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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Existe algo superior fora de nós mesmos?

Para averiguarmos requer-se uma maneira de pensar inteiramente diferente, que dispense a prece, a meditação, e as citações, sendo apenas necessária a compreensão de todo o processo da consciência. A mente pode “projetar” ideias relativas a Deus ou à realidade, mas o que a mente projeta não está fora do domínio do pensamento; e enquanto estiver ativa, projetando as suas próprias concepções, não pode a mente, de certo, descobrir se existe algo fora dela própria. Para o descobrir, deve a mente deixar de “projetar”, porque tudo quanto pensar apenas exteriorizará o próprio pensamento, consciente ou inconsciente. O que a mente pode “projetar” não está fora do seu próprio campo, e para descobrirmos se existe alguma coisa exterior à mente, esta, como pensamento, deve deixar de existir. Todo movimento, toda atividade por parte da mente é sempre “projeção” dela própria, e enquanto existir pensamento nunca poderá ela char aquilo que está além dela mesma. O que está além da mente só pode ser descoberto quando ela estiver tranquila; e o tranquilizar da mente não é um processo de vontade, de ação determinada. A mente posta tranquila, pela ação da vontade, não é, por certo, uma mente tranquila; o problema, por conseguinte, é como pode o pensamento terminar sem o forçarmos, pela vontade, a terminar; porque se disciplino a mente para que fique tranquila, terei então uma mente morta, uma mente fechada, e não uma mente livre. Só a mente livre é capaz de descobrir o que está além dela própria, e essa liberdade não pode ser imposta à mente. Imposição não é liberdade, disciplina não é liberdade, conformismo não é liberdade; e quando a mente percebe isso, que conformismo, condicionamento não é liberdade, então está livre. Perceber o fato é o começo da liberdade; perceber o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro, não num futuro distante, mas de momento a momento; só então temos aquela liberdade, na qual a mente pode ser simples e serena, e essa mente serena pode saber o que existe além dela própria.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Um truque para a dissolução de problemas

Quase todos nós, penso eu, nos vemos torturados pelo conflito e pela confusão que surgem, em nosso viver de cada dia. Nunca encontramos um meio de sair de nossas agonias em todos estes dois milhões de anos de nossa existência humana. Apesar dos grande progressos técnicos, apesar de existirem tantas drogas e narcóticos , de existirem tantos analistas, e sacerdotes, e salvadores, e mestres, e gurus, e apesar, de também, destas nossas palestras, não parecemos capazes de descartar as coisas que temos acumulado, descarta-las com facilidade, sem fazermos esforço algum, assim como as folhas se desprendem das árvores, no outono, e são levadas pelo vento. Aparentemente, falta-nos capacidade, a necessária habilidade para libertarmos a nossa mente — ou para a própria mente se libertar — das várias complicações, de seus problemas e agonias, conscientes ou inconscientes, de seus ocultos desesperos e secretas misérias; e pensamos que o tempo — o amanhã multiplicado por mil — de alguma maneira irá operar uma miraculosa transformação.

Ora, existe, no meu sentir, uma maneira de viver totalmente diferente — uma maneira de viver em que não há fugir, nem recolher-se em mosteiros ou fazer certos votos, ou aderir a um dado movimento social, político ou econômico. Há, sem dúvida, outro caminho, uma diferente maneira de superarmos as enormes dificuldades de nossa vida diária — não com o fim de concordar ou discordar, porém que escutem simplesmente, tranquilamente, assim como ouvem o barulho daquele avião. Escutem atentamente, porém, sem nenhum esforço, se possível. Porque é bastante óbvio que com a mera sondagem, exame ou análise intelectual, não seremos capazes de resolver o problema do sofrimento humano. Há tantos anos, e em tantas vidas, e há tantos séculos vimos tentando encontrar uma saída de nossos sofrimentos, mediante disciplinas, sacrifícios, controle, por meio de auto-esquecimento e da identificação com algo considerado superior. Temos tentado inumeráveis sistemas, seguido caminhos inumeráveis e, todavia, no fim da jornada, nos encontramos, aflitos. Portanto, deve haver uma maneira completamente diferente de resolver este problema.

Nesta manhã, pretendo enveredar por esse caminho — não apenas verbal ou intelectualmente, porque verbal e intelectualmente não se pode entrar naquela luminosa região e tampouco podemos atingi-la com qualquer espécie de sentimentalidade ou emocionalismo. Lá devemos chegar insensivelmente, sem esforço algum, sem nenhuma intenção deliberada; e, se ficarmos escutando tranquilamente, talvez então possamos marchar juntos. Mas, se a investigação de vocês for puramente intelectual, analítica, então é de temer que percamos o contato, a comunhão entre nós.

Deve, pois, haver uma maneira completamente diferente de considerar este nosso monstruoso viver, com suas guerras, suas rivalidades, a medonha ambição de ser alguém, a constante batalha, com o semelhante, com a sociedade; e, para compreendê-lo, temos de examinar a questão da liberdade (...) A maioria de nós não deseja a liberdade, porque não sabe o que ela é — e preferimos suportar as coisas dolorosas e aflitivas que temos, a abandoná-las, porque ignoramos o que nos reserva o futuro.

Não sabemos o que é liberdade. Temos uma ideia a seu respeito, porém a ideia não é o fato, e nenhuma soma de experiência ou de conhecimento pode levar-nos à liberdade. Como há dias estive dizendo, a liberdade exige ordem; e a ordem que se produz deliberada e planejadamente é desordem. A ordem estabelecida pela vontade é uma mera forma de resistência e com essa pretensa ordem estamos bem familiarizados, porque o homem a vem cultivando há séculos.

Onde há liberdade, deve haver espaço. O espaço implica um estado de solidão, de "singularidade". Isto não é nada de místico, de abstrato, porém uma positiva realidade, tão positiva como o fato de estarem sentados nesta pavilhão aqui, na Suíça.

Não pode haver um imenso espaço para a mente funcionar, se ela não estiver inteiramente . "Estar só" e "estar isolado" são, naturalmente, dois estados diferentes. Sabemos muito bem o que é isolamento: esse estado em que nos vemos isolados, sem companheiros, sem relações, mesmo que estejamos cercados de nossa família e vivendo ativa e prosperamente. Apesar de tudo isso, manifesta-se um estranho sentimento de isolamento, sentimento que a maioria de nós — ou pelo menos os que têm investigado as coisas da vida — já conhece.

Pois bem. Solidão e isolamento são dois estados diferentes. O isolamento resulta das atividades diárias, nas quais toda ação emana do centro ou imagem. A imagem é, essencialmente, um centro que se formou pela rejeição da dor e a não-rejeição do prazer. Nossos valores estão baseados no que nos dará prazer, e não no fato, no que é.

Escute com atenção o que se está dizendo, não como quem ouve as palavras de um estranho, porém, as de alguém com quem estão conversando a respeito de si mesmos. Em verdade, é isso justamente o que estamos fazendo, em todas estas nossas palestras. Cada um de nós está a observar-se, a abrir-se, não neuroticamente, emocional ou sentimentalmente, porém, de maneira real. Cada um está descobrindo a si próprio e, portanto, compreendendo a si mesmo.

Assim, enquanto existir essa imagem, cujos valores se baseiam no prazer, haverá necessariamente o isolamento do centro, pois este cria seu espaço próprio. O centro cria espaço ao redor de si, em suas relações com pessoas, coisas, ideias; e, esse centro que cria espaço em torno de si é isolamento — um estado de que podemos estar conscientes ou não. "Estar isolado" é coisa bem diferente de "estar só". A solidão não resulta de nenhuma atividade mental.

A mente, é bem de ver, evoluiu através do tempo. Atingiu seu estado atual de desenvolvimento, tal como os animais, pelo cultivo dos valores baseados no prazer. Se vocês têm observado os animais, terão notado quanto lhes agrada o prazer e quanto tratam de evitar qualquer coisa que cause dor. De modo idêntico, a mente humana, desenvolvida no decorrer dos séculos, continua baseada, não no fato, no que é, porém na avaliação do que é, pelo padrão do prazer. Ela deseja viver continuamente num estado de prazer e, por conseguinte, o próprio espaço que cria em torno de si constitui sua própria limitação. A solidão, pelo contrário, não é produto do prazer. Cabe-me, pois, compreender muito profundamente, e em seu todo, esta questão do prazer. Não estou dizendo que o prazer seja coisa boa ou má. Só estou assinalando que, se a mente tudo está avaliando pelo padrão do prazer — o que denota a existência de um centro, cujos valores, juízos, conceitos, atividades estão todos baseados no prazer — então esse próprio centro se torna criador de conflito e contradição; e enquanto existir contradição interior, na mente, todas as suas atividades e as suas relações irão necessariamente criar mais conflito e mais confusão.

Pois bem, se estamos cônscios, vigilantes, em certo grau, saberemos o que se deve fazer quando surge um problema. Pela observação dele — e não pela fugapela atenção total dispensada ao problema, é possível colocar-lhe fim. Se, por exemplo, vocês fumam, podem se tornar conscientes desse hábito até o ponto de provocar uma crise. Quando se torna agudo o desejo, se dele tomam pleno conhecimento e não tratam de fugir, verão ele se dissolver, definhar, desaparecer rapidamente. Se já experimentaram isto, sabem que de fato é assim. E o que isso significa? Que aprendemos um certo "truque" — se me permitem o termo — a maneira de dissolver um dado problema. Mas, nós temos uma infinidade de problemas, tanto consciente como inconscientes.

(...) Nós temos numerosos problemas, tanto ocultos, como patentes — problemas com alguns dos quais podemos estar em contato, e com outros não. É necessário examinar de ponta a ponta, "abrir", investigar, erradicar cada problema? Isso exige tempo, não? Temos incontáveis problemas — econômicos, sociais, de relação, de sofrimento, dúvida, incerteza, a ânsia de segurança absoluta, etc. Ora, devemos pegar esses problemas, um a um, para compreendê-los e resolvê-los? Dispomos do tempo necessário para tratar cada problema separadamente? Que implica tal "processo"? Se tentarmos resolver cada problema separadamente, necessitaremos de tempo, de energia, e nos veremos empenhados numa interminável batalha para não deixarmos passar despercebido um só problema. Assim, o que acontece? Dizemos a nós mesmos "É um nunca acabar de problemas. Não terei possibilidade de resolver todos os meus problemas antes de morrer; são numerosos demais" — e, por conseguinte, tratamos de refugiar-nos em alguma extravagância mística, fantasiosa, idiota. Se damos para fumar maconha ou para frequentar a igreja — tudo isso é mais ou menos a mesma coisa.

Ora, deve haver uma maneira muito diferente de considerarmos os nossos problemas; é o que desejo investigar. Tenho, digamos, dez ou mais problemas, e se eu me aplicar a cada problema em separado, terei de compreender cada um deles tão completamente, que ele não possa prejudicar a minha compreensão do problema subsequente. Entendem? E sei muito bem que todos os problemas — econômicos, sociais, pessoais — estão relacionados entre si. Não há problema separado, independente dos outros. Isso eu percebo. E percebo igualmente que preciso ter liberdade, imediatamente — não amanhã, não quando estiver à morte, porém imediatamente. Respectivamente com a necessária intensidade, impulso, energia, deve existir um estado de liberdade; devemos estar livres de todos os problemas, pois esta é a única liberdade.

Liberdade implica ação; a liberdade é ação; a ação não deriva da liberdade. Mas quase todos dizemos: "Devo estar livre para agir". Dizemos: "Devo ser livre, para pensar o que me agradar, política, econômica, socialmente", mas poucos dizem: "Religiosamente, devo ser livre", porque, nesse particular, nos vemos completamente inibidos. Exigimos aquilo a que chamamos liberdade, pois, em virtude dela, esperamos agir; ou, gozando de uma suposta liberdade, escolhemos nossa maneira de agir. Se estamos sob a tirania de um sistema partidário — de uma ditadura, em nome do povo, etc. — desejamos liberdade de ação. Por conseguinte, para a maioria de nós a liberdade é diferente da ação. Mas eu estou dizendo que a liberdade é ação; a ação não se baseia, então, em nenhuma ideia. Quando a ação se baseia em ideia, ela é movimento organizado, com a mira no prazer, não acham? É produto do desejo de satisfação. Por conseguinte, a ação baseada em ideia é, de fato, inação, conducente à servidão e não à liberdade. Só há liberdade no agir se dele estamos livres, ou temos perfeita compreensão da ação baseada em ideia.

Vejo, pois, que liberdade é ação e que a ação não depende do tempo. Mas, temos possibilidade, não só de resolver imediatamente os nossos inúmeros problemas, mas também de impedir o nascimento de outros futuros problemas? Há, pois, duas coisas a fazer: resolver imediatamente os problemas que já tenho, e impedir o nascimento de futuros problemas, de modo que minha mente não se veja sempre emaranhada numa rede de problemas. Só então há liberdade; e a liberdade é, então, ação.

Krishnamurti - O descobrimento do amor

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Torne-se consciente de seu medo da liberdade

“Olhe uma rosa: ela é bela, mas não existe liberdade alguma de florescer ou não florescer. Não existe problema, não existe escolha. A flor não pode dizer, ‘Eu não quero florescer’, ou ‘Eu me recuso’. Ela nada tem a dizer, nenhuma liberdade. É por isso que a natureza é tão silenciosa (…)

Com o surgimento do homem, pela primeira vez aparece a liberdade. O homem tem a liberdade de ser ou não ser. Por outro lado, surge a angústia, o medo de que ele possa ou não ser capaz, medo do que vai acontecer. Existe um tremor profundo. Todo momento é um momento em suspense. Nada é seguro ou certo, nada é previsível com o homem: tudo é imprevisível.

Nós conversamos a respeito da liberdade, mas ninguém gosta de liberdade. Nós falamos sobre liberdade, mas criamos escravidão. Toda liberdade nossa é apenas uma troca de escravidão. Nós seguimos mudando de uma escravidão para outra, de um cativeiro para outro. Ninguém gosta de liberdade porque liberdade cria medo. Com a liberdade você tem que decidir e escolher. Nós preferimos pedir a alguém ou a alguma coisa para nos dizer o que fazer – à sociedade, ao guru, às escrituras, à tradição, aos pais. Alguém deve nos dizer o que fazer: alguém deve mostrar o caminho, para que possamos seguir – mas nós não conseguimos nos mover por nós mesmos. A liberdade existe, mas existe o medo.

É por isso que existem tantas religiões. Não é por causa de Jesus, de Buda ou de Krishna. É por causa de um enraizado medo da liberdade. Você não consegue ser simplesmente um homem. Você tem que ser um hindu, um muçulmano ou um cristão. Apenas por ser um cristão, você perde a sua liberdade; sendo um hindu, você não é mais um homem – porque agora você diz, ‘eu seguirei uma tradição. Eu não vou caminhar no inexplorado, no desconhecido. Eu seguirei num caminho bem marcado com pegadas. Eu caminharei atrás de alguém; eu não seguirei sozinho. Eu sou um hindu, assim eu seguirei com uma multidão; eu não caminharei como um indivíduo. Se eu me mover como um indivíduo, sozinho, haverá liberdade. Então, a todo momento eu terei que decidir, eu terei que gerar a mim mesmo, a todo momento estarei criando a minha alma. E ninguém mais será responsável: somente eu serei o responsável final.’

Nietzche disse ‘Deus está morto e o homem está totalmente livre.’ Se Deus está realmente morto, então o homem está totalmente livre. E o homem não tem tanto medo da morte de Deus: ele tem muito mais medo da sua liberdade. Se existe um Deus, então tudo está bem. Se não existe Deus, então você foi deixado totalmente livre – condenado a ser livre. Agora faça o que você gosta e sofra as conseqüências, e ninguém mais será responsável, só você.

Erich Fromm escreveu um livro chamado ‘O Medo da Liberdade’. Você se apaixona e começa a pensar em casamento. O amor é uma liberdade; o casamento é uma escravidão. Mas é difícil encontrar uma pessoa que se apaixona e não pense imediatamente em casamento. Existe o medo porque o amor é uma liberdade. O casamento é uma coisa segura; nele não existe medo. O casamento é uma instituição – morta; o amor é um evento – vivo. Ele se move; ele pode mudar. O casamento nunca se move, nunca muda. Por causa disso o casamento tem uma certeza, uma segurança.

O amor não tem certeza nem segurança. O amor é inseguro. A qualquer momento ele pode sumir de vista da mesma forma como apareceu do nada. A qualquer momento ele pode desaparecer! Ele é muito sobrenatural; ele não tem raízes na terra. Ele é imprevisível. Por isso, ‘é melhor casar. Assim, fincamos raízes. Agora esse casamento não vai evaporar no nada. Ele é uma instituição!’

Em toda situação – exatamente como no amor –, quando encontramos liberdade, nós a transformamos em escravidão. E quanto mais cedo melhor! Assim nós podemos relaxar. Por isso, toda história de amor termina em casamento. ‘Eles se casaram e viveram felizes para sempre.’

Ninguém está feliz, mas é bom terminar a história ali porque em seguida vai começar o inferno. Por isso toda história termina no momento mais bonito. E qual é esse momento? É quando a liberdade se torna escravidão! E isso não é apenas com o amor: isso é com tudo. Assim o casamento é uma coisa feia; é provável que venha a ser. Toda instituição tende a ser uma coisa feia porque ela é apenas um corpo morto de algo que um dia foi vivo. Mas com uma coisa viva, a incerteza provavelmente estará presente.

‘Vivo’ quer dizer que pode mover, pode mudar, pode ser diferente. Eu amo você; no próximo momento eu posso não amar. Mas se eu sou o seu marido, ou sua esposa, você pode ter a certeza de que no próximo momento eu também serei seu marido, ou sua esposa. Isso é uma instituição. Coisas mortas são muito permanentes; coisas vivas são momentâneas, mutáveis, estão num fluxo.

O homem tem medo de liberdade, mas a liberdade é a única coisa que faz de você um homem. Assim, nós somos suicidas – ao destruir nossa liberdade. E com essa destruição nós estamos destruindo toda nossa possibilidade de ser. Então você acha que ter é bom porque ter significa acumular coisas mortas. Você pode continuar acumulando; não existe um fim para isso. E quanto mais acumula, mais seguro você fica.

Eu digo que agora o homem tem que caminhar conscientemente. Com isso eu quero dizer que você tem que estar consciente de sua liberdade e também consciente de seu medo da liberdade.

Como usar essa liberdade? A religião nada mais é do que um esforço no sentido da evolução consciente, em saber como usar essa liberdade. O esforço de sua vontade agora é significativo. Qualquer coisa que você esteja fazendo não voluntariamente é apenas parte do passado na escala da evolução. O seu futuro depende de seus atos com vontade. Um ato muito simples feito com consciência, com vontade, dá a você um certo crescimento – ainda que seja um ato comum.

Por exemplo, você resolve jejuar, mas não porque você não tem comida. Você tem comida; você pode comê-la. Você tem fome; você pode comer. Você resolve jejuar: isso é um ato voluntário – um ato consciente. Nenhum animal pode fazer isso. Um animal jejua algumas vezes, quando não existe fome. Um animal terá que jejuar quando não existir alimento. Mas somente o homem pode jejuar quando existe ambos: a fome e o alimento. Isso é um ato voluntário. Você usa a sua liberdade. A fome não consegue incitar você. A fome não consegue empurrar você e o alimento não consegue puxar você.

Esse jejum é um ato de sua vontade, um ato consciente. Isso dará a você mais consciência. Você sentirá uma liberdade sutil: livre do alimento, livre da fome – na verdade, no fundo, livre do seu corpo, e ainda mais fundo, livre da natureza. A sua liberdade cresce e a sua consciência cresce.

Na medida que sua consciência cresce, a sua liberdade cresce. Elas são correlacionadas. Seja mais livre e você será mais consciente; seja mais consciente e você será mais livre.”

Osho

terça-feira, 9 de julho de 2013

Sem amor, a liberdade é mera ideia sem valor

É de supor e alguns de vocês não compreenderam bem o que estivemos dizendo a respeito da liberdade; mas, como já assinalei, muito importa estar aberto para as ideias novas, para o que é fora do habitual. É bom ver o que é belo, mas é necessário, também, observar o lado feio da vida, estar desperto para tudo. Analogamente, vocês devem estar abertos para coisas que talvez não compreendam bem, porque quanto mais pensarem e cogitarem sobre tais assuntos, talvez um tanto difíceis para vocês, tanto maior se tornará a capacidade de vocês de viverem com plenitude.

Não sei se algum de vocês já notou o sol refletido nas águas, ao amanhecer — a suave claridade, a dança das águas escuras, a estrela matutina acima das árvores, a única estrela visível no céu! Notaram, alguma vez, qualquer dessas coisas? Ou andam tão atarefados, tão ocupados como suas rotinas diárias, que esquecem, ou nunca conheceram, a própria beleza desta Terra — desta Terra em que juntos temos de viver? Quer nos denominemos comunistas ou capitalistas, hinduístas ou budistas, muçulmanos ou cristãos, quer sejamos cegos, aleijados, ou sãos e felizes, esta Terra é nossa. Compreendem? É nossa, e não de outro; ela não é do homem rico, não é propriedade exclusiva dos governantes poderosos, dos nobres da terra, porém é nossa Terra, de vocês e minha! Somos pessoas insignificantes, mas vivemos também nesta Terra; nela temos de viver, todos juntos. Este mundo é tanto do rico como do pobre, tanto do letrado como do iletrado; é nosso mundo; e acho muito importante sentir isto e amar a Terra, não apenas ocasionalmente, numa tranquila manhã, mas a todas as horas. E só podemos sentir que este é nosso mundo, e amá-lo, quando compreendemos o que é liberdade.

Presentemente não existe liberdade; não sabemos o que isso significa. Gostaríamos de ser livres, mas, se observarem, notaram que todos — o mestre, os pais, o advogado, o militar, o policial, o negociante — cada um, em sua pequena esfera, está fazendo alguma coisa para impedir a liberdade. Ser livre não é, meramente, fazerem o que lhes apraz, ou fugirem das circunstâncias externas que lhes tolhem, mas, sim, compreender todo o problema da dependência. Sabem o que é dependência? Vocês dependem de seus pais, não é verdade? Dependem de seus mestres, dependem do cozinheiro, do carteiro, do leiteiro etc. Esta espécie de dependência é facilmente compreensível. Mas existe uma qualidade de dependência muito mais profunda e que é necessário compreender, para se poder ser livre: o dependermos de outrem, para nossa própria felicidade. Sabem o que significa depender de alguém para a própria felicidade? Não é a mera dependência física de outra pessoa o que tanto lhes prende, porém a dependência interior, psicológica, da qual recebem sua suposta felicidade; porque, quando dependem de alguém dessa maneira, vocês se tornam escravos. Se, quando ficarem mais velhos, dependerem emocionalmente de seus pais, ou de sua esposa ou marido, de um guru, ou de uma ideia, aí já estará em começo a escravidão. Não compreendemos isso e, no entanto, quase todos nós, principalmente os mais novos, desejamos ser livres.

Para sermos livres, temos de revoltar-nos contra toda dependência interior, e não podemos revoltar-nos se não compreendemos por que somos dependentes. Enquanto não compreendermos bem a dependência interior, e dela não nos libertarmos, nunca seremos livres, porquanto só nessa compreensão pode haver liberdade. Mas a liberdade não é mera reação. Vocês sabem o que é “reação”? Se digo alguma coisa que lhes ofende, se lhes chamo com um nome feio e vocês se zangam comigo, isto é uma reação — reação proveniente da dependência; e a independência é outra reação. Mas, liberdade não é reação; e enquanto não compreendermos e ultrapassarmos a reação, nunca seremos livres.

Sabem o que significa amar alguém? Sabem o que significa amar uma árvore, uma ave, um animal de estimação, ao ponto de cuidarmos com desvelo do ser que amamos, nutri-lo, acarinhá-lo, embora ele nada nos dê em troca — embora a árvore não nos dê sombra, o animal não nos siga os passos e não dependa de nós? A maioria de nós não amamos dessa maneira; em verdade, não sabemos o que isso significa, porque nosso amor é sempre cercado de ansiedade, de ciúme, de medo — e isso implica que estamos dependendo de outrem, interiormente, que desejamos ser amados também. Não amamos simplesmente, sem nada mais desejarmos. Queremos retribuição; e isso justamente, nos torna dependentes.

Assim, pois, a liberdade e o amor andam juntos. O amor não é reação. Se amo vocês porque me amam, isto é pura transação, uma compra no mercado. Amar é nada pedir em troca, não sentir, sequer, que se está dando alguma, coisa; só esse amor pode conhecer a liberdade. Mas, vejam, vocês não são educado para isso. São educado para saberem Matemática, Química, Geografia, História. Ai termina a educação de vocês, porque o único empenho de seus pais é lhes ajudar a obter um bom emprego e a ter êxito na vida. Se têm dinheiro, talvez lhes mandem ao estrangeiro; mas, como acontece no resto do mundo, seu objetivo único é lhes ver ricos e numa respeitável posição social; e, quanto mais alto subirem, tanto mais sofrimentos causarão a outros, porque, para galgarem posições, terão de competir, de serem cruéis. Por isso, os pais mandam os filhos para escolas onde se estimule a ambição, onde não haja amor; por isso, uma sociedade como a nossa está sempre em declínio, em luta constante, e, embora os políticos, os juízes, os "nobres da terra” falem de paz, isso nada significa.

Ora, vocês e eu devemos compreender todo esse problema da liberdade. Devemos descobrir por nós mesmos o que significa amar; porque, se não amamos, não teremos consideração para com os outros, não seremos atenciosos. Sabem o que significa ter consideração a outrem? Quando veem uma pedra pontuda num caminho percorrido por muitos pés descalços, vocês a retiram, não porque vos pedem que o façam, mas porque se condoem de outro, quem quer que seja e ainda que nunca o vejam na vida. Plantar uma árvore e cuidar dela, olhar o rio e fruir a prodigalidade da terra, observar uma ave no ar e a beleza de seu voo, ter sensibilidade e manter-se aberto a esse extraordinário movimento que se chama a vida — para tudo isso há necessidade de liberdade; e, para serem livres, devem amar. Sem amor, não há liberdade; sem amor, a liberdade é mera ideia, sem nenhum valor. Assim, só os que compreenderam a íntima dependência e dela se libertaram; que sabem, por conseguinte, o que é amor — só esses podem conhecer a liberdade; só eles poderão criar uma nova civilização, um mundo diferente.

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

Muitos são independentes, mas raros são livres

Desejo examinar com vocês o problema da liberdade. É um problema muito complexo, que requer profundo estudo e compreensão. Muito se fala em liberdade — liberdade religiosa e liberdade de o indivíduo fazer o que deseja. Sobre esta questão volumes têm sido escritos por homens eruditos. Mas eu penso que podemos considera-la de maneira muito simples e direta, e chegar, talvez, à solução verdadeira. Não sei se vocês já pararam alguma vez para contemplar o maravilhoso esplendor do poente, à hora do entardecer, com a lua surgindo, timidamente, acima das árvores. Muitas vezes, nessa hora, o rio se mostra muito manso e, então, tudo se reflete em sua superfície: a ponte e o trem que a atravessa, a lua ainda tenra e, em pouco, com o escurecer, as estrelas. Tudo isso é verdadeiramente belo. E para poderem observar, dar toda a atenção de vocês a algo que é belo, deve a mente de vocês estar livre de preocupações, não acham? Não deve estar ocupada com problemas, com tribulações, com especulações. É só com a mente muita tranquila que se pode observar realmente, porque, então, a mente é sensível à beleza extraordinária. E talvez tenhamos aqui a chave do nosso problema da liberdade.

Pois bem: o que significa ser livre? Consiste a liberdade em vocês poderem fazer o que lhes convém, em irem aonde lhes agrada, em pensar o que quiserem? Isso vocês o fazem de qualquer maneira. A mera consciência de se ter independência significa liberdade? Muita gente neste mundo é independente, mas pouquíssimos são livres. Liberdade implica uma grande soma de inteligência, não? Ser livre é ser inteligente, mas a inteligência não nasce só pelo desejo de sermos livres; nasce ao começarem a compreender, no seu todo, o ambiente, as influências sociais, religiosas, paternas e tradicionais que continuamente lhes envolvem. Mas, para compreenderem todas essas influências — a influência dos seus pais, do governo, da sociedade, do meio cultural a que pertencem, de suas crenças, seus deuses e superstições, da tradição a que impensadamente se ajustam — para compreenderem todas essas influências e delas se livrarem, vocês necessitam de profundo discernimento; mas vocês, em geral, se submetem a elas porque interiormente sentem medo. Vocês têm medo de não alcançar uma boa situação na vida, medo do que possa dizer o sacerdote da sua seita, medo de não seguir a tradição, de não fazer o que é “correto”. Mas a liberdade é, com efeito, um estado mental em que não existe medo ou compulsão, nem ânsia de segurança.

Não desejamos, quase todos nós, estar em segurança? Não desejamos ser considerados “maravilhosos”, que nos admirem a formosura, a superior inteligência? Do contrário, não acrescentaríamos letras aos nossos nomes. Tais coisas inspiram-nos confiança em nós mesmos, fazem-nos sentir que somos “importantes”. Todos desejamos ser famosos; mas, no momento em que desejamos ser algo, já não somos livres.

Vejam isso, por favor, pois, com efeito, aí vocês têm o fio que os levará à compreensão do problema da liberdade. Quer neste mundo de políticos, de poder, posição, autoridade, quer no chamado mundo espiritual, em que cada um aspira a ser virtuoso, nobre, modelo de santidade — no momento em que desejam ser alguém, já não são livres. Mas o homem ou mulher que percebe que tudo isso é absurdo, cujo coração é “inocente” e, por conseguinte, não está sendo movido pelo desejo de ser alguém — é um ente livre. Se compreenderem isso em sua simplicidade, verão também sua extraordinária beleza e profundeza.

Afinal de contas, os exames têm esta finalidade: dar-lhes uma posição, tornar-lhes alguém. Títulos, posição, conhecimentos, servem-lhes de estímulo a ser algo. Não ouvem dizer a seus pais e mestres que vocês devem alcançar certa posição na vida, que devem ter êxito como seu tio ou seu avo? Ou vocês mesmos tratam de imitar o exemplo de certo herói, se igualarem aos Mestres, aos santos; por isso nunca são livres.

Quer vocês sigam o exemplo de um Mestre, santo, instrutor, parente, quer observem uma certa tradição, tudo isso implica, da parte de vocês, uma necessidade de ser algo; e é só quando vocês compreendem este fato, que há liberdade.

A função da educação é lhes ajudar, desde criança, a não imitar ninguém e serem sempre vocês mesmos. Mas isto é dificílimo: serem sempre o que são — feio ou belo, invejoso ou ciumento — compreendê-lo. O serem vocês mesmos é muito difícil, porque vocês pensam que o que são é desprezível e que seria maravilhoso se pudessem converter o que são em algo nobre; mas isso nunca acontecerá. Se, entretanto, vocês olham o que realmente são, e o compreendem, então, nessa própria compreensão, há transformação. A liberdade, pois, consiste, não em tentarem se tornar algo diferente do que são, nem em fazerem o que acaso desejam fazer, nem em seguirem a autoridade da tradição, de seus pais, de seu guru, porém, sim, em compreenderem o que vocês são a cada instante.

Mas, vocês não são educados para isso; a educação de vocês lhes estimula a se tornarem isto ou aquilo — mas isso não é compreensão de si mesmo. O “eu” de vocês é uma coisa sobremodo complexa, não é meramente a entidade que vai à escola, que briga, que joga, que tem medo, mas é também algo que está oculto, que não é evidente. Compõe-se, não apenas de tudo o que vocês pensam, mas também de todas as coisas que foram inculcadas em suas mentes por outras pessoas. Por livros, pelos jornais, por seus líderes ou guias; e só é possível compreender tudo isso quando não desejam ser alguém, quando não imitam, não seguem ninguém — o que, com efeito, significa estar em revolta contra esta tradição de “vir a ser algo”. Esta é a única revolução verdadeira, conducente a uma extraordinária liberdade. Cultivar essa liberdade é a verdadeira função da educação.

Seus pais, seus mestres, e seus próprios desejos os querem identificados com isto ou aquilo, para serem felizes, terem segurança. Mas, para serem inteligentes, não devem se libertar de todas as influências que lhes escravizam e esmagam?

A esperança de um novo mundo está naqueles de vocês que começarem a ver o que é falso e a se revoltarem contra o falso, não apenas verbalmente, porém realmente. E esta é a razão porque devem buscar a educação correta; pois, só crescendo em liberdade, poderão criar um novo mundo não baseado na tradição ou moldado de acordo com o temperamento de certo filósofo ou idealista. Mas não haverá possibilidade de liberdade enquanto estiverem meramente tentando se tornar alguém ou imitando um exemplo nobre.

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O medo da liberdade


Olhe uma rosa: ela é bela, mas não existe liberdade alguma de florescer ou não florescer. Não existe problema, não existe escolha. A flor não pode dizer, "Eu não quero florescer", ou "Eu me recuso". Ela nada tem a dizer, nenhuma liberdade. É por isso que a natureza é tão silenciosa (...).

Com o surgimento do homem, pela primeira vez aparece a liberdade. O homem tem a liberdade de ser ou não ser. Por outro lado, surge a angústia, o medo de que ele possa ou não ser capaz, medo do que vai acontecer. Existe um tremor profundo. Todo momento é um momento em suspense. Nada é seguro ou certo, nada é previsível com o homem: tudo é imprevisível. 

Nós conversamos a respeito da liberdade, mas ninguém gosta de liberdade. Nós falamos sobre liberdade, mas criamos escravidão. Toda liberdade nossa é apenas uma troca de escravidão. Nós seguimos mudando de uma escravidão para outra, de um cativeiro para outro.

Ninguém gosta de liberdade porque liberdade cria medo. Com a liberdade você tem que decidir e escolher. Nós preferimos pedir a alguém ou a alguma coisa para nos dizer o que fazer – à sociedade, ao guru, às escrituras, à tradição, aos pais. Alguém deve nos dizer o que fazer: alguém deve mostrar o caminho, para que possamos seguir – mas nós não conseguimos nos mover por nós mesmos. A liberdade existe, mas existe o medo.

É por isso que existem tantas religiões. Não é por causa de Jesus, de Buda ou de Krishna. É por causa de um enraizado medo da liberdade. Você não consegue ser simplesmente um homem. Você tem que ser um hindu, um muçulmano ou um cristão. Apenas por ser um cristão, você perde a sua liberdade; sendo um hindu, você não é mais um homem – porque agora você diz, "eu seguirei uma tradição. Eu não vou caminhar no inexplorado, no desconhecido. Eu seguirei num caminho bem marcado com pegadas. Eu caminharei atrás de alguém; eu não seguirei sozinho. Eu sou um hindu, assim eu seguirei com uma multidão; eu não caminharei como um indivíduo. Se eu me mover como um indivíduo, sozinho, haverá liberdade. Então, a todo momento eu terei que decidir, eu terei que gerar a mim mesmo, a todo momento estarei criando a minha alma. E ninguém mais será responsável: somente eu serei o responsável final."

Nietzche disse ‘Deus está morto e o homem está totalmente livre.’ Se Deus está realmente morto, então o homem está totalmente livre. E o homem não tem tanto medo da morte de Deus: ele tem muito mais medo da sua liberdade. Se existe um Deus, então tudo está bem. Se não existe Deus, então você foi deixado totalmente livre – condenado a ser livre. Agora faça o que você gosta e sofra as consequências, e ninguém mais será responsável, só você. 

Erich Fromm escreveu um livro chamado "O Medo da Liberdade". Você se apaixona e começa a pensar em casamento. O amor é uma liberdade; o casamento é uma escravidão. Mas é difícil encontrar uma pessoa que se apaixona e não pense imediatamente em casamento. Existe o medo porque o amor é uma liberdade. O casamento é uma coisa segura; nele não existe medo. O casamento é uma instituição – morta; o amor é um evento – vivo. Ele se move; ele pode mudar. O casamento nunca se move, nunca muda. Por causa disso o casamento tem uma certeza, uma segurança.

O amor não tem certeza nem segurança. O amor é inseguro. A qualquer momento ele pode sumir de vista da mesma forma como apareceu do nada. A qualquer momento ele pode desaparecer! Ele é muito sobrenatural; ele não tem raízes na terra. Ele é imprevisível. Por isso, "é melhor casar. Assim, fincamos raízes. Agora esse casamento não vai evaporar no nada. Ele é uma instituição!" 

Em toda situação – exatamente como no amor –, quando encontramos liberdade, nós a transformamos em escravidão. E quanto mais cedo melhor! Assim nós podemos relaxar. Por isso, toda história de amor termina em casamento. "Eles se casaram e viveram felizes para sempre."

Ninguém está feliz, mas é bom terminar a história ali porque em seguida vai começar o inferno. Por isso toda história termina no momento mais bonito. E qual é esse momento? É quando a liberdade se torna escravidão! E isso não é apenas com o amor: isso é com tudo. Assim o casamento é uma coisa feia; é provável que venha a ser. Toda instituição tende a ser uma coisa feia porque ela é apenas um corpo morto de algo que um dia foi vivo. Mas com uma coisa viva, a incerteza provavelmente estará presente.

"Vivo" quer dizer que pode mover, pode mudar, pode ser diferente. Eu amo você; no próximo momento eu posso não amar. Mas se eu sou o seu marido, ou sua esposa, você pode ter a certeza de que no próximo momento eu também serei seu marido, ou sua esposa. Isso é uma instituição. Coisas mortas são muito permanentes; coisas vivas são momentâneas, mutáveis, estão num fluxo.

O homem tem medo de liberdade, mas a liberdade é a única coisa que faz de você um homem. Assim, nós somos suicidas – ao destruir nossa liberdade. E com essa destruição nós estamos destruindo toda nossa possibilidade de ser. Então você acha que ter é bom porque ter significa acumular coisas mortas. Você pode continuar acumulando; não existe um fim para isso. E quanto mais acumula, mais seguro você fica. 

Eu digo que agora o homem tem que caminhar conscientemente. Com isso eu quero dizer que você tem que estar consciente de sua liberdade e também consciente de seu medo da liberdade

Como usar essa liberdade? A religião nada mais é do que um esforço no sentido da evolução consciente, em saber como usar essa liberdade. O esforço de sua vontade agora é significativo. Qualquer coisa que você esteja fazendo não voluntariamente é apenas parte do passado na escala da evolução. O seu futuro depende de seus atos com vontade. Um ato muito simples feito com consciência, com vontade, dá a você um certo crescimento – ainda que seja um ato comum.

Por exemplo, você resolve jejuar, mas não porque você não tem comida. Você tem comida; você pode comê-la. Você tem fome; você pode comer. Você resolve jejuar: isso é um ato voluntário – um ato consciente. Nenhum animal pode fazer isso. Um animal jejua algumas vezes, quando não existe fome. Um animal terá que jejuar quando não existir alimento. Mas somente o homem pode jejuar quando existe ambos: a fome e o alimento. Isso é um ato voluntário. Você usa a sua liberdade. A fome não consegue incitar você. A fome não consegue empurrar você e o alimento não consegue puxar você.

Esse jejum é um ato de sua vontade, um ato consciente. Isso dará a você mais consciência. Você sentirá uma liberdade sutil: livre do alimento, livre da fome – na verdade, no fundo, livre do seu corpo, e ainda mais fundo, livre da natureza. A sua liberdade cresce e a sua consciência cresce

Na medida que sua consciência cresce, a sua liberdade cresce. Elas são correlacionadas. Seja mais livre e você será mais consciente; seja mais consciente e você será mais livre.


Osho, em "The Ultimate Alchemy"

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Uma revolução fora dos padrões sociais

Vendo-se o que está se passando no mundo, e principalmente neste país, parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total de consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução: temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.(1) 

Há necessidade de indivíduos revoltados, não parcialmente, porém totalmente revoltados contra o "velho", pois só tais indivíduos poderão criar um novo mundo, um mundo não baseado na aquisição, no poder e no prestígio.(2) 

Uma revolução sangrenta não produz paz perdurável nem felicidade para todos. Em lugar de meramente desejarem paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerem como vocês, individualmente, podem ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vocês devem como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.(3) 

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo - e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade - ou como quiserem chamá-lo - não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.(4) 

Veja você, existe uma revolução dentro do padrão da sociedade, ou uma completa revolução fora da sociedade. A completa revolução fora da sociedade é o que eu chamo revolução religiosa. Qualquer revolução que não é religiosa está dentro da sociedade e não é absolutamente, portanto nenhuma revolução, mas só uma continuidade modificada do padrão velho. O que acontece por todo o mundo, acredito eu, é a revolução dentro da sociedade, e esta revolução freqüentemente toma aquela forma chamada de delito. Existe certamente este tipo de revolta uma vez que nossa educação só está preocupada com juventude para encaixá-la na sociedade, isto é, prepará-la para a obtenção de emprego, ganhar dinheiro, ter cobiça, ter mais, e se adaptar. Isso é o que a nossa – tão chamada educação faz em toda parte – ensina o jovem a se adaptar, religiosa, moral, economicamente, assim naturalmente sua revolta não tem nenhum significado, a não ser que deve ser reprimida, reformada, ou controlada. Tal revolução ainda está dentro da estrutura da sociedade, e, portanto não é criadora em absoluto. Mas pela educação correta poderíamos chegar a uma compreensão diferente, talvez ajudando a livrar a mente de todo o condicionamento – isto é, incentivando os jovens a estar ciente das muitas influências que condicionam a mente para torná-la conformada.(5) 

Se você tem que criar um mundo novo, uma civilização nova, uma arte nova, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo medo, por ambições, se você tem que criar algo anônimo que é seu e meu, uma sociedade nova, juntos, na qual não há você e eu mas "nós", não será necessário uma mente que é completamente anônima, portanto só? Isto implica que deve haver uma revolta contra a conformidade, não implica? Uma revolta contra a respeitabilidade, porque o homem respeitável é o homem medíocre que quer algo, ele depende de influências para a sua felicidade, do que o vizinho pensa, do que o guru dele pensa, naquilo que o Bhagavad-Gita ou o Upanishads ou a Bíblia ou o Cristo diz. A mente dele nunca está só. Ele nunca caminha só, ele anda sempre acompanhado, em companhia dos seus ideais. Não é importante descobrir, ver, o significado total da interferência, da influência, da instituição do "eu", o qual é o contrário de ser anônimo? Vendo a totalidade disto, não surge imediatamente a pergunta: "É possível criar imediatamente este estado mental que é livre de influência, que não possa ser influenciado pela própria experiência ou pela experiência de outros, uma mente que seja incorruptível, que seja só? Somente então existe a possibilidade de se criar um mundo diferente, uma cultura diferente, uma diferente sociedade na qual a felicidade é possível.(6) 

Só quando a mente é capaz de se livrar de todas as influências, todas interferências, de estar completamente só,... existe criatividade. No mundo, cada vez mais a técnica está sendo desenvolvida – técnica de como influenciar as pessoas pela propaganda, por compulsão, pela imitação, por exemplos, pela idolatria, pela adoração do herói. Há livros inúmeros sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar máquinas, e de forma que gradualmente perdemos a iniciativa, a iniciativa de pensar de forma original algo por nós mesmos. Em nossa educação, em nosso relacionamento com governo, por vários meios, somos influenciados ao conformismo e a imitação. E quando permitimos a influência que nos convença a uma atitude particular ou ação, naturalmente nós criamos resistência com outras influências. E neste processo de criar uma resistência à outra influência, nós não cedemos a isso negativamente? A mente não deve estar permanentemente em revolta a fim de entender as influências que estão sempre colidindo, interferindo, controlando, amoldando? Não é isso uma das causas da mente medíocre que é sempre medrosa e, está num estado de confusão, quer ordem, quer coerência, quer uma fórmula, uma forma que possa ser guiada, possa ser controlada, e, mas estas fórmulas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, cria confusão no indivíduo. Qualquer escolha entre as influências é seguramente ainda um estado de mediocridade. ... Não deve ter a mente à capacidade, não de imitar, não de acomodar-se e ser sem medo? Tal mente não deve estar só e, portanto ser criativa? Essa criatividade não é sua nem minha, é anônima!(7)

A mente individual é uma mente revoltada e, por conseguinte, não busca segurança. Mente revolucionária não é o mesmo que mente revoltada. A mente revolucionária visa alterar as coisas de acordo com um certo padrão, e essa mente não é uma mente revoltada, não é uma mente que esteja insatisfeita consigo mesma.

Não sei se vocês já observaram que coisa extraordinária é a insatisfação. Vocês conhecem muitos jovens insatisfeitos. Eles não sabem o que fazer; sentem-se miseráveis, infelizes, revoltados, buscando isto, tentando aquilo, fazendo perguntas intermináveis. Mas quando crescem, arrumam um emprego, casam e esse é o fim de tudo. Sua insatisfação fundamental é canalizada e, depois, a infelicidade assume o comando. Quando jovens, seus pais, seus mestres, a sociedade, todos lhe dizem que não se sintam insatisfeitos, que descubram o que querem fazer e o façam — tudo, porém, dentro dos padrões. Esse tipo de mente não é revoltada e você precisa de uma mente realmente revoltada para encontrar a verdade — não de uma mente conformada. Revolta significa paixão.(8)

Os rapazes quando crescem, tem de ganhar a vida, então arranjam empregos e exige-se-lhes que se conformem, que sigam uma profissão, quer gostem quer não; tendo-se casado e tendo filhos, são arrastados pela vida afora por suas responsabilidades e devem, portanto, fazer aquilo que lhes dizem que façam. Nessas condições, o espírito de revolta, o espírito de inquirição, o espírito da busca interior chega a seu fim; todas as suas idéias revolucionárias de criar um mundo novo são esmagadas, porque a vida é demais para eles. Eles precisam ir para o escritório, tem lá um chefe para o qual precisam fazer isto ou aquilo e, aos poucos, o senso de inquirir, o sentimento de revolta, a ânsia de criar um modo de viver completamente diferente de tudo, é destruída por completo. Por isso, é muito importante ter esse espírito de revolta desde o princípio da vida.(9)

Percebo a necessidade de descobrimento, porquanto se tornou bem óbvio que temos de criar uma cultura de espécie completamente diferente, uma cultura não baseada na autoridade, mas só no descobrimento individual daquilo que é verdadeiro; e esse descobrimento requer liberdade completa. Se a mente está presa, por mais longa que seja a corda, só poderá operar dentro de um determinado raio e, conseguinte, não está livre. O importante, pois, é descobrir o nível mais alto, onde deverá efetuar-se a revolução, e isso exige muita clareza de pensamento, exige uma mente em bom estado - não uma mente falsificada, repetitiva, porém uma mente capaz de pensar intensamente, de raciocinar as coisas até o fim, clara, lógica, sãmente. Precisamos de uma mente assim, porque só então é possível irmos mais longe.(10)

A revolução só pode realizar-se no nível mais elevado, o qual cumpre descobrir; e esse nível só pode ser descoberto por meio do autoconhecimento e não de conhecimentos colhidos nos vossos velhos livros ou nos livros dos modernos analistas. Tendes de o descobrir nas relações - descobri-lo, e não meramente repetir o que lestes ou ouvistes dizer. Vereis então que vossa mente se tornará sobremaneira lúcida. Afinal, a mente é o único instrumento de que dispomos. Se ela se acha peada, se é vulgar, temerosa, como o é a mente de quase todos nós, nenhuma significação tem sua crença em Deus, suas devoções, sua busca da verdade. Só a mente que é capaz de percebimento claro e por essa razão está perfeitamente tranqüila, só ela pode descobrir se existe ou não a Verdade, só ela é capaz de realizar a revolução no mais alto nível. Só a mente religiosa é verdadeiramente revolucionária; e a mente religiosa não é aquela que repete, que freqüenta a igreja ou o templo, pratica puja todas as manhãs, que se deixa guiar por alguma espécie de guru ou adora um ídolo. Esta não é uma mente religiosa; é em verdade estúpida, limitada e, por conseguinte, nunca será capaz de corresponder livremente a um desafio.(11) 

(1) Krishnamurti - O Despertar da Sensibilidade - ICK
(2) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(3) Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936
(4) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(5) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(6) Krishnamurti - O Livro da Vida
(7) Krishnamurti - O Livro da Vida
(8) Krishnamurti - Sobre Deus - Cultrix
(9) Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix
(10) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(11) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK

sábado, 1 de junho de 2013

Temos de ser nossa própria luz

Uma consciência e uma moralidade totalmente novas são necessárias para realizar uma mudança radical na cultura de hoje e na estrutura social. Isto é evidente, embora à esquerda, direita e os revolucionários pareçam desconsiderar esse fato. Qualquer dogma, qualquer formula, qualquer ideologia é parte da antiga consciência; são invencionices do pensamento cuja atividade está fragmentada - a esquerda, a direita e o centro. Esta atividade irá conduzir inevitavelmente ao derramamento de sangue dos da esquerda, a direita ou do totalitarismo. É o que vem acontecendo a nossa volta! Percebemos a necessidade de uma mudança social, econômica moral, porém a resposta nos vem da antiga consciência, sendo a reflexão a personagem principal A balburdia, a confusão e o sofrimento pelo qual o ser humano está passando encontram-se na dimensão da antiga consciência, e sem uma mudança profunda, qualquer atividade humana, seja política, econômica ou religiosa, só nos conduzirá a nossa própria destruição e a da Terra. Isto é obviamente claro!

Temos de ser nossa própria luz; esta luz é a lei! Não existe outra lei. Todas as outras leis são produtos do pensamento e, portanto, fragmentadas e contraditórias. Ser nossa própria luz não é seguir a luz de outrem, por mais racional, lógica, interessante e até convincente que possa ser. Não podemos ser nossa própria luz se estamos nas trevas da autoridade, do dogma e da decisão. A moralidade não se origina no pensamento; não é resultado da pressão da meio ambiente, não está na tradição. A moralidade é filha do amor, e o amor não é desejo nem gozo. O prazer sexual ou sensorial não é amor. 

Liberdade é sermos nossa própria luz; então, não é algo abstrato, algo que surge do pensamento como que por encanto. A verdadeira liberdade é ser livre da dependência, do apego, do anseio pela experiência. Ser livre da própria estrutura do pensamento e sermos nossa própria luz. Nessa luz toda, a ação se realiza e, assim, não se torna contraditória. A contradição só existe quando a luz está separada da ação, quando a personagem está separada da ação. O ideal, o principio, é movimento estéril do pensamento e não pode coexistir com a luz, pois um é a negação do outro. Essa luz e esse amor não podem estar onde se encontra o observador. A estrutura do observador é produto do pensamento, que nunca é novo, nunca é livre. Não há nenhum "como", nenhum sistema, nenhuma experiência. Existe apenas a observação do que está sendo feito. Temos de ver por nós mesmos, não através dos olhos do outro. Esta luz e esta lei não são suas nem de ninguém. Só há uma luz. Isto é o amor!

Krishnamurti - 24 de setembro de 1973

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A liberdade é perigosa para o homem

Estudante: Diz o senhor que a liberdade é perigosa para o homem. Por que motivo?

Krishnamurti: Porque é perigosa? Você sabe o que é a sociedade?

Estudante: É um grande número de pessoas a ditar-nos normas de procedimento.

Krishnamurti: É isso mesmo. Mas é também a cultura, os costumes, os hábitos de determinada comunidade; a estrutura social, moral, ética, religiosa em que o homem vive, eis o que se chama geralmente de sociedade. Porém, se cada indivíduo dessa sociedade agir como lhe aprouver, ela o considerará um elemento perigoso. Se vocês fizessem o que quisessem aqui, na escola, o que aconteceria? Representariam um perigo para o próprio colégio, não concordam? As pessoas em geral não gostam que os outros sejam livres. O homem realmente livre, não com relação às ideias, mas interiormente liberto da avidez, da ambição, da inveja, da crueldade, é considerado pelos demais como um ser perigoso, por diferir totalmente do indivíduo comum. Então, a sociedade o adora ou o aniquila, ou lhe demonstra indiferença.

Estudante: Disse o senhor que a liberdade e a ordem nos são necessárias, mas como alcança-las?

Krishnamurti: Antes de tudo, vocês não devem depender de outrem; não esperem que alguém lhes dê liberdade e ordem — nem pai, nem mãe, nem marido, nem mestre. Consiga-as vocês mesmos. Esta é a primeira coisa que precisam compreender: não peçam nada a ninguém, exceto alimentos, roupa e abrigo. É inútil rogar, ou apelar para quem quer que seja, seus gurus, seus deuses. Ninguém pode proporcionar-lhes liberdade ou ordem. Por conseguinte, compete-lhes criar ordem em si próprios. Isso significa que vocês mesmos devem pesquisar e descobrir o que é ser virtuoso. Sabem o que é virtude — ter moralidade, ser bom. Virtude é ordem. Assim, cumpre descobrirem, individualmente, como serem bondosos, afáveis, solícitos. E é dessa solicitude, desse zelo, que procede a ordem, e, portanto, a liberdade. Vocês dependem de outros para dizer-lhes o que devem fazer, isto é, não olharem pela janela, serem pontuais, serem bondosos. Porém, se disserem: “olharei pela janela quando quiser, mas, ao estudar, toda a minha atenção será consagrada ao livro”, criarão ordem dentro de si, independentemente da orientação alheia.

Estudante: Que ganhamos em sermos livres?

Krishnamurti: Nada. Se nos preocuparmos com o que vamos ganhar, na realidade, estamos pensando em termos de negócio. Vou fazer isto e, em troca, dê-me alguma coisa. Sou bondoso com você porque me convém. Mas isso não é bondade. Enquanto nos preocuparmos apenas com o ganho, não seremos livres. Se você pensar: “Se eu obtiver liberdade, poderei fazer isto ou aquilo”, isso não será liberdade. Não pensem, pois, em termos de utilidade. Se o fizer, eliminará completamente a possibilidade de ser livre. A liberdade só existe quando a temos sem nenhum objetivo. Não amamos uma pessoa porque ela nos dá alimento, roupa ou abrigo, pois isto não é amor.

Costumam passear sozinhos? Ou saem sempre com outras pessoas? Se às vezes andam sós, terão então a oportunidade de conhecer-se, de saber o que pensam, o que sentem, o que é virtude, o que desejam ser. Descubram-no. E vocês não poderão compreender-se se estiverem sempre falando, a passear com os amigos e continuamente acompanhados. Sentem-se quietos sob uma árvore, mas sem nenhum livro. Apenas olhem as estrelas, o céu límpido, os pássaros, o contorno das folhas. Observem a sombra. Acompanhem o pássaro atravessando o céu. Em solitude, tranquilos, sentados sob uma árvore, começarão então a compreender a mente em atividade e a importância de frequentar as aulas.

Krishnamurti — Ensinar e Aprender — ICK    

terça-feira, 21 de maio de 2013

Autoconhecimento: a porta da liberdade

Pergunta: Tereis a bondade de dizer-nos o que é liberdade? Não é uma ilusão que andamos todos a perseguir?

KRISHNAMURTI: Só desejamos a liberdade quando estamos cônscios de nosso cativeiro; e porque não sabemos como nos libertarmos desse cativeiro, buscamos a liberdade  Mas, se tivermos a capacidade de nos libertarmos do cativeiro, haverá então liberdade; não teremos de procurá-la, nem de perguntar o que é liberdade — isso pode ficar para os filósofos e especuladores. O importante é descobrirmos de que maneira estamos sendo mantidos nesse cativeiro, porque na própria compreensão do cativeiro en­contra-se a liberdade. No momento em que lutamos contra o cativeiro, criamos outro cativeiro. Mas, se pudermos compreender todo o processo psicológico de nosso cativeiro — não apenas o que nos está prendendo, mas como isso nasceu, os motivos, o seu alcance, todo o seu fundo, tanto consciente como inconsciente — então, nesta própria com­preensão, se encontra a liberdade; não temos de "tornar-nos" livres.

Consideremos, por exemplo, o medo. Em geral somos dominados pelo medo, sob esta ou aquela forma; e este é um processo muito complexo, não achais? Sabemos que temos medo e como nasce o medo? Ou apenas tecemos teorias a seu respeito? Por certo, o medo só existe em relação com alguma coisa; não existe sozinho: tenho medo de alguma coisa — da morte, da pobreza, do que se diz de mim, etc. E pode-se examinar, profundamente, este problema do medo? Isso só é possível se não procuro fazer alguma coisa em relação ao medo.

Que é o medo? Medo do desconhecido? Ou temos medo de perder o conhecido — de ficarmos pobres, por exemplo? Pode a mente libertar-se do medo de ser pobre? E a que damos mais importância, à pobreza espiritual ou à pobreza material? Por certo, ao homem que reflete, ao homem realmente empenhado em descobrir o que inte­ressa é a pobreza espiritual. E essa pobreza espiritual pode ser superada pelo saber, pela leitura de livros? Pode a mente enriquecer-se por qualquer espécie de preenchi­mento? E há realmente preenchimento, ou isso é apenas uma exigência da mente, que, temendo sua própria pobre­za, busca preencher-se?

O problema do medo, por conseguinte, não é muito simples e se requer, por parte da mente, muita investi­gação para descobrir a natureza de seu medo. Quando há compreensão de todo o processo do medo, encontra-se a liberdade — não puramente liberdade do medo, porém liberdade para a mente transcender a si própria. O ho­mem que está livre de alguma coisa só conhece uma li­berdade limitada.

Está visto, pois, que a investigação de tudo isso de­manda muita energia, muita atenção, não apenas por uma ou duas horas, mas a todos os momentos do dia — via­jando de ônibus, no escritório, no lar, ou num passeio solitário. Há necessidade dessa constante investigação, de um constante indagar, uma constante vigilância, para que se nos revele todo o conteúdo de nosso ser. Ver-se-á, então, que, no descobrimento e na compreensão do que realmente somos, se nos abre a porta da liberdade. 

Krishnamurti — Verdade libertadora - ICK


sexta-feira, 8 de março de 2013

O medo da liberdade

Olhe uma rosa: ela é bela, mas não existe liberdade alguma de florescer ou não florescer. Não existe problema, não existe escolha. A flor não pode dizer, ‘Eu não quero florescer’, ou ‘Eu me recuso’. Ela nada tem a dizer, nenhuma liberdade. É por isso que a natureza é tão silenciosa (…)

Com o surgimento do homem, pela primeira vez aparece a liberdade. O homem tem a liberdade de ser ou não ser. Por outro lado, surge a angústia, o medo de que ele possa ou não ser capaz, medo do que vai acontecer. Existe um tremor profundo. Todo momento é um momento em suspense. Nada é seguro ou certo, nada é previsível com o homem: tudo é imprevisível.

Nós conversamos a respeito da liberdade, mas ninguém gosta de liberdade. Nós falamos sobre liberdade, mas criamos escravidão. Toda liberdade nossa é apenas uma troca de escravidão. Nós seguimos mudando de uma escravidão para outra, de um cativeiro para outro. Ninguém gosta de liberdade porque liberdade cria medo. Com a liberdade você tem que decidir e escolher. Nós preferimos pedir a alguém ou a alguma coisa para nos dizer o que fazer – à sociedade, ao guru, às escrituras, à tradição, aos pais. Alguém deve nos dizer o que fazer: alguém deve mostrar o caminho, para que possamos seguir – mas nós não conseguimos nos mover por nós mesmos. A liberdade existe, mas existe o medo.

É por isso que existem tantas religiões. Não é por causa de Jesus, de Buda ou de Krishna. É por causa de um enraizado medo da liberdade. Você não consegue ser simplesmente um homem. Você tem que ser um hindu, um muçulmano ou um cristão. Apenas por ser um cristão, você perde a sua liberdade; sendo um hindu, você não é mais um homem – porque agora você diz, ‘eu seguirei uma tradição. Eu não vou caminhar no inexplorado, no desconhecido. Eu seguirei num caminho bem marcado com pegadas. Eu caminharei atrás de alguém; eu não seguirei sozinho. Eu sou um hindu, assim eu seguirei com uma multidão; eu não caminharei como um indivíduo. Se eu me mover como um indivíduo, sozinho, haverá liberdade. Então, a todo momento eu terei que decidir, eu terei que gerar a mim mesmo, a todo momento estarei criando a minha alma. E ninguém mais será responsável: somente eu serei o responsável final.’

Nietzche disse ‘Deus está morto e o homem está totalmente livre.’ Se Deus está realmente morto, então o homem está totalmente livre. E o homem não tem tanto medo da morte de Deus: ele tem muito mais medo da sua liberdade. Se existe um Deus, então tudo está bem. Se não existe Deus, então você foi deixado totalmente livre – condenado a ser livre. Agora faça o que você gosta e sofra as conseqüências, e ninguém mais será responsável, só você.

Erich Fromm escreveu um livro chamado ‘O Medo da Liberdade’. Você se apaixona e começa a pensar em casamento. O amor é uma liberdade; o casamento é uma escravidão. Mas é difícil encontrar uma pessoa que se apaixona e não pense imediatamente em casamento. Existe o medo porque o amor é uma liberdade. O casamento é uma coisa segura; nele não existe medo. O casamento é uma instituição – morta; o amor é um evento – vivo. Ele se move; ele pode mudar. O casamento nunca se move, nunca muda. Por causa disso o casamento tem uma certeza, uma segurança.

O amor não tem certeza nem segurança. O amor é inseguro. A qualquer momento ele pode sumir de vista da mesma forma como apareceu do nada. A qualquer momento ele pode desaparecer! Ele é muito sobrenatural; ele não tem raízes na terra. Ele é imprevisível. Por isso, ‘é melhor casar. Assim, fincamos raízes. Agora esse casamento não vai evaporar no nada. Ele é uma instituição!’

Em toda situação – exatamente como no amor –, quando encontramos liberdade, nós a transformamos em escravidão. E quanto mais cedo melhor! Assim nós podemos relaxar. Por isso, toda história de amor termina em casamento. ‘Eles se casaram e viveram felizes para sempre.’

Ninguém está feliz, mas é bom terminar a história ali porque em seguida vai começar o inferno. Por isso toda história termina no momento mais bonito. E qual é esse momento? É quando a liberdade se torna escravidão! E isso não é apenas com o amor: isso é com tudo. Assim o casamento é uma coisa feia; é provável que venha a ser. Toda instituição tende a ser uma coisa feia porque ela é apenas um corpo morto de algo que um dia foi vivo. Mas com uma coisa viva, a incerteza provavelmente estará presente.

‘Vivo’ quer dizer que pode mover, pode mudar, pode ser diferente. Eu amo você; no próximo momento eu posso não amar. Mas se eu sou o seu marido, ou sua esposa, você pode ter a certeza de que no próximo momento eu também serei seu marido, ou sua esposa. Isso é uma instituição. Coisas mortas são muito permanentes; coisas vivas são momentâneas, mutáveis, estão num fluxo.

O homem tem medo de liberdade, mas a liberdade é a única coisa que faz de você um homem. Assim, nós somos suicidas – ao destruir nossa liberdade. E com essa destruição nós estamos destruindo toda nossa possibilidade de ser. Então você acha que ter é bom porque ter significa acumular coisas mortas. Você pode continuar acumulando; não existe um fim para isso. E quanto mais acumula, mais seguro você fica.

Eu digo que agora o homem tem que caminhar conscientemente. Com isso eu quero dizer que você tem que estar consciente de sua liberdade e também consciente de seu medo da liberdade.

Como usar essa liberdade? A religião nada mais é do que um esforço no sentido da evolução consciente, em saber como usar essa liberdade. O esforço de sua vontade agora é significativo. Qualquer coisa que você esteja fazendo não voluntariamente é apenas parte do passado na escala da evolução. O seu futuro depende de seus atos com vontade. Um ato muito simples feito com consciência, com vontade, dá a você um certo crescimento – ainda que seja um ato comum.

Por exemplo, você resolve jejuar, mas não porque você não tem comida. Você tem comida; você pode comê-la. Você tem fome; você pode comer. Você resolve jejuar: isso é um ato voluntário – um ato consciente. Nenhum animal pode fazer isso. Um animal jejua algumas vezes, quando não existe fome. Um animal terá que jejuar quando não existir alimento. Mas somente o homem pode jejuar quando existe ambos: a fome e o alimento. Isso é um ato voluntário. Você usa a sua liberdade. A fome não consegue incitar você. A fome não consegue empurrar você e o alimento não consegue puxar você.

Esse jejum é um ato de sua vontade, um ato consciente. Isso dará a você mais consciência. Você sentirá uma liberdade sutil: livre do alimento, livre da fome – na verdade, no fundo, livre do seu corpo, e ainda mais fundo, livre da natureza. A sua liberdade cresce e a sua consciência cresce.

Na medida que sua consciência cresce, a sua liberdade cresce. Elas são correlacionadas. Seja mais livre e você será mais consciente; seja mais consciente e você será mais livre.

Por Bhagwan Shree Rajneesh, Osho

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A confiança onde o "eu" não se torna importante

Por que desejais admiração? Porque o ser admirado vos faz feliz, dá-vos estímulo, faz-vos trabalhar melhor. Desejais que vos estimulem por não vos sentir seguro em vós mesmo, e necessitais, por isso, do amparo dos outros; e sois susceptíveis à crítica porque ela vos revela o que sois.

Tal é a razão porque estais sempre fugindo à crítica e desejoso de admiração, de estímulo, de lisonja; assim, mais uma vez, vos vedes envolvido na batalha do querer e do não querer.

Tudo isso indica, sem dúvida, uma pobreza interior do vosso ser, não é verdade? Não há um sentimento profundo de confiança.

Não me refiro à arrogante confiança da experiência, que é apenas um meio de fortalecer o "eu" e, portanto, sem muita significação. Refiro-me à confiança que resulta de compreenderdes a vós mesmo, do perceberdes todo o significado da admiração, do estímulo, da crítica.

A compreensão de vós mesmo não depende de ninguém; ela se apresentará se estiverdes muito vigilante, atento, encontrando-vos com o que é em cada momento que passa e abstendo-vos de julgá-lo.

O autoconhecimento proporciona uma confiança em que o "eu" não se torna importante. Não é a confiança do "eu" que acumulou considerável experiência, ou do "eu" que possui um grande depósito no banco, ou do "eu" que tem um vasto cabedal de conhecimentos. Nisso não existe confiança e, sim, só é sempre, temor.

Entretanto, quando a mente começa a tornar-se cônscia de si mesma e das suas reações, quando percebe todas as suas atividades, momento por momento, sem inclinação para a comparação ou o julgamento, então, desse conhecimento, resulta uma confiança inteiramente livre do "eu".

Essa mente não busca a admiração nem evita a crítica; já não lhe importa nem uma nem outra coisa, pois a cada momento encontra libertação na compreensão do que é. O que é é a reação, a réplica, o impulso, o desejo da mente, em qualquer momento dado; e se observardes realmente o que é, se vos tornardes cônscios de todo o seu conteúdo, sentireis a presença de uma liberdade extraordinária, manifestando-se sem que a mente a tenha procurado.

Quando a mente busca a liberdade, o que está querendo é livrar-se de alguma coisa, e isso não é liberdade nenhuma, senão, unicamente, uma reação semelhante à revolução política, que é uma reação contra o regime vigente.

A liberdade surgida com a compreensão do que é, não representa reação contra alguma coisa; é uma libertação criadora e, por conseguinte, completa em si mesma.

Mas a compreensão do que é exige muito discernimento, muita tranquilidade mental. A liberdade não resulta de nenhuma espécie de compulsão, de nenhuma atração, de nenhum desejo; pode manifestar-se, apenas, quando a mente percebe sem julgamento, sem escolha, de modo que a cada momento se vê a si mesma tal como é.

A mente que busca liberdade nunca a encontrará, pois procurar liberdade significa barrar, afastar o que é; mas, quando a mente começa a compreender o que é, sem escolha, essa própria compreensão produz uma descarga criadora, que é liberdade.

A liberdade é impar, ela é a verdadeira individualidade, e nela se encontra a bem-aventurança.

Krishnamurti — Percepção Criadora

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Que significa ser livre?

Que significa ser livre? Será liberdade fazer o que lhe convém, ir onde lhe agrada, pensar o que lhe apetece? De qualquer modo, é isso o que você faz. Ter independência, simplesmente significará liberdade? Muitas pessoas no mundo são independentes, mas poucas são livres. Liberdade implica uma grande inteligência, não é? Assim, ser livre é ser inteligente, mas a inteligência não vem apenas pelo desejo de ser livre. Ela vem só quando você começa a compreender totalmente o meio que lhe rodeia, as influências sociais, religiosas, familiares e tradicionais que lhe estão constantemente pressionando. Mas para compreender as várias influências do meio cultural a que você pertence, das crenças e superstições, da tradição à qual você se conforma sem pensar - para as compreenderdes todas, e se libertar delas, é preciso uma visão profunda. Mas geralmente você se submete a elas porque interiormente esta com medo. Você tem medo de não obter uma boa posição na vida; tem medo do que os outros poderão dizer; tem medo de não seguir a tradição, de não fazer a coisa certa. Mas liberdade é, verdadeiramente, um estado de espírito em que não há medo ou compulsão, nem ansiedade de estar seguro.

Krishnamurti - in THIS MATTER OF CULTURE

domingo, 30 de setembro de 2012

Vale a pena investir energia no aprimoramento da minha personalidade?


Você precisa abrir mão da sua personalidade para que possa encontrar a sua individualidade. O que chamamos de personalidade não é você; é uma máscara que as pessoas puseram em você. Ela não é uma realidade autêntica, não é sua face original. Você está me perguntando, “Vale mesmo a pena investir energia no aprimoramento da minha personalidade?” Invista energia na destruição da sua personalidade! Invista energia na descoberta de sua individualidade, e deixe essa distinção muito clara: a individualidade que você trouxe com você ao nascer. A individualidade é o seu ser essencial, e a personalidade é o que a sociedade fez com você, o que ela quis fazer com você.
Nenhuma sociedade até hoje foi capaz de dar liberdade às crianças para que sejam elas próprias. Parece arriscado dar essa liberdade. Elas podem ficar rebeldes. Podem não seguir a religião dos antepassados; podem não confiar nos valores morais. Elas descobrirão a sua própria moralidade e o seu próprio estilo de vida. Não serão réplicas, não repetirão o passado; serão seres do futuro.
Isso faz surgir o medo de que elas se desviem. Antes que se desviem, toda a sociedade tenta ensinar a elas uma maneira certa de viver, uma certa ideologia sobre o que é bom e o que é ruim, uma certa religião, uma certa escritura sagrada. Essas são maneiras de se criar a personalidade, e a personalidade funciona como uma prisão.
Mas milhões de pessoas neste mundo só conhecem a própria personalidade; não sabem que existe algo mais. Elas se esqueceram completamente de si mesmas, esqueceram-se até do caminho para chegar a elas mesmas. Tornaram-se, todas elas, atores, hipócritas. Estão fazendo coisas que nunca tiveram vontade de fazer e não estão fazendo coisas que adorariam fazer. A vida delas é tão fragmentada que elas nunca conseguem ficar em paz. A natureza delas está sempre se impondo e não as deixa em paz. E a chamada personalidade não para de reprimi-las, forçando-as a mergulhar cada vez mais fundo na inconsciência. Esse conflito divide você e a sua energia — e uma casa dividida não consegue resistir por muito tempo. Essa é a desgraça dos seres humanos — é a razão porque não existe tanta dança, tanta música, tanta felicidade.
As pessoas estão muito preocupadas em guerrear consigo mesmas. Elas não têm energia e não têm tempo para mais nada a não ser brigar com elas próprias. Elas têm de lutar contra a sensualidade, tem de lutar contra a individualidade, tem de lutar contra a originalidade. E tem de lutar por algo que elas não querem ser, que não faz parte da natureza delas, que não é o seu destino. Portanto, elas podem mostrar falsidade por um tempo, mas o verdadeiro sempre acaba aparecendo.
A vida passa, com seus altos e baixos, e elas não conseguem descobrir quem são: o repressor ou o reprimido? O opressor ou o oprimido? E, façam o que fizerem, as pessoas não vão conseguir destruir a natureza delas. Elas com certeza podem envenená-la; podem destruir a sua alegria, podem destruir a sua dança, podem destruir o seu amor. Podem tornar a vida delas uma mixórdia, mas não podem destruir completamente a sua própria natureza. E também não podem jogar fora a sua personalidade, porque a personalidade carrega os antepassados, os pais, os professores, os padres, todo o passado. É uma herança, à qual eles se apegam.
Tudo o que eu ensino é: não se apegue à sua personalidade. Ela não é você, nunca vai ser você. Dê à sua natureza total liberdade. E respeite-se, tenha orgulho de si mesmo, seja lá o que você for. Tenha dignidade! Não se deixe destruir pelos mortos.
Pessoas mortas há milhares de anos estão empoleiradas sobre a sua cabeça. Elas são a sua personalidade — e você quer aprimorá-las? Então, convoque mais alguns mortos! Escave mais alguns túmulos, desenterre mais esqueletos, cerque-se de todo tipo de fantasma. Você será respeitado pela sociedade. Será homenageado, recompensado; terá prestígio, será considerado um santo. Mas cercado pelos mortos você não conseguirá rir — não será de bom-tom —, você não conseguirá dançar, não conseguirá cantar, nem conseguirá amar.
A personalidade é uma coisa morta. Acabe com ela! Num sopro só, não aos poucos, não lentamente, hoje um pouquinho e amanhã um pouco mais, porque a vida é curta e o amanhã não é uma certeza. O falso é falso. Descarte-o totalmente!
Todo ser humano de verdade tem de ser um rebelde... E rebelde contra quem? Contra a própria personalidade.  
O japonês era cliente, fazia muito tempo, de um restaurante grego, porque tinha descoberto que eles faziam um arroz frito muito saboroso. Toda noite ele ia até o restaurante e pedia “aroz flito”. Isso sempre causava um ataque de riso no dono do restaurante. Às vezes, ele chegava a chamar dois ou três amigos só para ouvir o japonês pedir “aroz flito”.
O japonês acabou ficando tão ofendido que resolveu tomar aulas de dicção só para dizer “arroz frito” corretamente. Na vez seguinte que foi ao restaurante, ele disse claramente: “Arroz frito, por favor”.
Sem acreditar no que ouvia, o dono do restaurante pediu. “Pode repetir, por favor?”
O Japonês replicou, “Você ouviu o que eu disse, seu gleco cletino”.
Por quanto tempo você consegue fingir? A realidade vai aparecer uma hora dessas, e quanto antes melhor. Você não precisa melhorar a sua dicção — só precisa se livrar de toda essa coisa de personalidade. Seja simplesmente você mesmo. Não importa o quanto ela pareça tosca ou rústica no início, logo vai começar a adquirir a sua própria graça, a sua própria beleza.
E a personalidade... Você pode burila-la, mas vai estar burilando uma coisa morta, que não vai desperdiçar apenas com o seu tempo, com a sua energia e com a sua vida, mas também com as pessoas à sua volta. Nós todos afetamos uns aos outros. Quando todo mundo está fazendo alguma coisa, você também começa a fazer. A vida é extremamente contagiosa e todo mundo está aprimorando a sua personalidade — é por isso que essa ideia lhe ocorreu.
Mas isso não é necessário. Você não faz parte de um rebanho, não faz pare dessa gentalha. Tenha respeito por si mesmo e pelas outras pessoas. Orgulhe-se da sua liberdade. Quando você tem orgulho da sua liberdade, quer que todo mundo seja livre, pois a sua liberdade dá à você um amor e uma graça imensos. Você gostaria que todo mundo na vida fosse livre, amoroso e cheio de graça.
Isso só é possível se você for original — não algo construído, falso, mas algo que cresça dentro de você, que tenha raízes no seu ser, que floresça no tempo certo. E ter as suas próprias flores é o seu único destino, é o único caminho que faz sentido na vida.
Mas a personalidade não tem raízes; ela é feita de plástico, é artificial. Não é difícil descarta-la; só é preciso um pouquinho de coragem. E a sensação que eu tenho diante de milhares de pessoas é que todo mundo tem essa coragem, as pessoas apenas não a estão usando. Depois que você passa a usar a sua coragem, as suas fontes interiores adormecidas começam a ser ativadas e você fica ainda mais corajoso, mais rebelde. Você próprio se torna uma revolução.
Se você é uma revolução em si mesmo, isso é uma grande alegria, porque é sinal de que você cumpriu o seu destino. Você transcendeu a gentalha comum, a massa adormecida. 

OSHO — O Livro da sua vida - Crie seu próprio caminho para a liberdade - Cultrix

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill