só é capaz de observar as coisas externas com clareza, lógica e precisão, mas também, graças ao autoconhecimento, ela se tornou interiormente tranquila, de uma tranquilidade que tem seu movimento próprio. E dissemos que a mente religiosa se acha, por conseguinte, num estado de observação constante. Não estamos interessados em nenhum tipo de revolução comunista, socialista ou capitalista. Os capitalistas, em geral, não desejam revolução alguma, mas os outros as desejam; e a revolução deles é sempre de natureza parcial — econômica, etc. Mas a mente religiosa promove a revolução total, não só interiormente, mas também exteriormente; e, no meu sentir, só a revolução religiosa, e nenhuma outra, pode resolver os múltiplos problemas da existência humana.

E o que pode fazer essa mente? Que podemos fazer, você e eu, como dois indivíduos, neste mundo monstruoso e insano? Que pode fazer uma mente religiosa?

Já explicamos com muita clareza que a mente religiosa não é a mente cristã, hinduísta ou budista, ou pertencente a alguma seita extravagante ou sociedade com fantásticas crenças e ideais; a mente religiosa é aquela que, tendo percebido interiormente sua própria validade, a verdade de suas percepções, sem desfiguração, é capaz de resolver lógica, racional e sã os problemas que surgem, não permitindo que nenhum deles crie raízes. Desde que deixamos um problema lançar raízes na mente, existe conflito; e onde há conflito, está presente o “processo” de deterioração, não só exteriormente, no mundo objetivo, mas também interiormente, no mundo das ideias, dos sentimentos, das afeições.

Que pode, então, fazer a mente religiosa? Provavelmente muito pouco. Porque o mundo, a sociedade é constituída de indivíduos ambiciosos, cobiçosos, “aquisitivos”, facilmente influenciáveis e que desejam pertencer a alguma coisa, crer em alguma coisa, filiando-se a certas correntes de pensamento e padrões de ação. Essas pessoas não podem ser modificadas senão pela influência, a propaganda, o oferecimento de novas formas de condicionamento. Mas a mente religiosa lhe diz que se despojem, interiormente, de tudo. Porque é só em liberdade que se pode descobrir o que é verdadeiro e se existe a Verdade, Deus. A mente que crê nunca descobrirá o que é verdadeiro ou se existe Deus; só a mente livre pode descobri-lo. E para sermos livres, temos de penetrar todas as servidões que a mente impôs a si mesma. Isto é dificílimo, pois requer muita penetração, exterior e interiormente.

Quase todos, como sabemos, andamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo os todos os seus aspectos; e nesse vórtice de conflitos e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, a mente se debate. Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente insensível, o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, confiança, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora existe sempre uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torna-la mais embotada ainda, com suas promessas de consolo.

Conhecemos tudo isso; e quanto mais refletimos, tanto mais intensa a mente se torna e nenhuma saída se encontra. Fisicamente é possível fazer algo contra o sofrimento, tomar uma pílula, procurar o médico, alimentar-se melhor, mas aparentemente nenhuma saída existe a não ser pela fuga. Mas a fuga torna a mente muito embotada. Ela poderá ser muito penetrante em seus argumentos, em suas defesas; mas a mente em fuga sempre está temerosa, porque precisa proteger a coisa em que se refugiou, e, evidentemente, tudo aquilo que protegemos, que possuímos, faz nascer o medo.

E, assim, o sofrimento continua; conscientemente, talvez, possamos afastá-lo, mas interiormente ele continua existente, corrompendo, putrefazendo. Mas podemos ficar livre dele, totalmente, completamente? Esta me parece a pergunta correta que se deve fazer; porque, se perguntamos “Como ficar livre do sofrimento?”, então, o “como” cria o “padrão do que se deve fazer e do que não se deve fazer”, e isso significa seguir por uma via de fuga, em vez de enfrentar o problema, a causa-efeito do próprio sofrimento.
(...)Ora, como compreender por inteiro o sofrimento? (...) estamos falando da totalidade da coisa; e como compreender ou sentir o todo?(...) Através da parte nunca é possível sentir o todo; mas, se se compreende o todo, a parte pode então ajustar-se nele e tornar-se, assim, significativa.

Ora, como se sente o todo? Entende o que quero dizer? Sentir, não apenas como inglês, mas sentir a totalidade da humanidade; sentir não apenas a beleza das paisagens da Inglaterra, que são realmente belas, porém a beleza de toda a Terra; sentir o amor total — não apenas o amor por minha mulher e meus filhos, mas o sentimento total de amor; conhecer o sentimento total da beleza, não da beleza de um quadro pendurado na parede, ou de um sorriso num rosto belo, ou de uma flor, de um poema, porém, aquele sentimento de beleza que transcende todos os sentidos, todas as palavras, toda expressão. Como sentir assim? (...) percebeis o que quero dizer — o sentimento profundo disso?

(...) A mente que está em conflito, em batalha, em guerra, interiormente, está embotada; não é uma mente sensível. Ora, que é que torna a mente sensível, não apenas para uma ou outra coisa, porém sensível com o um todo? Quando ela é sensível não apenas para o belo, mas também para o feio, para tudo? Só o é, por certo, quando não há conflito; isto é, quando a mente está tranquila interiormente e, por conseguinte, é capaz de observar todas as coisas exteriores com todos os seus sentidos. Ora, que é que gera o conflito? E existe conflito não apenas na mente consciente, exterior — a mente que está sumamente cônscia de seus raciocínios, seus conhecimentos, sua competência técnica, etc. — mas também a mente interior, inconsciente, a qual, provavelmente se acha no “ponto de fervura” a todas as horas. O que é, pois, que cria o conflito? (...) O que cria o conflito é, obviamente, o “puxão” em diferentes direções. O homem que se deixou comprometer com alguma coisa é, em geral, insano, desequilibrado; para ele não há conflito: ele é essa coisa. O homem que crê inteiramente numa dada coisa, sem duvidar, sem interrogar, que se identificou completamente com aquilo que crê — esse homem não tem conflito nem problema. Tal é mais ou menos o estado de uma mente doente. E a maioria de nós gostaria muito de se identificar, de se “comprometer” com alguma coisa de tal maneira que não houvesse mais problema algum. Em geral, por não termos compreendido o processo do conflito, só desejamos evitar o conflito. Mas, como já assinalamos, o evitar só produz mais sofrimentos.

Assim, percebendo tudo isso, faço a mim mesmo e, portanto, também a você, esta pergunta: O que cria o conflito? E conflito implica não só desejos contraditórios, vontades, temores e esperanças contraditórias, mas tudo quanto é contradição.

Ora, porque existe contradição? Espero que você esteja escutando, através das minhas palavras, a sua mente e coração. Espero que você esteja se servindo de minhas palavras como um portal através do qual você está observando, escutando a si mesmo.

Uma das principais causas do conflito é a existência de um centro, um ego, “eu”, resíduo de todas as lembranças, todas as experiências, todos os conhecimentos. E esse centro está sempre tratando de se ajustar ao presente ou de absorvê-lo: sendo o presente o hoje, cada momento de nosso viver, que envolve sempre desafio e reação. Está sempre traduzindo tudo o que encontra em termos daquilo que já conhece. O que ele já conhece é todo o conteúdo de milhares de dias passados, e com esse resíduo procura enfrentar o presente. Por conseguinte, ele modifica o presente, e nessa própria atividade modificadora alterou o presente, criando assim o futuro. E nesse processo do passado que traduz o presente e cria o futuro, se acha aprisionado o “eu”, o “ego”. E nós somos isso.

Assim, a fonte do conflito é o “experimentador” e a coisa que está “experimentando”. Não é assim?(...) Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. Divisão é contradição. Ora, pode-se anular esta divisão ou separação, de modo que você seja o que vê, seja o que sente?(...) Enquanto perdurar a divisão geradora de conflito, tem de haver esta agitação da existência humana, não só internamente, mas também externamente.

(...) Ora, se a mente não criar esse senso de divisão e, por conseguinte, conflito, pode então seguir simplesmente o fato; seguir toda a rotina, todos os hábitos; seguir tudo, sem procurar alterar nada? Isto é percepção, no sentido em que estamos empregando a palavra. E você verá que o fato nunca é estático, nunca se acha imóvel. É uma coisa que se move, uma coisa viva; mas a mente prefere torna-lo estático e daí é que vem o conflito. (...) A mente que no interior não está de todo quieta não pode seguir um fato, pois este é muito rápido. Só a mente interiormente tranquila é capaz desse “processo”, capaz de seguir continuamente cada fato que se apresenta, sem dizer que o fato devia ser “desse jeito” ou “daquele jeito”, sem criar separação, conflito, sofrimento: só essa mente pode cortar todas as raízes do sofrimento.

Você pode ver, então, se alcançou este ponto — não no espaço e no tempo, mas na compreensão — que a mente entra num estado em que se vê completamente só.

Como você sabe, para a maioria de nós, “estar só” é uma coisa terrível. Não me refiro aqui à solidão, que é coisa diferente. Refiro-me ao “estar só”: estar só com alguém ou com o mundo: estar só com um fato. , no sentido de que a mente não está sujeita a influências, já não se acha presa no passado, nem no futuro, nem busca, nem teme: estar . O que é puro está ; a mente que está só conhece o amor, porque já não se enreda em problemas do conflito, do sofrimento e do preenchimento. Só essa mente é uma mente nova, uma mente religiosa. E, talvez, só ela pode curar as feridas deste mundo caótico.
Krishnamurti - O passo decisivo - ICK

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill