Pergunta: Os homens e mulheres comuns — como eu — em geral, interessam-se, apenas, pelos problemas imediatos,: a fome, o desemprego, a doença, os conflitos; como posso atender verdadeiramente às questões mais profundas da vida? Só pareço estar em busca de alívio das calamidades imediatas.
Krishnamurti: Todos nós queremos imediato alívio das nossas calamidades. Somos todos gente comum, por mais altamente colocados que estejamos — burocrática, social ou religiosamente. Há as pequenas calamidades da vida cotidiana, o ciúme, a cólera, a angústia de não ser amado; se vocês puderem compreender essas pequenas coisas da vida, observarão, através delas, as atividades da mente de vocês — quer você seja uma dona de casa, obrigada a preparar três refeições por dia, por todo o resto da sua vida, escrava do marido, quer seja um marido escravizado pela esposa. Se nessas relações do nível mais superficial, de dor, de prazer, de calamidades, de desespero, de esperança, vocês forem capazes — começando daí — de observar, vigiar, esperar, perceber, sem condenar, sem julgar, verão como a mente penetra os problemas cada vez mais; se ficarem interessados, porém, apenas no aspecto concernente à fuga do problema, qualquer que ele seja, a mente de vocês permanecerá no nível superficial.
Consideremos o problema da inveja, uma vez que a nossa sociedade está baseada na inveja. A inveja é vontade aquisitiva, avidez. Eu tenho; você, não; você é alguém; eu não sou ninguém e vou competir com você para tornar-me alguém; você é mais ilustrado, mais rico, mais experiente do que eu. Há essa luta perene: você progredindo sempre, e eu ficando mais e mais para trás; você, o guru, eu, o discípulo, o seguidor, e entre nós dois sempre uma grande distância; você, sempre adiante, e eu sempre atrás. Se sabemos ver, encontramos um imenso conteúdo em todas estas lutas, em todos estes esforços, estes sofrimentos, nos pequenos dissabores e outras insignificâncias da vida de cada dia. Você não precisa ler todos os Vedas e todos os livros; pode colocá-los de lado, todos, por que não têm valor; o que tem valor é que você perceba, realmente, diretamente, nessa pequenas coisas da vida as coisas que elas implicam de maneiras diversas. Quando se observa a beleza de uma árvore, um pássaro a voar, o por do sol sobre as águas, tudo isso nos revela muitas coisas; e também quando contemplamos as coisas feias da vida — sordidez, miséria, desespero, opressão, temor — também elas nos revelam um fundamental processo de pensamento. Mas perderemos tudo isso, se nossa mente só se mostra interessada nas fugas, em achar uma panacéia, em evitar o descobrimento das coisas existentes em todas as nossas relações.
Infelizmente, falta-nos paciência, e para todo problema queremos uma solução imediata; tão impaciente é a nossa mente! Entretanto, se ela for capaz de observar o problema — de não fugir do problema, mas “viver com ele” — então o próprio problema começará a lhe revelar a sua extraordinária natureza. Desce a mente às profundezas do problema, libertando-se das agitações causadas pelas circunstâncias e calamidades. Nesse estado, a mente é serena, qual remanso de águas profundas; pois só nesse estado a mente é capaz de tranquilidade, placidez, paz.
Krishnamurti – 2ª Conferência em Poona – Índia – 25 e janeiro de 1953
Do livro: Autoconhecimento — Base da Sabedoria