Como somos insensíveis, como faltam as respostas ágeis e adequadas, como somos pouco livres para observar! Sem sensibilidade, como pode haver receptividade, um entendimento livre de esforço? O próprio esforço impede o entendimento. O entendimento vem com uma elevada sensibilidade, mas a sensibilidade não é uma coisa a ser cultivada. Aquilo que é cultivado é a pose, a aparência superficial, artificial; e esse revestimento não é sensibilidade, é um maneirismo, superficial ou profundo, de acordo com as influências. Sensibilidade não é um efeito cultural, resultado da influência; é o estado de estar vulnerável, aberto. O aberto é o implícito, o desconhecido, o imponderável. Mas somos cuidadosos para não sermos sensíveis; é doloroso demais, exige demais, requer constante ajuste, o que é consideração. Considerar é ser atento; mas nós preferimos ser consolados, anestesiados, tornados estúpidos. Os jornais, as revistas, os livros, por meio de nosso vício de leitura, imprimem sua marca embotadora; pois ler é uma fuga maravilhosa, como o álcool ou os rituais. Queremos escapar da dor da vida e a estupidez é o modo mais eficaz: o embotamento produzido pelas explicações, por seguir um líder ou um ideal, por ser identificado com alguma realização, algum rótulo ou característica. A maioria de nós quer ser tornada estúpida, o hábito é muito mais eficaz para anestesiar a mente. O hábito da disciplina, da prática, do esforço sustentado para ser algo — são modos respeitáveis de se tornar insensível.
“Mas o que se poderia fazer na vida sendo sensível? Nós todos murcharíamos e não haveria ação efetiva.”
O que os estúpidos e os insensíveis trazem para o mundo? Qual é o resultado de sua ação “efetiva”? Guerras, confusão interna e externa, crueldade e maior sofrimento para si mesmos e para o mundo. A ação do desatento leva à destruição, à insegurança física, à desintegração. Mas a sensibilidade não surge facilmente; ela é o entendimento do simples, o que é altamente complexo. Não é um processo de recolhimento, de atrofiamento, de isolamento. Atuar com sensibilidade é estar atento ao processo total do atuante.
“Entender o processo total de mim mesmo levará um longo tempo, e enquanto isso meus negócios serão arruinados e minha família morrerá de fome”.
Sua família não morrerá de fome; mesmo que você não tenha economizado dinheiro suficiente, é sempre possível providenciar para que eles sejam alimentados. Seus negócios, indubitavelmente, irão à ruína; mas a desintegração em outros níveis da existência já acontece. Você está preocupado somente com a desintegração externa, não quer ver ou saber o que se passa no interior de si mesmo. Você negligência o interior esperando construir no exterior; mas o interior está sempre superando o exterior. O exterior não pode durar sem a totalidade do interior; mas esta não é a sensação repetitiva da religião organizada nem o acúmulo de fatos chamado conhecimento. O caminho de todas essas buscas internas precisa ser entendido para o exterior sobreviver, para ser saudável. Não diga que você não tem tempo, pois você tem tempo suficiente; não é uma questão de falta de tempo, mas de negligência e falta de vontade. Você não tem riqueza interior, pois quer a gratificação das riquezas interiores, como já possui a das exteriores. Você não está em busca de recursos para alimentar a sua família, mas da satisfação de possuir. O homem que possui, seja propriedade ou conhecimento, nunca pode ser sensível, ele nunca pode ser vulnerável ou aberto. Possuir é se tornar estúpido, quer seja a posse da virtude ou dinheiro. Possuir uma pessoa é não perceber aquela pessoa; buscar e possuir a realidade é negá-la. Quando você tenta tornar-se virtuoso, não é mais virtuoso; sua busca da virtude é somente a obtenção da gratificação em um nível diferente. Gratificação não é virtude, mas virtude é liberdade.
Como o estúpido, o respeitável, o não virtuoso, pode ser livre? A liberdade da solidão não é o processo fechado do isolamento. Estar isolado na riqueza ou na pobreza, no conhecimento ou no sucesso, na ideia ou na virtude, é ser estúpido, insensível. O estúpido e o respeitável não podem estar em união; e quando o fazem, é com suas próprias projeções. Para estar é comunhão é preciso que haja sensibilidade, vulnerabilidade, a libertação ao tornar-se algo, que é a libertação do medo. O amor não é um tornar-se algo, um estado de “eu serei”. Aquilo que se está tornando não pode estar em comunhão, pois está sempre se isolando. O amor é o vulnerável; o amor é o aberto, o imponderável, o desconhecido.
Krishnamurti