Que entendemos por indivíduo? Uma pessoa que é controlada e dominada pelos seus temores, suas decepções, suas ansiedades, os quais criam uma certa série de circunstâncias que a escravizam e a forçam a se ajustar a uma estrutura social. É isto o que entendemos por indivíduo. Por meio de nossos temores, nossas superstições, nossas vaidades e nossas ansiedades, criamos certo conjunto de circunstâncias das quais nos tornamos escravos. Quase perdemos nossa individualidade, nossa unicidade. Quando examinardes a vossa ação na vida diária, verificareis que ela é apenas uma reação a um conjunto de padrões, a uma série de idéias.
Por
favor, acompanhai o que estou dizendo e não digais que incito o homem a
libertar-se de modo a poder fazer o que bem entender — de modo a produzir ruína
e desastre.
Antes
de tudo desejo esclarecer que somos apenas reações a uma série de padrões e
idéias que criamos por meio de nosso sofrimento e temor, por meio de nossa
ignorância, por meio de nosso desejo de posse. A essa reação chamamos ação
individual, mas para mim isto não é absolutamente ação. É uma constante reação
em que não há ação positiva.
Di-lo-ei
de outro modo. No presente o homem é apenas vacuidade de reação, nada mais. Ele
não age baseado na integridade de sua natureza, na sua plenitude, na sua
sabedoria; ele age meramente baseado numa reação. Afirmo que o caos, a completa
destruição está tendo lugar no mundo por não agirmos baseados em nossa
plenitude, mas em nosso temor, em nossa falta de entendimento. Uma vez que nos
tornemos conscientes do fato de que o que chamamos individualidade é apenas uma
série de reações nas quais não há plenitude de ação; uma vez que compreendamos
que essa individualidade é apenas uma série de reações nas quais há contínuo
vazio, um vácuo, então agiremos harmoniosamente.
Como
podereis descobrir o valor de um dado padrão que mantendes? Não o fareis agindo
em oposição a esse padrão, mas pesando, comparando o que realmente pensais e
sentis com o que ele exige. Verificareis que o padrão exige certas ações,
enquanto a vossa ação instintiva tende para outra direção. Que fareis então? Se
fizerdes o que pede o vosso instinto, a vossa ação vos conduzirá ao caos,
porque nossos instintos - foram pervertidos através de séculos pelo que
chamamos educação — educação essa que é inteiramente falsa. O vosso próprio
instinto requer um tipo de ação, mas a sociedade, que nós individualmente criamos
no decorrer dos séculos, sociedade de que nos tornamos escravos, exige outro
tipo de ação. E quando agis de conformidade com a série de padrões exigidos
pela sociedade não estais agindo com plenitude de compreensão.
Refletindo
realmente sobre as exigências de vossos instintos e as da sociedade,
descobrireis como podereis agir com sabedoria. Essa ação liberta o individuo;
não o aprisiona. Mas a libertação do indivíduo exige grande ardor, grande busca
na profundeza da ação; não é o resultado da ação oriunda de um impulso momentâneo.
Assim,
tendes de reconhecer o que sois agora. Por melhor que tenhais sido educado,
sois apenas parcialmente um verdadeiro indivíduo; a maior parte de vosso ser é
determinada pela reação para com a sociedade que criastes. Sois apenas uma
engrenagem numa tremenda máquina a que chamais sociedade, religião, política, e,
enquanto fordes uma tal engrenagem, a vossa ação será oriunda da limitação; ela
vos conduzirá somente à desarmonia e ao conflito. O caos atual resultou de
vossa ação. Mas se agísseis partindo de vossa plenitude descobriríeis o
verdadeiro valor da sociedade e o instinto que origina a vossa ação; então esta
seria harmoniosa, não um compromisso.
Antes
que tudo, portanto, precisais tornar vos consciente dos falsos valores
estabelecidos através dos séculos e aos quais vos escravizastes; precisais
tornar-vos consciente dos valores para descobrir se são falsos ou verdadeiros,
e isto precisais fazê-lo por vós mesmo. Ninguém o poderá fazer por vós — e aí
reside a grandeza e a glória do homem. Desse modo, pela descoberta do
verdadeiro valor dos padrões, libertais a mente dos falsos padrões transmitidos
através do tempo.
Mas
tal libertação não significa ação impetuosa, instintiva, conduzindo ao caos;
significa ação nascida da plena harmonia da mente e coração. (...)
(...)
O homem em geral vê a vida apenas pela tradição do tempo, que traz em sua mente
e coração; enquanto para mim a vida é fresca, renovadora, movente, nunca
estática. A mente e o coração do homem estão sobrecarregados com o
inquestionado desejo de conforto, que, necessariamente, deve originar autoridade.
Pela autoridade ele enfrenta a vida e assim é incapaz de compreender o pleno
significado da experiência, o único que pode libertá-lo do sofrimento. Ele se
consola com os falsos valores da vida e se torna simplesmente máquina, uma
engrenagem na estrutura social ou no sistema religioso. Não se pode descobrir o
que é valor verdadeiro enquanto a mente está à procura de consolo; e desde que
a maioria das mentes estão procurando consolo, conforto, segurança, não podem
descobrir o que a verdade é. Assim a maioria das pessoas não são indivíduos;
são meras engrenagens de um sistema. Para mim, indivíduo é uma pessoa que por
meio do interrogar, descobre valores verdadeiros; e só se pode realmente
interrogar quando se está em sofrimento. Quando sofreis, percebeis que a vossa
mente se torna aguda, sensível; nesse momento não sois teórico; e apenas neste
estado da mente podeis interrogar qual o verdadeiro valor dos padrões da
sociedade, a religião e a política erigiram em torno de nós. Apenas neste
estado podemos interrogar, e quando interrogamos, quando descobrimos
verdadeiros valores, então somos indivíduos verdadeiros. Nunca antes. Isto é,
não somos indivíduos enquanto estamos inconscientes dos valores a que nos
acostumamos pelas seguranças, pelas religiões, pela busca de crenças e ideais.
Somos simplesmente máquinas, escravos da opinião pública, escravos dos inúmeros
ideais que as religiões colocaram ao nosso redor, escravos dos sistemas
econômicos e políticos que aceitamos. E desde que todos são dentes de engrenagem
nesta máquina, jamais podemos descobrir verdadeiros valores, valores
duradouros, os únicos em que reside a eterna felicidade, a eterna realização da
verdade.
Krishnamurti – 8 de julho de 1933
– 2ª Palestra em Stresa –
Livro: Palestras e Respostas a perguntas feitas
por KRISHNAMURTI – Itália e Noruega - ICK