PERGUNTA: A ideia da morte só me é suportável, se posso crer numa vida futura. Mas dizeis que a crença é um obstáculo à compreensão. Peço-vos ajudar-me a perceber a verdade, nesta questão.
KRISHNAMURTI: A crença numa vida futura, é o resultado de nosso desejo de conforto, consolação. Se há ou não há uma vida futura, isto só se pode descobrir quando a mente não busca conforto numa crença. Se me vejo aflito pela morte de meu filho e desejo vencer esta aflição, creio na reencarnação, na vida eterna, etc.; e então a crença se me torna uma necessidade. É óbvio que a mente, nesse caso, nunca descobrirá o que é a morte, visto que só lhe interessa adquirir uma esperança, uma consolação, uma garantia.
Agora, se há ou não há continuidade, após a morte, este é um problema completamente diverso. Vê-se que o corpo se acaba; pelo uso constante, o organismo físico se consome. Que subsiste então? — A experiência acumulada, o conhecimento, o nome, as memórias, a identificação do pensamento como "eu". Mas isto não vos satisfaz; dizeis que deve haver outra maneira de continuação — a alma permanente, o Atman. Se há esse Atman que continua a existir, ele é criação do pensamento, e o pensamento que criou o Atman faz parte do tempo; esse Atman, portanto, não é espiritual. Se profundardes bem esta matéria, vereis que só existe pensamento, identificado como "eu" — minha casa, minha mulher, meus filhos, minha virtude, meu insucesso, meu sucesso, etc. — e quereis que isso continue. Dizeis: "Quero terminar meu livro antes de morrer", ou "Desejo aperfeiçoar as qualidades que me tenho esforçado para desenvolver, e para que terá servido esforçar-me tanto, em todos estes anos, para realizar uma coisa, se, no final de tudo, o que se me oferece é o aniquilamento?". A mente, pois, que é produto do conhecido, deseja continuar no futuro; e porque existe esta incerteza que chamamos a morte, sentimos medo e desejamos garantias.
Ora, a meu ver, o problema tem de ser considerado de outra maneira, ou seja, descobrindo cada um por si mesmo, se é possível, enquanto vivo, "experimentar" o estado que chamamos "a morte". Isto não significa suicidar-se, porém, sim, experimentar realmente aquele estado extraordinário, aquele momento sagrado de estar morto para todas as coisas de ontem. Em verdade, a morte é o desconhecido, e não há racionalização, nem crença ou descrença, que possa produzir essa extraordinária experiência. Para alcançar essa interior plenitude de vida, que também inclui a morte, a mente deve livrar-se do conhecido. O conhecido tem de deixar de existir, para que o desconhecido possa existir.
Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana