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domingo, 8 de abril de 2018

A verdadeira revolução é espiritual

A verdadeira revolução é espiritual

Como salientei no último domingo, a verdadeira revolução, a transformação radical não pode realizar-se no nível físico, mas, única e fundamentalmente, no nível do espírito, e esta noite desejo aprofundar mais ainda esta questão.

A verdadeira revolução é a religiosa, e não a revolução de ordem meramente econômica ou social. Uma revolução fundamental só pode verificar-se quando o homem é verdadeiramente religioso; porque outra qualquer espécie de revolução é puramente uma continuidade, sob forma modificada, do que já existe. Importa compreender-se o que entendo por “revolução religiosa”. A menos que haja uma transformação no nível fundamental do nosso pensar, do nosso ser, as alterações superficiais, de qualquer natureza que sejam, as persuasões, as compulsões, ou os ajustamentos ao ambiente, não constituem a verdadeira transformação. Tais modificações só podem acarretar maiores danos e sofrimentos. A revolução, pois, tem de ocorrer no nível denominado “religioso”, o qual desejo agora considerar.

Antes disso, porém, repito — acho muito importante saber escutar, porquanto nós não escutamos verdadeiramente. Ouvimos palavras, conhecemos-lhe o significado geral e com isso nos satisfazemos. Mas escutar é coisa toda diferente. A meu ver, quando se sabe escutar, esse escutar, por si só, produzirá aquela revolução fundamental. Escutar não é um esforço, uma vez que o esforço implica continuidade de propósito, continuidade da memória em determinada direção; e a memória é diretora, não é criadora. O escutar, quando sabemos escutar, é uma força verdadeiramente criadora, porquanto no escutar não se requer absolutamente a participação da memória. Quase todos nós, porém, escutamos com uma atitude de resistência. Se digo alguma coisa de que não gostais, ou se digo algo de que gostais, vos pondes imediatamente a julgar, repelindo o que vos desagrada e aceitando o que vos agrada; mas isso não é escutar. O escutar é um processo em que a mente está verdadeiramente tranquila, não está interpretando o que ouve, não está traduzindo, mas, sim, acompanhando, sem esforço nenhum — uma vez que o esforço é de efeito destrutivo. Quando se sabe escutar, revela-se em plena luz o significado do que se diz, sua verdade ou falsidade; mas se se opõe a uma sugestão outra sugestão, a uma ideia outra ideia, nunca se descobrirá a Verdade ou a falsidade de uma asserção. Acho muito importante compreender o que estou dizendo neste momento, isto é, que cumpre descobrir a verdade ou a falsidade de tudo o que ouvimos dizer. Cumpre escutar o que se diz, sem se lhe opor uma opinião, uma lembrança, uma experiência anterior. O que estamos tentando, nestas palestras, não é convencer-vos a respeito de coisa alguma, não é persuadir-vos a adotar uma determinada atividade, pois isso seria mera propaganda, sem nenhum valor. O que estamos tentando — vós e eu juntos — é promover aquela revolução radical no processo do desenvolvimento humano total, e não num nível determinado. Parece-me, portanto, sumamente importante saber-se escutar. Não vos estou sugerindo nenhuma linha de ação determinada, não vos ofereço nenhum padrão de pensamento, nenhuma filosofia. A revolução segundo um padrão não é revolução. Quando sabemos em que é que vamos ser transfor­mados, não há transformação alguma. Mas, se nos transformamos em algo que não conhecemos — o desconhecido — isso é revolução. E desejo nesta noite, se possível, examinar esta questão de modo bastante simples. Temos aí um problema muito complexo, mas eu acho que, se for possível acompanhar tranquilamente, sem oposição nem resistência, o que se vai dizer, a fim de se compreender a sua verdade ou falsidade, então essa verdade ou falsidade produzirá sua ação própria.

Para a maioria de nós, religião é dogma, crença, quer se trate da religião comunista, da cristã ou hinduísta. O dogma, a tradição, os rituais, as esperanças, a luta perene para “vir a ser” alguma coisa, alcançar o ideal — o homem ideal, o amor ideal, o Estado ideal — é o que chamamos religião. Mas isso, por certo, não é religião. Religião não é conformidade, religião não é uma busca, impulsionada pelo pensamento contínuo. Religião é coisa totalmente diversa. Eis porque muito importa compreender essa palavra, não de acordo com o que pensais ou o que eu penso, mas compreender-lhe a significação, toda a sua significação e alcance. A mente é capaz de criar qualquer forma de ilusão, ilusão que pode ser o ideal, ou Deus. Mas o culto dessa ilusão não é religião. A ilusão, a “projeção” da mente que — sob qualquer forma ou em qualquer nível que seja — quase todos nós adoramos, é uma coisa nascida da esperança, nascida do desejo, da ânsia. Esse desejo pode criar uma imagem; e a imitação, a busca desse ideal, o “tornar-se esse ideal” está sempre confinado na continuidade da mente. A mente não pode produzir nenhuma revolução, nenhuma transformação radical. O que poderá produzir a revolução radical, a revolução total no pensar do homem, é a cessação da continuidade da mente como pensamento.

Tende a bondade de escutar. Não compareis o que estou dizendo com o que tendes aprendido ou lido nalgum livro religioso ou outro qualquer. Não compareis. Se comparais, não estais então escutando o que digo. O importante é escutar o que se está dizendo. Quando comparais, nunca encontrais a verdade ou a falsidade do que ouvis dizer, porque a vossa mente está então ocupada com a comparação e não com a compreensão do que é. Assim, pois, as invenções da mente, quer sejam as de ordem puramente física, científica ou abstrata, quer sejam as invenções consistentes em “projeções” dela própria, em ideais dela própria, a que ela chama Deus, Verdade, Amor, — o copiar dessas projeções, o esforço para alcançá-las, tudo isso é continuidade da mente.

Sabemos o que é a inveja, e temos uma ideia de que ser verdadeiramente religioso é achar-se num estado de “não-inveja” O homem invejoso, evidentemente, não é um homem religioso, tão pouco como o é o homem ambicioso, seja no nível físico, seja no nível psicológico. Ora bem, ouvindo dizer que a inveja não é um sentimento religioso, e verificando ser a inveja uma série de lutas e dores e que ela só traz sofrimentos, diz a mente: “Não devo ser invejosa” e isso importa em “vir a ser” — a continuidade do estado de ser invejoso, como o denominamos. O ideal, a perseguição do ideal, que chamamos “vir a ser não-invejoso”, é ainda “inveja”.

Estamos falando agora sobre a cessação do “vir a ser”, na qual, tão somente, é possível aquela revolução que é a verdadeira revolução religiosa. Parece-me importante compreender isto. Nossa educação, nossa cultura, as influências que nos cercam, nosso condicionamento, tudo é “vir a ser”. Este é um fato óbvio, não achais? Sou pobre e quero tornar-me rico. Sou invejoso ou violento ou irascível, e acho que devo tornar-me pacífico, não ambicioso — quer dizer, devo “vir a ser alguma coisa”. Assim, nosso condicionamento e cultura, no seu todo — social, econômico, religioso — é “vir a ser”, é processo de “vir a ser”. Isto não é um fato? Observai o funcionamento da vossa mente, para verdes que é um fato evidente. O “vir a ser” é continuidade do “eu”, da ideia, um mecanismo constante; e esse mecanismo nunca poderá produzir uma revolução. Só é possível revolução, modificação, transformação radical, ao cessar o “vir a ser” — não quando me torno “não invejoso”, mas quando não há mais inveja.

Consideremos o ideal da “não-violência”. Dizeis: “Tornar-me-ei não-violento”. Afirmais que ireis praticar o ideal da “não violência”. Isto é, tornar-vos-eis não-violento. Sois violento; mas, mediante um processo de meditação, exercício, disciplina, vos tornareis “não violento”. A “progressão” da violência para a não violência, não é revolução; é meramente um processo de “vir a ser”, e, consequentemente, não há transformação nenhuma. A mente que se acha num constante “vir a ser”, numa constante busca, deixando-se constantemente persuadir, condicionar, nunca se tornará “não violenta”; nessa mente nunca será possível uma revolução fundamental. Só quando a mente reconhecer o processo de “vir a ser” no tempo, e reconhecer que a cessação do “vir a ser” é o ser, só então haverá o ser; nesse ser, e só nele, é possível a revolução radical.

Pois bem, se escutardes, vereis que enquanto a mente — que é o centro de todo “vir a ser”, já que a mente é resultado do tempo e o tempo é contínuo — enquanto a mente estiver cultivando um ideal e “se tornando” alguma coisa, não poderá haver transformação. Só pode haver revolução, revolução radical, revolução total no desenvolvimento do homem, quando cessa o “vir a ser” — e não quando a mente “se torna” uma mente perfeita; a mente não pode tornar-se perfeita, a mente não pode ser livre e sem “vir a ser”, porque a liberdade implica a cessação da continuidade do que foi. Assim, pois, ao reconhecerdes a verdade a esse respeito, haverá o silêncio da mente, e isso não significa que a mente se tornará silenciosa; o silêncio não pode ser alcançado, a mente não pode tornar-se silenciosa. Porém, quando percebe que “vir a ser” é processo de luta, processo de esforço, e que o esforço não pode produzir a paz, porque o que foi não sofrerá solução de continuidade, no tempo, — quando a mente percebe bem isso, não há mais “vir a ser”. Só com o terminar do “vir a ser”, há o silêncio mental.

Prestai atenção a isso, por favor. Quando há silêncio, nesse silêncio não há “vir a ser”. Ninguém pode “tornar-se” silencioso. Se se faz algo para se tornar silencioso, o que se obtém é apenas a continuação de uma atividade, a que se dá agora o nome de “silêncio”, mas que tinha antes o nome de sofrimento. Deste modo, a compreensão do “vir a ser” é o começo do silêncio, e esse silêncio é o “estado de ser”, é a compreensão total do mecanismo do homem; e esse ser é revolução, a transformação total do nosso existir; só então há a possibilidade de surgir o atemporal, o Eterno. Só são verdadeiramente revolucionários os homens que alcançaram aquele estado, porque já não pensam em “termos” de ajustamentos econômicos, sociais ou temporários .

Acho da maior importância compreender isso, porque os mais de nós, principalmente neste país, estamos contaminados pela praga do ideal, do cultivo do ideal. Todos queremos tornar-nos a pessoa ideal, o ser perfeito; por essa razão, praticamos disciplinas, sustentamos uma luta perene para nos tornarmos alguma coisa, e por isso nunca somos, em momento algum. Estamos sempre “nos tornando”, e nunca somos; nenhum momento é cheio, para nós; só o amanhã está cheio. Dessa maneira, perdemos o movimento da vida; a plenitude da vida. Se observardes a vossa mente, vereis jamais estamos quietos um minuto, mas sempre tentando ficar quietos. Só conhecemos o esforço, só conhecemos o “vir a ser”.

Conhecemos o ideal do silêncio, nossa mente persegue constantemente esse ideal, lutando, disciplinando-se, controlando-se, moldando-se, para alcançar aquele silêncio em que o Real pode manifestar-se; mas o Real nunca surgirá naquele silêncio, pois aquele silêncio é “vir a ser”. Só quando a mente compreende, na sua totalidade, o processo de “vir a ser”, perseguir, lutar, moldar-se, para ser outra coisa, só então há a possibilidade de cessar o “vir a ser” e operar-se a revolução, só então a mente é verdadeiramente religiosa. O homem religioso não é aquele que se torna um Sanyasi, que luta para “vir a ser”, alcançar virtudes ou tornar-se um “homem ideal”. O homem religioso é aquele que desistiu de “vir a ser”; por essa razão, para ele há só um único dia, um único momento — e não o momento de ontem, ou o momento de amanhã. Esse homem é o verdadeiro revolucionário; porque ele se integrou na realidade.

Releva não apenas escutar o que se diz, mas que se saia daqui como um ente humano completamente transformado — não por ter adquirido ideias novas, uma nova perspectiva das coisas, valores novos, ou por ter abandonado a tradição — que são puerilidades, atividades próprias da imaturidade. O importante é a mente não deixar espaço em si senão para o “estado de ser”.

Nosso espírito está sendo continuamente moldado por nós mesmos, pelas circunstâncias. Estamos sendo empurrados em todos os sentidos, sendo condicionados, como hinduístas, católicos, cristãos ou comunistas. Enquanto nos acharmos nesse estado, não criaremos um mundo novo. Só o homem que nenhuma outra religião tem senão a religião do “ser” — o “estado de ser” não tem nenhum espaço, nenhum canto onde a mente possa “vir a ser alguma coisa” — só ele criará um mundo novo.

Vós e eu temos de produzir um mundo novo — não o novo mundo ideados pelos comunistas, católicos ou capitalistas, mas um mundo totalmente diferente, um mundo livre, livre no movimento do ser e não do “vir a ser”. Nunca é livre o homem no “vir a ser”; está sempre a lutar, sempre competindo para “vir a ser”; jamais é livre. Prestai atenção a isso, por favor. Escutai-o. Se escutardes verdadeiramente, vereis que existe a liberdade sem “vir a ser”. Só nessa liberdade sem vir a ser pode um homem ser realmente feliz; o homem que a alcança é o homem feliz, integrado naquele espírito fundamental que cria o mundo novo.

Como tenho dito, o importante ao fazer-se uma pergunta, não é achar a resposta, mas compreender o problema, porque só o problema existe, e não há resposta. Fazer uma pergunta é coisa fácil; mas penetrar o problema é extremamente difícil e relevante, porque, sabendo-se de que se constitui o problema, o próprio percebimento do problema é a compreensão do problema. No momento em que posso formular o problema com toda a clareza e simplicidade, a resposta se apresenta — não tenho de procurá-la mais longe. Mas, em geral, nós não sabemos o que é que constitui o problema. Vemo-nos confusos com respeito ao problema, e, naturalmente, por causa dessa confusão, procuramos soluções; e essas soluções só produzirão mais confusão.

Compreendei, de uma vez por todas, que não há respostas para a vida. A vida é uma coisa viva, e não uma coisa que tem fim; a vida é o problema. Se sou capaz de compreender, no seu todo, o “mecanismo” do problema, ele é então para mim uma coisa viva, e não uma coisa que me faz fugir e que me assusta. O importante, pois, não é a resposta, mas que se apresente o problema de modo claro e simples e se perceba tudo o que ele implica. Porém, a mente que busca uma resposta, é uma mente sem penetração, uma mente estúpida. A mente que percebe o problema no seu todo, na sua sutileza, que percebe seu conteúdo e significação, suas variações e sua extensão, torna-se, ela própria, o problema. Quando a mente é o problema, já não busca resposta alguma. Sendo o problema, ela se torna quieta; e no momento em que a mente está quieta, não existe mais problema algum. Releva pois, não indagar uma solução, mas dispor-mo-nos a penetrar o problema.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
10 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

A questão da radical transformação

A questão da radical transformação

ESTA tarde, desejo falar sobre o problema da transformação. Já pensastes a seu respeito? Se já o fizestes, deveis ter notado quão difícil é operar uma mudança em nós mesmos. Percebemos em certos momentos a necessidade de transformação, de um certo ajustamento à vida, uma revolução radical em nós mesmos, independente de qualquer padrão de pensamento, ou compulsão. Quem observa as numerosas complicações da existência, sente o desejo imenso de efetuar uma revolução em si próprio. Já deveis — pelo menos os mais ponderados dentre vós — ter refletido a esse respeito, isto é, sobre como efetuar essa transformação, como irá ela influir em nossas relações mútuas ou com a sociedade, e se essa revolução terá algum efeito sobre a sociedade. Este problema, bem examinado, é sumamente complexo e envolve muitas outras questões, que se agitam não apenas no nível superficial do nosso pensar, mas também profundamente, no nível inconsciente.

Preliminarmente, porém, desejo recomendar-vos que, ao iniciar eu o estudo do problema, me escuteis com atenção e sem resistência; se assim fizerdes, então, talvez possais encontrar-vos naquele estado de total revolução interior. Afinal, é com este fim em vista que vos falo, e não para convencer-vos sobre uma determinada forma de modificação ou dizer-vos que deveis transformar-vos em conformidade com um certo padrão; nisso não há nenhuma possibilidade de transformação e, sim, meramente, ajustamento, adaptação a determinado padrão de ação — e isto não ó revolução, não é transformação. Se escutardes, sem resistência de espécie alguma, estou certo de que vos vereis num estado de revolução, dentro de vós mesmos, não operada por qualquer compulsão de minha parte, mas de maneira completamente natural. Permiti-me, pois, sugerir que me escuteis sem resistência. Em geral, nós não escutamos verdadeiramente, pois costumamos escutar com uma intenção, um “motivo”, um propósito, o que denota esforço. Pelo esforço, não se pode compreender coisa alguma.

Vede bem a importância disso. Para se compreender uma coisa, é necessário escutá-la sem esforço, sem compulsão, sem resistência, inclinação, opinião ou juízo. Isto é muito difícil, se não sabemos escutar. O problema não é de como efetuar a transformação, pois, se se sabe escutar corretamente, sem resistência sob qualquer forma, a transformação se realizará independentemente de qualquer ato consciente. Não creio se possa realizar uma modificação radical mediante ação consciente ou qualquer espécie de incitamento ou compulsão.

Passarei agora a explicar como essa transformação se realiza, independente de “motivação”. Mas, para se compreender tal explicação, torna-se necessária uma atitude muito atenta, no escutar, livre de qualquer barreira, restrição, resistência. No momento em que se ouve a palavra “revolta”, “transformação”, ou “revolução”, essa palavra tem um significado preciso — o significado do dicionário, o significado comunista, socialista, ou, se a pessoa é religiosa, o significado adequado ao seu especial padrão de pensamento.

Esses padrões de pensamento estão constantemente a interferir naquilo que se está escutando. A dificuldade, por conseguinte, não vai ser a compreensão do problema, mas, sim, a maneira de estudar o problema, a maneira de escutar o problema. É muito importante compreender isso antes de se começar a apreciar qualquer problema.

Para produzir-se a compreensão, não há necessidade de resistência ao que se ouve, mas, sim, de seguir-se a corrente de pensamento a que se está dando atenção. Ninguém pode segui-la, se ficar meramente resistindo, traduzindo, levantando contra ela as barreiras de suas próprias ideias. Se formos capazes de escutar sem resistência, estaremos então pensando juntos, e juntos encontraremos a mente num estado de transformação, alcançado sem qualquer persuasão, raciocínio ou conclusão lógica.

Para a maioria dos que estamos apercebidos dos acontecimentos mundiais e das coisas que estão sucedendo neste país, é clara, parece-me, a necessidade de revolução; uma mudança de atitude, de pensamento, uma revolução do senso dos valores é essencial. É bem óbvia a necessidade de uma transformação, para haver paz, para haver o suficiente a alimentar toda a humanidade, para promover o entendimento entre os homens. A possibilidade do desenvolvimento completo do homem depende, necessariamente, de uma transformação vital, total. Mas, como efetuar essa transformação, e que implica essa transformação? Há transformação quando a mente, o pensamento, só procura acomodar-se ao padrão de determinada cultura — a hindu, a cristã, a budista — ou ao padrão de pensamento e ação do comunista? Pode esse ajustamento, em qualquer nível que seja, da nossa existência, operar a transformação? Se nos acomodamos a um padrão que nos foi imposto ou que nós mesmos criamos, é óbvio que já não há transformação; porque o padrão, o fim, é um resultado do nosso condicionamento. Se eu, como hinduísta, comunista ou cristão, me modifico de acordo com o plano segundo o qual fui criado, de acordo com uma ideia, uma determinada maneira de pensar, isso, por certo, não é transformação, já que está, apenas, obedecendo a uma reação condicionada. E quando me modifico pelo padrão de um temor, de uma defesa, de uma tradição, isto, evidentemente, não significa transformação; não é a revolução, não é a revolta radical procedente do que é.

Assim sendo, quando investigo o problema da transformação, não devo investigar como a minha mente está funcionando? Não devo conhecer o mecanismo total do meu pensamento? Porque, se existe algum temor e esse temor me faz modificar-me, não há transformação; o temor projeta um padrão e eu me modifico de acordo com esse padrão; tem-se, por conseguinte, um mero ajustamento a determinado padrão “projetado” pelo temor. Se desejo promover a transformação, não devo examinar as múltiplas camadas do meu ser, consciente e bem assim inconsciente? Não devo pesquisar as reações superficiais dos meus pensamentos e “motivos”, e as correntes profundas de onde promanam todos os pensamentos e ações? Se desejo transformar-me, posso ter um padrão pelo qual me transformarei? Embora eu esteja a repetir coisa já dita, prestai atenção ao que estou dizendo; sena, perdereis o que está para vir.

Reconheço a necessidade de transformação, em mim mesmo e na sociedade. A sociedade são as minhas relações com outros, e nessas relações, a que chamo “a sociedade”, faz-se necessária uma transformação, uma demolição total, uma completa revolução do pensamento. Já que percebo a importância dessa transformação, pergunto: como pode ser feita? Depende a sua realização de especulações intelectuais, de conhecimentos da história e de sua interpretação, do conhecimento das várias questões sociais e métodos de reforma? Todo esse saber é capaz de produzir a revolução, a transformação total de mim mesmo, do meu pensar, de minha atitude, minhas atividades e pensamentos? Assim sendo, não é necessário — se tenho verdadeiro interesse — que eu investigue esta questão da transformação? Não devo investigar os móveis que me impelem à transformação, a minha ânsia de transformação? A ânsia de transformação pode produzir a transformação radical? Essa ânsia pode ser uma simples reação ao meu condicionamento, meu fundo, a impressões várias, de ordem social, econômica ou cultural. Pode-se promover a transformação sob compulsão de qualquer espécie?

Deixai-me expressá-lo da seguinte maneira: Conhecemos a transformação em relação com o tempo, e o tempo compreende a compulsão a que nos sujeitam as várias formas de sociedade, cultura, relações, temores, o desejo de ganhar alguma coisa ou de evitar punição. Tudo isso está na esfera do tempo, não é verdade? São funções, resultados, atividades de uma mente oriunda do tempo. Considerando bem, a mente é resultado do tempo — do tempo cronológico, de séculos de tradição, séculos de educação, compulsão, temor. A mente, por conseguinte, é coisa do tempo. Pode a mente, resultado do tempo, operar uma revolução total e sem relação com o tempo? Se nos modificamos dentro da esfera do tempo, isto é, se me modifico porque minha sociedade o exige, por perceber a necessidade de fazê-lo sob alguma forma de compulsão, ou porque isso me proporcionará alguma vantagem, ou porque tenho medo — e tudo isso, sem dúvida, é resultado dos cálculos da mente que pensa em “termos” de tempo, de hoje e amanhã — não pode haver revolução total. Isto é bem evidente, não achais? Quando a mente pensa em termos referentes ao tempo, para a transformação, há transformação? Ou só há uma continuidade, ajustamento a determi­nado padrão e, por consequência, nenhuma transformação?

O problema, pois, é este: Há transformação, há revolução não dependente do tempo? Não é esta a única revolução verdadeira — a revolução que não é produto da mente, produto do pensamento? Afinal de contas, o pensamento é a reação da memória, sendo a memória experiência, conhecimento, acumulação de inumeráveis reações e experiências; tudo isso constitui a mente, o fundo com que a mente reage; e essa reação é pensamento. O pensamento, portanto, é coisa do tempo. Enquanto eu me estiver transformando dentro do tempo — isto é, de acordo com um padrão qualquer: comunista, socialista, capitalista, católico, hinduísta, budista, etc. — a transformação estará sempre dentro da esfera do tempo. Quando a transformação obedece a um padrão, por mais amplo que seja, ela está sempre compreendida no tempo e, portanto, não há realmente transformação, revolução. Prestai atenção a isto, para o compreenderdes bem. Não o rejeiteis, dizendo “É puro disparate, que não nos leva a parte alguma” — mas escutai-o, ainda que não estejais habituados com esta ideia. Talvez a estejais ouvindo pela primeira vez. Não a rejeiteis porque, se quiserdes investigá-la profundamente, vereis como é extraordinário o seu conteúdo.

A transformação se realiza quando não existe medo, quando não existe “experimentador e experiência”; é só então que se verifica a revolução que está fora do tempo. Tal revolução, porém, não é possível, quando estou tentando transformar o “eu”, quando estou tentando transformar “o que é” noutra coisa diferente. Sou o resultado de compulsões e persuasões de toda ordem, sociais e espirituais, resultado de todo o condicionamento do impulso de aquisição; nisso está baseado o meu pensar. Desejando livrar-me desse condicionamento, desse impulso de aquisição, digo, de mim para mim: “Não devo ter o espírito de aquisição”. Devo exercitar-me no “não querer”. — Mas tal atividade está ainda na esfera do tempo, é ainda uma atividade da mente. Percebei bem isso; não digais “Que devo fazer para alcançar o “estado sem impulso aquisitivo”?” — Isto não é importante. Não é importante que se seja “não-aquisitivo”. O importante é compreender que a mente que quer fugir de um estado para outro está sempre funcionando dentro da esfera do tempo e, por esse motivo, não há revolução, não há transformação. Se fordes realmente capazes de compreender isso, estará então plantada a semente daquela revolução radical, a qual entrará em ação; não se precisa fazer coisa alguma.

Se há obstáculo à ação daquela semente, isso se deve à nossa resistência, ao nosso exclusivo interesse nos resultados imediatos. Assim que percebo a necessidade da transformação, logo quero saber “como” me transformarei, qual o método que devo seguir; só isso me interessa. O método implica continuidade da atividade da mente e só é capaz de produzir ação conforme com um padrão e, portanto, ação temporal, produtiva de sofrimento.

Pode haver ação não dependente do tempo, não dependente da mente, não condicionada pelo pensamento, que é puramente experiência do conhecimento? Tudo isso está relacionado com o tempo. Uma tal atividade, por conseguinte, jamais produzirá revolução, uma revolução total em nosso desenvolvimento de entes humanos. O problema, pois, é este: Há possibilidade de revolução, de transformação, fora do tempo? Há possibilidade de transformação, sem interferência da mente? Percebo a importância da transformação. Todas as coisas se transformam, todas as relações se transformam, cada dia é um dia novo. Se sou capaz de compreender o novo dia, se estou morto, completamente, para o “ontem”, que já é “coisa velha”, morto para todas as coisas que aprendi, que adquiri, que experimentei e compreendi, há então revolução em cada momento que vem, e há transformação. Mas o morrer para ontem não é atividade da mente. A mente não pode morrer por força de uma determinação, de evolução, de um ato da vontade. Se a mente reconhecer a verdade de que não pode produzir transformação alguma por ação da vontade, ou por meio de uma determinada conclusão ou compulsão, — e o que se produz por essa maneira é apenas uma continuidade, um resultado “modificado” e não uma revolução radical; se a mente estiver silenciosa, por uns poucos segundos apenas, para apreender a verdade dessa asserção, vereis, então, acontecer uma coisa extraordinária, independente de vós mesmos e da vossa mente. Ocorre então, interiormente, uma transformação, sem nenhuma interferência da mente, que é pensamento condicionado. É um extraordinário estado mental, esse em que não existe “experimentador” e não existe “experiência”. Daí resulta uma revolução total. Esta revolução total é a única coisa que pode trazer a paz ao mundo. Todos os ajustamentos de caráter nacional, todas as reformas econômicas, de um grupo que domina outro grupo e liquida todos os demais grupos, tudo isso há de falhar, porque só pode trazer maiores sofrimentos e mais guerras. O que trará a paz para o mundo, a compreensão, o amor, não é a razão — pois esta se baseia em reação condicionada — mas só a mente que se compreende de maneira total e é capaz de achar-se naquele estado eternamente, “atemporalmente” novo. Isto não é uma impossibilidade, não é uma coisa idealística, fantástica ou mística. Se buscardes realmente esta coisa, encontrá-la-eis, experimentá-la-eis diretamente; isso, porém, exige muita, muita meditação, investigação persistente, compreensão.

O importante, pois, é a compreensão da mente, e não o método de operar a transformação de si mesmo e, consequentemente, a transformação do mundo. O próprio processo da compreensão do problema produz uma transformação, independente de vós mesmos. Eis porque é importante ouvirdes estas palestras sem vos deixardes persuadir pelo que digo, mas percebendo a verdade contida no que estou dizendo. A verdade é que traz a revolução, e não a mente sagaz, a mente que calcula. Porque a verdade não pertence ao tempo, a verdade não pertence à Índia, à Europa, à Rússia, à América; não pertence a nenhum grupo, nenhuma religião, nenhum mentor, nenhum discípulo. Onde há um mentor, onde há um seguidor, onde há uma nacionalidade, lá não está a Verdade. A Verdade só pode surgir, quando a mente compreendeu e se acha tranquila; só então pode manifestar-se aquela Realidade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
7 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente



sexta-feira, 23 de março de 2018

Alquimia e Mutação


ALQUIMIA E MUTAÇÃO

Interlocutor P: Estava pensando se valeria a pena discutir a antiga atitude hindu para a alquimia e a mutação, e ver se os descobrimentos da alquimia têm alguma relação com o que você expressa. É significativo que Nagarjuna, um dos grandes sustentadores do pensamento budista, fora ele mesmo um mestre alquimista. A busca da alquimia na Índia não estava dirigida tanto à transmutação dos metais básicos em ouro, como a uma investigação dentro de certos processos psicofísicos e químicos nos quais, através da mutação, o corpo e a mente podiam ver-se livres dos estragos do tempo e dos processos da degeneração. O campo de investigações incluía o domínio da respiração, a participação de um elixir preparado em laboratório — uma substância na qual o mercúrio desempenhava um papel fundamental —, e a descarga de uma explosão na consciência. A ação dos três elementos leva a uma mutação do corpo e da mente. O simbolismo usado pelo alquimista era sexual; o mercúrio era a síntese masculina de Shiva, a mica a síntese da Deusa; a união de ambos, não só fisicamente e nos crisóis do laboratório, senão na mesma consciência, dava origem à mutação, um estado livre do tempo e dos processos de envelhecimento, um estado que não tinha relação com os dois elementos que em união total haveriam desencadeado a mutação. Isto está de algum modo relacionado com o que você disse?

KRISHNAMURTI: Você pergunta a respeito do estado de consciência que não pertence ao tempo?

P: Em todo indivíduo pode-se ver como opera um elemento masculino e o feminino. O alquimista bia a necessidade da união, de um equilíbrio. Há alguma validade nisto?

KRISHNAMURTI: Penso que isso pode ser observado em si mesmo. Muitas vezes tenho observado que em cada um de nós estão operando os elementos masculino e feminino. Ou se acham em um estado de perfeito equilíbrio ou estão em desequilíbrio. Quando existe este equilíbrio completo entre masculino e feminino, o organismo físico nunca fica realmente enfermo; pode ser que haja algum mal-estar superficial, mas no mais fundo não há enfermidade que destrua o organismo. Isto é o que provavelmente tem buscado, identificando-o com o mercúrio e a mica, o macho e a fêmea, e tratando através da meditação, do estudo e talvez mediante algum tipo de medicina, de produzir esta perfeita harmonia. Pode-se ver claramente em si mesmo como operam o masculino e o feminino. Quando um ou outro se torna exagerados, o desequilíbrio produz enfermidade; não doenças superficiais, senão enfermidades nas profundidades. Pessoalmente tenho notado em mim mesmo, debaixo de diferentes situações e climas, com distintas pessoas agressivas, violentas, como o feminino toma posse e se torna dominante. Este domínio do feminino utiliza o outro para afirmar-se a si mesmo. Mas quando ao redor de si há demasiada feminilidade, o masculino não se torna agressivo senão que se retira sem nenhuma resistência.

P: O que são os elementos feminino e masculino?

KRISHNAMURTI: O masculino é geralmente o agressivo, o violento, o dominante; e o feminino é o tranquilo, que geralmente se toma por submissão e então é explorado pelo homem. Mas a submissão, entendida como a qualidade do feminino, é na verdade a delicadeza que gradualmente conquista ao outro. Quando o masculino e o feminino estão em completa harmonia, transforma a qualidade de ambos. Já não é mais o masculino e o feminino. É algo completamente diferente com relação ao que se considera como masculino e feminino. O masculino e o feminino o positivo e o negativo, são dualísticos por causa de sua mesma natureza, enquanto que o completo equilíbrio, uma harmonia de ambos, tem uma qualidade diferente. Isso é como a qualidade da terra na qual tudo vive, mas não é da terra. Tenho notado com muita frequência este modo de operar. Quando a totalidade da mente se afasta do físico e do meio ambiente, é como se estivesse muito longe; muito longe no espaço e no tempo, senão que se trata de um estado ao qual nada pode afetar. Este estado não é uma abstração, nem um afastar-se do mundo, senão um absoluto estado interno de não-ser. Quando tem lugar esta perfeita harmonia devido a que não há conflito, ela tem sua própria vitalidade. Não destrói o outro. Assim que o conflito não está só no externo, mas também no interno, e quando este conflito cessa completamente, há uma mutação que não é afetada pelo tempo.

P: O alquimista chamava a isto de o nascimento de Kumara, o menino mágico; aquele que nunca envelhece, que é completamente inocente.

KRISHNAMURTI: Isso é muito interessante. Mas a alquimia se converteu em um sinônimo de tanta magia falsificada...

P: Mas os alquimistas, os mestres que eram colocados como os rasa siddhas — os portadores da essência —, afirmavam que aquilo que descreviam o haviam visto com seus próprios olhos, que o que relatavam não era de ouvidos nem havia sido ditado por um mestre. Há outro fator interessante; na alquimia se tem prestado muita atenção ao instrumento — o vaso. A ciência da metalurgia se desenvolveu a partir disto — um dos vasos ou yantras era conhecido como o garbha yantra, o vaso matriz. É uma palavra chave da alquimia. Existe uma tal coisa como a preparação da matriz da mente?

KRISHNAMURTI: No momento em que você usa a palavra preparação, isso significa um processo no qual o tempo está envolvido.

P: Os alquimistas também eram conscientes de que no ponto de mutação, de fixação do mercúrio, do nascimento do atemporal, não estava o tempo envolvido.

KRISHNAMURTI: Não use a palavra preparação. Coloquemos deste modo: É necessário um estado, um plano de fundo, um vaso que possa conter isto? Eu diria que o é, porque quando descobriram ao menino Krishnamurti, as pessoas que se supunha eram clarividentes para isso então, viram que ele carecia da qualidade do eu e que, portanto, era digno de ser o vaso. E penso que ele tem permanecido assim durante toda sua vida.

S: Pode ser que isso seja assim, mas, o que há com relação às pessoas correntes com nós? Este é um privilégio concedido a uns poucos, muito poucos, um em mil anos ou mais, ou isso pode ocorrer com pessoas que se interessam por tudo isto, que estão entregues a isto, que são verdadeiramente sérias em sua investigação?

KRISHNAMURTI: Certos fatores físicos e alguns estados psicológicos são necessários. Fisicamente tem que haver sensibilidade. A sensibilidade física não pode ter lugar quando se fuma, se bebe, ou se come carne. A sensibilidade do corpo deve conservar-se; isso é absolutamente essencial. Tradicionalmente, um corpo assim permanece em um lugar, sustentado por discípulos, pela família. Não é exposto nem submetido a agitações.

Um homem que é muito sério com relação a tudo isto, pode tornar altamente sensível a um corpo que tenha passado pelos normais efeitos embrutecedores? E o mesmo com uma psique que tenha sido ferida pela experiência?  Pode ela eliminar todas as feridas e cicatrizes, e renovar-se a si mesma de modo que haja um estado no qual não exista lesão alguma? Estas duas coisas são essenciais: a sensibilidade e a psique são cicatrizes. Eu penso que isto pode modificar qualquer pessoa que seja realmente seria.

Você já vê que a matriz está sempre pronta para conceber. Ela se renova a si mesma.

P: Como a terra, a matriz tem sua qualidade intrínseca de renovação.

KRISHNAMURTI: Penso que a psique tem exatamente a mesma qualidade.

P: Quando a terra se acha inativa e a matriz está quieta, em ambas existe a capacidade intrínseca de renovação.

KRISHNAMURTI: A terra, a matriz e a mente são da mesma qualidade. Quando a terra descansa e a matriz está vazia e na mente não há movimento algum, então tem lugar a renovação. Quando a mente está completamente vazia, é como a matriz: pura para renovar-se, para receber.

P: Este é então o vaso, o receptáculo.

KRISHNAMURTI: Sim. Este é o vaso, mas quando você emprega as palavras vaso, e receptáculo, tem que ser sumamente cauteloso.

Esta qualidade intrínseca da mente para renovar-se a si mesma, pode ser chamada de eterna juventude.

P: É conhecida como kumara vidya.

KRISHNAMURTI: O que é então que envelhece a mente? É óbvio que a mente envelhece devido ao movimento do eu, do ego.

P: O ego desgasta as células cerebrais?

KRISHNAMURTI: A matriz está sempre pronta para receber. Tem a qualidade de purificar-se a si mesma a todo tempo, mas a mente que está carregada com o ego — a fricção do ego —, carece de espaço para renovar-se a si mesma. Quando o ego está tão ocupado consigo mesmo e com suas atividades, a mente não tem espaço para renovar-se. De modo que o espaço é necessário tanto para o físico como para a psique. Como isto concorda com a alquimia?

P: A linguagem que eles empregam é diferente. Eles chamam de mutação através da união.

KRISHNAMURTI: Tudo isso implica esforço, fricção.

P: Como você o sabe?

KRISHNAMURTI: Se isso implica qualquer tipo de processo, qualquer forma de realização, então implica esforço.

Nova Delhi
14 de dezembro de 1970
Tradição e revolução
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domingo, 15 de setembro de 2013

Pode a mente, por meio do pensamento, promover uma transformação?

A mente é o resultado de muitos séculos, de milhares e milhares de anos. Sempre funcionou no campo do conhecido. Dentro desse campo do conhecido, não existe nada novo. Todos os deuses que a mente inventou são do passado, do conhecido. Pode a mente, por meio do pensamento, da inteligência, da razão, promover uma transformação?

Necessitamos de uma tremenda mutação psicológica, não uma mudança neurótica; e a razão, o pensamento, não pode realiza-la. Nem o saber, nem a razão, nem as sagazes atividades do intelecto poderão operar essa radical revolução na psique.

(...) Se o pensamento, a razão, o conhecimento e a experiência não podem realizar uma radical mutação na psique, que é que poderá realizá-la? Tal é a única revolução que resolverá todos os nossos problemas.

(...) Para examinar-se qualquer coisa, principalmente coisas não objetivas, coisas interiores, necessita-se de liberdade, de liberdade COMPLETA para olhar; e essa liberdade não é possível quando o pensamento, como reação de experiências ou conhecimentos anteriores, interfere no ato de olhar.

(...) Se você deseja olhar uma flor, qualquer pensamento a ela relativo lhe impede de olhá-la. As palavras "rosa", "violeta", o nome da flor, da espécie da flor, lhe impede de olhar. Para você olhar, NÃO DEVE HAVER INTERFERÊNCIA DA PALAVRA, que é a objetivação do pensamento. Você deve estar livre da palavra; o olhar exige silêncio; de contrário, não se pode olhar. Se você olha sua esposa ou marido, todas as lembranças que guardou, aprazíveis ou dolorosas, interferem no olhar. Só quando olha sem a imagem, existe um estado de relação. Sua imagem verbal e a imagem verbal de outra pessoa, não estão em nenhuma relação. São inexistentes.

(...) Para observar, precisamos estar livres da palavra, sendo a palavra símbolo, com tudo o que encerra — conhecimento, etc. Para olhar, observar, temos de estar em silêncio; de contrário, como é possível OLHAR alguma coisa? Esse silêncio ou pode ser produzido por um objeto tão imenso que torna a mente silenciosa; ou ele resulta de que a mente compreende que, para olhar qualquer coisa, tem de aquietar-se. Ela é então como a criança que ganhou um brinquedo novo, que a absorve inteiramente. A criança torna-se quieta; tão interessante é o brinquedo, que a absorve; mas, isso não é o estado de quietude. Tire-se-lhe o objeto da absorção, e ei-la de novo irrequieta, a fazer barulhos e travessuras. Para olharmos qualquer coisa necessitamos de liberdade; e a liberdade requer silêncio. A mesma compreensão disso produz sua disciplina própria. Não há interpretação, por parte do observador, daquilo que está a observar — sendo o "observador" todas as ideias, memórias, experiências, que o impedem de olhar.

O silêncio e a liberdade são inseparáveis. Só a mente que está toda em silêncio — não por meio da disciplina ou controle ou por causa da exigência de experiências extraordinárias, pois tudo isso são futilidades — só a mente que está toda em silêncio pode responder àquela pergunta. Só o silêncio total produzirá a revolução total na psique — não o esforço, nem o controle, nem a experiência, nem a autoridade. Esse silêncio é extraordinariamente ativo; não é mero silêncio estático. Para você o alcançar, precisa fazer o necessário. Ou o faz instantaneamente, ou toma um tempo para analisar-se e, nesse caso, você já perdeu o silêncio. A análise — psicanálise ou auto-análise — não dá liberdade, tanto mais porque requer tempo — de hoje para amanhã e daí por diante, gradualmente.

A mente — sua mente e minha mente — é resultado do tempo, resíduo de toda a experiência humana, produto de nossa infinda luta humana. Seus problemas são os mesmos problemas do indiano, na Índia. Ele está passando pela mesma infinita aflição que você. Esse desejo de encontrar a Verdade, de descobrir se é possível uma revolução radical na mente, só será compreendido quando houver liberdade total e, por conseguinte, não houver medo. Só existe a autoridade quando existe o medo. Com a compreensão do medo, da autoridade e da rejeição de todos os desejos de experiência — e essa é realmente a plenitude da maturidade — torna-se a mente completamente silenciosa. Só nesse silêncio — que é SUMAMENTE ativo — pode verificar-se uma revolução total na psique. Só então está a mente apta a criar uma nova sociedade. Torna-se necessária uma nova sociedade, uma nova comunidade, constituída de pessoas que, embora vivendo no mundo, a ele não pertençam. A você é que cabe o dever de criar essa comunidade.


Jiddu Krishnamurti — A importância da transformação

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

É possível uma total mudança na consciência humana?

(...) Os problemas humanos, o problema de nossa confusão, de nossa total falta de afeição, o sentimento de solidão, as contradições, a perpétua ânsia de preenchimento e as intermináveis frustrações que a acompanham — todos eles foram criados pelo pensamento. Edificamos uma sociedade, uma estrutura, um estado sócio-psicológico que é o resultado de nossa avidez, inveja, comparação, competição, ambição, desejo de poder, posição, prestígio, fama. Tudo isso foi construído pelo pensamento, e nós somos o resultado desse pensamento e nos vemos aprisionados nessa estrutura, na estrutura psicológica da sociedade, da qual somos uma parte. Isso também é muito óbvio; nós não somos diferentes da sociedade. A sociedade somos nós — você e eu — a sociedade que criamos com o pensamento, consciente ou inconscientemente, a qual aceitamos ou contra a qual nos revoltamos — revolta que, todavia, permanece dentro da estrutura de uma dada sociedade. O pensamento construiu, através dos séculos, esta sociedade, com seus deuses, seus instrutores, suas religiões, suas nacionalidades, e toda esta confusão medonha em que estamos vivendo. O pensamento não pode livrar-se daquilo que ele próprio construiu. Se o faz, ou se pensa que o faz, isso será ainda uma reação, uma continuidade “modificada” do que foi.

O pensamento é para nós de desmedida importância — o pensamento que é a palavra, a ideia, o passado, o presente e o futuro; o pensamento que cria extravagantes ideologias que com tanta facilidade aceitamos. Não importa se tais ideologias são nobres ou ignóbeis. O homem vive pelo pensamento, como o fazem certos animais, e, percebendo a confusão, a aflição em que nos encontramos, exercemos o pensamento a fim de operarmos uma mudança, à força de determinação, através do tempo, pela asserção da vontade: “Sou isto e devo ser aquilo”. O que o futuro será foi criado pelo pensamento, pela ideologia, pelo ideal, pelo exemplo. Embora desejemos mudar — e todo ente humano inteligente deseja promover uma mudança no mundo e em si próprio — utilizamos o instrumento do pensamento para efetuar a modificação, crendo que o pensamento resolverá todos esses problemas. Não é assim? Não estão aqui escutando, com o pensamento funcionando? Natural e evidentemente! E, não percebemos claramente que o pensamento não tem possibilidade de criar um mundo novo, de promover uma revolução total na consciência humana. O que fazer? O pensamento criou esta confusão e ele — assim esperamos — produzirá a clareza. Estamos muito certos de que o pensamento o fará, o pensamento que é brilhante, sutil, criador de ideologias; o pensamento que é egotista e não egotista; o pensamento que não funciona egocentricamente, devotado à reforma social, à revolução, a novos sistemas de ideias, a utopias.

Se percebemos o seu verdadeiro significado, se percebemos, mesmo verbal ou intelectualmente, que o pensamento é incapaz de promover uma mudança radical, e que a revolução radical da consciência humana é de essencial necessidade, vemos então quanto é insensato continuarmos pelo caminho que estamos seguindo, a lutar, dia por dia, cheios de aflição e confusão, à espera da desolação e da morte. Temos recorrido ao pensamento, para resolver esta situação, entretanto o pensamento nada resolveu. Se compreendermos isso, mesmo verbalmente, que iremos fazer?

Quando fazemos esta pergunta, desejamos que nos digam o que cumpre fazer — peço-lhes toda a atenção! — e, por conseguinte, estamos reagindo com o pensamento, queremos descobrir a resposta por meio do pensamento. Não é exato isso? O problema está claro, e agora estamos esperando, enquanto procuramos a resposta. O que é isso que está esperando? Que entidade é essa que está esperando a resposta? É ainda o pensamento! O pensamento quer agora descobrir se o que está dizendo é verdadeiro ou falso, está a concordar ou a discordar, a reverter ao seu condicionamento, e a dizer: “Como se pode viver neste mundo sem pensar?” Não estamos dizendo que não devemos pensar; seria infantil dizê-lo.

Vocês sabem qual é o problema. Por conseguinte, ao perguntarem “O que devo fazer?” —precisam descobrir quem é que está fazendo essa pergunta... É ainda o pensamento? Se é, podemos agora investigar a questão da origem do pensamento.

Não dizemos que o pensamento deve cessar, pois o pensamento tem uma função definida. Sem ele, não poderíamos nos dirigir ao escritório, não saberíamos nosso próprio endereço, nenhum possibilidade teríamos de funcionar. Mas, se desejamos efetuar uma revolução radical em toda a consciência, na própria estrutura do pensar, devemos compreender que o pensamento, que criou esta sociedade, com toda a confusão nela existente, não pode em absoluto dissolvê-la.

(...)O pensamento é essencialmente conservador. O pensamento quer ocupado com o futuro, quer com o presente, funciona sempre com base no passado, em suas memórias, seu condicionamento, seu conhecimento. O pensamento é a essência mesma da segurança, e é isso o que a mente, conservadora por excelência, também quer — segurança, sempre segurança, em todos os níveis! Para se efetuar uma total mudança na consciência humana, deve o pensamento funcionar num certo nível que lhe compete, mas não deve transbordar para outra esfera em que o pensamento não tem realidade alguma. Se eu não pensasse, não poderia falar. Mas, não é possível efetuar-se nenhuma transformação radical em mim mesmo, como ente humano, por meio de uma ideia, de um pensamento, porque o pensamento só é capaz de funcionar em conjunção com o conflito. O pensamento só pode criar conflito.

Dito isto, se, como espero, tenham muito interesse, devem perguntar a si mesmos qual é a origem do pensar.(...) Esta é uma pergunta sobremodo complexa, cuja compreensão requer uma mente muito sutil e destemida. No momento em que se descobre realmente a origem do pensar, o pensamento recebe o lugar que lhe compete e não transbordará para outra esfera, outra dimensão onde não há lugar para ele. Só nessa dimensão pode-se operar a transformação radical; só nela pode nascer uma coisa nova, não produzida pelo pensamento.(...)

Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Que se entende por mudança?

Para responder a esta pergunta, é necessário examinar a questão do "observador e a coisa observada" — sendo "observador" não só a percepção visual, mas também o que está atrás dela: memória, pensamento, idiossincrasias, preconceitos, um estado condicionado. Ele é o censor, o experimentador, o juiz, o avaliador. Todo esse feixe de "memórias" constitui o observador. E esse observador está sempre a se modificar, a mudar; não é um observador estático, a não ser sob pressão, tensão, necessidade. Há sempre um processo modificador em ação dentro do próprio observador. E enquanto existir "observador", existirá "coisa observada" — o oposto.

Quando uma pessoa diz que sente cólera, ciúme, que é violenta — está existente o observador, a afirmar que a pessoa é violenta; a violência está separada do observador. O observador, portanto, separou-se daquilo a que chama "violência". Diz ele, então, "Tenho de dominá-la, de encontrar meios e modos de reprimir, de mudar, de sublimar esta qualidade, esta violência; mas o observador criou a violência; ele é que é violento, e não a coisa que observa como violência. Portanto, o observador é a coisa observada. Isto é, o observador separa-se da coisa observada e cria uma distancia entre si e aquilo a que observa. O experimentador, que exige experiência, com essa própria exigência separa-se da experiência e, desse modo, cria a ânsia, o desejo de mais experiência e, portanto, conflito. Ele, o experimentador, criou um espaço entre si e a coisa a que quer experimentar. Mas o experimentador é a coisa que quer experimentar. Assim, quando diz: "preciso mudar, percebo a necessidade de mudança", ele, o observador, o experimentador, o pensador projeta um padrão, uma ideia daquilo que deveria ser, e querendo tornar-se isso, cria o conflito, contradição, porque se separou da coisa que deseja observar. Pode esse observador existir sem movimento de espécie alguma? Porque todo movimento de sua parte, para efetuar uma mudança dentro de si mesmo, cria o oposto e ele se vê enredado no conflito do oposto. Mas o observador é a coisa observada e, ao perceber isso, que significa então mudança?

Espero que isso não esteja abstrato demais; veremos.

Vemos, pois, que a total inação é mudança radical. Inação total por parte do observador e, portanto, inexistência do observador. Se você se examinar, sem ser teoricamente, nem por meio das palavras do orador, se se observar realmente verá isso ocorrer em si mesmo. O padrão do oposto se fixou através de milênios  bom e mau, Deus e Diabo, etc. etc. Esta luta constante entre o bom e o mau continua existente porque o observador é tanto o bom como o mau, e o cultivo do "bom" é cultivo do observador e não do "bom". Assim, se compreendemos isso, se o observamos em nós mesmos, verificamos que só é possível a mudança quando não há nenhum movimento por parte do observador. Por conseguinte, a inação total é revolução total.

Jiddu krishnamurti — A essência da maturidade

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A vida é agir e relacionar-se

No mundo à nossa volta, vemos confusão, miséria e desejos conflitantes e, compreendendo este caos mundial, as pessoas mais coerentes e sérias — não as que estão fingindo, mas as que de fato se preocupam — naturalmente verão a importância de refletir sobre o problema da ação. Há a ação coletiva e a ação individual; a ação de massa tornou-se uma abstração, um meio de fuga conveniente para escapar da ação individual. Ao imaginar que este caos, esta miséria, este desastre que está constantemente aumentando possa ser de alguma forma transformado ou organizado pela ação das massas, o indivíduo torna-se um irresponsável. A massa é por certo uma entidade fictícia, a massa são vocês e sou eu. Só quando vocês e eu não entendemos a relação da verdadeira ação é que nos voltamos para a abstração chamada a massa e, por isso, nos tornamos irresponsáveis em nossa ação. Para a ação da reforma, procuramos um líder ou nos voltamos para a ação coletiva, organizada, que novamente é ação da massa. Quando procuramos um líder para dirigir a ação, invariavelmente escolhemos uma pessoa que achamos que nos ajudará a transcender os nossos problemas, a nossa miséria. Contudo, pelo fato de escolhermos um líder a partir de nossa confusão, o próprio líder está confuso. Não escolhemos um líder diferente de nós mesmos. Não podemos fazer isso. Só podemos escolher um líder que, como nós mesmos, está confuso; portanto, esses líderes, esses guias e os assim chamados gurus espirituais invariavelmente nos levam a maior confusão, a mais miséria. Visto que os escolhemos a partir de nossa própria confusão, quando seguimos um líder estamos unicamente seguindo a nossa própria e confusa projeção de nós mesmos. Assim sendo, essa ação, embora possa produzir um resultado imediato, invariavelmente leva a outro desastre.

Portanto, vimos que a ação da massa — embora seja valiosa em certos casos — está destinada a levar ao desastre, à confusão, e a acarretar irresponsabilidade da parte do indivíduo, e vimos que seguir um líder significa também aumentar a confusão. No entanto, temos de viver. Viver é agir; viver é relacionar-se. Não há ação sem relacionamento, e não podemos viver isolados. Não existe o isolamento. A vida é agir e relacionar-se. Portanto, para entender a ação que não crie mais infelicidade, mais confusão, temos de entender a nós mesmos, com todas as nossas contradições, nossos traços contraditórios, nossas muitas facetas que estão constantemente em luta umas contra as outras. Enquanto não entendermos a nós mesmos, a ação deverá inevitavelmente levar a mais conflito, a mais infelicidade.

Assim sendo, nosso problema é agir com entendimento, e esse entendimento só vem com o autoconhecimento. Afinal, o mundo é uma projeção de mim mesmo. O mundo é o que eu sou. O mundo não é diferente de mim, o mundo não está contra mim. O mundo e eu não somos entidades separadas. A sociedade sou eu; não há dois processos diferentes. O mundo é uma extensão de mim mesmo, e, para entender o mundo, tenho de entender a mim mesmo. O indivíduo não está em oposição à massa, à sociedade, porque a sociedade é o indivíduo. Sociedade é relacionamento entre vocês, eu e o outro. Só há oposição entre indivíduo e sociedade quando o indivíduo se torna irresponsável. Portanto, temos um problema a considerar. Há uma crise extraordinária que atinge todos os países, pessoas e grupos. Qual o relacionamento que há entre nós, vocês e eu, e essa crise, e como devemos agir? Por onde devemos começar para provocar uma transformação? Como eu disse, se considerarmos a massa não há saída, visto que a massa implica um líder, e a massa sempre é explorada pelos políticos, pelo sacerdote e pelos espertos. E uma vez que vocês e eu fazemos parte da massa, temos de assumir a responsabilidade pela nossa ação, ou seja, temos de entender a nossa própria natureza, temos de entender a nós mesmos. Entender a nós mesmos não significa nos isolarmos do mundo, porque isolar-se do mundo significa afastar-se e não podemos viver afastados. Assim sendo, temos de entender a ação no relacionamento, e esse entendimento depende da percepção de nossa natureza conflitiva e contraditória. Acho que é uma tolice conceber um estado em que haja paz e para o qual possamos olhar. Só pode haver paz e tranquilidade quando entendemos a nossa natureza e quando não pressupomos um estado que não conhecemos. Pode haver um estado de paz, mas a simples especulação sobre esse estado é inútil.

Para agir corretamente, deve haver pensamento correto; para pensar corretamente, deve haver autoconhecimento, e o autoconhecimento só pode existir por meio do relacionamento, não do isolamento. O pensamento correto só ocorre quando entendemos a nós mesmos, e desse conhecimento surge a ação correta. A ação correta é a que surge do entendimento de nós mesmos, não de uma parte de nós mesmos, mas de todos os aspectos de nós mesmos, da nossa natureza contraditória, de tudo o que somos. À medida que entendemos a nós mesmos, há ação correta, e dessa ação surge a felicidade. Além do mais, queremos felicidade. Felicidade é o que a maioria de nós está procurando por meio de várias formas, por meio de várias fugas — fugas através da atividade social, do mundo burocrático, da diversão, do culto e da repetição de frases, do sexo, e de inumeráveis outras fugas. Vemos que essas fugas não trazem a felicidade duradoura; elas apenas dão um alívio temporário; fundamentalmente, não há nada de verdadeiro nelas, nenhum deleite duradouro. Penso que só encontraremos esse prazer, esse êxtase, a verdadeira alegria de sermos criativos, quando entendermos a nós mesmos. Não é fácil entender a nós mesmos; esse entendimento requer certa vivacidade, certa percepção. Essa vivacidade, essa percepção só podem surgir quando não nos condenamos, não nos justificamos; porque, no momento em que há uma condenação ou uma justificação, o processo do entendimento se encerra. Quando condenamos alguém, deixamos de entender essa pessoa, e quando nos identificamos com ela, novamente deixamos de entendê-la. Dá-se o mesmo conosco. É difícil observar, ficar passivamente consciente de quem são vocês; mas dessa consciência advém um entendimento, uma transformação do que existe, e só nessa transformação é que se abrem as portas para a realidade.

Então, nosso problema é a ação, o entendimento e a felicidade. Não há base para o verdadeiro raciocínio a não ser que conheçamos a nós mesmos. Sem o autoconhecimento não tenho base para o pensamento — apenas posso viver num estado de contradição, como faz a maioria de nós. Para provocar uma transformação no mundo, que é o mundo do relacionamento, tenho de começar por mim mesmo. Vocês podem argumentar que “provocar uma transformação do mundo desse modo exigirá um tempo infinitamente longo”. Se estivermos buscando resultados imediatos, naturalmente acharemos que a demora será muito grande. Os resultados imediatos são prometidos pelos políticos; mas receio que para um homem que está em busca da verdade não há resultados imediatos. É a verdade que transforma, não a ação imediata; só quando cada um descobrir a verdade haverá felicidade e paz no mundo. O nosso problema é viver no mundo sem pertencer a ele, e trata-se de um problema de uma busca das mais sérias, porque não podemos nos recolher, não podemos renunciar, porém temos de ter a consciência de nós mesmos. Compreender a si mesmo é o começo da sabedoria. Ter consciência de nós mesmos é entender o nosso relacionamento com as coisas, pessoas e ideias. Enquanto não compreendermos a importância e o significado do nosso relacionamento com as coisas, pessoas e ideias, a ação que implica o relacionamento inevitavelmente provocará conflitos e lutas. Assim, um homem verdadeiramente sério tem de começar por si mesmo; ele tem de ficar passivamente consciente de todos os seus pensamentos, sentimentos e ações. Novamente, não se trata de uma questão de tempo. Não há fim para o autoconhecimento. Este só existe de momento a momento e, portanto, há uma felicidade criativa a cada novo momento.

Jiddu Krishnamurti — Nova Delhi, 14 de novembro de 1948


quinta-feira, 7 de março de 2013

A mutação mental que ocorre sem drogas e sem desejo

O homem tem tentado todos os meios para fugir dos problemas, evitá-los ou encontrar algum pretexto para não resolvê-los. Falta-nos provavelmente a capacidade, a energia, o impulso necessários para os resolvermos e, tão habilmente preparamos as nossas vias de fuga, que nem sequer percebemos que estamos fugindo. Uma mudança total me parece ser necessária, uma radical revolução da mente, revolução que não seja uma "continuidade modificada", porém uma total mutação psicológica que liberte a mente, de todo, de sua sujeição ao tempo; que a torne capaz de ultrapassar a estrutura do pensamento, não para ingressar numa certa região metafísica, porém, sim, numa dimensão atemporal, onde ela não estará fechada em sua estrutura e seus problemas.... Temos tentando muitos meios, inclusive o L.S.D., crenças, dogmas, seitas religiosas, disciplinas, meditação. E, ao fim de tudo isso, a mente tem permanecido exatamente a mesma: vulgar, estreita, limitada, ansiosa, ainda que tenha passado por períodos de iluminação, lucidez. É isso o que está fazendo a maioria de nós, em nosso esforço para alcançarmos uma certa visão, uma clareza, algo que não seja produto do pensamento — para sempre voltar ao mesmo estado de confusão. A liberdade parece inexistente... Não sabemos o que significa liberdade. Só somos capazes de formar uma imagem, uma ideia, uma conclusão, a respeito dela — o que ela deve ser, o que não deve ser. Para a experimentarmos, para a encontrarmos realmente, requer-se muito exame, muita penetração do nosso processo pensante.

Nessa tarde, desejo investigar se é possível ao homem, ao ente humano, libertar-se inteiramente do medo, do esforço, de toda espécie de ansiedade. Essa libertação deve ser inconsciente, isto é, não deve ser deliberadamente provocada. Para compreendermos esta questão temos de examinar o que significa mudança. Nossa mente está acorrentada, condicionada pela sociedade, por nossa experiência, nossa herança racial, enfim, por todas as influências a que o homem está sujeito. Pode um ente humano libertar-se de tudo isso e, por si mesmo, descobrir um estado mental inteiramente incontaminado pelo tempo? Afinal, é isso o que todos nós estamos buscando. Cansados das diárias experiências da vida, de seu tédio, de sua trivialidade, desejamos alcançar, através da experiência, algo muito superior. Chamamos esse estado de Deus, uma visão, ou damos-lhe não importa o nome.

(...) Nós temos de mudar. Há em nós muito do animal: agressividade, violência, avidez, ambição, busca de sucesso, esforço para dominar. Podem esses remanescentes do animal ser totalmente erradicados, de modo que a mente deixe de ser violenta, agressiva? A menos que a mente se encontre em perfeita paz, em completa tranquilidade, não há a possibilidade de descobrir-se nada novo. Sem esse descobrimento, sem a transformação da mente, ficaremos meramente vivendo no processo temporal da imitação, continuaremos com o que era, a viver no passado. O passado não só está presente, mas também o presente é o passado.

Que se entende por mudança? Ela é uma inadiável necessidade, porquanto nossa vida é bastante trivial, vazia, monótona e estúpida, sem significação. Ter de frequentar diariamente um escritório durante os próximos quarenta anos, gera alguns filhos, estar sempre à procura de entretenimento, na igreja ou no campo de futebol — tudo isso, para um homem amadurecido, é muito pouco significativo. Sabemos disso, mas não sabemos o que devemos fazer; não sabemos como deter o processo temporal.

(...) Mudança, para a maioria de nós, significa um movimento em direção ao conhecido. Ora, isso não é uma mudança real, porém, uma continuação do que era, num padrão modificado. Todas as revoluções sociais se baseiam nessa espécie de mudança... Mas, isso não é nenhuma mudança, porém, mera reação; e a reação é sempre "imitativa".

Quando falamos de mudança, não se trata de mudança ou mutação de o que era para o que deveria ser. Espero que estejais observando o processo de vosso próprio pensar e percebendo não só a necessidade de mudança, mas também o vosso condicionamento, as limitações, os temores, as ansiedades, a total solidão e monotonia da vida. Estamos nos perguntando se essa estrutura pode ser totalmente demolida, para que possa se tornar existente um novo estado mental. Esse estado mental não pode ser preconcebido; se assim for, trata-se meramente de um conceito, de uma ideia; e uma ideia nunca é real.

(...) Só conhecemos o esforço como meio de efetuar qualquer mudança — mudança motivada sempre pelo prazer ou pela dor, pela recompensa ou a punição. Para se compreender a mudança, no sentido que damos à palavra, no sentido de mutação, de transformação total da mente, temos de investigar a questão do prazer. Se não compreendermos a estrutura do prazer, a mudança ficará sempre na dependência de prazer e da dor, da recompensa ou da punição. O que todos queremos é prazer, cada vez mais prazer — ou o prazer físico, do sexo, das posses, do luxo, etc. — o qual é muito fácil de compreender e de rejeitar — ou o prazer psicológico, no qual estão baseados todos os nossos valores morais, éticos, espirituais.

(...) O animal só deseja prazer. E, como disse, há muito do animal em nós. A menos que compreendamos a natureza da estrutura do prazer, a mudança ou mutação será uma mera forma de continuidade do prazer, no qual está sempre contida a dor... Que é prazer? Por que busca a mente com tanta persistência essa coisa chamada prazer? Por prazer entendo o sentir-nos superiores, psicologicamente, a violência e seu oposto, a não violência. Cada oposto contém o oposto respectivo; a não violência, por conseguinte, não é, de modo nenhum, não violência. A violência proporciona grande prazer. Há enorme prazer em adquirir, em dominar; e, psicologicamente, no sentimento de possuir uma certa capacidade, de ter alcançado um objetivo importante, no sentimento de ser inteiramente diferente de outra pessoa. Nesse princípio do prazer estão baseadas as nossas relações; nele se alicerçam os nossos valores éticos e morais. O prazer supremo não é só o sexo, porém a ideia de termos descoberto Deus, de termos descoberto algo totalmente novo. Estamos constantemente a esforçar-nos por alcançar esse prazer supremo. Alteramos os padrões de nossas relações. Não gosto de minha mulher e procuro vários pretextos para escolher outra mulher. É dessa maneira que estamos vivendo — nessa batalha constante, nessa luta interminável. Nunca refletimos sobre o que é o prazer, sobre se, psicologicamente, existe um estado real de prazer. Por meio do pensamento concebemos ou formulamos o prazer e desejamos alcançar esse prazer. O prazer, pois, pode ser produto do pensar.

Cumpre compreender tudo isso muito profundamente, perceber com máxima clareza a estrutura inteira do prazer, em vez de tratarmos de nos livrar dele, que é falta de maturidade. É isso o que fazem os monges, por todo este mundo. Estamos empregando a palavra "compreender" num sentido não intelectual, não emocional: no sentido de vermos uma coisa com toda a clareza, tal como é e não como gostaríamos que fosse; sem a interpretarmos de uma certa maneira, conforme nosso temperamento. Então, quando compreendemos uma coisa, isso não significa que uma mente individual a compreendeu, porém, sim, que há um total percebimento desse fato. Seria bastante absurdo e insincero, de nossa parte, dizermos: "Não estou em busca de prazer". Todos o estão buscando.

Para compreendermos o prazer, temos de examinar não só a questão do pensar, mas também a estrutura da memória... O prazer se torna existente por causa de uma experiência deleitável. A experiência foi-se, mas a lembrança ficou. Então a memória reage e, por meio do pensamento, deseja a repetição daquele prazer. A memória está sempre a esforçar-se. Isto é simples. O pensamento ocupa-se sempre com as coisas que proporcionam prazer — sexo, sucesso, etc.

(...) O meio cultural em que vivemos nos impôs certos padrões de comportamento, certos padrões de pensamento, certos padrões de moralidade. Quanto mais antiga a cultura ou civilização, tanto mais condicionada a mente se torna. Existe aquele padrão, que a mente está sempre a imitar, a seguir, sempre a ajustar-se a ele. Esse processo chama-se "ação". Se trata-se de atividade puramente técnica, está a mente meramente a copiar, a repetir, a acrescentar alguma coisa ao que era. Por que atuamos com uma ideia?...

(...) Vejo-me aflito. Psicologicamente, acho-me num estado de terrível perturbação. Tenho a ideia sobre o que devo fazer, o que não devo fazer, como proceder para alterar esse estado. Essa ideia, essa fórmula, esse conceito me impede de olhar o fato — o que é. A ideação e a fórmula são fugas ao que é. Há ação imediata em presença de um grande perigo. Não há então nenhuma ideia. Não formulamos primeiramente uma ideia, para agirmos de acordo com ela.

A mente se tornou preguiçosa, insensível, por causa da fórmula que lhe proporciona um meio de fuga à ação em presença do que é... Que necessidade tenho de uma ideia?... Quando sente fome, não há nenhuma ideia a esse respeito. Depois é que vem a ideia relativa ao que devemos comer; então, conforme dita-nos o desejo do prazer, comemos. Só há ação em relação ao que é, quando nenhuma ideia existe sobre o que se deve fazer a respeito do fato com que nos defrontamos, o qual é o que é.  

(...) Este é um problema que exige muito percebimento, e não um dado estado espiritual, absurdo, místico: percebimento das palavras que usais, do que falais, do que fazeis, do que pensais. Deveis estar conscientes de tudo isso, para começardes a descobrir por vós mesmos todos os movimentos de vossa mente, que é também a mente de todos os outros entes humanos do mundo. Não precisais de ler nenhuma filosofia ou psicologia, para descobrirdes o processo de vossa própria mente. Ele está à vossa frente; tendes de aprender a olhá-lo; e para olhá-lo, deveis estar conscientes não só das coisas externas, mas também dos movimento interiores. O movimento exterior é também o movimento interior; não existe "exterior" e "interior". É um movimento de constante intercâmbio. Tendes de estar conscientes desse movimento; mas não precisais ingressar num mosteiro para aprenderdes a estar consciente, o que tendes de fazer é apenas manter-vos vigilantes, todos os dias, ao entrardes num ônibus, num carro, ao fazerdes qualquer coisa. Isso exige enorme atenção, atenção significa energia. Começareis assim a descobrir como a energia se dissipa por causa de nosso interminável tagarelar e, por conseguinte, pela vigilância, começareis a estar conscientes sem escolha, sem gostar ou não gostar, sem condenação. Começareis a observar, simplesmente: a observar vossa maneira de andar, de falar, de tratar os outros. Esse mesmo ato de observar, sem nenhuma fórmula, produz uma tremenda energia. Não precisais tomar drogas para terdes energia. Vereis então por vós mesmos, que se opera uma mutação, sem a terdes desejado.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill