A compreensão do medo da morte
PERGUNTA: Ajudai-me a compreender esse terrível medo à morte, que persegue todo homem e toda mulher.
KRISHNAMURTI: Pode alguém livrar-se do medo mediante algum raciocínio, conclusão lógica, asserção de crenças, de qualquer natureza que sejam? Ainda que vos digam que após a morte ireis viver a próxima vida, ficareis livre do medo? Isso poderá acalmar-vos, tranquilizar-vos, temporariamente; mas aquele sentimento de desconhecimento, de incerteza, perdurará. Podemos libertar-nos do medo pela crença, pela razão? Sabeis que morrereis — é a sorte de todos nós. Logicamente, sabeis que todas as coisas se acabam; e há uma peculiar continuidade, porque continuais no vosso filho, na vossa filha, no vosso vizinho; e sois a continuidade de vosso pai ou de vossa mãe. Embora saibais logicamente que existe a morte, estais livre do temor?
Logicamente, intelectualmente, intimamente, podeis estar livre do medo? O medo só existe em relação, não é verdade? Tendes medo à morte, sendo a morte “o desconhecido”; tendes medo de que vossa mente deixe de existir. Embora saibais que ides morrer e embora acrediteis que ressuscitareis ou renascereis, ficareis livre do medo? Como se pode, então, ficar livre do temor? Há alguma maneira de se ficar livre do medo? Se eu vos disser como se pode ficar livre, ficareis livre? Podeis observar certas práticas, podeis dizer: “Sei que tudo se acaba, e o fim pode ser um novo começo; e no findar pode haver uma nova criação; ou quando eu findar surgirá o desconhecido”. Podeis persuadir-vos, podeis raciocinar, mas o medo se acabará?
O medo, por conseguinte, não é algo que possa ser eliminado pela mente, porque a própria mente é o medo. A mente é que cria o medo, a ideia da cessação, a ideia de chegar ao fim. Ela é que diz: “Tenho vivido tanto, eu não deveria findar, preciso ter mais experiência, ainda não me preenchi”. A mente é que pergunta: “Que me acontecerá amanhã?” O amanhã é criação sua. O amanhã e o findar que ocorrerá amanhã, são ideias que constituem, o processo mental. O medo, por conseguinte, é criado pela mente, e a mente não pode vencer o medo, não importa o que façamos. Se perceberdes a verdade a esse respeito — isto é, que a mente cria o medo — cessará então o “mecanismo de pensar” que está preso ao amanhã.
Senhor, enquanto a mente estiver operando com existência no tempo ou com o conhecimento do findar no tempo, tem de haver temor. O medo é o “mecanismo” da mente, e a mente não pode libertar-se do seu próprio “mecanismo”. O que ela pode fazer é só estar apercebida do “mecanismo” em que existe o temor, sem tentar dominá-lo ou fazer alguma coisa com relação a ele; observar o temor, sem agir — porque o agir é ainda criar temor. Assim sendo, é só quando a mente não cria o amanhã — o que significa o morrer de hoje, o findar do mecanismo do pensamento, agora — só então, não existe mais temor. Quando percebe esta verdade, a mente está então, ela própria, num “estado do desconhecido”, e não há mais a acumulação de todos os dias passados. É só quando morremos de dia para dia, para todas as coisas que acumulamos, que vem aquela coisa, que é o fim do temor
Krishnamurti, Quarta Conferência em Bombaim
Krishnamurti, Quarta Conferência em Bombaim
17 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente