As coisas que o pensamento reuniu
como sagradas não são sagradas. São apenas palavras destinadas a dar um
significado à vida, porque a vida que vocês vivem não é sagrada, não é holy.
Holy
deriva da palavra whole, que significa integralmente são, saudável — tudo isso
está implícito nessa palavra. De forma que a mente está funcionando via
pensamento, por mais desejosa que esteja de descobrir o que é sagrado, está
ainda atuando dentro do campo do tempo, dento da área da fragmentação. Pode a
mente ser um todo, não-fragmentada? Tudo isso faz parte do entendimento do que
é meditação. Pode a mente que é produto da evolução, produto do tempo, produto
de tantas influências, de tantos sofrimentos, de tanta labuta, de tão grande
tristeza, de tão grande ansiedade — enleada em tudo isso, em tudo que é fruto
do pensamento, do pensamento que, por sua própria natureza, é fragmentário —
pode a mente que é produto do pensamento, como o é agora, livrar-se do
movimento do pensamento? Pode a mente ser completamente não-fragmentada? Vocês
podem olhar a vida como um todo? Pode a mente ser um todo, isto é, não
apresentar um único fragmento? Por essa razão é que aqui entra a diligência. A
mente é um todo, quando é diligente, o que significa querer bem, sentir uma
grande afeição, um grande amor — que é totalmente diferente do amor entre um
homem uma mulher.
De forma que a mente que é um
todo, é atenta, e sente, portanto, uma grande afeição, estando dotada da
qualidade de um profundo e duradouro senso de amor. Essa mente é o todo com que
você se depara quando começa a inquirir sobre o que é meditação. Podemos agora
prosseguir para descobrir o que é sagrado.
Ouçam, por favor. Trata-se de
suas vidas. Consagrem a mente e o coração para descobrir uma forma de viver num
modo diferente, o que é possível quando a mente tenha renunciado a todo
controle. Isso não significa levar a vida fazendo o que gostam, cedendo a cada
desejo, a cada olhar ou gesto lascivo, a cada prazer, a cada necessidade de
busca de prazer, mas descobrir, descobrir se vocês podem viver a vida de cada
dia, sem um único controle. Isso faz parte da meditação. Isso significa que
precisamos ter esse tipo de atenção. Essa atenção situou o insight no exato lugar do
pensamento e viu que o pensamento é fragmentário e que onde há controle, há o
controlador e o controlado, o que é fragmentário. Assim, descobrir uma forma de
viver destituída de todo controle demanda uma tremenda atenção, uma grande
disciplina. Não estamos falando da disciplina a qual vocês estão acostumados,
que é unicamente repressão, controle, submissão, mas de disciplina que
significa aprender. A palavra disciplina vem da palavra discípulo.
O discípulo está lá pra aprender. Agora, deste lado, não existe professor, não
existe discípulo; vocês são o mestre e, se estão aprendendo, são o discípulo. O
próprio ato de aprender cria sua própria ordem.
Agora o pensamento encontrou o
seu próprio lugar, seu lugar certo. Sendo assim, a mente não se acha mais
sobrecarregada com o movimento do pensamento como um processo material, o que
significa que a mente está absolutamente quieta. Está naturalmente quieta, não
foi forçada a ficar quieta. O que é forçado a ficar quieto torna-se estéril. No
que é naturalmente quieto, nessa quietude, nesse vazio, pode ocorrer algo novo.
Pode a mente — suas mentes —
estar absolutamente quieta, sem o controle, sem o movimento do pensamento? Ela
estará naturalmente quieta se vocês tiverem realmente a percepção interior que proporciona
ao pensamento o seu devido lugar: ocupando o pensamento um lugar certo, a mente
estará quieta. Vocês entendem o que as palavras silêncio e quietude
significam? (Vocês sabem que podem aquietar a mente tomando drogas, ou
repetindo um mantra ou uma palavra. Pela constante repetição, repetição,
repetição, sua mente ficará naturalmente quieta, mas essa mente é uma mente
estúpida, aborrecida). Entre dois ruídos, existe um silêncio. Existe silêncio
entre duas notas. Existe silêncio entre duas ondas de pensamento. Existe
silêncio no entardecer quando os pássaros já chilrearam, já pipilaram e foram
dormir. Quando não existe agitação entre as folhas, não há brisa, reina uma
quietude absoluta. Não na cidade, mas quando vocês estão no meio da natureza,
quando vocês estão entre árvores ou sentado às margens de um rio, o silêncio
desce sobre a terra e você é parte desse silêncio. De forma que existem
diferentes tipos de silêncio. Mas o silêncio de que falamos, da quietude da
mente, esse silêncio não é para ser comprado, não é para ser praticado, não é
algo que você ganhe como recompensa, como compensação por uma vida
desagradável. É somente quando a vida desagradável se transforma numa boa vida
— por boa não quero significar ter muito, em abundância, mas sim uma vida de
bondade, de virtude — que, no florescer dessa virtude, dessa beleza, chega o
silêncio.
Vocês também têm de inquirir
sobre a beleza. O que é a beleza? Vocês já se fizeram essa pergunta? Vocês o
descobrirão num livro e contar-me-ão, ou contarão a cada um o que o livro diz
sobre o que é beleza? O que é beleza? Vocês olharam o pôr-do-sol esta tarde,
quando estavam sentados lá fora? O sol se põe detrás do orador — vocês o viram?
Vocês sentiram a luz e a glória dessa luz sobre uma folha? Ou vocês acham que a
beleza é uma coisa sensual e que a mente em busca de coisas sagradas não pode
sentir-se atraída pela beleza, não pode ter nada em comum com a beleza, e
portanto apenas se concentram sobre a pequena imagem que projetaram de seus
pensamentos como o certo. Se vocês querem descobrir o que é meditação, tem de
descobrir o que é beleza, beleza do rosto, beleza do caráter — (não caráter,
caráter é uma coisa vulgar que depende da reação ao ambiente; o cultivo dessa
reação chama-se caráter) —, beleza da ação, beleza da conduta, do
comportamento, a beleza interior, a beleza do seu jeito de andar, do seu jeito de falar, da sua maneira de
gesticular. Tudo isso é beleza e, sem isso, meditação representa apenas uma fuga,
uma compensação, uma ação sem sentido. Existe beleza na frugalidade; existe
beleza numa grande austeridade — não na austeridade do sannyasi —, na
austeridade de uma mente ordenada. A ordem chega quando você entende toda a
desordem em que vive, e a partir dessa desordem nasce naturalmente a ordem que
é virtude. Portanto, ordem, virtude, são austeridades supremas, e não a recusa
de três refeições por dia ou jejuns, ou raspar a cabeça e todas essas outras
coisas.
Então existe ordem, que é beleza.
Existe a beleza do amor, a beleza da compaixão. E existe também a beleza de uma
rua limpa, da bela forma arquitetônica de um prédio; existe a beleza de uma
árvore, de uma linda folha, dos grandes ramos. Ver tudo isso é beleza. Não
apenas ir a museus e falar, sem parar, sobre a beleza. O silêncio de uma mente
quieta constitui a essência dessa beleza. Por ser ela quieta e não ser um
joguete do pensamento, surge nesse silêncio aquilo que é indestrutível, aquilo
que é sagrado. À chegada disso que é sagrado, a vida, suas vidas, nossas
relações se tornam sagradas, tudo se torna sagrado, porque vocês tocaram a
coisa sagrada.
Precisamos também descobrir na
meditação se existe algo, ou se nada existe, que seja eterno, intemporal. Isso é,
pode a mente que tenha sido cultivada no âmbito do tempo, pode essa mente
descobrir, encontrar por acaso, ou ver essa coisa que parte da eternidade para
a eternidade? Quer dizer, pode a mente existir sem o tempo? Embora o tempo seja
necessário para ir-se daqui para ali e tudo mais, pode essa mente, essa mesma
mente que opera no tempo, indo de lá para cá, não psicologicamente, mas
fisicamente, pode essa mente subsistir sem o tempo? Isto é, pode a mente
subsistir sem o passado, sem presente, sem futuro? No mais absoluto nada? Não
tenham medo dessa palavra. Pelo fato dela ser vazia, conquistou um amplo
espaço. Vocês já observaram se em suas mentes existe algum espaço? Apenas um
espaço, sabem, um pequeno espaço? Ou está superlotada? Superlotada de
preocupação de sexo, ou de falta de sexo, de realizações, de conhecimentos,
ambições, temores, ansiedades, mesquinharias — enfim, superlotada. Pode uma
mente nessas condições entender, ou ser, ou ter um enorme espaço?
O espaço é sempre enorme. Uma
mente que não tenha espaço não pode, absolutamente, encontrar o que é eterno, o
que é intemporal. É por isso que a meditação se torna tão importante. Não a
meditação que todos vocês praticam, isso não é meditação. A meditação a que nos
referimos transforma a mente. Só essa mente, que é a mente religiosa, e só ela,
pode suscitar uma cultura diferente, uma forma de vida diferente, diferentes
relacionamentos, o senso do sagrado e, por conseguinte, grande beleza e
honestidade. Tudo isso chega naturalmente, sem luta, sem esforço.
Krishnamurti – Madras, 15 de
dezembro de 1974 – Extraído do livro “Sobre Deus” pág. 110 à 114