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quarta-feira, 11 de abril de 2018

É possível morrer para o conhecido?


É possível morrer para o conhecido?

[...] Há a morte — um fato inegável. Vós a vedes todos os dias. Em toda casa ela entra. Todo ser humano a conhece. Ela é um fim — absoluto, definitivo, irrevogável. Podeis tecer uma porção de teorias em torno dela — dizer que há continuidade, que há o “além”, que há uma vida futura, etc. etc. Mas o fato é um fato. Se compreendeis o fato, descobrireis o que há além. Mas, se não compreendeis o fato, se não enfrentais o fato, não podeis passar além. O fato é que há a morte; e contra esse fato não há argumentos. Não podeis argumentar com a morte. Não podeis dizer-lhe “vem amanhã”. Que é, pois, morrer? Há, decerto, um morrer fisiológico, em que o corpo se acaba. A morte virá, inevitavelmente, para o corpo, porque o corpo é uma máquina, um organismo que se gasta pelo mau uso que dele se faz pelo conflito, por pressões, lutas, pela alimentação inadequada, etc.; assim, todo esse processo chega a seu fim. Podemo-lo admitir muito fácil e prontamente. Mas isso é tudo?

Em vivi, lutei, adquiri experiência, tornei-me muito poderoso — para que? Se eu morrer, tudo isso desaparecerá ou terá continuidade? Como descobri-lo? Compreendeis, senhores? Não me estais escutando, para receberdes novas ideias. Não vos estou fornecendo argumentos, não estou refutando o que credes e oferecendo, como substituto, minha crença particular. Nesta matéria, não tenho crença alguma; só tenho fatos. Desejo saber o que é a morte, e não poderei sabê-lo se não sei morrer. Fisicamente, vosso corpo tem continuidade — como sabeis — até chegardes ao fim, até a máquina morrer.

Ora, é possível morrer psicologicamente? Sabeis o que significa morrer, findar? Entendeis minha pergunta? Faço-a com clareza? Vede, senhores, há a morte, algo que não conheceis. E aquilo que desconheceis, temeis. Pelo menos pensais que temeis aquilo que desconheceis. Não é verdade? Como podeis ter medo de uma coisa que desconheceis? Tendes medo é de perder algo que já conheceis. Esta a causa real do medo; o medo não é ao desconhecido. Temeis perder algo que acumulastes. Temeis perder o conhecido, e não o desconhecido.

Ora, pode-se morrer para o desconhecido? Podeis morrer para a lembrança de ontem, para todas as vossas realizações, para todas às coisas que tendes acumulado? Podeis morrer livre e facilmente, e ditosamente, para as coisas que vos são caras? Podeis amar vossa família — mas eu tenho minhas dúvidas a esse respeito; se amásseis verdadeiramente vossa família, a atual sociedade não seria tão corrupta. Podeis morrer para vosso prazer, para vossas vaidades, ambições, para vossa avidez — imediatamente? Pois é isso que irá acontecer ao morrerdes. Morrer para ontem, morrer para cada minuto, morrer para todas as coisas acumuladas — isso é morte. Quer dizer, podeis viver sempre num estado de “não saber” e, por conseguinte, sempre jovem, novo, “inocente”? A morte é uma coisa extraordinária. A morte é o desconhecido. Não podeis chegar-vos a ela com o conhecido; não podeis chegar-vos a ela com todas as vossas cargas. A morte vos despojará de tudo — de vossa família, vossos filhos, vosso caráter, vossas ambições. Porque, então, vós mesmo não vos despojais de tudo isso agora? Quando o fizerdes, sabereis o que significa a morte. E eu vos garanto que, quando o souberdes, conhecereis uma grande beleza. Sabereis então o que é o amor, porque a morte, o amor e a beleza, andam sempre juntos. Essa coisa que chamamos amor não é o amor; é mera memória. O que amais é o vosso interesse pessoal. Vossa família é a continuidade de vós mesmo; vossa família é vossa pertença. E, bem o sabeis, quando morreis, acabou-se a família; nada mais existe.

Assim, é possível morrer para tudo o que conheceis? Isto não significa aniquilamento; não significa negação; não significa “nada ser”. Há uma imensidade, uma vastidão, algo que ultrapassa todas as palavras, quando sabeis negar todas as bases, negar tudo o que tendes conhecido. Morrer assim, para tudo o que conheceis, a cada momento, significa nunca recolher, nunca acumular e, por conseguinte, jamais ter o conflito da separação.

A morte é o estado em que a mente perdeu o reconhecimento de si própria e das fronteiras do tempo. Onde há continuidade de pensamento — que é o que em geral desejamos, que é tudo o que sabemos — nasce sofrimento, ansiedade, sentimento de culpa e todas as agitações da vida; o pensamento tem sua peculiar continuidade, mas o pensamento está limitado pelo tempo. Quando o pensamento morre para si próprio, quando o mecanismo da memória, como pensamento, termina — falo do pensamento psicológico e não do pensamento mecânico do conhecimento — vereis então que a coisa que temeis não existe. Cessa inteiramente o medo. Estais então vivendo completamente, integralmente, totalmente, momento por momento; e isso é criação.

Para nós, a beleza é uma coisa construída pela mente. Para nós, beleza é a mulher ou o homem, é assistência social, é um edifício, um quadro, uma peça de cerâmica, ou uma ideia. Mas há uma beleza que transcende o pensamento e o sentimento, que não é construída pela mente. E essa beleza é o amor. Sem esse amor, a vida se torna inteiramente vazia — como o é a vida da maioria das pessoas; embora tenham famílias, embora tenham virtudes, embora tenham empregos, sua vida é vulgar, superficial, vazia.

Mas, quando tiverdes morrido para tudo, psicologicamente, quando tiverdes alcançado esse ponto, vereis que do morrer surge um viver — um viver que não tem significação, comparado com o presente viver. Esse viver é o estado de criação, e essa criação não conhece o tempo. É o imenso, o imensurável, o incognoscível. E só a mente que morreu para si própria e para todas as coisas conhecidas conhecerá o Incognoscível.

Krishnamurti, Nova Déli, 11 de fevereiro de 1962, A mutação Interior

terça-feira, 10 de abril de 2018

Morrer é conhecer o amor


Morrer é conhecer o amor

Com vossa permissão, desejo hoje tratar de um assunto um tanto complexo, que é a morte. Mas, antes de entrarmos na matéria desejo sugerir àqueles que estão tomando notas que não o façam. Este orador não está pronunciando uma conferência, para fazerdes anotações e depois interpretardes, vós ou outro, o que se está dizendo. Intérpretes são exploradores, não importa se bem intencionados ou se meramente desejosos de “fazer nome”. Assim, desejo sugerir-vos com toda a seriedade que presteis atenção e experimenteis agora, em vez de deixardes para refletir mais tarde sobre o que se disse, ou ouvir comentários de outras pessoas a tal respeito, pois tudo isso é extremamente fútil.

Desejo também salientar que as palavras, em si mesmas, pouco significam. São apenas símbolos de que nos servimos para fins de comunicação. Tenho de empregar certas palavras, mas faço-o apenas com o fim de comunicar-vos algo; e cada um deve procurar através delas o seu caminho para a compreensão de coisas não explicáveis verbalmente; e, já que temos a tendência de interpretar as palavras consoante aos nossos gostos e aversões, existe o perigo de perdermos o verdadeiro significado do que se está dizendo. Estamos tentando averiguar o que é falso e o que é verdadeiro; e, para isso, temos de transcender as palavras. E, no transcender as palavras, estamos expostos ao perigo de nossa interpretação pessoal, individual, nas palavras. Assim, se desejamos realmente penetrar fundo nesta questão da morte, como pretendo fazer, devemos estar apercebidos das palavras e seus significados e ter o cuidado de não as interpretar de acordo com nossos gostos e desgostos. Se nossa mente está livre da palavra, do símbolo, estamos então aptos a comungar uns com os outros além do nível das palavras.

A morte é um problema muito complexo, difícil de experimentar realmente e penetrar fundo. Por isso, ou tratamos de racionalizá-la, explicá-la e nos quedamos satisfeitos; ou, ainda, temos crenças, dogmas, ideias, nas quais nos refugiamos. Mas dogmas, crenças e racionalizações não resolvem o problema. A morte existe; está sempre presente. Ainda que os médicos e cientistas logrem prolongar a vida do organismo físico por mais cinquenta anos ou além, a morte nos aguarda. E para a compreendermos não devemos considerá-la verbal, intelectual ou sentimentalmente, porém enfrentando realmente o fato e penetrando-o. Isso requer muita energia, muita clareza de percebimento; e a energia e a clareza são-nos negadas quando há medo.

Em maioria, jovens ou velhos, temos pavor da morte. Embora vejamos passar todos os dias o coche fúnebre, a morte nos aterroriza; e, havendo medo, não há compreensão. Assim, para se penetrar a questão da morte, o primeiro requisito essencial é que se esteja livre do medo. E com “penetrar” quero dizer “viver com a morte” — não verbalmente, não intelectualmente, mas conhecer de fato o sentimento de viver com uma coisa tão brutal, tão peremptória, com a qual é escusado discutir ou barganhar. Mas, para fazê-lo, devemos primeiramente estar livres do medo; e isso é dificílimo.

Não sei se já tentastes ficar livre do medo de alguma coisa: medo da opinião pública, de perder o emprego, de não ter crença alguma. Se o fizestes, deveis saber como é difícil nos livrarmos completamente do medo. Conhecemos realmente o medo? Ou há sempre um intervalo entre o “processo de pensamento” e a realidade? Se temo a opinião pública, o que outros dizem, esse temor é simplesmente um processo de pensamento, não? Mas, ao apresentar o momento real de enfrentar o fato — o que se está dizendo de nós — nesse exato momento não existe medo. No percebimento total não há experimentador. Não sei se já tentastes alguma vez ficar completamente apercebidos sem escolha, completamente perceptivo sem nenhuma barreira à atenção. Com essa percepção podemos ver que estamos sempre fugindo das coisas que tememos, sempre a escapar-nos. Esta fuga à coisa que o pensamento chama temível é que cria o medo, essa fuga é medo — e isso significa, realmente, que o medo é causado pelo tempo e o pensamento.

E que é o tempo? Afora o tempo cronológico ou cronométrico, representado pelo ontem e o hoje, existe o tempo, interiormente, psicologicamente? Ou o pensamento inventou o tempo como meio de alcançar, de ganhar, a fim de preencher o intervalo entre o que é e o que deveria ser? O que deveria ser é meramente uma expressão ideológica; não tem validade, é simples teoria. O real, o fato, é o que é. Quando estamos frente a frente com o que é, não há medo. Tememos saber o que efetivamente somos, mas, se enfrentamos realmente o que é, não há temor. O pensamento, o pensar acerca do que é, eis o que gera o medo. E o pensamento é processo mecânico, reação mecânica da memória, e a questão é se o pensamento pode morrer para si mesmo. Pode uma pessoa morrer para todas as lembranças, experiências, valores, juízos, que acumulou?

Já alguma vez tentastes morrer para alguma coisa? Morrer, sem argumentar, sem escolher, morrer para uma dor ou, mais especialmente, para um prazer? No morrer não há argumentação; não se pode argumentar com a morte; ela é peremptória, absoluta. Da mesma maneira devemos morrer para a memória, morrer para um pensamento, para todas as coisas, todas as ideias que acumulamos. Se já experimentastes isso, deveis saber quanto é difícil; deveis saber como a mente, o intelecto, se apega à memória. Para se abandonar uma dada coisa totalmente, completamente, sem nada exigir em troca, necessita-se de claro percebimento, não achais?

Enquanto houver continuidade de pensamento, como tempo, como prazer e dor, tem de haver medo; e onde há medo, aí não há compreensão. Isso me parece bem simples e claro. Tememos tantas coisas! Mas, se tomardes uma dessas coisas e morrerdes para ela, completamente, descobrireis que a morte não é o que imagináveis que fosse; é algo completamente diferente. Mas nós desejamos a continuidade. Tivemos experiências, acumulamos conhecimentos, acumulamos várias formas de virtude, formamos nosso caráter, etc.; e tememos que isso se acabe e, assim, perguntamos: “Que me acontecerá quando vier a morte?” E este é realmente o problema. Conhecendo a inevitabilidade da morte, recorremos à crença na reencarnação, na ressurreição, e a todas as fantasias contidas na crença — e isso, na realidade, é uma continuação do que somos. E, com efeito, que sois vós? Dor, esperança, desespero, várias formas de prazer; sois entes confinados no tempo e no sofrimento. Fruímos uns poucos momentos de alegria, mas o resto de nossa vida é vazio, superficial, uma batalha constante, cheia de canseiras e misérias. Isto é tudo o que conhecemos da vida e é isto que desejamos continue. Nossa vida é uma continuidade do conhecido; movemo-nos e agimos do conhecido para o conhecido; e quando se destrói o conhecido, manifesta-se o sentimento de medo, medo de enfrentar o desconhecido. A morte é o desconhecido. Ora, pode-se morrer para o conhecido, e enfrentá-lo? Eis o problema.

Não estou falando de teorias. Não estou oferecendo ideias. Estamos procurando averiguar o que significa viver. Viver sem medo bem pode significar imortalidade, ficar livre da morte. Morrer para as lembranças, para o ontem e para o amanhã, isso, por certo, é “viver com a morte”; e nesse estado não existe o medo à morte e todas as absurdas invenções criadas pelo temor. E que significa “morrer interiormente”? O pensamento é a continuação do ontem no futuro, não? O pensamento é reação da memória. A memória resulta da experiência. E experiência é o processo de “desafio” e “reação”. Pode-se ver que o pensamento está sempre funcionando na esfera do conhecido; e enquanto estiver funcionando o mecanismo do pensamento, tem de haver medo. Porque é o pensamento que impede a investigação do desconhecido.

Notai que estamos procurando pensar juntos na questão. Não vos falo como uma pessoa que descobriu algo novo e vos está contando o que descobriu, para acompanhardes verbalmente a descrição. Deveis acompanhá-la investigando vossa mente e coração. Há necessidade de autoconhecimento; porque o conhecimento de si mesmo é o começo da libertação do medo.

Estamos perguntando se é possível “viver com a morte”, não no último instante, quando a mente está debilitada, ou na velhice ou quando se sofre um acidente, porém agora mesmo. “Viver com a morte” deve ser uma experiência extraordinária, algo totalmente novo, nunca pensado e que o pensamento jamais poderá descobrir. E para descobrir o que significa “viver com a morte”, necessita-se de imensa energia, não achais? Viver com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos, e não vos deixardes perverter, deformar; viver com uma árvore, com a natureza — necessita-se de energia para se conseguir isso. Para viver com uma coisa feia necessita-se de energia; porque, do contrário, a coisa feia vos deformará ou com ela vos acostumareis, mecanicamente; e o mesmo se aplica à beleza. Se não viveis intensamente, completamente, plenamente num mundo desta espécie, onde se encontra toda espécie de propaganda, de influência, de pressão, de controle, de falsos valores, vos acostumareis com tudo e isso vos embotará a mente, o espírito. E para se ter energia, não deve haver medo; o que significa que nada absolutamente se deve exigir da vida. Não sei se podeis chegar tão longe: nada exigir da vida.

Há dias falamos sobre a “necessidade”. Temos necessidade de certos confortos físicos, de alimento, de morada; mas fazer exigências psicológicas à vida significa mendigar, ter medo. Há necessidade de intensa energia para se estar só. Compreender isso não é questão de refletir a seu respeito. Só há compreensão quando não há escolha, julgamento, porém, apenas, observação. Morrer cada dia significa não transportar de ontem para hoje todas as vossas ambições, vossos pesares, vossas lembranças de preenchimento, vossas mágoas, vossos ódios. A maioria de nós definha, mas isso não é morrer. Morrer é conhecer o amor. O amor não tem continuidade, não tem amanhã. O retrato de uma pessoa na parede, a sua imagem em vossa mente — isso não é amor, é só memória. Assim como o amor é o desconhecido, assim também a morte é o desconhecido. E para ingressarmos no desconhecido — que é a morte e o amor — precisamos, primeiramente, morrer para o conhecido. Só então a mente está nova, jovem, “inocente”; e nela não existe a morte.

Se vos observardes, assim como vos mirais num espelho, vereis que nada mais sois que um feixe de lembranças, não é verdade? E todas essas lembranças pertencem ao passado; são coisas passadas e acabadas, não é mesmo? Assim, não se pode morrer para tudo isso, instantaneamente? Tal é possível, mas exige muita investigação de si mesmo, percebimento de cada pensamento, cada gesto, cada palavra, para que não haja acumulação. Por certo, isso se pode fazer. Pode-se então saber o que significa morrer todos os dias; e talvez saibamos então o que é amar todos os dias, e, não, conhecer o amor apenas como lembrança. Tudo o que agora conhecemos é só fumo — o fumo do apego, do ciúme, da inveja, da ambição, da avidez, etc. Não conhecemos a chama que está a arder por trás da fumaça. Mas, se pudermos dissipar completamente o fumo, descobriremos então que viver e morrer são a mesma coisa, não teoricamente, mas de fato. Afinal de contas, tudo o que continua, que não chega a um fim, não é criador. O que tem continuidade nunca pode ser novo. Só na destruição da continuidade encontra-se o novo. Não me estou referindo à destruição social ou econômica, que é muito superficial. E se penetrardes isso bem fundo, não apenas no nível consciente, mas ainda nas profundezas existentes além dos limites do tempo, além da consciência — a qual está sempre contida na estrutura do pensamento — descobrireis então que morrer é uma coisa extraordinária. O morrer é, então, criação. Não é criação escrever poemas, pintar quadros, inventar novidades mecânicas. A criação só pode vir depois de morrermos para todas as técnicas, todo o saber, todas as palavras.

A morte, pois, como a concebemos, é medo. E quando não existe medo, porque estamos acolhendo a morte a cada minuto, então cada minuto é uma coisa nova; ele é novo porque, interiormente, “o velho” foi destruído. E para destruir não deve haver medo, porém, tão só, o sentimento de completa solidão; a possibilidade de estar completamente só, sem Deus, sem família, sem nome, sem tempo. Mas isso não significa desespero. A morte não é desespero. Pelo contrário, ela é viver cada minuto completamente, totalmente, sem as limitações do pensamento. Descobre-se então que a vida é morte, e que a morte é criação e amor. A morte, que é destruição, é criação e amor; essas três coisas estão sempre juntas, são inseparáveis. Ao artista só preocupa a expressão, coisa muito superficial, e ele não é criador. A criação não é expressão, transcende o pensamento e o sentimento, é livre da técnica, livre da palavra e da cor. E essa criação é amor.

Krishnamurti, Paris, 19 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A morte é a libertação do coletivo


A morte é a libertação do coletivo

E a morte... por que tanto medo à morte? Esse medo existe não só para os velhos, porém para todos. Por quê? E, sentindo medo, inventamos tantas teorias agradáveis e confortadoras: reencarnação, karma, ressurreição, etc. etc. É ao medo que cumpre compreender... mas não voltemos a esta questão do medo. Estamos tentando compreender o que significa morrer.

A maioria de nós deseja a continuidade física — lembranças de coisas passadas, esperanças, satisfações, preenchimentos; vivemos, em geral, com nossas lembranças, associações, quadros, retratos. E tudo pode findar, ao perecer o corpo físico. Isto é muito perturbador. Já vivi tanto — cinquenta ou sessenta anos; tenho lutado para cultivar certas virtudes, adquirir conhecimentos; e que vale a vida, se tenho de separar-me de tudo, acabar num dado momento? Origina-se, assim, o tempo-espaço. Entendeis? Tempo, compreendido como espaço e distância. Mas tudo o que tem continuidade, que não conhece findar, não pode renovar-se nunca, ser jovem, viçoso, “inocente”. Só aquilo que morre tem a possibilidade de conhecer a criação, de ser novo, fresco. Assim, é possível morrer em vida, conhecer a vitalidade, a energia da morte, com todos os sentidos plenamente despertos? Que significa a morte? Não a morte de velhice, doença ou acidente, porém a morte de uma mente em plena atividade, que provou, que experimentou e adquiriu conhecimento; quer dizer, a morte do passado. Compreendeis?

Não sei se já alguma vez experimentastes — ainda que por divertimento — morrer para todas as coisas conhecidas. Direis, então: “Se morro para todas as minhas lembranças, para minha experiência, meu saber, meus retratos, meus símbolos, meus apegos e ambições, que resta?” Nada. Mas, para saber o que é a morte, a mente, por certo, deve estar reduzida a nada. Consideremos uma coisa. Já experimentastes morrer, não só para o sofrimento, mas também para o prazer? Desejamos morrer para o sofrimento, para as lembranças desagradáveis; mas morrer também para o prazer, as alegrias, as coisas que vos conferem um extraordinário senso de vitalidade — já experimentastes isto? Se o fizerdes, vereis que se pode morrer para o passado. Morrer para todas as coisas, de modo que, ao dirigir-vos para vosso escritório, para vosso trabalho, tenhais a mente nova — por certo, isto é amor e não coisas lembradas.

Assim, a mente foi construída através do tempo; a mente é tempo. Todo o pensamento molda a mente no tempo. E para não ser moldado pelo tempo, o pensamento deve cessar completamente. Não um cessar forçado, um cessar mecânico, não uma interrupção, porém o findar consistente em perceber a verdade de que ele deve cessar.

Assim, para sabermos o que é a morte, precisamos “viver com a morte”. Se desejais conhecer uma criança, tendes de viver com a criança, e não temê-la. Mas, em maioria, nós morremos mil mortes, antes da morte real. “Viver com a morte” é morrer para ontem, de modo que ontem não produza marca no dia de hoje. Experimentai-o. Percebendo-se o que há de verdadeiro nisso, tem então o viver significado todo diferente; não há então separação entre o viver e a morte. Mas, nós temos medo de viver e temos medo de morrer; e não compreendemos nem o viver, nem a morte. Para “vivermos com uma coisa” temos de amá-la; e amar é morrer para ontem — porque então se pode viver. Viver não é continuidade da memória, ou volver ao passado, dizendo: “Como eu era feliz em minha infância!”

Não conhecemos a morte e não conhecemos a vida. Conhecemos as agitações, as ansiedades, as “culpas”, os temores, as terríveis contradições e conflitos; mas não sabemos o que é viver. E só conhecemos a morte como coisa aterradora, temível; afastamo-la do pensamento e evitamos falar a respeito dela, buscamos refúgio numa dada crença, como sejam discos voadores, reencarnação ou outra coisa qualquer.

Há, pois, um morrer e, portanto, um viver, quando o tempo, o espaço e a distância são compreendidos em termos do “desconhecido”. Ora, nossa mente funciona sempre no campo do “conhecido”, e nós nos movemos do conhecido para o conhecido; e nada mais conhecemos; e quando a morte interrompe esta continuidade “do conhecido para o conhecido”, aterramo-nos e nenhum consolo encontramos. O que desejamos é consolo, não a compreensão de algo que não conhecemos, não o viver com algo que não conhecemos.

Assim, o conhecido é o “ontem”. Eis tudo o que sabemos. Não sabemos o que é o “amanhã”. Projetamos o passado, através do presente, no futuro; e daí nasce a esperança e o desespero. Mas, para compreender realmente a coisa chamada “morte”, que deve ser algo extraordinário, incognoscível, impensável, inimaginável, precisamos procurar conhecê-la, “viver com ela”, precisamos chegar-nos a ela sem conhecimento e sem medo. E eu digo que isso é possível, que uma pessoa pode morrer para todos os dias passados. Afinal de contas, todos os dias passados são constituídos de prazer e de dor. E quando morremos para o passado, a mente está vazia; e, assustando-se com esse vazio, ela de novo começa a mover-se de um conhecido para outro. Mas, se se puder morrer para o prazer e a dor — não determinado prazer ou determinada dor — a mente está então fora do tempo e do espaço. E essa mente contém então o tempo e o espaço, sem o conflito do tempo e do espaço, não sei se estais compreendendo. Nossa linguagem é muito limitada. Vejamos se sobre isto podemos conversar.[...]

APARTE: Se vos dissessem que iríeis morrer amanhã, isso teria algum efeito em vós, pessoalmente?

KRISHNAMURTI: Nenhum, absolutamente, eu continuaria do mesmo modo. Mas a questão é: existe pensar individual separado do coletivo? O que estou tentando dizer é isto: Sou educado como hinduísta, como cristão, budista ou seja o que for, e creio em tudo que a sociedade crê, sendo eu uma parte dela. Existe pensamento separado desse todo? Todo pensamento separado só pode ser uma reação, não é verdade? Posso libertar-me da estrutura do “coletivo” e me declarar separado, mas isso, em verdade, é apenas uma reação dentro daquela estrutura, não achais? Eu estou falando a respeito da rejeição total da estrutura. É isso possível? Se é possível, há então pensamento individual que não é mera reação ao “coletivo”. Afinal, a morte é a libertação do “coletivo”. A morte é um libertar-se da estrutura em que existe pensar coletivo e reação a esse pensar coletivo, a qual chamamos “pensar individual”, mas que continua a fazer parte do “coletivo”. Morrer para tudo isso pode e dever ser algo completamente diferente, algo que não se pode medir em termos do “coletivo” ou em termos do “individual”, algo incognoscível, desconhecido. E eu digo que, se o conhecido não existe dentro do “desconhecido”, somos então meros escravos do conhecido e daí não há sápida. O incognoscível se torna possível quando morremos para o conhecido.

Krishnamurti, Londres, 21 de maio de 1961, O Passo Decisivo

domingo, 8 de abril de 2018

A compreensão do medo da morte


A compreensão do medo da morte

PERGUNTA: Ajudai-me a compreender esse terrível medo à morte, que persegue todo homem e toda mulher.

KRISHNAMURTI: Pode alguém livrar-se do medo mediante algum raciocínio, conclusão lógica, asserção de crenças, de qualquer natureza que sejam? Ainda que vos digam que após a morte ireis viver a próxima vida, ficareis livre do medo? Isso poderá acalmar-vos, tranquilizar-vos, temporariamente; mas aquele sentimento de desconhecimento, de incerteza, perdurará. Podemos libertar-nos do medo pela crença, pela razão? Sabeis que morrereis — é a sorte de todos nós. Logicamente, sabeis que todas as coisas se acabam; e há uma peculiar continuidade, porque continuais no vosso filho, na vossa filha, no vosso vizinho; e sois a continuidade de vosso pai ou de vossa mãe. Embora saibais logicamente que existe a morte, estais livre do temor?

Logicamente, intelectualmente, intimamente, podeis estar livre do medo? O medo só existe em relação, não é verdade? Tendes medo à morte, sendo a morte “o desconhecido”; tendes medo de que vossa mente deixe de existir. Embora saibais que ides morrer e embora acrediteis que ressuscitareis ou renascereis, ficareis livre do medo? Como se pode, então, ficar livre do temor? Há alguma maneira de se ficar livre do medo? Se eu vos disser como se pode ficar livre, ficareis livre? Podeis observar certas práticas, podeis dizer: “Sei que tudo se acaba, e o fim pode ser um novo começo; e no findar pode haver uma nova criação; ou quando eu findar surgirá o desconhecido”. Podeis persuadir-vos, podeis raciocinar, mas o medo se acabará?

O medo, por conseguinte, não é algo que possa ser eliminado pela mente, porque a própria mente é o medo. A mente é que cria o medo, a ideia da cessação, a ideia de chegar ao fim. Ela é que diz: “Tenho vivido tanto, eu não deveria findar, preciso ter mais experiência, ainda não me preenchi”. A mente é que pergunta: “Que me acontecerá amanhã?” O amanhã é criação sua. O amanhã e o findar que ocorrerá amanhã, são ideias que constituem, o processo mental. O medo, por conseguinte, é criado pela mente, e a mente não pode vencer o medo, não importa o que façamos. Se perceberdes a verdade a esse respeito — isto é, que a mente cria o medo — cessará então o “mecanismo de pensar” que está preso ao amanhã.

Senhor, enquanto a mente estiver operando com existência no tempo ou com o conhecimento do findar no tempo, tem de haver temor. O medo é o “mecanismo” da mente, e a mente não pode libertar-se do seu próprio “mecanismo”. O que ela pode fazer é só estar apercebida do “mecanismo” em que existe o temor, sem tentar dominá-lo ou fazer alguma coisa com relação a ele; observar o temor, sem agir — porque o agir é ainda criar temor. Assim sendo, é só quando a mente não cria o amanhã — o que significa o morrer de hoje, o findar do mecanismo do pensamento, agora — só então, não existe mais temor. Quando percebe esta verdade, a mente está então, ela própria, num “estado do desconhecido”, e não há mais a acumulação de todos os dias passados. É só quando morremos de dia para dia, para todas as coisas que acumulamos, que vem aquela coisa, que é o fim do temor

Krishnamurti, Quarta Conferência em Bombaim
17 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

Por que tememos tanto a morte?


Por que tememos tanto a morte?

PERGUNTA: Porque existe tanto medo da morte?

KRISHNAMURTI: Mais uma vez, se me permitis sugeri-lo, pensemos no problema do princípio ao fim, sem nos determos a meio caminho nem nos desviarmos dele por uma tangente. Sabemos que o corpo se deteriora e perece; o coração bate apenas um certo número de vezes, durante um certo número de anos, e todo o organismo físico, visto que está em uso constante, tem de inevitavelmente gastar-se e chegar ao seu fim. Isso não nos faz medo, sendo um fato comum, cotidiano, o vermos o transporte de defuntos para o crematório. Mas, então, dizemos: "Isso é tudo? Acabando-se meu corpo, se acabarão também as coisas que acumulei — minha tradição, meu amor, minha virtude? E se tudo isso tem realmente de acabar-se, para que serve viver?" Por conseguinte, começamos a indagar, queremos saber se há aniquilamento ou continuidade após a morte.

Este problema não concerne apenas aos supersticiosos, aos chamados "educados"; concerne a cada um de nós e cabe-nos descobrir por nós mesmos a verdade respectiva, nunca aceitando nem rejeitando, sem crença e sem ceticismo. O homem que teme a morte e por essa razão se agarra à crença na reencarnação, a isto ou àquilo, nunca descobrirá a verdade relativa a esta questão; mas a mente que de fato deseja saber e procura descobrir o que é verdadeiro, essa se acha num estado muito diferente. E isso o que estamos fazendo aqui.

Ora, que é que continua a existir? Entendeis, senhores? Como sabeis que continuastes a existir de ontem para hoje e que, se tudo correr bem e nenhum acidente sobrevier, continuarei a existir de hoje para amanhã? Só o sabeis graças à memória, não é verdade Conservemo-nos num nível muito simples, abstendo-nos de filosofar ou de amontoar palavras. Assim, só sei que existo em virtude da memória. A mera asserção de que existo nada significa; mas sei que existo porque hoje me lembro de ter existido ontem e, portanto, espero existir amanhã. Por conseguinte, o fio da continuidade é a memória — a memória que se vem acumulando há séculos, que já passou por tantas experiências, desfigurações, frustrações, tristezas, alegrias, a luta incessante da ambição. Desejamos que tudo isso continue; e como não sabemos o que será de tudo isso depois, quando o corpo morrer, nasce o medo. Este é um dos fatos. E porque separamos a morte do viver? Pode ser completamente errôneo separá-los. Bem pode ser que viver é morrer — e talvez aí esteja a beleza do viver. Mas o viver é uma coisa que em geral ainda não compreendemos inteiramente, e tampouco já compreendemos o que é a morte; por isso temos medo do viver e temos medo do morrer.

Ora, que se entende por viver? Viver não é apenas frequentar assiduamente o escritório, passar em exames, ter filhos, lutar incessantemente pelo pão de cada dia; isso é apenas uma parte do viver. Viver é também contemplar as árvores, os reflexos do sol no rio, uma ave a voar, a lua entre as nuvens; é notar os sorrisos e as lágrimas, as agitações e ansiedades; é conhecer o amor, ser delicado, compassivo e perceber a extraordinária profundeza e amplidão da existência. Conhecemos tudo isso? Ou conhecemos-lhe apenas uma parte, a parte representada por minha luta, meu emprego, minha família, minha virtude, minha religião, minha casta, minha pátria? O que conhecemos é unicamente o "eu", com suas atividades egocêntricas, e é isso que, chamamos "a vida".

Não sabemos, pois, o que é viver. Separamos o viver do morrer, demonstrando assim que não compreendemos, em toda a sua profundidade e vastidão, a vida, que bem pode incluir também a morte.

Eu penso que a morte não é uma coisa separada da vida. É só quando morremos todos os dias para as coisas que temos acumulado — para nosso saber, nossas experiências e todas as nossas virtudes — é só então que podemos viver. Não vivemos, porque somos uma continuação de ontem, através de hoje, para amanhã. Ora, por certo, só o que tem fim pode ter começo; mas nós nunca chegamos a um fim. Mais uma vez, isto não é uma frase poética e, portanto, não o afasteis para o lado. Não temos começo, porque não estamos morrendo; nunca conhecemos um momento livre do tempo e por isso a morte nos preocupa. Para os mais de nós, o viver é um processo de lutas e lágrimas; e o que nos aterra não é o desconhecido, que chamamos a "morte", mas, sim, o perigo de perdermos tudo o que conhecemos. E que conhecemos nós? Não muita coisa. Não o digo por escárnio mas como a expressão de um fato. Que sabemos realmente? Quase nada. Nossos nomes, nossos insignificantes depósitos em bancos, nossos empregos, nossas famílias, o que outros disseram, no Gita, na Bíblia, no Upanishads, as preocupações diversas de uma vida superficial — essas coisas nós conhecemos; mas não conhecemos as profundezas de nosso ser. Estamos, pois, a encobrir o desconhecido com o conhecido, e temos medo de largar de mão o conhecido, a ele renunciar. Mas o renunciar com o propósito de encontrar Deus não é a verdadeira renúncia; é apenas uma outra maneira de buscar uma recompensa. O homem que renuncia ao mundo, a fim de achar Deus, nunca achará Deus, porque está ainda interessado em ganhar alguma coisa. Só há renúncia total quando nada se pede, nada se, acumula para amanhã — e isso significa morrer para tudo o que veio de ontem. Vereis então que a morte não é uma coisa que nos deve aterrar e pôr em fuga, e tampouco ela exige a crença no além. É o conhecido que se apodera de nós e nos prende, e não o desconhecido. Só quando a mente está livre do conhecido, pode despontar o desconhecido. A morte e a vida são uma só coisa; e a morte deve ser "experimentada", não no último momento — quando ela sobrevém por doença e degenerescência orgânica ou por acidente — mas enquanto estamos vivos e nossa mente vigorosa.

Vede, senhores, a "atemporalidade" é um estado mental; e enquanto pensarmos em termos relativos ao tempo haverá morte e o medo da morte. O estado atemporal não pode ser assunto de parlendas, devendo ser "experimentado" diretamente; e não há possibilidade de o experimentarmos, enquanto perdurarem as coisas que acumulamos. É necessário, pois, que a mente esteja livre de todas as suas acumulações, pois só então há possibilidade de se tornar existente o desconhecido. O que tememos é renunciar ao conhecido; mas a mente que não está morta para o conhecido, livre do conhecido, nunca experimentará esse estado extraordinário que é a atemporalidade.

Krishnamurti, Oitava Conferência em Bombaim
28 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

sábado, 7 de abril de 2018

O mecanismo da crença na reencarnação

O mecanismo da crença 
na reencarnação

PERGUNTA: A ideia da morte só me é suportável, se posso crer numa vida futura. Mas dizeis que a crença é um obstáculo à compreensão. Peço-vos ajudar-me a perceber a verdade, nesta questão.

KRISHNAMURTI: A crença numa vida futura, é o resultado de nosso desejo de conforto, consolação. Se há ou não há uma vida futura, isto só se pode descobrir quando a mente não busca conforto numa crença. Se me vejo aflito pela morte de meu filho e desejo vencer esta aflição, creio na reencarnação, na vida eterna, etc.; e então a crença se me torna uma necessidade. É óbvio que a mente, nesse caso, nunca descobrirá o que é a morte, visto que só lhe interessa adquirir uma esperança, uma consolação, uma garantia.

Agora, se há ou não há continuidade, após a morte, este é um problema completamente diverso. Vê-se que o corpo se acaba; pelo uso constante, o organismo físico se consome. Que subsiste então? — A experiência acumulada, o conhecimento, o nome, as memórias, a identificação do pensamento como "eu". Mas isto não vos satisfaz; dizeis que deve haver outra maneira de continuação — a alma permanente, o Atman. Se há esse Atman que continua a existir, ele é criação do pensamento, e o pensamento que criou o Atman faz parte do tempo; esse Atman, portanto, não é espiritual. Se profundardes bem esta matéria, vereis que só existe pensamento, identificado como "eu" — minha casa, minha mulher, meus filhos, minha virtude, meu insucesso, meu sucesso, etc. — e quereis que isso continue. Dizeis: "Quero terminar meu livro antes de morrer", ou "Desejo aperfeiçoar as qualidades que me tenho esforçado para desenvolver, e para que terá servido esforçar-me tanto, em todos estes anos, para realizar uma coisa, se, no final de tudo, o que se me oferece é o aniquilamento?". A mente, pois, que é produto do conhecido, deseja continuar no futuro; e porque existe esta incerteza que chamamos a morte, sentimos medo e desejamos garantias.

Ora, a meu ver, o problema tem de ser considerado de outra maneira, ou seja, descobrindo cada um por si mesmo, se é possível, enquanto vivo, "experimentar" o estado que chamamos "a morte". Isto não significa suicidar-se, porém, sim, experimentar realmente aquele estado extraordinário, aquele momento sagrado de estar morto para todas as coisas de ontem. Em verdade, a morte é o desconhecido, e não há racionalização, nem crença ou descrença, que possa produzir essa extraordinária experiência. Para alcançar essa interior plenitude de vida, que também inclui a morte, a mente deve livrar-se do conhecido. O conhecido tem de deixar de existir, para que o desconhecido possa existir.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Por que temos medo de largar o conhecido?

Por que temos medo de largar o conhecido?

PERGUNTA: Tenho medo da morte. Vivi uma vida de muita riqueza e plenitude, intelectual, artística e emocionalmente. Agora, que já vou aproximando do fim, toda essa satisfação acabou e nada mais me resta senão as crenças religiosas de minha meninice — purgatório, inferno etc. — que me enchem de pavor. Podeis renovar-me a confiança?

KRISHNAMURTI: Parece que a próxima pergunta se relaciona também com a morte; portanto, vou lê-la também.

PERGUNTA: Sou jovem, e até há poucas semanas gozava perfeita saúde. Um acidente causou-me uma lesão mortal, e os médicos só me dão poucos meses de vida. Porque haveria de acontecer-me isso, e como irei enfrentar a morte?

KRISHNAMURTI: Acho que em geral nós, jovens e velhos, temos medo da morte. O homem que deseja concluir a sua obra tem medo da morte, visto que aspira a chegar a um resultado. O homem que está fazendo uma carreira triunfante não deseja ser interceptado no meio dela e, portanto, teme a morte. O homem que viveu plenamente, com todas as riquezas deste mundo, também teme a morte. Assim sendo, que devemos fazer?

Vede, nós nunca fazemos perguntas fundamentais. O homem que viveu com riqueza, com plenitude, nunca fez tal pergunta. Aquela vida exuberante e plena foi muito superficial, porque, debaixo, muito profundas, jazem todas as tradições do cristianismo, do hinduísmo etc., ocultas, dormentes; e quando sua vida já não pode ser vivida com riqueza, com plenitude, os sedimentos do passado sobem à superfície e ele fica com medo do purgatório, ou inventa um céu que lhe seja satisfatório. Subsistem, pois, no inconsciente, os sedimentos de nossa cultura, de nossos temores raciais etc. E enquanto estamos ativos, com o espírito lúcido, cheios de saúde, acho necessário investigarmos as profundezas do nosso ser, a fim de descobrirmos e erradicarmos todos aqueles depósitos, aqueles sedimentos de tradição, de temor, de modo que, quando a morte se apresentar, sejamos capazes de enfrentá-la. E isso significa, realmente, que devemos ser capazes de fazer uma pergunta fundamental, agora, não nos deixando satisfazer com respostas superficiais. Há pessoas que creem na reencarnação; dizem que viverão uma vida futura, que há continuidade, que não há aniquilamento, e nessa crença se sentem felizes. Mas o problema não ficou resolvido, porque elas se estão satisfazendo, meramente, com palavras, com explicações. Ou, se sois muito intelectuais, dizeis: "A morte é inevitável, faz parte da existência. Já que nasci, tenho de morrer. Porque fazer disso um problema?" Também estes não resolveram o problema.

Os mais de nós temos medo, mas encobrimos o nosso medo com crenças, com explicações, com racionalização. E temos o homem que diz: "Sou jovem ainda, e porque hei de ser ceifado? Quero viver, conhecer as riquezas da vida. Porque haveria de acontecer-me isso, a mim?" Quando alguém diz: "Porque haveria de acontecer-me isso, a mim?", isto significa, evidentemente: "Não devia acontecer a mim, mas a vós". Interessa, pois, a todos nós este problema. Podemos investigá-lo? Estais dispostos a experimentar o que estou dizendo? Não meramente escutá-lo, mas experimentá-lo deveras, seguindo a descrição e aplicando-a a vós mesmos? A descrição é apenas a porta através da qual tendes de olhar. Se não olhais a descrição, a porta terá muito pouco valor. Nós vamos, pois, olhar para descobrirmos por nós mesmos a verdade relativa a este problema; mas não buscando explicações, substituindo a crença hinduísta na reencarnação pela crença cristã no céu etc.

O fato é que há a morte; o organismo finda. E o fato é que pode haver e pode não haver continuidade. Mas eu desejo saber agora, enquanto tenho saúde, vitalidade, energia, desejo saber o que é viver com plenitude; e desejo saber, também agora, o que significa morrer, sem esperar que um acidente ou uma doença me leve deste mundo. Desejo saber o que significa morrer, desejo entrar vivo na mansão da morte. Desejo, não teoricamente, mas realmente, experimentar essa coisa extraordinária que ela deve ser, penetrar no desconhecido, cortando todos os vínculos do conhecido. Não tornar a encontrar o "conhecido", não tornar a encontrar um amigo, lá, "do outro lado", isto é que me aterra. Tenho medo de largar tudo o que me é conhecido — a família, a virtude que cultivei, a propriedade, a posição, o poder, o pesar, a alegria, todas as coisas que acumulei e que constituem o "conhecido". Tenho medo de deixar tudo isso escapar, para sempre, das profundezas do meu ser, e de me ver em presença do desconhecido — a morte. Posso eu, que sou um resultado do conhecido, procurar sem me mudar para algo também conhecido, mas ingressando em algo que não conheço, algo nunca dantes experimentado? Têm-se escrito livros sobre a morte, várias, religiões têm doutrinado a respeito dela; mas isso são só descrições, são só coisas conhecidas. A morte, decerto, é o desconhecido, assim como a verdade é o desconhecido. E a mente que está pejada do conhecido nunca poderá entrar no reino do desconhecido. A questão, por conseguinte, é esta: se posso deitar fora todo o conhecido. Não posso fazê-lo pela vontade. Tende a bondade de prestar atenção a isto. Não posso lançar fora o conhecido, pela vontade, pela volição. Porque isso supõe um produtor da vontade, uma entidade que diz: "Isto é bom, e isto é mau", "Isto eu quero, e isto eu não quero". A mente está então atuando com base no conhecido, não é exato? Diz ela: "Preciso entrar naquele estado extraordinário que é a morte, o incognoscível, e portanto devo abandonar o conhecido". Essa pessoa se põe então a rebuscar nos vários recantos da sua mente, a fim de expulsar o conhecido. Esta ação permite a subsistência da entidade que deliberadamente expulsa o conhecido. Mas, já que essa própria entidade resulta do conhecido, nunca terá a possibilidade de experimentar aquele estado extraordinário, ou de nele ingressar. Não é claro isto? Isto é, que, se há "experimentador", esse experimentador é resultado do conhecido; e esse experimentador deseja compreender aquilo que se não conhece, o desconhecido. Quaisquer esforços que ele desenvolva nesse sentido, a sua "experiência" estará sempre dentro da esfera do conhecido.

O problema, pois, é: pode o experimentador deixar de existir completamente? Porque ele é o agente, o estímulo, a busca, a entidade que diz: "Isto é o conhecido e eu tenho de passar ao desconhecido". E, sem dúvida, toda ação, todo movimento da parte do observador, do experimentador, está sempre na esfera do conhecido. Nessas condições, pode a mente, que é resultado do conhecido, resultado do tempo, pode essa mente entrar no desconhecido? Não pode, por certo. Está visto, pois, que toda explicação, toda crença a respeito da morte, origina-se sempre do conhecido. Assim sendo, posso eu, pode a minha mente, desnudar-se, de todo, do conhecido? Não há resposta. Isso depende de vós. Vós tendes de descobrir, tendes de investigar, aprofundar o problema. As perguntas fundamentais não se respondem com "sim" ou "não". Tendes de levantar a questão fundamental, e esperar que ela se desdobre por si mesma. E ela não poderá desdobrar-se por si se estais meramente em busca de uma resposta, uma explicação. Esta é uma questão básica: posso eu, que sou o resultado do conhecido, penetrar no desconhecido, que é a morte? Se desejo fazê-lo, tenho de fazê-lo enquanto estou vivo, e não no último momento. No último instante, a mente já não é capaz de observar, de compreender; ela está enferma, cansada, exausta, e a consciência muito enfraquecida. Mas, enquanto estamos cheios de energia, plenamente conscientes, vigilantes, lúcidos, não podemos então investigar, descobrir? "Entrar em vida na mansão da morte", isto não é uma ideia mórbida; é a única solução. Enquanto estamos vivendo uma vida de riqueza, de plenitude — o que quer que isso signifique — ou uma vida desditosa, uma vida pobre, não temos a possibilidade de conhecer aquilo que é imensurável e que o experimentador só pode entrever em raras ocasiões?

Podemos, então, vós e eu, desvencilhar-nos do conhecido? Compreendeis a profundeza do problema? A mente se apega a toda experiência aprazível, e deseja evitar as não aprazíveis. Esta acumulação do que é aprazível é o conhecido; e a fuga ao não aprazível é igualmente o conhecido. Pode a mente morrer, momento por momento, para tudo o que experimentou, e nunca acumular? Porque, se há acumulação, temos, nesse caso, o experimentador, que só observa as coisas baseado nessa acumulação; essa acumulação é o próprio experimentador; este, por conseguinte, nunca poderá conhecer o que se acha além do conhecido. Acho da maior importância que cada um de nós compreenda isso profundamente, porque, então, nem o saber, nem a disciplina, a crença, o dogma, nem o seguir instrutores e gurus etc., tem mais significação alguma. Porque as disciplinas, os métodos, são o conhecido: coisas que se têm de praticar, e alvos que se têm de atingir. Podemos perceber isso, na sua totalidade, dar-lhe toda a nossa atenção? Não visando a alcançarmos o desconhecido, porque tal atenção é mera exclusão, uma forma de avidez. Podemos perceber que, enquanto há qualquer movimento da mente, esse movimento procede do tempo, do conhecido, e que tal movimento em direção ao desconhecido nunca penetrará esta esfera de liberdade? Se podemos perceber isso, então a mente, divisando a verdade relativa à questão, se torna de todo imóvel. Já não está buscando, indagando, esquadrinhando, pois compreende que toda busca, toda indagação, procede do conhecido. Só com a tranquilidade total da mente é que é possível vir à existência o desconhecido.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Londres, 19 de junho de 1955


É possível, agora, entrar na mansão da morte?


É possível, agora, entrar na mansão da morte?

PERGUNTA: Quando morremos, renascemos nesta Terra, ou passamos para um outro mundo?

KRISHNAMURTI: Esta questão interessa a todos nós, moços e velhos, não é verdade? Examiná-la-ei pois com certa profundeza e espero que tenhais a bondade de seguir-me, não apenas ouvindo as minhas palavras, mas tendo a experiência real disso que vou examinar junto convosco. Todos sabemos que a morte existe, os mais velhos, principalmente, e bem assim os jovens que a observam. Os jovens dizem: “Esperemos que ela chegue, e saberemos lidar com ela” — e os velhos, como já se aproximam da morte, recorrem a vários meios de consolação.

Tende a bondade de seguir o que estou dizendo, aplicando-o a vós mesmos, e não a outra pessoa. Como sabeis que ides morrer, tendes certas teorias a esse respeito, não é verdade? Credes em Deus, credes na ressurreição, ou karma, ou reencarnação; dizeis que nascereis de novo, aqui ou noutro mundo. Ou racionalizais a morte, dizendo-a inevitável, pois atinge a todo o mundo; a árvore definha e nutre o solo, e surge uma nova árvore. Ou, ainda, estais tão mergulhado nas vossas diárias preocupações, ansiedades, ciúmes, invejas, vossa competição e vossa riqueza, que não vos sobra tempo para pensar na morte. Entretanto, ela está sempre presente no espírito; consciente ou inconscientemente, ela lá está.

Antes de mais nada, podeis libertar-vos das crenças, das racionalizações ou da indiferença que tendes cultivado em relação à morte? Podeis, libertar-vos dessas coisas agora? Porque o que importa é “entrarmos na mansão da morte” enquanto estamos vivos, plenamente conscientes, ativos, gozando saúde, e não que fiquemos esperando a chegada da morte, que pode arrebatar-nos repentinamente num acidente, ou lentamente, pela doença, privando-nos a pouco e pouco da consciência. Quando chega a morte, esta hora deve ser um momento extraordinário, tão vital como o viver.

Pois bem, posso eu, podeis vós, “penetrar na mansão da morte” enquanto vivos? Este é o problema, e não o indagar se há reencarnação ou se existe um outro mundo, onde tornaremos a nascer — pois tudo isso é falta de madureza, infantilidade. O homem que vive não faz perguntas sobre o que é o viver nem tem teorias sobre o viver. Só os semivivos é que falam em finalidade da vida. Assim, podemos, vós e eu, enquanto estamos vivos, conscientes, ativos, na posse de todas as nossas capacidades, quaisquer que estas sejam, saber o que é a morte? E a morte é então diferente do viver? Para nós, em geral, viver é o contínuo existir daquilo que julgamos ser permanente. Nosso nome, nossa família, nossos haveres, nossos interesses econômicos e espirituais, a virtude que cultivamos, as coisas que adquirimos emocionalmente — queremos que tudo isso tenha continuidade ininterrupta. E o momento que chamamos “a morte” é o momento do desconhecido e, por conseguinte, sentimo-nos atemorizados e procuramos consolo, alguma espécie de conforto, desejamos saber se há vida após a morte, e uma dúzia de outras coisas mais. Todos estes problemas são irrelevantes, são problemas para os preguiçosos, os que não querem descobrir o que é, a morte enquanto vivos. E podemos nós dois, vós e eu, descobri-lo?

Que é a morte? Ela é, sem dúvida, a cessação de todas as coisas que conhecemos. Se não é a cessação de tudo o que conhecemos, não é a morte. Se já conheceis a morte, não há então o que temer. Mas, sabeis o que é a morte? Isto é, podeis, enquanto estais vivo, pôr fim a esta luta perene para achar no impermanente algo que continue a existir? Podeis conhecer o incognoscível, o estado que chamamos “a morte”, enquanto estais vivo? Podeis afastar para o lado todas as descrições do que acontece após a morte, lidas em livros ou ditadas pelo vosso desejo inconsciente de conforto, e provar ou experimentar aquele estado, que deve ser extraordinário, agora mesmo? Se esse estado pode ser experimentado agora, então viver e morrer é a mesma coisa.

Posso eu, pois, que tenho muita instrução, vastos conhecimentos, que tive experiências inumeráveis, lutas, amores, ódios — posso “eu” terminar? O “eu” é a memória registrada de tudo isso; e pode esse “eu” terminar? Antes que algum acidente ou doença ponha fim à nossa vida, podemos, vós e eu, enquanto estamos aqui, sentados, conhecer esse fim? Se puderdes conhecê-lo não mais fareis perguntas fúteis a respeito da morte e da continuidade, ou se há um outro mundo além deste. Sabereis então a resposta, de vós mesmo, porque terá despontado para vós o Desconhecido. Lançareis fora, então, todas essas ladainhas de reencarnação, e todos os vossos temores — o medo de viver e o medo de morrer, o medo de envelhecer e infligir a outros o incômodo de cuidarem de vós, o medo da solidão e da dependência — terão findado. Isto não são palavras vãs. É só quando a mente deixa de pensar em termos de sua própria continuidade, que desponta o Desconhecido.

Krishnamurti, 21 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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É possível morrer para toda experiência?


É possível morrer para toda experiência?

PERGUNTA: A função da mente é pensar. Passei muitos anos refletindo sobre as coisas que todos conhecemos: negócios, ciência, filosofia, psicologia, artes, etc., e atualmente penso muito a respeito de Deus. Do estudo do testemunho de muitos místicos e outros escritores religiosos, estou convencido de que Deus existe, e sobre este assunto estou capacitado a contribuir com minhas próprias ideias. Que mal há nisso? O pensar em Deus não nos leva à “realização” de Deus?

KRISHNAMURTI: Pode-se pensar Deus? E pode alguém convencer-se da existência de Deus, depois de ter lido todas as provas de sua existência? O ateu tem também as suas provas; provavelmente estudou tanto quanto vós, e no entanto ele não crê em Deus. Vós credes que há Deus, e ele crê que não há Deus; ambos sois crentes, ambos passais, o tempo a pensar em Deus. Mas, antes de pensardes numa coisa que desconheceis, deveis descobrir o que é pensar, não é verdade? Como se pode pensar numa coisa que se desconhece? Podeis ter lido a Bíblia, o Bhagavad-Gita, ou outros livros em que letrados muito eruditos descrevem com muita sutileza o que é Deus, afirmando isto e contestando aquilo; mas, enquanto não conhecerdes o mecanismo do vosso próprio pensar, tudo o que cogitardes a respeito de Deus, pode ser estúpido e vulgar — e em geral o é. Podeis colecionar uma grande quantidade de provas da existência de Deus e escrever artigos muito sutis a tal respeito, mas, por certo, a questão mais importante é: Como sabeis que é verdadeiro o que pensais? E pode o pensar produzir, alguma vez, a experiência do incognoscível? Isto não significa, naturalmente, que se deva aceitar, emocional ou sentimentalmente, um disparate qualquer a respeito de Deus.

Não achais, pois, que é mais importante descobrir se a vossa mente está condicionada, do que procurar aquilo que não é condicionado? Por certo, se vossa mente está condicionada — como não há dúvida que está — por mais que ela investigue a realidade de Deus, só poderá colher conhecimentos ou informações de acordo com o seu condicionamento. Assim sendo, o vosso pensar sobre Deus é pura perda de tempo, uma especulação sem valor nenhum; é como ficarmos sentados aqui, entre estas árvores, desejando estar no alto daquela montanha. Se desejo realmente descobrir o que há no alto da montanha, e mais além, tenho de ir até lá. Nada adianta ficar aqui a especular, a construir templos e igrejas, e a agitar-me todo por causa dessas coisas. O que devo fazer é erguer-me e caminhar, lutar, superar todos os obstáculos, para chegar lá, e descobrir; mas, como em geral não temos vontade de fazer tal coisa, satisfazemo-nos em ficar sentados aqui, especulando sobre uma coisa que não conhecemos. E eu vos digo que tal especulação representa um obstáculo, deteriora a mente, e não tem valor algum; só traz mais confusão e mais sofrimentos ao homem.

Assim, pois, Deus é algo de que não se pode falar, que não se pode descrever, que não pode ser expresso por palavras, pois tem de permanecer sempre “o Desconhecido”. No momento em que se verifica o mecanismo de reconhecimento, estais de novo na esfera da memória. Compreendeis? Digamos, por exemplo, que tenhais uma “experiência” momentânea de algo extraordinário. Neste momento preciso não existe pensador que diz: “Preciso lembrar-me disso, depois”; neste momento: só há o “estado de experimentar”. Mas, passado tal momento, entra em ação o mecanismo de reconhecimento. Tende a bondade de seguir isto. A mente diz: “Tive uma experiência maravilhosa, e desejo mais” — e começa a luta peto mais. O instinto aquisitivo, a gananciosa perseguição do mais, se torna existente por várias razões: Porque vos dá prazer, prestígio, saber, vos confere autoridade, e por aí afora.

A mente procura apoderar-se daquilo que experimentou; mas o que ela experimentou é coisa acabada, morta, passada e para descobrir o que é, a mente precisa morrer para o que experimentou, o que foi. Isto não é uma coisa que se precisa cultivar dia por dia, que se pode juntar, acumular, conservar, para servir de tema para palestras e escritos. O que podemos fazer é só perceber que a mente está condicionada e, pelo autoconhecimento, compreender o mecanismo do nosso pensar. Tenho de conhecer a mim mesmo — não como eu gostaria de ser, ideologicamente, mas tal como sou realmente, feio ou belo, ciumento, invejoso, ganancioso. Mas é muito difícil vermos exatamente o que somos, sem o desejo de alterá-lo, e esse próprio desejo de alterar é outra forma de condicionamento; e assim continuamos, movendo-nos de um condicionamento para outro, sem nunca experimentarmos algo além daquilo que é limitado.

Krishnamurti, 21 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Pode a mente morrer para si mesma?


Pode a mente morrer para si mesma?

PERGUNTA: Que significação tem a morte física na vida do indivíduo? Não é ela a grande libertadora de todas as nossas misérias?

KRISHNAMURTI: A morte resolve-nos todos os problemas? E porque é que tantos de nós tememos a morte? Quanto mais velhos ficamos, tanto mais ansiosos nos tornamos. Por quê? E a morte, a terminação do estado físico, dissolve os nossos complexos pensamentos? O pensamento não tem continuidade? Ele pode não continuar em mim; o pensamento, porém, é contínuo; e o pensamento, que é contínuo, nunca pode encontrar alívio das suas misérias. Assim, pois, temendo a morte, nutrimos teorias, esperanças de continuidade; dizemos que deve haver reencarnação, que devo renascer para ter uma oportunidade maior na próxima vida. Não me acabo. E qual é o valor de todas as minhas acumulações, dos conhecimentos e experiências que acumulei, se não puder preencher-me na próxima vida, ou ressuscitar no futuro, ou encontrar um lugar no céu? Estamos sempre com medo do desconhecido, do amanhã, e por isso nos pomos a procurar meios e modos de evitar aquele findar. Ou, ainda, Raciocinamos logicamente, dizendo que tudo se acaba e renasce: morro, decomponho-me fisicamente, para que possa renascer sob outra forma, ou animar outra entidade. Por meio da razão e da lógica, transcendem os o temor da morte, e ficamos satisfeitos. Ou, também, satisfazemo-nos com a crença numa vida futura, em algo posterior à morte, a que a mente possa apegar-se. A mente, pois, está perenemente em busca de sua pró­pria continuidade; mas o que é contínuo é o “conhecido”, e o conhecido jamais pode encontrar o incognoscível. Este é que é o nosso problema, não achais? Em plena vida, estamos morrendo, pois somos resultado do conhecido. Nunca, por um momento, rejeitamos todas as coisas que conhecemos e nos despojamos completamente do passado; nunca deixamos a mente ser vazia totalmente, consciente e inconscientemente nua, despojada interiormente de todas as suas experiências, de todas as suas crenças, de todo o seu saber, para que o desconhecido possa ter existência.

Afinal de contas, que é que sabemos? Na realidade, que sabeis vós? Sabeis o caminho de vossa casa; tendes certos conhecimentos, certas noções políticas ou econômicas; sabeis desempenhar-vos de um cargo; sabeis a importância do vosso seguro, a marca do vosso carro; e tendes um pouquinho de conhecimento de vossos próprios desejos e apetites, das experiências e reações que são produto do vosso condicionamento. Afora isso, que mais sabeis? Conheceis a luta perene para ser alguma coisa: se sois presunçoso, orgulhoso, lutais para ser humilde, etc. Eis tudo o que sabemos. Vivemos dentro dessa esfera do “conhecido”, o conhecido de prazer e de dor. E com uma tal mente procuramos convencer a nós mesmos de que não há morte, inventando teorias, a crença na reencarnação, na ressurreição, enfim todas as inumeráveis ilusões criadas pela mente, para fugir de sua própria característica cognitiva. Assim, se bem estejamos vivos, estamos morrendo dentro do campo do conhecido.

Sem dúvida, se desejais descobrir o que é imortal, o que se acha além da mente, então a mente, que é o conhecido, tem de acabar-se; deve morrer para si mesma. Tendes lido a respeito de todas essas coisas, ou me tendes ouvido frequentemente; e, entretanto, a mente continua sempre a buscar uma resposta, a perguntar o que existe além da morte. Todas as sociedades estúpidas prosperam à custa do vosso apetite de saber o que existe além ; e quando vo-lo dizem, sentis-vos satisfeito, pelo menos temporariamente. Porém, o problema real, o temor ao desconhecido, persiste, como uma úlcera.

Nessas condições, compreendendo que a mente apenas funciona dentro do campo do conhecido, não podemos permanecer completa e passivamente apercebidos do conhecido, sem fazermos nenhum movimento positivo para dentro do desconhecido? Isso significa: estar aberto à morte, ao desconhecido, ao Real. Significa que prosseguimos com o conhecido pela melhor maneira que podemos e conhecemos perfeitamente as suas limitações; e, conhecendo-as, não há “projeção” no futuro, no amanhã. Não há mais medo ao desconhecido; a morte já não é uma coisa temível; o que não significa termos agora uma nova teoria, uma nova explicação e que devemos instituir novos grupos para discutir sobre o que existe além, pois isso é infantil. Mas, quando reconhecemos as limitações da mente, do conhecido; quando percebemos que somos limitados, e estamos apercebidos disso totalmente, isto é, tanto conscientemente como nas camadas mais profundas da nossa consciência, — há uma completa cessação da atividade da mente; a mente, como pensamento, como “eu sei”, deixa de existir. Há então a possibilidade de manifestar-se o desconhecido. Mas não podeis chamar o desconhecido; não podeis chamar Deus, a Verdade, ou que nome lhe deis. O que se conhece é purgatório, é inferno; o desconhecido é o céu. Mas o incognoscível nenhuma relação tem com o conhecido; só se manifesta quando a mente está de todo tranquila. A mente como pensamento deve deixar de existir, deve morrer, e só então pode surgir a Realidade Eterna.

Krishnamurti, em Percepção Criadora
12 de julho de 1953

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O medo destrói o amor

O MEDO DESTRÓI O AMOR

Num dia da semana, ver tanta gente, parece um absurdo, não? Espero que todos vocês não se incomodem de se escutarem uns aos outros. A última vez que nos encontramos aqui, no sábado, falamos sobre o que é o amor. Você pode recordar se esteve aqui. E vamos nos perguntar juntos, quero dizer, juntos, sobre este problema, muito, muito complexo. E se você não se importa, terá que pensar, não só concordar, não dizer, “Sim, você tem razão”, e depois seguir seu próprio caminho. Então, vamos nos perguntar juntos sobre o problema do que é o amor. Juntos. Não que o orador seja o único a falar, mas juntos vamos examinar. Isto não é uma conferência, não para instruir, ou guiar, ou ajudar. Isso seria muito estúpido, porque temos tido todo esse tipo de ajuda por gerações sobre gerações e ainda somos o que somos agora. Devemos começar com o que somos agora. Não o que temos sido no passado ou o que seremos no futuro. O que seremos no futuro é o que somos agora. O que somos agora, nossa avareza, nossa inveja, nosso ciúmes, nossas grandes superstições, nosso desejo de adorar a alguém, para dizer: “Você é um homem santo” e tudo mais. Então, isto não é uma conferência, não é um entretenimento, não é algo para se aceitar ou negar, mas estamos falando como dois amigos, ou se quiser, dois inimigos do outro lado da fronteira. Mas estamos falando juntos. Então, você deve exercitar seu cérebro, conduzi-lo, forçá-lo, pensa-lo.

Então, vamos entrar nesta pergunta: o que é o amor? E, para investigar profundamente, profundamente nisto, também devemos perguntar primeiro: O que é a energia? Energia. Cada gesto que você faz se baseia na energia. Enquanto escutamos o orador, você está exercitando sua energia. Viemos aqui desde uma longa distância, desde Benares, ou mais para cima, você tem que usar uma grande quantidade de energia. Certo? Para construir uma casa, plantar uma árvores, fazer um gesto, falar, desde a infância, desde bebê, o primeiro choro de um bebê, se baseia na energia, sustentando no momento pela mãe e assim sucessivamente. Não entrarei nisso. Então, devemos perguntar: o que é a energia? Está certo? Podemos continuar? Posso continuar, em alta voz continuamente, indefinidamente, porque tenho estado nestes últimos 60 anos, ou 70 anos, colocando o mesmo em diferentes palavras. Então, se amavelmente, escute seriamente, porque escutar é uma grande arte, talvez uma das grandes artes. Para escutar o que a outra pessoa tem a dizer, não interromper, não dizer, “Sim, estou de acordo com você e falaremos de outra coisa”. Temos que perguntar primeiro se você pode escutar em absoluto.  Isto não é uma conferência, ou uma instrução e tudo isso, estamos juntos examinando, questionando, duvidando, nunca, nunca aceitando o que o orador diz. Nunca. Certo? Não diga, “sim, estamos de acordo”; mas logo sigamos aceitando. Ele não tem autoridade. Então, começaremos.

O que é energia? Este tem sido uma das perguntas dos cientistas. E disseram que a energia é matéria. Certo? Mas, antes disso: o que é energia? Você compreende? Pode ser matéria. Pode ser todo tipo de coisas. Mas, o que é a energia? Energia primordial? Quem trouxe esta energia? Você está entendo o que estou falando? Não estou seguro (Risos) Porque esta tem sido uma pergunta muito, muito séria. Assim que estamos juntos fazendo uma longa viagem, juntos, você e eu caminhando pela mesma corrente. Você não está somente seguindo o orador. Não está só dizendo, “Sim, isso soa muito bem, como os Upanishads e o Gita e tudo o que tem sido dito, então o entendemos”. Tampouco é assim. Antes de nada, você tem que ter grandes dúvidas. Certo? Grande ceticismo, não é verdade, senhores? Não, não esteja de acordo, não esteja de acordo. Você não duvida de nada, aceita tudo. Então, a dúvida, o ceticismo de sua própria experiência, de seus próprios pensamentos, das suas próprias conclusões, duvidando, questionando, não aceitar nada de nenhum livro, inclusive os meus. (Risos) Sou somente um transeunte, não sou importante. E vamos perguntar juntos, isso é muito importante, por favor, juntos. Você sabe o que isso significa. Cooperando juntos para construir algo, perguntar a respeito de algo, ver o que está claro, o que é duvidoso, o que não está claro. Você o está fazendo. E o orador está fazendo isto, mas você tem que fazê-lo. Assim que estamos juntos caminhando por uma corrente muito longa. Você pode fazer com que essa transição seja muito, muito, muito forte corrente que lhe apagará, lançando-lhe aos bancos, ou pode lidar com isso. Então, isso requer sua energia. Certo? Requer sua energia.

Então, perguntamos: o que é a energia? Esse chamado do corvo é parte da energia. Certo? As árvores, os pássaros, as estrelas, a lua, o nascer e o pôr do sol, tudo é energia. Certo? Provavelmente você duvide, mas isso não importa. E seja o que for que você faça requer energia. O primeiro choro do bebê fora do útero, esse choro é parte dessa energia. Certo? Tocar um violino, falar, se casar, sexo, tudo na terra requer energia. Certo? Então, juntos perguntamos o que é esta energia, qual é a origem, qual é a fonte, como começou, quem criou esta energia? Por favor, cuidado, não diga “Deus” e fugir com isso. Não aceito a Deus; o orador não tem deuses. Está tudo bem? Você aceita isso? Você aceitará qualquer coisa, então, não importa, continuarei. Por favor, não se permitam a aceitar o que o orador está dizendo a qualquer momento, em seus livros, em suas falas, em seus vídeos em tudo isso. Então, o que é energia?

Não podemos existir sem energia. Certo? Não há existência na terra sem esta energia: as árvores, tremenda energia para tirar a água até a parte superior, toneladas dela. Essa é uma energia tremenda. Para construir um avião, centenas de pessoas são responsáveis por isso. Para ir até a lua e mais. Então, tudo o que fazemos, é energia. Certo? A bailarina, o violinista, o pintor, a casa mãe, o general do exército, tudo requer energia. Certo? Isso é um fato. Seja se você o aceita ou não, não importa. E estamos perguntando: o que é essa energia? A origem disto, não só: “sim, energia”. Ou aceite o que dizem os cientistas, que é a energia é matéria e tudo o mais. Não entrarei em tudo isso porque o orador tem falado com muitos deles sobre este assunto. E as pessoas religiosas dizem, “Deus” e isso termina. Ou algum guru o diz, e isso também termina. Não perguntam, não têm dúvidas. Eles não questionam, não têm ceticismo. Certo? Então, aqui estamos dizendo, se você pode, abandone tudo isso: seus livros, o que é sânscrito, o que as pessoas antigas têm dito, abandone tudo isso e deixe-o na beira do caminho e faremos uma viagem juntos. Se você não pode deixar tudo isso de lado, ou deixá-lo no caminho, não pode seguir ao orador, não pode entendê-lo. Certo? Não se incomode em entendê-lo, não importa. Mas, desafortunadamente, você escuta muitas palavras, e você diz, “Sim, isso soa razoável”, e assim sucessivamente. Não estamos lidando com palavras; as palavras não são a montanha. A palavra “montanha” não é a montanha. Certo? A palavra “K” não é o K. Você compreende tudo isto? Então, seu nome não é você. É, para lhe reconhecer, mas seu nome não é você. Creio que isto é importante de entender. A palavra não é o real. Certo? Está claro? A palavra “árvore” não é a árvore. A palavra “árvore” não é isso. Certo? Então, devemos ser muito cuidadosos agora, não estar preso com as palavras. Pergunto-me se seguem tudo isto. Certo, posso continuar porque meu amigo me deu um sinal, meu velho amigo.

E vamos entrar em algo, isso requer sua energia, todo seu cérebro, que é matéria, que é a experiência acumulada de milhões de anos, e toda essa evolução significa energia. Certo? Assim que estou dizendo... Pergunto-me, você está perguntando por si mesmo, então começo a perguntar-me: há energia que não esteja contida, ou estimulada, ou que se mantenha dentro do campo do conhecimento? Você entende? No campo do conhecimento. Quer dizer, dentro do campo do pensamento. Por favor, não esteja de acordo com isso. Eu gostaria de cegar-me a mim mesmo, porque você está de acordo com cada maldita coisa que está se passando. Então, pergunto-me: há uma energia que não se ajunta, se estimula, aparada pelo pensamento? Você entende? O pensamento lhe dá muita energia. Para ir ao trabalho todas as manhãs às 9 em ponto, ou às 8:30, o pensamento lhe faz, lhe dá essa energia. Certo? Devo ganhar mais dinheiro, ter uma casa melhor. Certo? Pensar, pensar, lhe dá a energia. Creio que se necessitarem duzentas ou trezentas pessoas ou três mil pessoas para construir um foguete que foi à lua. Certo? Então, tudo isso requer energia. Entrelaçar a mão e dizer: “Como vai você?”, reconhecer velhos amigos sentados ali, alegro-me de que tenham encontrado um lugar, podemos ver. Então, pergunto-me, se pensar, pensar, pensando no passado, pensando no futuro, planejar para o presente, isso dá uma tremenda energia. Certo? Não é verdade, senhor? Pensando. Devo construir uma casa, assim que vou ao arquiteto, estou de acordo com ele, e assim sucessivamente. E requer uma grande quantidade de energia para ser educado. Certo? Por ignorância, como o chamam — não digo que seja ignorância —, por não saber matemática, gradualmente você aprende e energia para ir à universidade e logo se converter numa espécie de algo ou outro. E você tem um trabalho, para isso todos os dias da sua vida se vai. Ou você se retira a uma idade precoce e morre. Assim que penso — por favor entenda isto, é muito importante que assim o faça — o pensamento cria esta energia para construir um avião. Pense no que está envolvido nisso. Centenas de pessoas estão trabalhando nisso, passo a passo, passo a passo, o construíram, e produziram o 747, ou o que seja, a máquina mais maravilhosa que nunca pode se dar mal — o homem pode fazer com que se dê mal. E assim sucessivamente e assim sucessivamente. Então, o pensamento é um instrumento extraordinário para criar energia. Certo? Posso continuar? Certo.

Se você não vê isso como um fato real, então estará fora da marca. Certo? Se não o vê como um fato real, esse pensamento cria uma tremenda energia. Quer se converter num homem rico, trabalha para chegar a ser um homem rico. Certo? Você quer fazer algum tipo de louca propaganda e trabalha muito duro; você se une a grupos, seitas, gurus e todo esse tipo de negócio. Então, o pensamento é um instrumento extraordinário de gerar pensamento. Certo? Pensamento que gera energia. Certo? Não esteja de acordo. Então, temos de investigar muito, muito, muito a própria natureza do pensamento. Certo? Não digo, bem, todas as desculpas. Não se preocupe com isso. Cai ontem e me machuquei, isso é tudo. Isso está encerrado. Você pode prestar atenção a outra coisa. Assim, penso que tem planejado esta sociedade, que tem dividido o mundo em Ásia e Europa, o comunista, o socialista, o capitalista e o republicano democrata, tudo foi criado pelo pensamento. É simples. O exército, as forças armadas, a força área, para matar, não só para o transporte, senão também para matar. Isto é óbvio, não? Então, o pensamento é muito importante em nossa vida, porque, sem pensar, não podemos fazer nada. Certo? Para que você venha de longe, o planejamento é necessário, os ajustes, pegar um trem, um avião, pegar um ônibus, etc., etc., tudo isso faz parte de seu pensamento. Certo? Então, o que é você está pensando?  Resolva isso, não me escute. O que está pensando? Você não pode viver sem um certo tipo de pensamento. Certo? Planejando, regressando para a sua casa, voltar aos seus trabalhos e tudo mais, você está casado, sexo e... Tudo está contido no processo de pensamento. Então, o que você está pensando? O orador tem falado muito disso, assim que não retorne aos seus livros. Não diga, “Sim, já lhe ouvi antes”. Mas aqui, esqueça-se de todos os livros, todas as coisas que tenha lido, porque devemos nos aproximar disto de maneira nova.

Então, pensar está baseado no conhecimento, certo? Se não tenho nenhum conhecimento, como vir aqui ou tomar um ônibus ou isto ou aquilo, você não estaria aqui. Então, conhecimento, memória, pensamento. Certo? E temos acumulado um tremendo conhecimento: como vendermos, como explorar-nos uns aos outros, como construir pontes, como criar deuses e templos, temos feito tudo isso. Os vários ashrams onde estão todos... — você sabe todo esse negócio —, certo tipo de campo de concentração. Então, o pensamento tem feito tudo isto. Criou o exército, as forças armadas, o avião. O pensamento também tem, através do conhecimento, templos e todo esse negócio. Então, sem experiência não há conhecimento. Certo? Sejam lógicos, senhores. A lógica é necessária até certo ponto. Mas se você começa sem a lógica, sem clareza, então pode fazer — se tornar supersticioso, imaginativo, chegando a conclusões, construindo templo e todo esse tipo de bobagens. Então, sem experiência, não há conhecimento. Os cientistas estão agregando algo novo todos os dias. Por favor, siga isto com cuidado, se não se importa. A experiência é limitada, certo? Porque estamos agregando mais e mais a isso através do conhecimento. Experiência, conhecimento armazenado no cérebro como memória e logo esse é o conhecimento do pensamento. Certo? Estou certo? Tenho razão? O que você diz? Deus, você não sente nada? Então, a experiência é sempre limitada. Certo? Porque está agregando mais e mais e mais, todos os dias no mundo científico, em sua própria vida, você aprende algo mais. Então, a experiência é limitada, portanto, o conhecimento é limitado, a memória é limitada e, portanto, o pensamento é limitado. Certo? Estou são ou louco? (Risos)

E vivemos por pensamento. Então, nunca o reconhecemos, ainda que o pensamento possa imaginar o céu e o inferno mais extraordinários, os deuses olímpicos dos gregos, os deuses egípcios, você sabe algo de tudo isso? Não, não importa. Então, seu pensamento é sempre limitado e teus deuses a quem o pensamento tem criado sempre será limitado. Certo? Sei que você não gosta disto, mas não o discute. Então, seus deuses, seu pensamento, por mais amplo que seja, ou por mais estreito que seja, tudo isso é limitado. E, a partir desta limitação, tratamos de encontrar a energia. Você entende o que estou dizendo? Tratamos de encontrar a origem, o começo da criação.

Então, o pensamento tem criado medo. Certo? Não? Não é assim? Você não tem medo do que pode ocorrer dois aos depois? Não? Não tem medo de perder seu emprego, de não passar nos exames, de não subir no escalão — sabe o que quero dizer com subir no escalão: obter mais e mais e mais sucesso. E você tem medo de não poder cumprir. Tem medo de não poder estar só, ser forte para si mesmo. Certo? Você sempre depende de alguém. Tudo isso gera tremendo medo. Certo? Não vai me piscar?

Então, um de nossos fatos cotidianos é que somos pessoas amedrontadas. Certo? Você estaria de acordo com esse fato tão simples? Que somos pessoas assustadas? O medo surge quando queremos segurança. Certo? Você só escuta. De acordo, continuarei. Não se inquiete, continuarei. O medo destrói o amor. Você não pode ter amor sem... O amor não pode existir onde está o medo. O medo é uma tremenda energia por si mesmo. E o amor não tem relação com o medo. Estão totalmente divorciados. Certo? Então, qual é a origem do medo? Certo? Tudo isto é para entender, estar vivo à natureza do amor. Se você não entende tudo isto, logo vê e continua com o que esteja fazendo. Seja feliz com isso, divirta-se, ganhar dinheiro, posição e todo esse blá blá blá. Mas, se você quer entrar nisto com muito cuidado, não só tem que examinar o que está pensando e as máquinas, os computadores estão fazendo isso maravilhosamente, você não sabe nada, o último. Falei com alguns dos professores na Inglaterra, pouco antes de chegar à Índia, antes que o orador chegasse à Índia. Há computadores que podem pensar para trás e para frente. Você entende o que isso significa? Eles podem pensar o que tenho... Você tem que se levantar as seis, portanto, tem que planejar levantar-se às seis. Certo? E depois das seis, o que tem que fazer. E creio que a isso se chama... esqueci, retornarei. Então as máquinas, por favor, entendam isto, as máquinas, os computadores... Sabem essa piada? Você está orando para Deus, e há um computador ao lado, de joelhos, e o computador diz: “Para quem você reza? Deus está aqui” (Risos) Não senhor, não sabe o quão sério é. Então... Arquitetura, essa é a palavra. Quando — só aprendi isso recentemente e posso estar equivocado, posso ser corrigido — um computador puder pensar o que lhe ocorreu e planejar o que ocorrerá no futuro. O que o cérebro está fazendo, você entende? Você planeja vir aqui, gasta tanto dinheiro, tanto tempo e logo retorna, segue adiante. Então, os computadores podem pensar para frente e para trás, o que creio se chama arquitetura, podem ter mudado o nome por hora. Vou perguntar a um dos especialistas daqui.

Então, pensar tem criado medo. Certo? Pensando no futuro, pensando no passado, e não ser capaz de se adaptar rapidamente ao meio ambiente, etc., etc. Então, pensamento é tempo. Certo? Não, você não compreende. Continuarei. Pensamento do amanhã, o que poderia ocorrer, minha esposa poderia me deixar ou poderia morrer. Sou um homem solitário, então, que devo fazer? Tenho vários filhos, assim que é melhor me casar, voltar a casar com alguém ou outro, porque ao menos pode cuidar dos meus filhos. E assim. Isso é pensar o futuro baseado no passado, não é verdade? E então o pensamento e o tempo estão envolvidos nisto. Certo? Pensando no futuro, futuro sendo depois de amanhã ou amanhã e pensar nisso causa medo. Certo? Então, o tempo, o pensamento, são os fatores do medo. E o sabemos, temos examinado o pensamento, temos examinado o tempo. O tempo é o passado, o presente e o futuro. O nascer do sol e o pôr do sol, plantar uma semente e converter-se numa grande árvore. Isso é tempo. E também temos o tempo interior: eu sou isto, mas me coverterei em um rico milionário. Sou cobiçoso mas, dê-me tempo, não o serei — talvez na próxima vida. E assim sucessivamente e assim sucessivamente. Então, o tempo e o pensamento são os fatores centrais do medo. Estou buscando um relógio.

Audiência: Dez e seis.

K: Grato. Então, tenho falado durante uma hora e quanto?

Audiência: Quarenta minutos.

K: Isso tudo? Que lástima! Portanto, deixe-me terminar isto. Deixe-me outros vinte minutos, se não se importam. Você se importa? Não lhe tomarei muito tempo. Não fará nenhuma diferença se você me escuta ou não. Você continuará exatamente da mesma maneira como tem vivido. Não mudará, não fará nada, porque está preso numa rotina, em um sulco, em um padrão. E você continuará e a morte estará logo aí. Certo?

Então, estamos investigando algo que pode ser que você não entenda, mas não importa. O tempo, o pensamento, são nossos principais fatores da vida. E ambos tempos interiormente, eu sou isto, mas serei isso, ou tenho sido, serei, sou, serei — tudo isso implica tempo. E o tempo é pensamento, não são duas coisas separadas. Ambos são movimentos.

Então, o que significa a morte? Compreendem, senhores? Que lugar em minha vida tem a morte, o sofrimento, dor, ansiedade, solidão, todas essas coisas terríveis pelas quais tenho passado?

Muito obrigado.  Senhor, será melhor pegar o seu relógio. Quem pode lhe dar? Poderia perdê-lo, ou você poderia perdê-lo.

Você entende, senhor, por favor, compreenda isto muito cuidadosamente. O tempo, o pensamento, são os fatores centrais da vida. E estamos dizendo que o pensamento e o tempo são os fatores do medo. Isso é um fato, goste você ou não.

Então, o que tem que ver o sofrimento com o tempo? Você está seguindo tudo isto? O que tem o sofrimento, a dor, a ansiedade, a solidão, o desespero? E todo o trabalho que atravessa o homem, o que tem isso?... É isso toda nossa vida? Você entende o que estou perguntando? Estamos viajando juntos. Você não está sentado aí e escutando a um orador sem sentido. Estou lhe perguntando. Esta é sua vida, não é verdade, senhores? Fatos, não imaginação. Você nasce, é educado e  se encaixa em BA, MA, e tudo o mais, doutores, para conseguir um trabalho ou se converte num grande Primeiro Ministro, ou ministro, pelo amor de Deus, entende? Esta é sua vida. Esta é sua consciência. Sua consciência está composta de seus medos, de seus conhecimentos, de seu tempo, você já sabe, consciência. Seu conhecimento, tudo está em sua consciência. E, nessa consciência, da qual você é, essa consciência que você sempre pensou que fosse sua, “minha”, “minha consciência”. Entendem minha pergunta? Não cruze as pernas, simplesmente sente-se comodamente como você estava. Estou lhe observando, não mude de repente. Sua consciência, se a examinar com muito cuidado, não examiná-la através de juízos, avaliações, o que você sabe, mas sim a examiná-la com muito cuidado, sua consciência está composta de seu conteúdo. Certo? Entende o que digo? O que você pensa, qual é a sua tradição, qual é a sua educação, quantos medos, se você quer mudar para uma nova esposa, ou se vai a um certo templo, tudo isso, solidão, medo — é o que você é! Você pode pensar que é divino por dentro, mas ainda está pensando. Quando você diz: “Sim, há Deus em mim”, ainda é produto do pensamento.

Então, sua consciência, que é o que você é, não fisicamente, mas psicologicamente, internamente, que é a sua consciência é a consciência da humanidade. Escute cuidadosamente. Não aceite nada do que eu lhe disse. Todo ser humano nesta terra passa por isso: tristeza, dor, ansiedade, incerteza, insegurança, lutas, persuasão, quere isto, não querer. Tudo isso é o que você é. Se você imagina que é um deus encarnado, isso é parte do pensamento. Certo? Pensamento — como assinalamos — isso é limitado. 

Então, sua consciência, o que você é, é o resto da humanidade. Todo homem passa por isto, ou todas as mulheres. Todo ser humano passa por isto. Certo? Cada humano: seu vizinho, seu pai, sua avó, e as últimas gerações em todo o mundo. Então, você não são indivíduos. Isto é um golpe. Não o aceite. Examine-o, não diga, “Está podre” ou, “Não é um fato porque o Gita disse algo ou os Upanishads dizem algo, ou a Bíblia diz algo”. É um fato que você, seu sofrimento, sua dor, sua ansiedade, seu conhecimento, é comum a — não usarei “comum” — é compartilhado por cada ser humano. Certo? Então, você não é uma alma separada, um Atman separado. Sei que você não gosta disto porque você foi criado para engolir tudo o que se passa.

Então, deve haver liberdade do medo, das feridas, de todo tipo de coisa que os seres humanos têm reunido. Deve haver liberdade, você entende, não só palavras. “A Índia deve estar livre do resto do mundo”. Isso é uma besteira. Ninguém pode viver só, necessitam de um amigo, necessitam alguém para ajudar.  Então, estamos tratando de averiguar, de investigar o que é o amor. Certo? Estamos dizendo, enquanto houver medo de qualquer tipo, biologicamente, medo do apego, medo da perda, medo de qualquer tipo, o outro não pode existir. Se há algum tipo de arquivo adjunto, o outro não pode existir, e o outro é o amor.

Então, vamos perguntar, se o tempo o permite, logo vendo tudo isto, desde o começo, desde o bebê até o homem adulto, vendo o que é o mundo e indagando sobre o que é a morte. Porque todos estamos tão assustados com a morte? Você entende? Você sabe o que significa morrer? Não tem visto dezenas de pessoas assassinadas, feridas ou... não? Não? Você é uma pessoa estranha, ou o que? (Risos) Você pertence a um planeta diferente? Temos visto a morte. Nunca investigamos profundamente sobre o que é a morte. É uma pergunta muito importante, como o que é a vida. Você entende? Dizemos que a vida é tudo isto — podridão. Temos dito que a vida é conhecimento, aprendizado, você sabe, todas essas coisas, ir ao trabalho regularmente todos os dias às 9 em ponto ou às 10 em ponto, luta, batalhas, querer isto e não querer, está seguindo? Sabemos o que é viver. Certo? Uma série de ações produz uma série de reações e tristeza, dor, essa é a nossa vida.

Então, se isso é viver, o qual é, não diga: “Sim, viver é algo extraordinário acima”. Isto é viver: lutas, divórcios, lutas. Mas nunca temos investigado seriamente o que é a morte. Você entende do que estou falando? Sabemos o que é viver, se você é honesto e pode imaginar o que quiser, mas isto é viver. Você pode imaginar que o céu está aí e Deus lhe faz um festo com a cabeça, cada oração é respondida e tudo isso se apodrece. Ao menos para mim, para o orador. Mas nunca temos investigado seriamente o que está morrendo. Está bem, senhor? O que está morrendo?  Morrer deve ser algo extraordinário, não? Uma coisa extraordinária. Tudo se findou: seus arquivos adjuntos, seu dinheiro, sua esposa, seus filhos, seu país, suas superstições, seus gurus, seus deuses... Tudo se foi. Certo?  É possível que deseje levá-lo ao outro mundo, mas não pode pegar seu dinheiro, sua conta bancária, certo? Seus arquivos adjuntos, seus gurus, seus templos.  Você pode inventar templos mais acima, não depois da sua morte, mas enquanto você vive pode inventar todos os deuses na terra. Mas quando chega a morte e diz: “Olhe, você não pode levar nada consigo. Todos os seus arquivos adjuntos, todos os seus afetos, todas as suas feridas, todas as coisas que você reuniu na vida, você não pode carregar, não há espaço para isso”. Certo? Então a morte diz: “Seja totalmente desapegado”. Certo?  Isso é o que ocorre quando chega a morte. Não tem ninguém em quem possa se apoiar, não há nada. Certo. Você entendeu isto? Você pode acreditar que reencarnará na próxima vida. Essa é uma ideia muito reconfortante, mas pode não ser um fato, pode ser sua imaginação, seu anseio, seu “não posso deixar a minha esposa, tenho desejado tanto para um filho, mas o encontrarei na próxima vida, assim que o repreenderei”, e assim sucessivamente.

Então, estamos tratando de descobrir o que significa morrer — enquanto está vivo, não se suicide, não estou falando desse tipo de besteira. Quero saber o que significa morrer. Não saltar no rio, não me refiro a isso, ou ir aos Himalaias e morrer ali.  Mas quero descobrir por mim mesmo o que significa morrer. O que significa que posso estar totalmente livre de tudo que esse homem tenha criado, incluindo-me a mim mesmo? Sabe que há uma piada italiana, perdão por repeti-la: “Todo mundo morrerá, quem sabe, incluindo a mim”. (Risos). Então, quero descobrir qual é o fato real quando a more diz, é o suficiente. Certo? Você quer investigar isso? Não.  De verdade quer sabê-lo?  O que significa morrer? Renunciar a tudo. Certo? Não sacrificar, não use essas palavras tolas. Ela lhe corta com uma lâmina muito, muito afiada, de seus apegos, de seus deuses, de suas superstições, de seu desejo de conforto, a próxima vida e assim sucessivamente, etc. Assim que averiguarei o que significa a morte, porque é tão importante como a vida. Então, como posso averiguar, na realidade, não teoricamente? Fazer avaliações a respeito e formar sociedades e, você já sabe, todo esse circo. Mas na realidade que averiguá-lo, já que você quer saber. Estou falando para você, assim, que não se ponha a dormir.

Então, o que significa morrer? Você é muito saudável, o corpo está funcionando, não há enfermidade, como K, aos noventa e um anos, não tem nenhuma enfermidade, nem dor, etc., etc., porque tenho visto especialistas, doutores. Então, o que significa morrer? Faça-se essa pergunta, não me escute. Enquanto você é jovem, ou quando é muito velho, esta pergunta está sempre aí. Certo? Sempre pergunta e exige o que significa morrer. Você está interessado nisto? É você? Oh, não, não mova a cabeça, senhor!Sabe o que significa? Para ser totalmente livre, estar totalmente desacoplado de tudo o que o homem tenha juntado ou que tenha reunido, totalmente grátis. Sem arquivos adjuntos, sem deuses, sem futuro, sem passado. Você tampouco sabe o que significa tudo. Não vê a beleza disso, a grandeza de si mesma, a extraordinária força da mesma. Então, enquanto vive, você morre. Entende o que isso significa? Enquanto vive, a cada momento se está morrendo. Assim que durante toda a vida, você não está se apegando a nada: sua esposa, seu pai, sua mãe, sua avó, seu país, sua... Nada. Porque isso é o que a morte significa. Certo? Pode desejar outra vida. Isso é demasiado fácil, demasiado simples, demasiado idiota.

Então, a vida se está morrendo. Você entende? Viver significa todos os dias que você está abandonando tudo ao que está apegado, ao que você adora, ao que pensa, ao que não pensa, seus deuses, seu país — nada! Você pode fazer isso? Pode fazer isso? Um fato muito simples, mas tem tremendas implicações. Para que cada dia seja um novo dia. Você entende? Cada dia você está morrendo e encarnando. Oh! Você não entende! Há uma grande vitalidade, energia ali. Você entende? Porque não há nada de que tenha medo. Não há nada que possa lhe irritar, não pode ser ferido.

O pensamento é limitado, portanto, não tem importância; tem importância porque tenho que levantar-me e partir em cinco minutos, mas o tempo, o pensamento, o medo, o apego e todas as coisas que o homem tem ajuntado têm que ser totalmente abandonado. Isso é o que significa morrer. Deus pode estar esperando para lhe salvar no céu, tudo isso soa tão ridículo. Então, você pode fazê-lo? Você o tentará? Experimentará isso? Não só por um dia. Cada dia. Não, senhor, não pode fazê-lo. Seus cérebros não estão treinados para isto. Seus cérebros têm sido condicionados tão fortemente por sua educação, por sua tradição, por seus livros, por seus professores, por seu... tudo o mais. Isto requer averiguar o que é o amor. E o amor e a morte caminham de mãos dadas. Porque a morte diz: “Seja livre, não conectado, nada que você possa levar consigo”. E o amor diz... Não há palavra para isso. Então o amor pode existir só quando há liberdade, não de sua esposa, de uma nova filha ou de um novo esposo, mas da sensação, da enorme força, da vitalidade, da energia completa.

Na próxima vez que nos encontrarmos, falaremos sobre religião e meditação. Espero que esteja bem.  Lamento que só haja três palestras, mas o orador não pode continuar. Vocês entendem? Ele tem noventa anos e se isso é o suficientemente bom. Acabou-se, senhor!

Krishnamurti, segunda palestra em Madras (Chennai),
01 de janeiro de 1986
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill