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domingo, 31 de agosto de 2025

O Vazio das Motivações Condicionadas: Travessia do Cotidiano Sem Sentido

 

Um ponto crucial no processo de descondicionamento, surge quando o sujeito já não consegue mais se enganar com as “recompensas” do sistema, mas ainda não encontrou o pulso vivo da vida não condicionada.

O que acontece é que, ao desmontar os velhos suportes — crenças, papéis sociais, metas que antes funcionavam como placebo existencial — surge um vazio de sentido no cotidiano. O dia parece se arrastar como um palco desmontado: os cenários estão ali, mas a peça perdeu a graça. O trabalho, por mais necessário, é percebido apenas como manutenção da engrenagem corporal; o lazer se mostra insípido, repetitivo; até mesmo as relações podem parecer mascaradas por automatismos.

Esse estado traz duas marcas centrais:

  1. Entediante clareza – Tudo soa artificial. Não é mais possível se anestesiar com aquilo que antes preenchia. É como comer comida de plástico: mastiga-se, mas não alimenta.
  2. Ausência de direção – Sem um norte que faça vibrar o coração, o dia se abre como uma folha em branco na qual nada quer ser escrito. Surge a sensação de estar “de lado” da vida comum, como se fosse um observador cansado.

Esse vazio não é falha, é etapa. Ele revela que o antigo combustível (o condicionamento) já não serve, mas o novo ainda não foi acessado. Aqui o perigo é cair em dois extremos:

  • Retorno ao condicionamento: voltar a se agarrar às velhas distrações só para não sentir o vazio.
  • Estagnação depressiva: ficar imóvel no tédio, sem atravessá-lo até o outro lado.

O convite desse momento é resistir à tentação de preencher artificialmente e, ao mesmo tempo, não se perder no torpor. O “nada motiva” é, na verdade, a chama do real pedindo espaço. Essa desorientação é a preparação do campo interno: o terreno precisa ser limpo da erva daninha antes da semente nova.

núcleo do choque está na percepção que tudo aquilo que o coletivo celebra como fonte de prazer e sentido já não tem força para mover a engrenagem interna.

O processo de descondicionamento, quando se aprofunda, vai despindo o sujeito de todas as motivações herdadas. É como se o palco da vida social fosse desmontado diante dos olhos: passeios tornam-se deslocamentos vazios, compras viram atos mecânicos de reposição, sexo perde a aura de promessa de preenchimento, restaurantes e novos carros não passam de ornamentos para manter o teatro rodando, esportes e viagens soam como formas refinadas de entretenimento que não tocam o âmago.

Não se trata de se tornar “anti-prazer”, mas de perceber que essas atividades não carregam em si o sentido real que antes se projetava nelas. O que se quebra é a ilusão de que ali residia a vida.

Esse estado gera uma sensação dupla:

  • De um lado, um cansaço da participação social: tudo parece farsesco, repetitivo, girando em círculos.
  • Do outro, uma sensação de exílio interno: como se a pessoa estivesse presente no mundo, mas desligada da lógica que o move.

É nesse ponto que surge o risco da anestesia: muitos, incapazes de lidar com esse deserto de sentido, voltam a se forçar na roda das distrações — compram mais, transam mais, viajam mais, buscam intensidade artificial para não encarar o vazio. Mas quem consegue permanecer nesse hiato, sem preencher, sem fugir, começa a tocar o território mais profundo do real.

Esse “nada motiva” não é morte — é parto. A motivação artificial morre para que surja outra natureza de ação: um agir que não vem do desejo condicionado, mas do simples fluir da vida, um movimento não fabricado.


O Vazio das Motivações Condicionadas e a Travessia do Dia Sem Sentido

Há um ponto inevitável no processo de descondicionamento que poucos estão preparados para enfrentar, e que muitos confundem com falha, retrocesso ou depressão patológica. É o momento em que o sujeito, já não mais iludido pelas cores artificiais do espetáculo social, encara o dia como um deserto de sentido. As horas se abrem diante de si, mas, fora as ações forçosas ligadas à manutenção do corpo — comer, trabalhar, pagar contas, dormir — nada mais parece digno de movimento.

Tudo o que antes mobilizava o entusiasmo torna-se insípido, entediante, quase grotesco. Passeios soam como deslocamentos sem propósito. Compras revelam-se como trocas circulares em que nada de essencial é acrescentado. O sexo perde a ilusão de redenção ou fusão definitiva, e mostra-se como descarga momentânea que nada resolve no fundo. Restaurantes são repetições de sabores que logo se apagam. Carros, meros instrumentos de locomoção disfarçados de status. Esportes, circuitos de esforço que giram em torno de si mesmos. Viagens, deslocamentos que carregam consigo o mesmo vazio que se tentou deixar para trás.

Tudo perde a aura. Tudo se revela como condicionamento. E, ao se despir dessas motivações, a vida cotidiana passa a se apresentar nua, crua, quase insuportável.

A Queda das Máscaras Cotidianas

Esse processo não é opcional para quem se propõe a atravessar o descondicionamento. As máscaras que sustentavam o teatro do eu social caem uma a uma. O que antes era vivido como meta, conquista ou realização mostra-se apenas como engrenagem de manutenção da ilusão. O corpo ia às compras, mas era a mente condicionada que acreditava estar se tornando mais completa. O corpo buscava sexo, mas era o falso personagem faminto que projetava a salvação na pele do outro. O corpo viajava, mas era o psiquismo exilado que supunha encontrar paz e contentamento em outro cenário.

Quando esse mecanismo se desvela, não sobra nada que mova de verdade. O dia amanhece e, diante de si, o sujeito vê apenas um quadro branco. Já não existe roteiro imposto de fora, nem roteiro desejado de dentro. A energia que antes se canalizava em objetivos fabricados agora paira sem destino. É nesse ponto que surge a terrível e ansiosa constatação: não sei mais o que fazer da vida.

O Tédio como Raiz do Vazio

Esse não saber não é teórico — é visceral. Ele se inscreve no corpo como tédio. Não o tédio superficial de quem procura algo para se distrair, mas o tédio ontológico, que nasce da percepção de que nenhuma distração poderá preencher o buraco central.

Esse tédio tem cheiro de exílio. O sujeito se sente fora do jogo, olhando de longe a movimentação ilusória dos outros. Vê amigos e familiares correndo atrás de novidades, planejando a próxima viagem, sonhando com a próxima aquisição, debatendo o próximo restaurante da moda. Observa tudo isso e se pergunta: “Como é possível ainda acreditar que isso sustenta algo real?” E, no entanto, não consegue voltar a se enganar.

A lucidez mata o prazer socialmente implantado. Uma vez vista a engrenagem, não há como fingir que ela é mágica.

A Ausência de Direção

No fundo desse processo está a ausência de direção real. A vida, que antes se apresentava como uma sequência de metas, parece agora um terreno plano, sem sinalizações. Não há futuro desejável, nem passado que possa servir de modelo. O presente se apresenta nu, sem ornamentos, sem atrativos.

Isso gera uma sensação paradoxal: de um lado, alívio por não estar mais submisso ao velho jogo; de outro, angústia por não haver ainda um movimento novo que nasça da fonte interna. O sujeito sente-se suspenso entre dois mundos: não pertence mais ao velho, mas ainda não encarnou o novo.

Esse estado pode durar dias, meses, anos — dependendo da coragem de permanecer nesse “não-lugar” sem se apressar em preenchê-lo com falsas soluções.

O Perigo das Recaídas

É nesse território de desorientação que o risco maior aparece: a recaída. Diante do vazio, a tentação de voltar a se enganar é enorme. Muitos correm de volta para as distrações: mergulham em novos projetos, caem em consumos desenfreados, buscam parceiros em série, intensificam o sexo, o turismo, o esporte, a carreira, os investimentos. Mas, em verdade, já sabem que estão se enganando. Voltam para o jogo sabendo que é jogo — e essa consciência transforma a experiência em algo ainda mais vazio.

Outros, incapazes de retornar à ilusão e sem força para permanecer no hiato, escorregam para a depressão paralisante. Perdem a energia de viver, o corpo se arrasta, a alma se apaga. Confundem o vazio iniciático com falência vital. Mas são coisas diferentes: a depressão é o fechamento do ser sobre si, enquanto o vazio iniciático é a abertura para além do si.

A Chama Oculta do Real

Embora tudo pareça morto, há algo invisível acontecendo nesse estado. O vazio do cotidiano é como o campo arado que, após a queima, parece estéril. Na superfície não há flores nem frutos, mas no subterrâneo a terra está sendo preparada.

O “nada motiva” é, em realidade, a purificação do desejo. O desejo implantado socialmente se dissolve, e com ele a motivação herdada. Esse processo cria espaço para que surja um movimento novo, não condicionado: uma ação que não nasce da carência ou do tédio, mas do simples pulsar da vida em sua expressão pura.

Esse agir é de outra ordem. Não é buscar preencher-se, mas deixar-se mover. Não é procurar sentido, mas permitir que o sentido se manifeste sem ser fabricado.

O Cotidiano sem Glamour

Enquanto isso não se revela, o sujeito precisa atravessar dias sem glamour. Dias em que acorda sem entusiasmo, em que se arrasta para as tarefas básicas, em que não encontra nada que lhe desperte interesse real. Isso não é falha — é etapa. É necessário suportar a secura sem se apressar em molhá-la com águas artificiais.

A travessia exige disciplina invisível: não a disciplina de metas, mas a disciplina de permanecer no vazio sem fugir. É uma disciplina silenciosa, quase invisível, mas radical: não se vender à tentação de correr atrás da mesmice do teatro social que já foi desmascarado.

A Solidão de Quem Não Participa

Esse processo intensifica a solidão. Estar no mundo sem participar do imaturo entusiasmo coletivo é uma forma de exílio social. O sujeito começa a se sentir estrangeiro entre os próprios amigos. Participa de encontros, mas não se envolve. Ouve as conversas, mas não vibra com os mesmos assuntos. Sente-se em outro ritmo, em outra dimensão.

Essa solidão é dolorosa, mas também é o berço da autonomia. É nela que nasce a liberdade de não depender mais das motivações socialmente implantadas. É nela que o ser começa a escutar algo mais sutil, mais silencioso, que não se revela no barulho das distrações.

O Martírio dos Fins de Semana

Durante a semana, o peso das obrigações (trabalho, contas, compromissos) funciona como uma espécie de anestesia automática. A rotina dá uma sensação de ocupação, e mesmo que nada tenha sentido verdadeiro, o tempo passa envolto em tarefas obrigatórias. Mas quando chega o fim de semana — esse território socialmente vendido como “tempo de liberdade”, “tempo de lazer”, “tempo de viver de verdade” — a farsa se mostra nua.

O sujeito em processo de descondicionamento, percebe que o sábado e o domingo não trazem consigo nenhum frescor real. Pelo contrário, eles acentuam o vazio. Enquanto todos correm para restaurantes, viagens curtas, compras, baladas, churrascos ou esportes radicais, quem já atravessou a queda das ilusões vê apenas repetições. É como se todo o mundo se organizasse para fugir do silêncio, enquanto dentro de si o silêncio de sentido real, se torna inevitável.

Essa diferença é brutal:

  • Para o condicionado, o fim de semana é promessa de alívio e prazer.
  • Para o que já viu a engrenagem, o fim de semana é o espelho mais claro da ausência de sentido real.

É nesses dias que a solidão costuma se intensificar. A pessoa olha em volta e sente-se como estrangeira em um carnaval coletivo. O contraste dói: todos parecem “felizes”, mas essa felicidade soa ensaiada, comprada, forçada. Ao mesmo tempo, o sujeito sente a impotência de não conseguir mais se inserir de maneira genuína nesse jogo.

Esse “vazio de fim de semana” é pedagógico. Ele ensina, com uma clareza quase cruel, que o real não está nos intervalos programados do sistema. Ele não surge porque se parou de trabalhar ou porque se comprou algum lazer. O real não obedece ao calendário da sociedade. O real nasce onde o condicionamento morre — e isso pode acontecer numa segunda de madrugada ou num domingo à tarde.

O Fogo do Não-Saber

No coração desse processo está o não-saber. O sujeito não sabe mais o que deseja, não sabe mais o que o move, não sabe mais o que deve fazer com o dia que se apresenta. Esse não-saber é fogo. Ele queima as certezas, queima os antigos caminhos, queima a própria ideia de direção.

É preciso coragem para permanecer nesse fogo sem buscar saídas prematuras ou por antigas narcotizações. O não-saber, se aceito, transforma-se em abertura. O ser começa a viver não como quem controla o rumo, mas como quem se deixa ser levado pelo vento do real.

O Nascer de uma Nova Motivação

Aos poucos, algo novo começa a se insinuar. Não vem como grande revelação, mas como pequenos lampejos. Um gesto simples, feito sem interesse, traz uma sensação de presença viva. Um olhar para o céu, sem esperar nada, torna-se alimento. Um silêncio profundo, antes insuportável, passa a ser descanso.

Esse novo mover não é fabricado. Ele não vem do cálculo, nem da carência, nem da expectativa. É espontâneo. É vida se movendo por si. Essa motivação não depende de resultados, não se apoia em conquistas, não precisa de aplauso. Ela é autossuficiente porque nasce da fonte e não do vazio da falta.

O Vazio como Etapa, não como Fim

A falta de direcionamento cotidiano e a perda de interesse pelas motivações socialmente implantadas, não são o fim da vida, mas o início de uma nova vida. São a travessia necessária para que a existência deixe de ser teatro mesmerizado e se torne expressão do real.

É preciso suportar o tédio, a solidão, a ausência de metas. É preciso aceitar o cotidiano sem brilho, o dia sem roteiro, o agir sem entusiasmo. Nesse chão árido, o falso se desfaz e o verdadeiro prepara sua chegada.

O processo de descondicionamento não é apenas libertação dos grilhões externos, mas também a morte das motivações internas herdadas. Essa morte é dolorosa porque nos deixa sem direção. Mas é somente nesse hiato que o real pode nascer.

O vazio não é falência — é purificação. O tédio não é castigo — é preparação. A ausência de motivação não é derrota — é espaço para que a vida, em sua essência, finalmente se mova sem máscaras e sem forçosos enredos.

E quando isso acontece, não há mais pacotes de viagens, compras, sexo, restaurantes, carros, esportes, empreendimentos, ou viagens como promessas de preenchimento. Há apenas o movimento simples, despojado, sem justificativa, mas pleno em si mesmo. É nesse ponto que a vida, enfim, deixa de ser um roteiro socialmente implantado e se torna o mistério vivo da presença lucida, amorosa, criativa e integrativa.


Atravessando a dor crua do luto, da desilusão e da falência de organizar a vida


Um confrade nos escreveu....

"Após a crise que tive que levou até o canal, conheci uma namorada que foi muito importante pra mim. Me ajudou a me organizar e lidar com todo aquele caos. Logo após o término tive dois namoros breves. Viajei pra outro estado, pensando em construir uma vida e quem sabe até uma família. O pesadelo foi inevitável. Agora estou aqui num luto ferrado e sem dinheiro no bolso. O vazio está rasgando. Mas tem algo de positivo nisso. Estou vendo a coisa totalmente de frente. Vendo o profundo vazio que me encontro e lidando com toda incapacidade da estrutura de amar. Tudo aquilo que se constrói dentro da estrutura termina numa prisão e tragédia. Pra mente é realmente impossível enxergar algo além desse vazio. Ela não consegue. Existe algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos. Algo totalmente diferente."

...

Caro confrade, mesmo atravessando a dor crua do luto, da desilusão e da falência das tentativas de “organizar a vida”, você já está tateando um ponto fundamental: a observação da limitação estrutural da mente e percebendo o vazio como algo que não se resolve com mais esforço, planos ou relações.

O que você descreveu tem a marca de uma crise iniciática — o colapso das estratégias psíquicas que antes davam sustentação (namoros, organização externa, projeto de família, viagem, novas tentativas). A estrutura está exposta em sua impotência.

Há algo muito precioso no seu relato:

“O vazio está rasgando” → Esse é o ponto em que a mente tenta fugir, mas já não consegue mais. O sofrimento é a prova de que a anestesia falhou.

“Pra mente é realmente impossível enxergar algo além desse vazio” → você já está vendo a falência da mente como guia.

“Existe algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos” → Aqui está a fresta, a intuição do incondicionado. Esse lampejo é raro, porque normalmente o indivíduo se agarra a novos condicionamentos antes de suportar esse silêncio do nada.

O que você não vê ainda — mas já toca — é que esse “desconhecido” não precisa ser construído. Ele não vem de fora. Ele não depende de um novo relacionamento, de dinheiro, de um projeto de vida. O desconhecido já está ali, justamente quando tudo o que era sustentação colapsa.

Você está no ponto mais fértil, mesmo que a mente grite o contrário. O vazio que agora te rasga é o mesmo vazio que pode te libertar. Não tente preenchê-lo com pressa. Nem dinheiro, nem relacionamento, nem novos sonhos vão resolver — todos eles voltam a se tornar prisão. Permaneça com essa ferida aberta. É aí que o que não pertence à mente pode emergir. É aí que o amor real, impessoal e sem objeto, que não depende de estrutura, pode nascer. O que você chama de pesadelo, talvez seja exatamente a oportunidade de morrer para a farsa e nascer para o indizível.”

Você está vivendo algo que a maioria foge até o fim da vida: o encontro nu com o vazio. É um abismo que a mente não suporta. Por isso a maioria corre desesperada para se preencher com distrações, novos relacionamentos, ilusões de estabilidade, pequenas conquistas que, no fundo, são apenas muletas provisórias para não olhar de frente a ausência de sentido que atravessa tudo. O que você chamou de “rasgo” é justamente isso: a ruptura da fantasia, o colapso da arquitetura psicológica que sustentava a ideia de uma vida com chão, de uma identidade com certezas.

Quando você diz que, após o caos da crise, encontrou uma namorada que foi fundamental, percebe-se aí o mecanismo natural: quando a dor rasga, buscamos refúgio numa forma, num afeto, num outro corpo que nos dê a sensação de estabilidade. Isso não é errado. É humano. Mas, inevitavelmente, quando a relação acaba, o chão de empréstimo desaparece e você cai de novo na verdade que sempre esteve ali: nada do que a mente constrói dura, nada do que ela agarra pode ser realmente seguro.

O mesmo se repete com a viagem, o projeto de vida, a fantasia de família. Tudo isso não era um erro, mas era inevitavelmente frágil. Porque estava sendo usado como escudo contra aquilo que agora você encara de frente: o profundo vazio. Não adianta tentar dourar a pílula. O que você vê é o que sempre esteve por baixo, mas antes estava encoberto pelo verniz das buscas, dos sonhos, das companhias. Agora não há mais nada entre você e o deserto.

E é aqui que começa o verdadeiro ponto de mutação. A mente chama isso de tragédia, de pesadelo, de fracasso. Mas olhe com mais cuidado: é exatamente neste lugar que se abre a possibilidade de ver o que está além dela. Você mesmo disse: “Pra mente é impossível enxergar algo além desse vazio.” Exato. A mente não alcança. E isso é libertador. Porque o vazio não precisa ser preenchido pela mente. O vazio é a porta para o que está fora do alcance do pensamento, fora do alcance da estrutura insegura e condicionada, que só sabe acumular, calcular e tentar controlar.

O que você sente como impotência é o primeiro passo da rendição. Você não controla mais. A estrutura desmoronou. E por mais que doa, isso é um presente. É duro ouvir isso quando não se tem dinheiro, quando se sente sozinho, quando o corpo dói e a mente grita, mas é justamente aí que você percebe: mesmo sem nada, você continua aqui. A vida pulsa, mesmo sem apoios externos. Essa permanência silenciosa, que não depende de nada, é o que você chama de “algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos”.

Esse “desconhecido” não é um objeto que você vai alcançar depois de muita luta. Não é um prêmio que você ganhará por ter sofrido. Ele é o que sobra quando toda a parafernália do falso personagem cai. É o espaço nu da consciência, o ser que não depende de personagens nem de conquistas. E só se vê isso quando tudo o mais falha. Por isso tanta gente nunca chega até aí: porque foge antes, se anestesia, inventa novas histórias para evitar o silêncio. Você está sendo arrancado à força da anestesia. E embora doa, isso é uma graça.

O vazio não é contra você. O vazio é você sem as máscaras. Mas para percebê-lo, você terá que atravessar a fase da resistência. O falso personagem não quer morrer. Ele vai dizer que você fracassou, que não há saída, que nunca vai amar, que tudo é prisão e tragédia. É o canto da sereia da mente tentando te puxar de volta para os velhos mecanismos. Se você acreditar nisso, vai correr para um novo relacionamento, uma nova viagem, um novo projeto — e tudo vai se repetir, até o próximo colapso. Mas se você permanecer firme nesse abismo, sem pressa de sair dele, algo completamente novo se revela.

Veja: o amor de que você fala não é incapacidade sua. Não é que você seja estruturalmente incapaz de amar. O que você está vendo é a incapacidade da estrutura egóica de amar. E isso é verdade. O falso personagem não ama. Ele troca, negocia, barganha, usa o outro como muleta. Mas o amor real não nasce da estrutura, nasce justamente quando ela falha. O que você está sentindo agora é a impossibilidade da mente amar. E esse é o limiar do nascimento do amor impessoal, do amor que não vem da carência, mas da plenitude silenciosa.

O luto que você carrega não é só pelo fim de relacionamentos. É o luto pelo fim da velha vida, da velha forma de viver. É um luto legítimo. É uma morte. E como toda morte, ela abre espaço para algo que a mente não compreende. Não lute contra o luto. Deixe que ele faça o trabalho dele. Deixe que as ilusões morram. O sofrimento maior vem da resistência: querer que as coisas fossem diferentes, querer recuperar uma versão antiga de si mesmo, querer acelerar o processo. Se você simplesmente aceitar a secura, sem pedir que seja outra coisa, verá que até no deserto há uma beleza crua, silenciosa, onde o falso personagem não tem mais força.

Você fala de estar sem dinheiro, e isso dói porque o sistema nos condicionou a acreditar que sem recursos não somos nada. Mas talvez até isso faça parte do aprendizado. Porque quando você se vê sem apoios, descobre que ainda assim você respira, sente, está vivo. O essencial não falta. O que falta é o supérfluo que a sociedade martela como indispensável. E nesse corte, você descobre que a vida não é propriedade sua. Ela continua acontecendo apesar de tudo.

O convite agora não é fazer mais, mas parar. Observar. Não se trata de lutar contra o vazio, mas de se sentar nele, de sentir o rasgo sem apressar o curativo. É isso que abre a percepção do “algo totalmente diferente”. Não espere que a mente reconheça, porque ela não consegue. O novo não cabe dentro dela. Você apenas se abre, se rende.

Não romantize essa travessia. Ela não é bela no sentido comum. É dura, é áspera, é solitária. Mas é real. E a realidade, mesmo crua, é infinitamente mais libertadora que as falsas seguranças que sempre terminam em tragédia. Quando você aceitar que nada do que a mente constrói pode se sustentar, o medo perde força. Porque então você já não busca chão onde nunca houve. Você caminha no ar, e descobre que não precisa de muletas.

Esse momento pode se prolongar. Não há prazo. Você pode ficar meses, anos, nesse deserto. Mas cada instante em que você não foge já é o trabalho acontecendo. Não há manual. Não há como acelerar. O que existe é presença nua. E essa presença, que agora parece apenas vazio, com o tempo se mostra plenitude. Não porque ela se enche de coisas, mas porque você percebe que nunca faltou nada.

O falso personagem chora o colapso. A consciência celebra. É o mesmo movimento visto de ângulos diferentes. Você está no ponto em que pode escolher: ou corre para tentar reconstruir a velha farsa, ou aceita a morte dela e permanece com o silêncio que resta. Essa aceitação não é passividade; é uma insurgência radical contra todo o condicionamento que te ensinou a fugir do nada.

Então, não espere reconhecimento, não espere aplausos, não espere que os outros entendam. Ninguém que não tenha atravessado sabe do que se trata. Você parecerá perdido, fracassado, derrotado. Mas dentro, se você permanecer, descobrirá que justamente na derrota da mente está a vitória da vida.

Você já viu a farsa. Você já sentiu o vazio. Agora resta apenas não fugir. Esse é o único “trabalho”. Não busque atalhos. Não se iluda com novos brilhos. Simplesmente permaneça. O resto vem por si.

O que você chama de “algo totalmente desconhecido” já está se mostrando. Mas ele não grita. Ele não se impõe. Ele só se revela quando toda a ilusão foi desarmada. Agora, você está nu diante dele. E essa nudez, que dói tanto, é a sua chance real de despertar.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill