Andamos sempre a buscar uma certa coisa misteriosa, porque nos vemos insatisfeitos com a vida que estamos levando, com a superficialidade de nossas atividades, tão pouco expressivas, às quais, entretanto, queremos dar significação e sentido; mas esta é uma atividade do intelecto e, por conseguinte, será sempre superficial, ilusória, e, por fim, sem nenhum significado. Todavia, sabendo de tudo isso — sabendo que nossos prazeres são efêmeros e nossas atividades diárias mera rotina; sabendo também que nossos problemas — tantos deles — talvez nunca possam ser resolvidos; e já descrentes de tudo, sem fé nos valores tradicionais, nos instrutores, nos guris, nas sanções da Igreja e da sociedade — continuamos, a maioria de nós, a tatear, a buscar alguma coisa de real valia, incontaminada pelo pensamento, um certo estado extraordinário, de real beleza e êxtase. A maioria de nós, parece-me, deseja descobrir algo que seja permanente, que não possa corromper-se facilmente. Esquecendo a realidade objetiva, entregamo-nos — sem emoção ou sentimentalismo — a esse profundo ansiar, essa profunda investigação, que porventura nos dará acesso a uma realidade não mensurável pelo pensamento e que não cabe em nenhuma categoria de fé ou crença. Mas, tem o buscar alguma significação?
(...) Devemos compreender a significação do buscar, esse desejo de verdade, esse tatear intelectual por uma coisa nova, independente do tempo, não criada por nossas exigências e necessidades, nossas compulsões e desespero. Pode achar-se a verdade mediante a busca? Ela é reconhecível quando a achamos? Se a achamos, podemos dizer: "Eis a verdade", "Eis o real"? Tem a busca algum significado? A maioria dos indivíduos religiosos fala sem cessar sobre a busca da Verdade; e nós perguntamos se se pode buscar a Verdade. Na ideia de buscar, de achar, não está também contida a ideia de reconhecimento, a ideia de que, achando uma coisa, devo ser capaz de reconhecê-la? E o reconhecimento não supõe conhecimento prévio? A Verdade é reconhecível — no sentido de ter sido experimentada, de modo que possamos dizer: "Ei-la"? Assim, que valor tem o buscar? Ou, se o buscar não tem valor algum, o que vale é apenas a observação constante, o constante escutar? (que não é a mesma coisa que buscar). Na observação constante não há movimento do passado. "Observar" significa "ver claramente". Para vermos com clareza, necessitamos de liberdade — precisamos estar livres do ressentimento, da inimizade, do preconceito, da animosidade, livres de todas as memórias que armazenamos como saber e que impedem o ver. Quando existe essa capacidade, essa liberdade com observação constante, não só das coisas exteriores, mas também das coisas interiores, de tudo o que está se passando, que necessidade há, então, de buscar — se o fato — o que é — está à vossa frente para ser observado? Mas, no mesmo instante em que queremos alterar "o que é", começa a deformação. No observar livremente, sem deformação, sem avaliação, sem nenhum desejo de prazer, no simples observar, verifica-se uma extraordinária transformação do que é.
Em geral, queremos preencher nossa vida com conhecimentos, entretenimentos, com crenças e aspirações espirituais, coisa que, quando as observamos, têm muito pouco valor; desejamos ter uma experiência transcendental, acima de todas as coisas mundanas; desejamos experimentar algo imenso, sem limites, atemporal. Para "experimentarmos" o imensurável, temos de compreender o significado da experiência. Porque desejamos "experiência"?... tem ela alguma significação? Pode a experiência despertar a mente que está dormindo, a mente que chegou a certas conclusões e se acha dominada e condicionada pela crença? Pode a experiência despertá-la, destruir toda essa estrutura? Essa mente tão condicionada, tão oprimida por problemas sem conta, pelo desespero e aflição — essa mente é capaz de reagir a algum desafio? É? E, se reage, sua reação não é necessariamente inadequada e, portanto, conducente a mais conflito? Essa perene busca de experiências mais amplas, mais profundas, transcendentais, é apenas uma maneira de fugirmos à realidade, ao que é — que somos nós mesmos e nossa mente condicionada. Que necessidade tem de qualquer experiência a mente verdadeiramente desperta, inteligente e livre? Luz é luz, e não pede por mais luz. O desejo de mais experiência é fuga ao fato real, ao que é.
Se estamos livres dessa incessante busca, livres da exigência e do desejo de experimentar coisas extraordinárias, podemos passar a investigar o que é meditação. Essa palavra, tal como as palavras "amor", "morte", "beleza", "felicidade", está sobremaneira "carregada". Há muitas escolas que ensinam a meditar. Mas, para compreendermos o que é meditação, temos de lançar as bases da conduta virtuosa. Sem essa base, a meditação é, em verdade, uma forma de auto-hipnose. Se não estamos livres da cólera, do ciúme, da inveja, da avidez, da ganância, do ódio, da competição, do desejo de sucesso — de todas as formas "morais" e "respeitáveis" disso que se considera "conduta virtuosa" — se não lançarmos a base correta, se não vivermos uma vida diária isenta de deformação causada pelo nosso medo, ansiedade, avidez, etc., a meditação pouco importa. O lançamento daquela base é sumamente importante. Assim, perguntamos: Que é virtude? Que é moralidade? Não digais, por favor, que esta é uma pergunta "burguesa", sem significação numa sociedade permissiva. Não nos interessa essa espécie de sociedade; o que nos interessa é uma vida totalmente livre do medo, uma vida capaz de amor profundo e inalterável. Sem ela, a meditação se torna uma divagação, assemelha-se a uma droga que se toma — como tantos o fazem — para ter uma experiência maravilhosa... e continuar a viver uma vida vulgar e insignificante. Os que tomam drogas para terem experiências extraordinárias veem talvez um pouco mais intensamente as cores, tornam-se um pouco mais sensíveis e, com a sensibilidade adquirida nesse estado quimicamente produzido, talvez possam ver sem nenhum espaço entre o "observador" e a "coisa observada"; mas, passado o efeito químico, estão de volta ao mesmo lugar onde estavam, de volta ao seu medo, seu tédio, sua velha rotina — e, portanto, obrigados a tomar de novo a droga.
A menos que se lance a base da virtude, a meditação se torna um artifício para controlar a mente, torná-la quieta, forçá-la a ajustar-se ao padrão de um sistema que diz: "Faze estas coisas, e terás valiosa recompensa". Mas, essa mente — não importa o que façamos por meio de todos os métodos e sistemas existentes — permanecerá insignificante, vulgar, condicionada e, por conseguinte, sem valor. Cumpre-nos investigar o que é virtude, o que é conduta. Conduta é o resultado do condicionamento ambiente, da sociedade, da cultura em que a pessoa foi criada? Se vos comportais de acordo com esse condicionamento, isso é virtude? Ou consiste a virtude estar-se livre da moralidade social, da avidez, da inveja, etc. — coias consideradas altamente respeitáveis? Pode-se cultivar a virtude? E, se ela pode ser cultivada, não se torna uma coisa mecânica e, por conseguinte, sem nenhuma "virtude"? A virtude é uma coisa viva, fluente, que se renova constantemente e de maneira nenhuma pode ser "ajuntada" no tempo. Isso é como dizer que se pode cultivar a humildade. Pode-se cultivar a humildade? Só o homem vaidoso "cultiva" a humildade; mas esse homem, não importa o que cultive, permanecerá vaidoso. Mas, quando se vê claramente a natureza da vaidade e do orgulho, esse próprio ver liberta da vaidade e do orgulho; e, então, existe a humildade. Se está bem claro isto, podemos passar a investigar o que é meditação... A meditação, quando a compreendemos de verdade, é uma das coisas mais maravilhosas deste mundo; ma não tendes a possibilidade de compreende-la se não tiverdes terminado o vosso buscar, tatear, desejar, vossa sofreguidão de agarrar uma certa coisa que pensais ser a Verdade, mas que é apenas a vossa própria projeção. Só podeis alcançar o estado de meditação quando já não estais a exigir nenhuma espécie de experiência, quando compreendeis a confusão em que estais vivendo, a desordem existente em vossa vida. Com a observação dessa desordem, vem a ordem — uma ordem não antecipadamente planejada. Se se fez essa observação — a qual, em si, é meditação — pode-se então perguntar, não só o que é meditação, mas também o que não é meditação, porque na negação do que é falso encontra-se a verdade.
Evidentemente, é falso qualquer sistema ou método que ensina a meditar. Isso é fácil de perceber, intelectual e logicamente, porque, quando nos exercitamos de acordo com um método — por mais nobre que este seja, por mais antigo, ou moderno, ou popular — estamo-nos convertendo em máquinas, executando repetidamente o mesmo ato com o fim de alcançar alguma coisa. Na meditação, o fim não difere dos meios. Mas, o método vos promete alguma coisa; é um meio que leva a um fim. Se o meio é mecânico, o fim será um produto da máquina; é mente mecânica que diz: "Obterei tal coisa". Temos de estar completamente livres de todos os métodos e sistemas; isso já é o começo da meditação; já estamos a negar uma coisa que é totalmente falsa e sem significação. E, há ainda, os que praticam o percebimento. Pode-se "praticar" percebimento? Se o fazeis, então, em todo o tempo que estais "praticando percebimento", vos estais tornando desatento. Portanto, ficai consciente da desatenção; não vos exerciteis para vos tornardes atentos; se estais conscientes da desatenção, desse percebimento vem a atenção, e não é necessário "praticá-la"...
(...) Lembro-me de uma ocasião em que eu viajava de automóvel, na Índia, com um grupo de pessoas. Eu ia sentado à frente, ao lado do motorista e, atrás, três pessoas discorriam a respeito do percebimento — pois pretendiam conversar comigo sobre essa matéria. O carro ia a toda velocidade. Na estrada achava-se uma cabra, e o motorista, por inadvertência, esmagou o pobre animal. Os cavalheiros que vinham atrás, falando sobre o percebimento, nada perceberam! ... Isso é o mesmo o que todos nós estamos fazendo: muito interessados, intelectualmente, na ideia do percebimento, na investigação verbal, dialética, de opiniões, entretanto cegos ao que se está passando na realidade.